quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Valor dos livros para colorir é um só: Ctrl + P


Na era do e-Book, é risível que, entre os livros mais vendidos no mercado literário - que deveria se voltar para textos - , estejam pelo menos três livros para colorir. Embora haja a promessa de um "entretenimento sem estresse", ele desvia o foco e escapa do propósito de estimular a leitura de livros, ainda tão deficitária e precária.

Em um contexto em que o tradicional jornal diário, o carioca Jornal do Brasil, há muito deixou de ter sua versão impressa, por que se tem que gastar cerca de R$ 30 por livros para colorir? Se para lermos uma notícia do dia, como nas antigas, temos que apelar para a impressora de computador, por que isso não é feito no caso de livros para colorir?

Em primeiro lugar, as páginas com desenhos em preto e branco são menos custosas de serem impressas nas multifuncionais. Gastam menos tinta e a carga de um cartucho de tinta preto e branco dá para imprimir um livro inteiro. Geralmente, só a capa é a cores, o que obriga uma impressão a cores de apenas duas páginas, o que é possível tendo um único cartucho a cores.

Se os livros impressos, cujo papel tem seu custo, já são gastos com material de péssima qualidade - é só perceber os "fogos-de-palha" literários que se acumulam nos sebos, com suas páginas já não mais amareladas, mas marrons de tão envelhecidas - , por que perder tempo lançando livros para colorir se suas páginas e capas podem ser tranquilamente baixados em impressora, através do computador?

É um aspecto surreal. O modismo de livros para colorir, posterior ao emergente modismo de biografias de cachorros com nomes ou sobrenomes de músicos estrangeiros - puxado por Marley e que chegou ao "John & George" que, em vez de se referir aos dois ex-Beatles, contava a história de um cidadão John com seu cãozinho George - , sinaliza a tendência da literatura água-com-açúcar de nossos dias.

Alguns dos best sellers literários, como O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, aviador francês que morreu durante a Segunda Guerra Mundial, e Kairós, do padre católico Marcelo Rossi, ganharam adaptações em livros para colorir. Isso é mau, porque uma lista de dez ou vinte mais vendidos acaba tendo metade ou um quarto monopolizada por esses livros.

A cultura brasileira já está degradada e o mercado literário tornou-se ao mesmo tempo rígido e estúpido, limitando-se a aceitar literatura água com açúcar ou estabelecendo um pacto com a visibilidade.

Vai uma subcelebridade e contrata um ghost writer para escrever um livro mas põe o crédito todo no "famoso" em questão e a editora aceita, publica e ele aparece entre os mais vendidos. Vai um anônimo estreando com um livro de honesta e abrangente transmissão de conhecimento e nem as editoras mais modestas se interessam em publicar.

No "espiritismo", observamos como seria se Nosso Lar ganhasse versão para colorir. E isso quando a doutrina brasileira só usa o artifício dos textos para deturpar o conhecimento, trazendo mistificação religiosa fantasiada de ciência, por meio de uma retórica confusa, contraditória mas altamente persuasiva.

Mas no Brasil vale tudo, quando o compromisso é sempre nivelar as coisas por baixo. Neste sentido, até a burocracia acadêmica ajuda: boa parte dos programas de pós-graduação são divagações semiológicas de inócuos e rotineiros hábitos cotidianos ou de fenômenos da moda, quase sempre descritivos e apologistas.

Só que a realidade mostra que os livros para colorir, o modismo literário do momento, nem deveriam ser levados a sério pelo mercado editorial, que perde tempo com eles. Até porque, se observarmos bem o contexto tecnológico atual, o único valor que um livro para colorir tem se reduz a uma fórmula conhecida na Informática: Ctrl + P, que quer dizer control and print (controle e impressão).

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