sábado, 24 de outubro de 2015
Câmara dos Deputados quer dificultar o já complicado acesso à pós-graduação
O funil dos cursos de pós-graduação se apertará cada vez mais. Foi aprovada, na Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda Constitucional que permite as universidades públicas de cobrar mensalidades para o ensino de pós-graduação, eliminando cada vez mais a democratização do acesso a cursos de Mestrado e Doutorado, entre outros.
A medida ainda depende de votação no Senado Federal para ser definitivamente aprovada. Embora seja apoiada por partidos governistas, parte da oposição também apoia a proposta. Boa parte de seus defensores integra a chamada "bancada BBB": "bala, boi e Bíblia" (armamentistas, ruralistas e evangélicos, respectivamente).
Segundo seus defensores, a medida "favorecerá" os investimentos em cursos de qualidade, tecnologia e laboratórios de pesquisa. A mesma segue uma visão tecnocrática de ensino superior, voltada apenas à formação técnica e profissional. A visão mercantilista é bastante clara.
"São cursos profissionalizantes, feitos por demanda que vem da empresa, de órgãos públicos, para a capacitação daquele trabalhador. Não é justo que a universidade, que já tem os seus cursos diminuídos, tenha de custear também cursos profissionalizantes", disse o deputado Cleber Verde (PRB-MA), relator da proposta, a partir de um projeto de Alex Canzani (PTB-PR).
Partidos que se opuseram à proposta e votaram contra, como PSOL, PC do B e REDE, enquanto o PT tornou facultativa a votação (seus deputados poderiam votar a favor), acusaram a proposta de abrir caminho para a privatização do ensino superior. Curiosamente, ela desenterra o fantasma trazido há 50 anos atrás, no período da ditadura militar.
O ministro da Educação do governo do general Castelo Branco, Flávio Suplicy de Lacerda, foi do mesmo Paraná de Alex Canzani, autor da proposta. Lacerda, em 1965, já anunciava a intenção em privatizar as universidades públicas e reduzir o ensino superior a um processo tecnocrático de formação profissional, eliminando dele sua vocação humanista.
Flávio foi reitor da Universidade Federal do Paraná, e sob sua gestão tecnocratas como Jaime Lerner, de perfil conservador e defensor do regime militar, se formaram. Lerner se filiou à ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e, como prefeito "biônico" (nomeado pelos militares) de Curitiba, estabeleceu um paradigma de transporte coletivo que nada tem de coletivo.
Redução de frotas de ônibus nas ruas, pintura padronizada para ninguém poder reconhecer a empresa prestadora de serviço e motoristas que cobram passagens e se dividem entre a direção e o troco, o "projeto Lerner" já deu a razão de ser da mentalidade tecnocrática que já prevalece nas universidades, em que o termo "interesse público" não passa de uma conversa para boi dormir.
Ironicamente, graças a Lerner e seu projeto decadente, que precisava "renascer" como pretensa novidade usando o Rio de Janeiro como vitrine - é o Rio do PMDB carioca que governa de forma autista em seus gabinetes e "exportou" Eduardo Cunha para a Câmara dos Deputados - , que outros universitários sofrem constantes atrasos no seu deslocamento através de ônibus.
Pois foi o projeto de privatização das universidades públicas que o "amado mestre" e ídolo de Jaime Lerner lançou, quando o Ministério da Educação e Cultura castelista fez uma parceria com a USAID, agência de desenvolvimento ligada ao governo dos EUA, que despertou a revolta estudantil que marcou história no Brasil entre 1966 e 1968.
TECNOCRACIA SEM INTERESSE PÚBLICO
O ensino de pós-graduação já possui os vícios tecnocráticos trazidos ainda do período do general Ernesto Geisel, dentro de um padrão "mais democrático" do que antes, mas mesmo assim bastante restritivo, em que o questionamento é desestimulado diante de uma suposta objetividade que está mais para complacência do que para contestação do "estabelecido".
Diferente das teses no exterior, o padrão das monografias brasileiras segue um caminho maçante de pesquisas que se perdem tentando "explicar" suas problemáticas "nada problemáticas", sendo mais um discurso rebuscado em que desfilam descrições de fontes alheias e investe em retóricas abstratas tipo "imaginário disso", "prolegômenos daquilo" e outros jargões intelectualoides.
Mestrado e Doutorado, no Brasil, já são setores bastante restritivos e anti-democráticos e, sendo ambientes estratégicos de promoção de visibilidade, já que muitos desses "pensadores" são formadores de opinião pública e influem em muitas diretrizes trazidas pela mídia e pelo poder público.
É só perceber o quanto as bancas acadêmicas e os diretores desses cursos fazem para banir mentes questionadoras dos cursos de Mestrado, um dos primeiros caminhos da evolução educacional da pós-graduação. Do contrário que acontece lá fora, os cursos de pós-graduação brasileiros dão preferência a projetos inócuos que não ameacem valores estabelecidos, sobretudo pela mídia e pelo mercado.
Os principais motivos dessa restrição - apoiada a uma norma de "objetividade de pesquisa" que equivocadamente vê o questionamento como "rebeldia juvenil" e, por isso, precisa ser "neutro" e "imparcial" nas teses em produção - variam das vaidades pessoais de professores de pós-graduação ao melindre com que se aplicam as bolsas de pesquisas públicas e até privadas.
Na cultura popular, é ilustrativo que haja intelectuais com diploma de Mestrado e Doutorado que se mostram complacentes com a degradação do setor, através de formas de expressão caricatas financiadas pelo latifúndio e pelo coronelismo midiático.
Ver que acadêmicos aceitam e até fazem monografias rebuscadas e prolixas "filosofando" sobre fenômenos da imbecilização cultural trazidos sobretudo pelas Organizações Globo e dar um tempero pseudo-libertário para cantores, duplas e conjuntos patrocinados por latifundiários envolvidos nas mortes de agricultores e ativistas sociais, é coisa muito, muito estranha.
E aí temos a mesma verborragia: "Analisamos o fenômeno conforme os desdobramentos disso e daquilo, fulano disse isso, mas sicrano disse aquilo, observa-se pessoas aderindo aqui e ali, houve polêmica aqui e acolá, mas concluímos que o fenômeno é pertinente na produção de sentidos e significados no imaginário coletivo e no contexto da realidade complexa em que vivemos".
Dá para perceber que figuras do nível de Noam Chomsky, Umberto Eco, Eric Hobsbawm e Christopher Hitchens não teriam equivalente brasileiro. Eles seriam barrados nas primeiras seleções do Mestrado, praticamente "no começo da festa". Eles se limitam a realizar atividades menores, como blogues, marginalizados pelo "mercado acadêmico da visibilidade".
Por outro lado, o que temos são intelectuais complacentes, que fingem estudar o problema para depois legitimá-lo como "produção válida de sentidos" dentro de desculpas bem organizadas, sobretudo levando como tese a aceitação de grandes parcelas da sociedade. Parece mais uma obra de ficção: o "mocinho" (o tema estudado) vive sua vida, enfrenta inimigos e ganha um final feliz.
A prioridade é sempre o trabalho meramente descritivo, já que a norma da pós-graduação brasileira é "não mexer nos problemas". Apenas eles são apreciados, cria-se um discurso "científico" e uma abordagem "objetiva" e tudo fica como está. As monografias só servem como enfeites, um mero desfile de discursos rebuscados e maçantes de teses absurdas que não podem ser questionadas.
Daí que o mercado "pira" quando antropólogos, historiadores e sociólogos dotados de muita visibilidade definem como "novo folclore" os "sucessos populares" das rádios FM "populares" (mas controladas por grupos oligárquicos em maioria regionais), enrolando as bancas acadêmicas com divagações "etnográficas" até para a "dança da boquinha da garrafa" e a "melô do créu".
E O "ESPIRITISMO" BRASILEIRO?
Para completar a tragicomédia da pós-graduação, temos o caso do "espiritismo". Há um núcleo na Universidade Federal de Juiz de Fora, chamado Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade de Saúde (NUPES), mas também há setores "espíritas" na Universidade de São Paulo, entre outras instituições.
O NUPES da UFJF é conhecido pejorativamente como "centro espírita" da instituição mineira. Uma amostra de como é a mentalidade tecnocrática, que domina os meios da pós-graduação, não se compromete com a produção de conhecimento são as pesquisas relacionadas à suposta mediunidade de Francisco Cândido Xavier.
Combinando desnecessárias análises de discurso, como avaliar quantas vezes determinadas palavras-chave foram mencionadas nas "cartas" trazidas por Chico Xavier, ou complicadas metodologias de averiguação das mensagens descritas, a equipe do dr. Alexander Moreira-Almeida, usando de um arremedo de questionamentos, legitima de forma precária a suposta mediunidade do mineiro.
Uma simples comparação poderia muito bem demolir a suposta mediunidade: as mensagens padronizadas e a caligrafia restrita ao "médium". Não há um indício real da personalidade do falecido e mesmo informações complexas podem ter sido colhidas pela equipe de colaboradores a serviço de Chico Xavier.
Um grande levantamento de dados é feito a partir de processos diversos, desde uma simples conversa de fim de doutrinária, quando as famílias dos mortos vão para os palestrantes nem que seja só para elogiar suas palestras e aí, "sem querer", lhes transmitem dados pessoais extras, até pesquisas em bibliotecas.
A "leitura fria" aparece como um processo dos "auxílios fraternos" em que os entrevistadores adotam uma linguagem intimista e fraternal, para envolver emocionalmente o entrevistado e fazê-lo dar informações mais sutis e entranhadas de seus entes falecidos, além de trazer, através de gestos e modos de linguagem, indícios que os "espíritas" depois irão inferir em dados novos subliminares.
As teses de pós-graduação julgam que a "leitura fria" é um processo "menor" e pouco provável, acreditando que basta "ler os textos" das cartas "psicografadas" e confrontar com os depoimentos dos familiares para que se aponte "veracidade" para essas missivas.
É um recurso muito simplório e sem eficiência. Afinal, as relações familiares nem sempre são iguais ou integradas entre si. Mães e pais podem desconhecer certos aspectos da vida do filho. Ou o filho pode, com toda a afeição e respeito que tem para um pai, não entender a natureza sócio-cultural de seu adorado genitor.
No caso da Legião Urbana, por exemplo, é até legítima a afeição que o jovem Giuliano Manfredini tem de seu pai, Renato Russo. Essa afeição é sincera e indiscutivelmente profunda. No entanto, Giuliano não conviveu artisticamente com o pai, que morreu quando o filho ainda era criança, e isso influenciou na sua incompreensão quanto aos referenciais artísticos da Legião Urbana.
Giuliano vivenciou o cenário do rock brasileiro dos anos 90, de qualidade bastante inferior e de referenciais culturais mais precários e superficiais em relação aos do tempo de seu pai. A geração de Renato Russo garimpava raridades alternativas. A de Giuliano se contentava com o rock que fazia sucesso nas rádios brasileiras comerciais (mesmo aquelas que se apoiavam pelo rótulo de "rádios rock"), frequentemente medíocre e previsível.
Daí que, na batalha jurídica da Legião Urbana, a causa, felizmente ganha, corresponde a dos músicos que vivenciaram toda a trajetória com Renato Russo (e, em parte, com o também já falecido Renato Rocha, apelidado Negrete ou Billy), o guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá. Neste sentido, o lado familiar não correspondeu ao entendimento aprofundado de certos aspectos da vida do ente falecido.
Daí que pode ser que a informação que uma mãe não saiba de um ente falecido pode ser de conhecimento do pai. Ou então ela é observada por um tio ou avó, ou então por um amigo. Aspectos desse porte não foram considerados no caso Jair Presente, jovem que morreu afogado no interior paulista, em 1974, criando um incidente que os "espíritas" tentaram abafar.
Chico Xavier lançou uma "primeira carta" atribuída a Jair com aquele mesmo tom igrejista, um mês após a morte do jovem. A mensagem parecia serena demais para um rapaz de vida agitada que parecia perturbado e mostrava as marcas pessoais do "médium", irregularidade muito conhecida nessa atividade que, no Brasil, é feita muito aquém das recomendações de Allan Kardec.
Os amigos que conviveram com Jair Presente perceberam muito bem a primeira carta quanto as cartas posteriores, que num extremo oposto mostravam um "Jair Presente" tresloucado, caricatural e forçadamente cheio de gírias, que indicavam um jovem perturbado demais, além do admissível para aquelas circunstâncias.
Até parecia que o "Jair Presente" da segunda e demais cartas tinha "cheirado pó" e "tomado ácido". Isso numa leitura apressada. Mas, percebendo bem, até o desfile de gírias era forçado demais mesmo para os padrões da juventude hippie, que influía nos paradigmas coloquiais da época. E o "Jair" tranquilo demais na primeira carta parecia um doido paranoico nas cartas posteriores.
Daí que os amigos de Jair reclamaram das cartas e a nenhuma delas atribuiu veracidade. Um dado curioso, mas que chocaria os "espíritas", é que Chico Xavier, normalmente conhecido como "a mansuetude personificada", ficou profundamente irritado com a reação dos amigos de Jair Presente.
São dados que a realidade acadêmica castradora não analisam ou, se dão alguma consideração, os minimizam e subestimam como coisas sem importância. E, como é de praxe nas correntes dominantes da pós-graduação, o trabalho dos "acadêmicos espíritas" segue o mesmo roteiro de fingir que questiona alguma coisa para depois reafirmá-la.
Com o fim da gratuidade nos cursos de pós-graduação, o que já está extremamente ruim, que é a castração ao pensamento questionador, se tornará ainda pior, já que, com as mensalidades, os cursos só serão acessíveis a pessoas com alto poder aquisitivo, mas raramente comprometidas com a produção honesta de conhecimento. O que já é pior pode se tornar ainda mais desastroso.
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