quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Superinteressante cometeu falhas ao analisar "cartas psicografadas" de Chico Xavier


Dias atrás, o blogue Obras Psicografadas, de Vítor Moura, publicou, a título de debate, uma reportagem de Superinteressante - revista da Editora Abril - , que publicou três supostas cartas "inacreditáveis" que o anti-médium Francisco Cândido Xavier "psicografou".

A ideia do texto, de Sílvia Lisboa, é dar a impressão de que Chico Xavier "não tinha acesso" às informações contidas nas cartas, recurso feito até mesmo por "acadêmicos" como Alexander Moreira-Almeida e companhia.

Três supostas psicografias são mencionadas: uma foi atribuída ao espírito do menino Rangel, vulgo Tetéo e outra atribuída a Arthur Joviano, professor que havia falecido em 1934 e cujo filho, Rômulo Joviano, era servidor e chefe de Chico Xavier no posto do Ministério da Agricultura em Pedro Leopoldo. A terceira foi atribuída ao jovem William Figueiredo, morto por doença enquanto servia o Exército.

Na reportagem, Sílvia alega que dados simplórios como o apelido de Rangel ter sido Tetéo e o irmão de William, Wilson, era apegado à boemia, eram "desconhecidos" do anti-médium, assim como detalhes familiares do seu próprio patrão, Rômulo Joviano, no Ministério da Agricultura.

No entanto, esses dados podem ter sido colhidos pela chamada "leitura fria", mesmo que esta tenha sido feita por outros funcionários do "centro espírita" onde Chico Xavier trabalhava. A leitura fria é um recurso de linguagem em que o entrevistador tenta envolver emocionalmente o entrevistado para que ele lhe oferecesse informações mais sutis sobre algo ou alguém.

Talvez o fato de haver colaboradores de Chico Xavier atuando nas entrevistas possa criar o mito de que o anti-médium "não sabia" de informações trazidas por supostas psicografias. Além da atuação de terceiros nas entrevistas ser feita pelo motivo natural de que Chico não teria tempo para ele próprio entrevistar todos, um por um, era uma forma de livrá-lo da responsabilidade da "leitura fria" em muitas entrevistas, dando um aparato de espontaneidade às supostas psicografias.


Acima, a suposta carta do menino Rangel Diniz, trazida pelo Centro "Espírita" da Prece, em Uberaba. Nota-se que, embora a mensagem forje uma linguagem infantil, já que Rangel faleceu aos três anos, em 1983, num acidente de bicicleta, a caligrafia é toda do estilo de Chico Xavier, o que em si põe em xeque a veracidade da mesma. A suposta carta foi publicada em 1984. A título de comparação, reproduzimos a assinatura do anti-médium.


Mensagem atribuída ao professor Arthur Joviano, pai de Rômulo Joviano, patrão de Chico Xavier. A caligrafia, mesmo em letra cursiva ou itálica, segue o mesmo estilo do anti-médium, o que nos fez editar a caligrafia de Chico Xavier para uma forma itálica (usamos o recurso "Distort" do programa de edição de imagens PhotoFiltre 7), o que dá sentido a esta constatação.

Note-se que introdução da mensagem segue o mesmo estilo truncado de outra mensagem supostamente psicográfica, atribuída a outro espírito, Wilsom de Oliveira, que também apresentou dúvidas quanto à alegada veracidade.


Do contrário que alega Sílvia Lisboa, a assinatura do suposto Arthur Joviano não confere com a original. A forma como é escrita a letra "J" é bem diversa, embora a assinatura "psicográfica" tente desenhar a letra de forma mais sofisticada que a original. O “A” de Arthur tenta imitar a grafia original, mas observando com maior atenção, não passa de imitação. E a curvatura do final da assinatura é bem diferente.

Quanto aos dados familiares ligados a Rômulo Joviano e seu pai, essas informações podem ter sido colhidas provavelmente por meio de conversas informais de Chico Xavier com seu patrão, como é de praxe no cotidiano de trabalho. Nem precisa de "leitura fria", porque tais conversas ocorrem várias vezes, por acaso, é praticamente certo que Chico Xavier tenha sido bom funcionário e amigo de seu chefe.

Consta-se que as supostas cartas de Arthur Joviano estão entre as "psicografias" mais antigas de Chico Xavier atribuídas a pessoas não-famosas, e os fragmentos reproduzidos correspondem à data de 13 de janeiro de 1941.



Já estes dois fragmentos correspondem ao adolescente William Figueiredo, que serviu o Exército já com 17 anos, e que, num acidente, feriu o calo de um dos pés num corte, causando uma grave infecção que o matou pouco depois, por gangrena, em setembro de 1941.

A primeira mensagem divulgada, que corresponde ao fragmento, é de outubro daquele mesmo ano. Algo que costuma ser estranho, porque, conforme a Ciência Espírita trazida pelos estudos de Allan Kardec, um espírito, nesse prazo, ainda tem muita dificuldade para se manifestar, e o suposto William já enviava uma carta "serena" como se fosse alguém que estava apenas longe de casa:

"Querida mamãe, peço ao seu bom coração me abençoe e, por minha vez, rogo a Deus que nos ajude a vencer suas lutas de sempre. Sua alma sensível continua atravessando o perigoso mar das provas e prossigo ao seu lado, somando, quando lhe faltam, forças no leme para a condução do barco, sei como lhe dói a tempestade dos últimos dias. Para o espírito materno, as nuvens do horizonte dos filhos são sempre mais pesadas e mais tristes. Multiplicam-se as dores, os receios, as aflições". 

Outro equívoco é a presunção da jornalista de que Chico Xavier "se saiu bem" nas supostas psicografias e que "não teria como saber" dos dados transmitidos. Ela não apresentou um embasamento sério quanto a isso e ainda errou na comparação de duas assinaturas que só têm em comum o fato de apresentarem uma caligrafia bonita.

A reportagem acabou apresentando um tom sensacionalista e nada disse quanto à veracidade das supostas mensagens. Mas aqui observamos os aspectos que foram acima citados e damos uma constatação segura que desagrada severamente os chiquistas.

Asseguramos, portanto, que as três cartas foram tão somente escritas por Chico Xavier, vindas de sua própria mente e as informações teriam sido trazidas por diversos colaboradores de seu trabalho, assim como de conversas que Chico teve com seu patrão no funcionalismo público de Pedro Leopoldo.

E isso foi fruto apenas de uma simples observação e pesquisa, com o máximo de objetividade e com os mesmos critérios usados por Allan Kardec quando recebeu de outros médiuns supostas mensagens espirituais. Analisamos e simplesmente vimos que essas três "psicografias" nada tiveram de psicográficas.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Quando se é forçado a ser feliz num país complicado


Nas mídias sociais, as pessoas publicam, felizes, suas fotos com os amigos, sobretudo com os chamados selfies, no Facebook, e dão curtidas para vídeos que sejam engraçados e hilários, ainda que tivessem alguma crítica social. No entanto, não estão muito inclinados a contestar e a agir contra as irregularidades e problemas graves que existem na sociedade.

Nas ruas, jovens parecem felizes da vida contando piadas e falando de situações engraçadas, como se a vida fosse descompromissada e a crise não estivesse sequer à volta deles. Nos bares, adultos comentam sobre os gravíssimos problemas do cotidiano e os retrocessos que ocorrem no país como se fossem uma piada para ficarem rindo com sarcástica ironia.

Nas rádios, a chamada "música popular" é geralmente tola e malfeita. Na literatura, prevalecem os livros de blogueiros de moda e humor, para não dizer biografias de cachorros com nome de roqueiros e livros para colorir num mercado em que se exige mais hábitos de leitura, e não "pintura para aliviar o estresse".

No cinema, cada vez mais se multiplicam comédias debiloides que imitam a fórmula dos EUA. E, dos EUA também, vêm as franquias de seriados infantis que se tornam peças teatrais que cada vez mais dominantes no mercado teatral, juntamente com comédias adultas que fazem o cenário da dramaturgia dos palcos retroceder, só que de forma piorada, aos tempos do eurocêntrico Teatro Brasileiro de Comédia, quando temáticas brasileiras eram desprezadas pelo setor.

O cenário sócio-cultural brasileiro está muito pior do que o de 1965. Nesse ano, quando a ditadura militar decidiu que não era mais um governo provisório feito apenas para completar o período de mandato de João Goulart, expulso do poder no ano anterior, e se firmava por tempo indeterminado, frustrando para sempre os desejos de Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda disputarem a Presidência da República, o povo brasileiro tinha maior consciência crítica e mobilizadora.

Nos círculos sociais, como bares, salas de universidades ou mesmo nos bancos em calçadões nas praias, as pessoas questionavam sobre o que os generais realmente queriam naquele país de 50 anos atrás. Se, na imprensa, até as marchinhas - cujo autor em ascensão é o hoje conhecido João Roberto Kelly - eram discutidas por especialistas sobre seu nível de alienação cultural.

Era uma época, no entanto, que a ditadura, não bastasse ter declarado que "veio pra ficar", desfazendo a promessa do general Castelo Branco que "só cumpriria" o restante do mandato de Jango, começava a pôr em prática a "doutrina de segurança nacional", ideologia de censura e repressão que o general Golbery do Couto e Silva já ensinava na Escola Superior de Guerra, nos anos 1950.

Golbery era um dos artífices do golpe militar e a censura e repressão já aconteciam desde os primeiros meses de 1964 - a revista O Pif-Paf, de Millôr Fernandes, foi fechada por ordem dos generais, já naquele ano - , mas ela se intensificou depois que foi decretado o quinto Ato Institucional, no final de 1968.

Se naqueles tempos o pessoal discutia e, em 1966, com os estudantes reagindo com intensos protestos contra a decisão do ministro da Educação, Flávio Suplicy de Lacerda, em criar uma entidade estudantil subordinada à ditadura militar e substituta da UNE, e impor uma reforma educacional que transformou as faculdades em meras "oficinas profissionais" e já tinha um plano de privatizar as universidades públicas, por que hoje as pessoas andam tão passivas?

Ninguém pode contestar amplamente os problemas da sociedade. Ele ganha fama de "chato", "arredio", "pessimista", e chega mesmo a perder amigos por isso. E olha que o Brasil passou por sucessivos retrocessos nos últimos anos, sob desculpas de cunho moralista ou econômico, para não dizer, durante a ditadura, dos princípios de "segurança nacional".

As pessoas se acostumaram a cada retrocesso, que ia aos poucos acontecendo no Brasil de 1964 até hoje, que o máximo que as pessoas veem na Internet são vídeocassetadas em que muitos riem felizes ao ver uma sogra de algum anônimo, obesa escorregar na hora de ir para a piscina. Isso quando as pessoas não se decidem a "ler" livros para colorir ou levar seus filhos a ver peças teatrais com as franquias da Disney.

Para piorar, mesmo os espaços culturais alternativos já se comprazem de seu isolamento social. Se em 1965 ainda se podia apostar na MPB pós-Bossa Nova e de protesto de Edu Lobo, Chico Buarque e Sérgio Ricardo na hoje conhecida TV aberta, os espaços de MPB autêntica de hoje se "maçonizam", num processo de feudalização moderna da chamada Idade Mídia.

Se, no "mundo normal", veículos midiáticos como a Rede Globo, Multishow, Rádio Cidade (RJ), SBT e revista Veja criam estereótipos diversos para as classes populares e os jovens diversos, alternativos e emepebistas aceitam tudo isso ficando isolados nas suas "maçonarias" modernas de webradios e programas musicais de canais legislativos de TV.

A valorização exagerada da cultura alternativa como um espaço sem visibilidade, com pessoas falando apenas consigo mesmas enquanto caricaturas são difundidas abertamente para o grande público, é algo estarrecedor, embora contestar esse triste cenário é ser "arredio", "antissocial" e "chato".

Tínhamos um Edu Lobo cantando para o grande público na TV Record. A Fluminense FM levou a Legião Urbana para o gosto de uma geração inteira. Mas hoje um novo Edu Lobo fica isolado em programas de fim de noite na TV Senado enquanto uma FM O Dia da vida transforma os chamados "pagodeiros românticos" em caricaturas grosseiras e patéticas de MPB. E um novo Renato Russo fala para meia-dúzia de internautas que se interessam em ouvir a pouco badalada webradio de rock.

As pessoas se conformam com as coisas. Caricaturas e estereótipos prevalecem, cada vez baixando a qualidade de vida e reduzindo as multidões a um rebanho de paródias de si mesmas. Quem deveria reagir a isso também se conforma, questionando menos e apenas "falando mal pelas costas", enquanto se contenta com seus redutos que, antes eram trincheiras, hoje mais parecem abrigos anti-aéreos.

Ninguém mais contesta com firmeza e visibilidade. Quem tem visibilidade só consegue reafirmar o "estabelecido" em sucessivos retrocessos. Quem não tem baixa a cabeça e se contenta com os espaços isolados da mídia e do mercado, para ele e seu grupo de concordantes falarem para si mesmos. Quem não concorda com a "Idade Média" é só montar uma "maçonaria" ou criar seu "feudo".

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

No Brasil, aceita-se o que se diz sem verificar


Um ladrão entra na casa, e, sem precisar sacar a arma, toca a campainha e diz para o morador que lhe atende que é um técnico de informática e que pretende levar seu computador. O morador, tomado pela simpatia do sujeito, aceita e até diz para ele estar à vontade.

No Brasil em que as pessoas aceitam mesmo qualquer golpe, em que familiares que estão com seus entes queridos em casa recebe o telefonema dizendo que um deles está sequestrado e aceita a informação dada pela ligação, costuma-se aceitar as coisas sem verificar.

Muitos aceitam o dito como se fosse o sido. Quantos se autoproclamaram aquilo que nunca foram e acabaram sendo aceitos confortavelmente como se vieram a ser realmente aquilo que em verdade não são? E quantas reputações sólidas são construídas a partir dessa farsa?

No "espiritismo", ficamos à mercê de um caipira católico, que acabou se autoproclamando "espírita" diante de uma armação montada pelos burocratas da Federação "Espírita" Brasileira. O mito de Francisco Cândido Xavier, o "querido" Chico Xavier que alegra a "garotada", cresceu de forma gigantesca a partir de tantas construções, muitas confusas e contraditórias, de sua imagem.

Outro mito "espírita", o médico, militar, político e dirigente "espírita", o também católico Adolfo Bezerra de Menezes, tornou-se um mito tão forte que hoje inexiste uma biografia imparcial a respeito de sua pessoa, já que os dados biográficos são dotados de muita fantasia e visão romântica. Faltam relatos sérios e sobram invencionices fantasiosas em torno dele. Muitos aceitam sem pensar.

Mas é um Brasil em que fulano pode ser neoliberal e direitista doentio, mas se autoproclamar esquerdista e manter todo um jogo de aparências, o pessoal aceita. É como faz, por exemplo, o empresário de mídia Mário Kertèsz, que na sua Rádio Metrópole, em Salvador, conta com o anti-médium baiano José Medrado como um de seus contratados.

Conservador, machista, direitista, reacionário, Kertèsz tentou se passar por intelectual de esquerda, com qualidades opostas às que tem na realidade. Queria se apropriar de todos os movimentos esquerdistas baianos e em prol da democratização da mídia e tentou ser a antítese do coronelismo midiático simbolizado pela TV Bahia dos herdeiros do antigo padrinho político de Kertèsz, o ex-governador e falecido senador Antônio Carlos Magalhães.

Kertèsz se autoproclamava "radiojornalista" e criava um jogo de aparências neste sentido, sendo um péssimo locutor que parecia alternar paródias de locução empostada com dicção vulgar de gerente de botequim, comentarista tendencioso e péssimo escritor (suas crônicas na Revista Metrópole são tão horríveis que a extinta função de copidesque deve ter sido ressuscitada para "embelezar" os textos do falso jornalista). Mas as pessoas aceitam isso numa boa.

Outro exemplo, já em São Paulo, é o jornalista paranaense radicado no Estado, Pedro Alexandre Sanches. Considerado por analistas um discípulo brasileiro de Francis Fukuyama, Pedro nunca assumiu essa postura. Cria do projeto neoliberal chamado Projeto Folha, da Folha de São Paulo, que baniu o esquerdismo de suas redações, Pedro se contradiz quando tenta, nos últimos anos, posar de "intelectual de esquerda".

Pedro é o mais entusiasmado defensor da degradação cultural brasileira, aquela que usa a desculpa da "ruptura do preconceito" para impor às classes populares a supremacia do mau gosto e empurrar ídolos musicais e subcelebridades que chegam a ser patrocinadas por corporações empresariais que exploram trabalho escravo e grandes fazendeiros envolvidos com a pistolagem.

No entanto, Pedro Alexandre Sanches, depois de passagens por veículos conservadores da mídia paulistana - Folha, Época, Bravo (extinta revista cultural da Editora Abril) e O Estado de São Paulo - , passou a fingir ser "jornalista de esquerda" impondo a "visão da Folha" na Carta Capital, Caros Amigos e Fórum, hoje sendo membro dos "Jornalistas Livres", armação ativista patrocinada pelo especulador financeiro George Soros.

Há tantos exemplos. Existe o Jaime Lerner que impõe um modelo de mobilidade urbana próprio dos tempos do general Emílio Médici e é visto como "progressista" por isso. Há a Valesca Popozuda que segue valores machistas e tenta vender uma imagem de falso feminismo.

E tem o arrogante Fernando Collor posando de vítima e tentando reinventar sua imagem, transformando-se do antigo neoliberal, amestrado pela ARENA e demonstrado no seu breve mandato presidencial, em um pretenso modernizador progressista de esquerda. Muito fácil mudar a História ao sabor das convicções pessoais, num país de memória curta.

No BRT das coisas que são porque alguém inventa que elas sejam, tem até a Rádio Cidade, no Rio de Janeiro, emissora de pop convencional que desde 1995 tenta convencer as pessoas de que sua paródia de "rádio de rock", sofrível e cheia de gafes, é "coisa séria".

Colunistas de rádio que conhecem a fundo seus bastidores e, às vezes, complicados pormenores técnicos, mas não sabem a diferença entre uma guitarra elétrica e um baixo elétrico, afirmam sem conhecimento de causa que a Rádio Cidade é "especializada em rock", mesmo sem ter gente realmente especializada no ramo (a locução, linguagem e programação comprovam a falta de especialização e competência para o gênero).

E aí a "cultura do rock de verdade" da emissora cria falsos roqueiros debiloides, tão desinformados que chegam a homenagear Freddie Mercury, o saudoso vocalista do Queen, usando um bigode postiço, quando o cantor só usou bigode em um terço de sua carreira de cerca de duas décadas. Ele não era bigodudo a vida toda e, no Reino Unido e nos EUA, sua imagem mais marcante era de cabelos cheios e cara limpa.

As pessoas aceitam. São as mesmas que vão ao McDonald's, acusado de explorar seus funcionários, comprar um lanche ruim de pão dormido, molho cheio de ácidos que caem como bomba nos estômagos, carne sintética e salada ressecada e cheia de agrotóxicos, acompanhados de batata frita que parece gravetos de madeira com sal e refrigerante que parece xarope aguado com gelo e gás.

São as mesmas pessoas que se preocupam mais em ver, no WhatsApp, postagens "engraçadas" do padrão das vídeocassetadas do Domingão do Faustão, em que processos sutis de humilhações humanas aparecem, como mulheres obesas que se escorregam quando vão para a piscina ou idosos que levam pancada de netinhos durante uma brincadeira.

A falta de verificação e de observação, a aceitação ao "que se diz" e à ilusão de acreditar que prestígio e confiabilidade andam sempre de mãos dadas fazem com que frequentes armadilhas sejam aceitas pelas pessoas, que elogiam o anzol pela isca oferecida e são pegos desprevenidos diante de tantas farsas.

O Brasil já é prejudicado seriamente com tudo isso e as pessoas não percebem. Elas estão "ocupadas" com um novo vídeo no WhatsApp em que a sogra obesa de alguém derruba uma cadeira de balanço depois de se sentar nele. E depois da humilhação vão felizes da vida agradecer ao farsante Chico Xavier pelo país em que vivem.

domingo, 27 de setembro de 2015

Quem vai investigar as relações entre Chico Xavier e a mídia?

MALCOLM MUGGERIDGE, O JORNALISTA BRITÂNICO QUE "INVENTOU" MADRE TERESA DE CALCUTÁ.

O Brasil não pode comandar o mundo porque se sujeita às piores armadilhas. Overdose de informação, sensacionalismo midiático, deturpação da cultura popular, estes e outros problemas que analistas sérios combatem no exterior ainda são vistos como "coisas positivas" até mesmo por aqueles que, adotando postura aparentemente progressista, deveriam combatê-los, mas o apoiam.

Madre Teresa de Calcutá e Francisco Cândido Xavier são muito comparados positivamente, adorados na mesma medida por seus seguidores entusiasmados. Mas, do outro lado, o dos contestadores, foi mais fácil derrubar um mito muito bem organizado e verossímil de Madre Teresa do que um mito confuso e sem transparência que continua sendo o de Chico Xavier.

Lá fora, o mito de Madre Teresa foi construído pela ação de um único jornalista, o inglês Malcolm Muggeridge (1903-1990), através do documentário exibido pela BBC, Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), feito em 1969 nas ruas de Calcutá, na Índia.

Os ingredientes eram aparentemente verossímeis: uma organizada construção ideológica de pobreza, humildade, carinho maternal, solidariedade, dificuldades financeiras, simplicidade, devoção religiosa. Tudo bem elaborado como discurso ideológico feito para sensibilizar as pessoas.

Aparentemente, não haviam escândalos nem irregularidades e mesmo as estruturas precárias das casas mantidas pela missionária, como os Lares dos Moribundos - o primeiro deles instalado no bairro de Kalighat, também em Calcutá, por volta de 1952 - , eram justificadas pelas dificuldades financeiras da aparente filantropa.

As denúncias vieram apenas em 1995, quando o jornalista ateu Christopher Hitchens, depois de exaustiva pesquisa documental, lançou A Intocável Madre Teresa de Calcutá (The Missionary Position - Mother Teresa in Theory and Practice), que denunciou as irregularidades na trajetória da freira albanesa. O livro causou violenta polêmica na época.

Complementando o livro, Hitchens também lançou, em 1997, um documentário, Anjo do Inferno: Madre Teresa de Calcutá (Hell's Angel), resumindo o que ele havia escrito no livro e mostrando imagens e declarações de religiosos e até de gente que trabalhou com Muggeridge na construção do mito da missionária.

Um dos produtores do documentário informou que a equipe estava usando um equipamento e rolos de filme fornecidos pela Kodak, que eram bastante avançados para a época. Com o lançamento do filme, o produtor queria fazer um comentário irônico, atribuindo o "milagre" à Kodak, quando Muggeridge se adiantou e gritou "Este é um milagre da Luz Divina"!

A ironia do produtor dava conta que os jornalistas tinham consciência de que estavam produzindo um discurso tendencioso, já que, lá fora, nem todo mundo é tolo para acreditar que o sensacionalismo midiático não transmite "mais que a pura verdade".

E isso em 1969, pois anos e anos depois ainda tem valor a ilusão brasileira de que o jornalismo da grande mídia "só divulga a verdade", que não se trata de um discurso de interpretação da realidade, sujeito a abordagens irreais. Foi esse discurso que empurrou o rádio FM a aceitar as rádios noticiosas e chutar para escanteio a já precária segmentação musical.

No Brasil, os erros da grande mídia só começaram a ser largamente questionados nos últimos dez anos. Mas isso veio mais pela falta de sutileza de comentaristas políticos e âncoras de noticiários que mostraram um reacionarismo além da conta, e menos pela observação refinada que é dom de apenas uns poucos analistas midiáticos.

A situação aqui é tão grave que mesmo os contestadores da grande mídia ficam ainda hesitantes quando o assunto é Chico Xavier, um mito criado em 1944, certamente não por David Nasser (que queria contestá-lo), mas por alguém que cabe estudar e avaliar para saber quem realmente teria sido.

Inferimos que Antônio Wantuil de Freitas, presidente da FEB, foi o mentor do mito de Chico Xavier, mas certamente o trabalho ideológico teria que ser feito e espalhado por outro alguém. O que se sabe é que, independente disso, o mito foi reciclado, pelo menos nos últimos 35 anos, pelas Organizações Globo, antes hostis ao anti-médium.

A lição de Muggeridge chegou tardiamente às empresas de Roberto Marinho (hoje administradas pelos seus três filhos) e reportagens na imprensa reconstruíram o mito de Chico Xavier como uma figura "caridosa", como um "filantropo de elevado valor" para os brasileiros.

O mesmo roteiro de Algo Bonito para Deus era servido a varejo pelos noticiários e revistas televisivas. Isso para não dizer os próprios documentários do Globo Repórter, que poucos percebem a analogia com o documentário de Muggeridge.

O que se sabe é que Chico Xavier era, antes do "caso Humberto de Campos" em 1944, apenas um católico fervoroso que se declarava paranormal e prometia trazer "mensagens dos mortos" para o país e o mundo. Depois de 1944, a FEB encomendou uma mitificação mais sofisticada, voltada às "manifestações de materialização" e "psicofonia", além de livros supostamente "científicos".

O mito de pretenso filantropo pode ter sido latente em toda essa época, mas foi com a Rede Globo de Televisão que se construiu essa imagem divinizada que Chico Xavier ganhou de presente de uma corporação cujo principal jornal, O Globo, em outros tempos disse que o anti-médium mineiro "tinha sido desmascarado".

Cabe uma investigação maior em torno do mito de Chico Xavier e toda essa construção ideológica que faz dele um "deus" para aqueles que usam as mídias sociais. Cabe até mesmo investigar quem foi o "Malcolm Muggeridge" chiquista. Só não vale cair mais uma vez na sedução da complacência.

sábado, 26 de setembro de 2015

Os tratamentos desiguais das pesquisas universitárias

IGUAIS MAS DESIGUAIS - Apesar da forte comparação, Madre Teresa é contestada com mais facilidade que Chico Xavier.

O caso de Madre Teresa de Calcutá, que chegou a ser definida como "anjo do inferno" pelo contundente documentário de Christopher Hitchens, também foi contestada no mesmo sentido por uma pesquisa acadêmica de duas universidades do Canadá, o que mostra que, lá fora, a comunidade universitária realmente tem coragem de questionar mitos, do contrário do Brasil.

Serge Larivée e Genevieve Chenard, do Departamento de Psicoeducação da Universidade de Montreal, e Carole Sénéchal, da Faculdade de Educação da Universidade de Ottawa, publicaram num periódico sobre estudos religiosos um estudo que desconstrói o mito de Madre Teresa de Calcutá.

Com base em 287 documentos pesquisados sobre a vida da freira albanesa que criou vários abrigos para pobres e doentes na Índia, os três pesquisadores, além de seguir a mesma abordagem estudada por Hitchens, apresentaram problemas referentes ao processo de beatificação da madre, que ignoraram os aspectos sombrios da vida da missionária.

Os três principais problemas são estudados pelos pesquisadores. O primeiro deles se refere à pouca dedicação de Madre Teresa para minimizar os pobres e doentes, alojados sem conforto nem higiene e desprovidos de uma dieta alimentar saudável, assistência médica adequada e concessão de remédios necessários. Eles são praticamente deixados à própria sorte.

Quando do lançamento do livro A Intocável Madre Teresa de Calcutá (The Missionary Position: Mother Teresa in Theory and Practice), em 1995, a própria Madre Teresa chegou a responder a Christopher Hitchens com as seguintes palavras: "Existe algo de muito belo em observar os pobres aceitarem o sofrimento, tal como Jesus fez. O mundo ganha muito com o seu sofrimento".

O segundo aspecto, que desfaz o mito de que Madre Teresa enfrentava poderosos para obter doações "em favor do próximo", é sua aliança com ditadores, tiranos (como Ronald Reagan, presidente dos EUA, que patrocinou todo o "banho de sangue" na América Central para esvaziar os movimentos sociais) e magnatas corruptos.

Consta-se que as instituições mantidas por Madre Teresa de Calcutá não sofriam de problemas financeiros, e, além disso, ela era acusada tanto de desviar dinheiro para os chefes do Vaticano como de servir de "lavagem de dinheiro" de ricaços envolvidos em corrupção, como o antigo dono do jornal inglês Daily Mirror, Robert Maxwell.

Consta-se, também, que Madre Teresa de Calcutá, nos seus últimos anos de vida, se internava em um moderno hospital nos EUA, enquanto seus assistidos sofriam a humilhação de viverem e morrerem em condições degradantes. Ela era capaz de doar medalhas, mas não parecia interessada em doar grandes investimentos em dinheiro para os necessitados.

Outro aspecto é que o mito de Madre Teresa foi criado em 1969 pelo jornalista Malcolm Muggeridge no documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God) e que impulsionou a concessão de medalhas e prêmios para a missionária, inclusive o Nobel da Paz.

A beatificação da missionária pelo Vaticano teve como requisito um milagre atribuído a uma indiana, Monica Besra, que teria sido curada de fortes dores addominais. Dizem que uma medalha da Madre Teresa foi colocada sobre a barriga da moça e a cura foi associada a isso, quando foi revelado que a cura se deu porque deram os medicamentos necessários num tratamento de mais de um ano.

As acusações graves contra a missionária se baseiam em documentos autênticos e vários dela própria. portanto, são de rigoroso fundamento científico. O que chama a atenção é que a apologia do sofrimento, que no Brasil é visto como uma qualidade positiva de Chico Xavier, é considerado um gravíssimo defeito da Madre Teresa.

Curiosamente, a missionária e o anti-médium mineiro são frequentemente comparados pela sua suposta filantropia, semelhantes em muitos aspectos, mas tratados desigualmente, apesar da trajetória de Chico Xavier ser bem mais confusa e cheia de irregularidades, bem mais do que as três que existem contra Madre Teresa de Calcutá.

Aqui, os estudos universitários, como os acadêmicos "espíritas" que atuam na Universidade de São Paulo (USP) e o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde da Universidade Federal de Juiz de Fora (NUPES-UFJF), são apologistas em relação ao mito de Francisco Cândido Xavier.

Usando metodologias falhas tanto nos critérios um tanto complicados de avaliação da suposta mediunidade de Chico Xavier, os trabalhos acadêmicos pouco contribuem para questionar o seu mito, do contrário dos trabalhos canadenses relacionados à Madre Teresa de Calcutá.

Um exemplo do que as falhas que os acadêmicos brasileiros são capazes de fazer, as cartas atribuídas ao espírito de Jair Presente poderiam ser muito bem desqualificadas, A simples identificação de aspectos contraditórios na forma como foi escrita cada mensagem é suficiente para determinar a invalidade das mesmas.

A primeira mensagem do suposto Jair correspondeu ao estilo religiosista de Chico Xavier e as demais um amontoado forçado e exagerado de gírias e uma narrativa demasiado tensa e agressiva, como se parodiassem cartas de aflitos usuários de cocaína escrevendo para os pais.

Os acadêmicos perdem tempo supondo falsos pioneirismos e pretensas lógicas científicas para a suposta mediunidade de Xavier, quando irregularidades de simples identificação as desqualificam de pronto, ante as contradições apresentadas em análises não muito complexas.

Esse é o problema das pesquisas universitárias brasileiras, num país em que os cientistas sociais aceitaram numa boa todo um processo de degradação sócio-cultural que atingiu as periferias do país, escravas de uma "cultura popular" patrocinada até por latifundiários e especuladores financeiros.

E ainda muitos acreditam que o Brasil, complacente com os defeitos que aqui acontecem, está pronto para em breve se tornar a nação mais poderosa e influente do planeta. A julgar pela fragilidade brasileira mediante graves crises e as desvantagens que o título de "coração do mundo" pode dar - vide o imperialismo dos EUA - , melhor nem pensarmos nessa fantasia infeliz.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

No Brasil, há a supremacia da retórica tecnocrata


No Brasil ainda pouco esclarecido das coisas, existe uma mania de pessoas usarem desculpas em retórica "técnica", ou tecnocrata, para explicar decisões e escolhas dotadas de muitos equívocos. No "espiritismo", temos a abordagem de acadêmicos como Alexander Moreira-Almeida e Jorge Cecílio Daher Jr. feita sob metodologia e abordagens prolixas e cheias de erros.

Sabe-se que Moreira-Almeida e Jorge Daher tentam dar um verniz científico à suposta mediunidade de Francisco Cândido Xavier, um atribuindo autenticidade nas cartas atribuídas ao espírito Jair Presente, jovem que havia morrido num acidente em 1974, publicadas naquele mesmo ano e outro alegando suposto pioneirismo científico de décadas à narrativa do suposto André Luiz.

No caso de Jair Presente, há um contraste aberrante entre a primeira carta, que aponta um estilo religiosista típico de Chico Xavier, com narrativa terna e respeitosa, e as outras cartas, que apontam uma narrativa grosseiramente tensa, como se parodiassem algum usuário de drogas ilícitas como cocaína e LSD escrevendo uma mensagem bastante nervosa e com um surreal excesso de gírias.

No caso de André Luiz, a tentativa é de atribuir a relatos escritos no livro Missionários da Luz (1945) um suposto pioneirismo científico de 13 e 63 anos em relação às abordagens da glândula pineal. Os acadêmicos liderados por Daher alegam que quase não havia trabalhos científicos sobre o tema na década de 1940 e que os trabalhos existentes eram "escassos e bastante conflituosos", afirmando como se o conflito, normal num debate científico, fosse visto como uma "aberração".

Só que nós observamos o trabalho deles, que o sítio da AME-Brasil (Associação Médico-Espírita do Brasil) tirou do ar, e vemos que eles só consultaram trabalhos de terceiros publicados depois de 1977, não se esforçando em ver as fontes originais, os próprios textos e autores que debatiam a glândula pineal nos anos 1940. Da década, só foi creditado o próprio livro de "André Luiz" / Chico Xavier.

As fontes pesquisadas vão de 1977 em diante e não são reedições de obras dos anos 1940. Enquanto isso, nós, nos limites de nossa especialidade - não somos especializados em Biologia - , identificamos que os debates sobre glândula pineal e uma de suas substâncias, a melatonina (isolada em 1958 por Aaron Lerner), já existiam em 1917 e, se o isolamento da melatonina só ocorreu em 1958, essa tarefa já era cogitada bem antes do livro do suposto espírito de André Luiz.

Toda descoberta científica já têm, pelo menos, duas ou três décadas de antecedência como hipótese. Isolar uma substância ou um vírus é uma tarefa que é pensada anos antes de sua descoberta. Uma pesquisa científica leva décadas para se consumar e é evidente que uma façanha científica é algo que não surge no momento de sua conclusão, ela é um trabalho de muitos e muitos anos.

Daí que o "pioneirismo" de André Luiz não procede, seja pelo isolamento da melatonina em 1958, seja por outras descobertas trazidas à luz em 2008. Na verdade, os temas presentes em Missionários da Luz já eram discutidos por autores como Wolfgang Bargmann, autor em evidência nos anos 1940.

Além disso, a glândula pineal parece ser um assunto presente em um livro muito conhecido no Brasil, Manual da Anatomia Humana, de Alfredo Monteiro e Benjamin Batista, lançado em 1920, e que possivelmente pode ter sido consultado pelo ávido leitor de livros que era Chico Xavier. Esse livro tem exemplares disponíveis para venda na Estante Virtual.

O discurso acadêmico e toda a postura de formalidade de Alexander Moreira-Almeida e Jorge Cecílio Daher Jr. não garantem coerência ou transparência de seus pontos de vista, num país em que o diploma não é visto como garantia de saber, mas de moeda de poder de decisão para algumas pessoas que se acham "formadoras de opinião e de decisões" para a sociedade.

"OTIMIZAÇÃO" QUE PREJUDICA, "MOBILIDADE" QUE COMPLICA

Um outro exemplo foi dado nos últimos dias pelo secretário municipal de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro - comandada por Eduardo Paes, do autoritário PMDB carioca - , Rafael Picciani, tanto para reafirmar as terríveis mudanças nas linhas de ônibus cariocas a serem implantadas em breve quanto para tentar desmentir a associação delas com os arrastões nos últimos dias.

Ele tentou dizer, com um discurso tecnocrático, que as mudanças nas linhas de ônibus, que darão fim à ligação direta entre Zona Norte e Zona Sul, não têm relação com os arrastões nem com a prisão de jovens vindos de ônibus da Zona Norte, e foram feitas "para otimizar o sistema" e não "como forma de vingança" contra a presença de pobres nas praias cariocas.

Afirmando o modelo (decadente) de sistema de ônibus implantado em 2010, Picciani tenta dar a impressão de que o modelo traz "melhorias" e expressões como "otimização" e "mobilidade urbana" são livremente pronunciadas nesse discurso demagógico, já que se sabe que o modelo de 2010 é inspirado em ideias que só faziam sentido na ditadura militar.

Para ele, "não existe lógica de concorrência de linhas" e ele alega que as linhas serão encurtadas para evitar "sobreposição de trajetos". Ele jura que a ideia, trazida por ele e Alexandre Sansão, foram feitas apenas para "racionalizar" o serviço de ônibus no Rio de Janeiro.

Só que o discurso bonito, supostamente técnico e dotado de bom-mocismo, não expressa a menor coerência. Afinal, não há como falar em mobilidade urbana um sistema que complica a vida dos passageiros, seja pela pintura padronizada que impede as empresas de ônibus serem conhecidas pela identidade visual, seja pelas linhas encurtadas que obrigam as pessoas a pegar mais de um ônibus.

Isso não é mobilidade. É desmobilidade. Complica o direito de ir e vir, força as pessoas a redobrar a atenção para não pegar um 378 para Marechal Hermes pensando ser um 328 para o Bananal, já que as empresas de ônibus têm a mesma pintura, e causa desconforto para alguém que vai sentada da Zona Norte para o Centro para embarcar e ficar em pé num BRT lotado do Centro para a Zona Sul.

Observando o que aconteceu em Jacarepaguá, realizamos pesquisas percorrendo várias avenidas no seu entorno. Constatamos que os BRTs rodam sempre lotados, quando muito apenas com todos os assentos ocupados, e com uma média de cinco pessoas em pé. Isso em horários de demanda muito fraca, pois quase sempre os ônibus têm grande lotação, superlotados em horários de pico (alta demanda).

E como é que vai otimizar um transporte assim sobrecarregando os pontos da Candelária, que já são tumultuados e confusos - só as filas para a Baixada e para Niterói se misturam completamente - e fazer com que o direito de ir e vir dependa do uso de mais de um ônibus, uma baldeação que quase sempre esgota a validade do Bilhete Único, que é de duas horas e meia?

Isso não é otimizar. Grande mentira do sr. Picciani. Isso é "pessimizar", "maleficizar", degradar. Se o sistema de ônibus do Rio de Janeiro antes de 2010 não era perfeito, era muito mais funcional e vantajoso em vários aspectos. Nem o histérico udenista Carlos Lacerda seria capaz de fazer um sistema de ônibus tão decadente e autoritário como o de Eduardo Paes e companhia, que se dizem "progressistas", pasmem!

Esse verniz tecnocrático, trazido por Jaime Lerner - ídolo dos secretários de Transporte cariocas Alexandre Sansão, Carlos Roberto Osório e o atual Rafael Picciani, e que foi prefeito da ARENA nomeado pela ditadura militar - , só serve para mostrar o quanto decisões equivocadas podem ser defendidas com um discurso "técnico" que só serve para enganar as pessoas.

Daí que, em muitos momentos na vida, os brasileiros são traídos constantemente com uma retórica "técnica" que busca justificar as piores decisões, as medidas mais cruéis e as abordagens equivocadas. Cria-se um país errado que só tem a arte de falar bonito e explicar qualquer bobagem com discurso tecnocrático.

Isso é um grande perigo, porque essa "sabedoria de letras mortas" um dia pode destruir o Brasil, se as pessoas não pararem de dar credibilidade ao "cientificismo de aparência", um monte de besteiras, maldades e deslizes protegido pela multidão de palavras bem arrumadas.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Brasil ainda persiste com valores da ditadura militar

GENERAL EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI, QUE COMANDOU A ILUSÃO DO "MILAGRE BRASILEIRO".

O "milagre brasileiro" são os nossos "anos dourados"? Infelizmente, para o bem e para o mal, muitos dos "heróis" brasileiros são figuras do tempo da ditadura militar. Muitas das "receitas" para o desenvolvimento ainda são projetos ditatoriais e mesmo a cultura é subordinada a abordagens "provocativas" que evocam apenas a "carnavalização" brega-tropicalista dos "anos de chumbo".

Essa visão saudosista do "milagre brasileiro", trazida por modelos de urbanismo, transporte, economia, cultura, cidadania e mídia que só faziam sentido na época da ditadura, mas tentam se fazer prevalecer hoje, é vista não apenas por grotescos movimentos golpistas do porte dos Revoltados On Line, Acorda Brasil e Movimento Brasil Livre, mas mesmo em mentes ditas "progressistas".

Enquanto uma parcela de brasileiros fica mais preocupada na saída do PT do poder e na depreciação a cada vez mais agressiva de Dilma Rousseff e Luís Inácio Lula da Silva, poucos percebem o verdadeiro mal, o "ovo da serpente" criado pelo PMDB carioca, através de medidas retrógradas trazidas por Eduardo Cunha, Eduardo Paes e Luiz Fernando Pezão.

Projetos que vão da terceirização do mercado de trabalho, da redução da maioridade penal e do prolongamento da idade de aposentadoria, no âmbito federal, até medidas "espetaculares" no Rio de Janeiro, como a redução de linhas de ônibus diretas da Zona Norte para a Zona Sul, numa clara intenção de estimular a "faxina étnica" nas principais praias cariocas, dão conta desse cenário.

São retrocessos que preveem a catástrofe que poderá ser o Brasil, que sempre viu interromperem tentativas de projetos de verdadeiro progresso social e econômico. Depois de tentativas como os governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart e, de maneira ainda mais precária, dos governos de Lula e Dilma, volta o risco do país mergulhar em retrocessos políticos mais profundos.

Se Fernando Henrique Cardoso sinalizou para o fim de muitas conquistas sociais da Era Vargas, o atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, pretende arrasar até o que a Constituição de 1988 garante, na gradual finalidade de promover um Brasil de adolescentes encarcerados, adultos escravizados e idosos impedidos de aproveitar o ócio para usufruir e avaliar suas vidas.

Poucos percebem o quanto, por outro lado, os festivos políticos cariocas, Eduardo Paes e Luiz Fernando Pezão querem governar o Rio de Janeiro como se fosse a África do Sul nos tempos do apartheid, "consolando" o povo da Zona Norte da "praia artificial" que no próximo mês haverá em Madureira.

Os políticos já adotam essa política separatista e discriminatória desde quando impuseram a padronização visual nos ônibus, impedindo que cada empresa de ônibus tenha identidade visual própria e autonomia administrativa e dificultando que os passageiros possam diferir uma empresa boa da ruim, o que favorece a corrupção.

Diferentes empresas de ônibus são enfiadas numa camisa-de-força dos "consórcios" (grupos empresariais politicamente formados), e se os empresários de ônibus têm menos autonomia administrativa, eles ganharam mais poder no jogo eleitoral e suas fraudes nas urnas eletrônicas. Recentemente, o pouco confiável Pezão foi eleito favorecido pelo lobby dos sindicatos e associações patronais de transporte coletivo no Estado do RJ.

Se essa discriminação já era comparável ao "desenho" que as autoridades da África do Sul racista faziam para diferentes etnias, em que cada uma tinha seu "território", a eliminação das ligações diretas Zona-Norte-Zona Sul - os cariocas têm que pegar (e pagar, porque o Bilhete Único se esgota rapidinho) dois ônibus para se deslocar entre as duas zonas) agrava ainda mais esse separatismo.

Tudo é feito "pelo cidadão", num país em que pedir "intervenção militar" (novo nome para "golpe de 1964", que a ditadura chamava de "revolução") é "defender a democracia e a Constituição". Só que Paes, Pezão e qualquer outro (ao redor deles existe José Mariano Beltrame, Carlos Roberto Osório e até o "sumido" Sérgio Cabral Filho) estão comprometidos com o Rio de Janeiro das elites.

Eles expulsam bandidos que passam a agir em outras cidades e Estados. Permitem que balas perdidas atinjam inocentes nesse tiro ao alvo que elimina cariocas. Pouco importa se alguns turistas ou gente de classe média morrem no caminho, a insegurança parece ser proposital diante da falta de medidas reais de segurança e qualidade de vida. Tudo fica no terreno da demagogia.

Enquanto isso, a Zona Sul não resolve o problema de suas próprias favelas, nem do abuso policial. A truculência policial, que tanto pode "fazer sumir" um pedreiro como Amarildo de Souza quanto a bela engenheira Patrícia Amieiro, ambos no entorno de São Conrado - que tem a gigantesca favela da Rocinha no seu território - , é algo ainda constante no "moderno" Rio de Janeiro.

E o Rio de Janeiro mantém a mania de se impor como "modelo para o país", depois do desgaste de São Paulo, e o país continua à mercê dessa influência, o que representa uma séria ameaça de "federalização" dos retrocessos que atingem o Estado do Rio de Janeiro, que tende a se tornar um dos mais atrasados do país.

VALORES DA DITADURA MILITAR

Se alguns dos "heróis" de hoje são figuras surgidas na ditadura militar, como o arquiteto Jaime Lerner, o ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello e o ex-político e hoje radialista baiano Mário Kertèsz e os paradigmas de desenvolvimento social, urbanístico e cultural continuam os mesmos do "milagre brasileiro", a situação é preocupante.

Mesmo pessoas mais jovens como Luciano Huck, o jornalista cultural Pedro Alexandre Sanches (discípulo do neoliberalismo cultural travestido de falso militante esquerdista) e o já citado Eduardo Paes, ainda bebês na época do governo do general Emílio Garrastazu Médici (que implantou o projeto do "milagre brasileiro"), não fogem a essa herança ditatorial.

Esses três representam as elites sócio-culturais que, mesmo com um arremedo de "progressismo", seguem ainda uma visão própria dos "anos de chumbo", enxergando princípios de cidadania como subprodutos do marketing político e dos ideais de consumismo num país em que se acredita que a Economia é a medida de todas as coisas.

Até o machismo se torna ainda resistente, apesar de estar moribundo como ideologia dominante, seja pela ação criminal de feminicidas, seja pela publicidade depreciativa às mulheres. Num país em que perdemos nomes como Renato Russo, Glauber Rocha e Raul Seixas com pouca idade, muitos ainda sentem medo de ver morrerem Pimenta Neves e Doca Street, ambos já bastante idosos, e ver o machismo que eles simbolizaram ruir sem a presença destes "heróis da defesa da honra".

Nem para fechar o ciclo dando adeus a velhos machistas o Brasil tem coragem. Ainda ficamos presos às eras Médici e Geisel e seus totens, mesmo os mais "desagradáveis". Imaginamos a dificuldade de editores do Estadão, ávidos em deixar pronto o obituário do ex-presidente Lula, adiantar um obituário de Pimenta Neves. Até a Rainha da Inglaterra já tem texto funebre pronto há anos.

Mas mesmo o feminismo brasileiro ainda é refém de valores machistas. As "mais modernas" feministas têm o protótipo de mulheres vulgares que povoaram as páginas de revistas eróticas de segunda categoria, vendidas nas bancas nos tempos de Geisel, com a diferença de que as despeitadas de glúteos enormes deram lugar às "turbinadas" com altas doses de silicone. Mas o paradigma de "mulher brasileira" ainda se mantém refém de ideais machistas de sensualidade.

O "progresso econômico" ainda está subordinado ao receituário da Era Médici. A transposição do Rio São Francisco e a construção da hidrelétrica de Belo Monte (esta um projeto do governo Médici) são exemplos de obras megalomaníacas que causam impacto ambiental e sócio-biológico. O lucro financeiro e o avanço tecnológico são vistos como mais importantes que a cidadania e a biodiversidade e os direitos dos povos indígenas de terem seus espaços.

Muitos desses aspectos se protegem não na histeria golpista dos "coxinhas" e "revoltados" em gerla, mas sob pretextos "progressistas" e pelas supostas mudanças de posturas de certas personalidades. O baiano Mário Kertèsz, lançado pela ARENA e apadrinhado por Antônio Carlos Magalhães, tentou bancar o dono das esquerdas na Bahia e prometia uma mídia "progressista" através de suas corporações midiáticas. Em vão.

Isso porque, num dado momento, muitos "progressistas de ocasião" deixam a máscara cair. Kertèsz já esculhambou em sua Rádio Metrópole FM, jornalistas de esquerda mais renomados. O respaldo ao governo petista já teve direitistas do porte de Marco Feliciano e Jair Bolsonaro no seu bojo, Jaime Lerner, como governante, foi tão corrupto quanto Paulo Maluf e Eduardo Cunha se ascendeu nas costas da mesma Dilma Rousseff à qual declarou oposição.

O Brasil compromete seu progresso pensando assim, como um cão que corre atrás pelo próprio rabo. Pensar em valores de âmbito político, econômico, sociológico, cultural e tecnológico herdados do período militar é travar o compromisso histórico, porque ninguém pensará o progresso do país através desses valores que, no fundo, são bastante conservadores, retrógrados e até obsoletos.

O ideal é fazer um novo país com novos personagens, recuperando e atualizando tradições perdidas com a ditadura militar e com personagens que não possam simbolizar ou representar heranças dos "anos de chumbo", por mais "progressistas" que tais pessoas finjam hoje parecer.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Cartazes publicados em Niterói alertam para movimentos de extrema-direita no Brasil


Que o Sul e Sudeste sofrem profundos retrocessos sociais, isso é verdade. O Estado do Rio de Janeiro, principalmente sua capital, conforme mostram os noticiários, é palco de uma tragicomédia que se manifesta em diversos aspectos e várias situações.

O drama fluminense e, principalmente, carioca, não é algo que possa ser visto como algo menor, como uma "crise natural" em consequência da modernidade e da complexidade urbana das grandes metrópoles, mas retrato de uma crise que deveria ser levada a sério.

Enquanto se prepara o separatismo da Zona Norte e Zona Sul cariocas, através do fim de linhas de ônibus diretas, medida a ser implantada no próximo mês para dificultar o acesso do povo dos subúrbios às praias da Zona Sul - amostra disso foi a extinção da linha 465 Cascadura / Gávea, embora um discreto precedente tenha sido o fim da linha 442 Lins / Urca - , cartazes ligados a um grupo neo-nazista foram vistos colados nas ruas da vizinha Niterói.

Os cartazes, supostamente dirigidos a grupos jihadistas como o Estado Islâmico, são creditados ao "International United Klans" e "Imperial Klans Brasil", e indicam um movimento nos moldes do estadunidense Klu Klux Klan. Com posições contrárias ao povo judeu, aos homossexuais, aos comunistas e outros grupos normalmente hostilizados pela extrema-direita, o grupo, através de seus cartazes, tenta se autopromover às custas da crise em que vive o país.

Movimentos de extrema-direita surgem no Sul e Sudeste. Um deles, no Rio Grande do Sul, luta para recriar a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), principal partido da ditadura militar, e já enviou documentos para solicitar registro no TSE. Neo-nazistas eventualmente agem praticando violência nas ruas de São Paulo, causando vários assassinatos, cujas vítimas geralmente eram homossexuais.

Grupos neo-nazistas chegaram a exibir suásticas durante as manifestações contra a presidenta Dilma Rousseff, que foram organizadas várias vezes este ano. E mesmo num reduto de rebeldia domesticada como a pretensamente roqueira FM carioca, a Rádio Cidade, jovens escreviam em sua página de recados na Internet defendendo o fechamento do Congresso Nacional e o fim do Poder Legislativo, com a desculpa de "combater a corrupção".

O ultraconservadorismo já era expresso pela "inocente" ação de trolagem na Internet. Vários casos de vandalismo digital, com humilhações coletivamente combinadas por alguns internautas violentos nas mídias sociais envolvem desde a defesa de decisões arbitrárias das autoridades políticas, modismos ditados pela mídia e valores racistas e machistas.

Geralmente as pessoas que questionam esses valores eram "bombardeadas" por uma série de comentários irônicos que depois se convertem em gozações abertas e ameaças, sempre com mensagens em série publicadas por internautas comandados geralmente por um ou dois "valentões". Um deles chega ao ponto de criar blogues ofensivos contra a vítima, reproduzindo para fins de difamação textos e acervo pessoal do lesado.

Isso era um "ensaio" para o extremo-direitismo que toma conta do Sul e Sudeste, embora tenha seus vestígios em outras regiões (como a tentativa de assassinato, no interior da Bahia, contra um pai e um filho que se abraçavam como amigos - um deles morreu - por grupos neo-nazistas que pensaram serem casal de gays). Em todo o caso, o fato do Sul e Sudeste, sobretudo o eixo Rio-São Paulo, ditarem o que "deve valer" para todo o país torna-se um grave perigo.

Os profundos retrocessos do Rio de Janeiro, consequência de muitos valores retrógrados e nocivos, transmitidos até mesmo por autoridades políticas e veículos da grande imprensa, são empurrados para o resto do país como "modelos de modernidade", e impostos como se fossem "experiências bem-sucedidas". A falta de observação das elites das demais regiões e os interesses coronelistas e tecnocratas ainda vigentes permite que o retrocesso sulista-sudestino seja "exportado" para o resto do país.

Isso representa um grave perigo, na medida em que os retrocessos partem de regiões que ainda são vistas como referências para todo o país. O declínio de São Paulo como "cidade-modelo" para o outrora moderno Rio de Janeiro não resolveu as coisas, porque a ex-Cidade Maravilhosa hoje passa por retrocessos ainda piores do que os da capital paulista há cerca de 15, 25 anos atrás. E isso pode causar, no Brasil, danos irreparáveis num futuro próximo.

E tal constatação não pode ser vista como teoria conspiratória de internautas revoltados. Essa é a realidade que foge ao WhatsApp e que poderá trazer tragédias futuras, até mesmo para aqueles que se "trancam" nas mídias sociais para verem, felizes da vida, vídeos engraçados e memes com mensagens positivas.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Arnaldo Rocha era ingênuo?

MEIMEI E SEU VIÚVO, ARNALDO ROCHA.

Arnaldo Rocha era ingênuo ou ele compactuou com o oportunismo de seu amigo Francisco Cândido Xavier em relação à jovem Irma de Castro Rocha, a Meimei, de quem Arnaldo, falecido há três anos, era viúvo?

O então marido de Meimei era há muito tempo ligado ao "espiritismo", e demonstrava ter sido um apaixonado companheiro da professora mineira, que morreu em 1946 com apenas 24 anos, devido a uma grave doença.

Ao passar a frequentar um "centro espírita" em Belo Horizonte, cidade onde vivia o casal, Arnaldo passou a ser palestrante - ele se definia como um "dialogador", não como "doutrinador" - e, até o fim da vida, estava à frente do Grupo "Espírita" Meimei, sediado em Pedro Leopoldo, terra de Chico Xavier, instituição fundada em memória à saudosa esposa.

Arnaldo esteve ao lado de Chico Xavier em algumas atividades de "materialização". Uma delas, em 1954, evocava o espírito de Emmanuel, mas a forma como foi feita já indicava evidente fraude, com uma maquete cujo "corpo" imitava o desenho do Cristo Redentor, como se fosse uma maquete da estátua carioca, mas com a "cabeça" montada com um molde em que era colocada uma foto impressa do famoso desenho de Emmanuel, disponível hoje no Google Images.

Na mensagem, o suposto Emmanuel, envolto em luz de neon em cor azulada, era exposto aos observadores num palco semi-escuro, enquanto uma voz em off, provavelmente de algum locutor, pedia para Chico Xavier parar com as materializações, já que a atividade dele era "lançar livros".

Chico aparentemente acatou a suposta sugestão - consideramos a existência do espírito Emmanuel na vida do anti-médium, mas a "materialização" é fraudulenta e um locutor encarnado foi feito para fazer a voz em off, pelo microfone - , mas uma década depois estava feliz da vida apoiando a farsa da ilusionista Otília Diogo, aquela que se fantasiou de Irmã Josefa e outros personagens.

Não é preciso comentar que Arnaldo Rocha se deliciava com os livros atribuídos a Meimei que Chico Xavier lançava de vez em quando. É certo que Meimei tinha sido católica fervorosa, mas é pouco provável que ela tenha, em espírito, decidido escrever livros espirituais feito uma beata, e ainda por cima com um estilo de texto que mais lembra o do próprio "médium" que o punha no papel.


O que chama a atenção, todavia, é a ênfase que Arnaldo Rocha dá às "psicofonias" atribuídas a Chico Xavier. É uma atividade que outros adeptos do anti-médium não costumam sequer mencionar, mesmo sem muita ênfase. Mesmo o histórico oficial de Chico Xavier não costuma apontar essa "outra habilidade".

O que faz o lado "médium psicofônico" de Chico Xavier ser pouco mencionado é algo estranho. Só Arnaldo Rocha destaca essa atividade, e olha que ele era bem relacionado com outros líderes "espíritas". Arnaldo era também amigo do anti-médium baiano Divaldo Franco, por exemplo, com várias fotos registradas ao lado deste.

O que se sabe é que, segundo Arnaldo Rocha, Chico Xavier assumiu essa "atividade", entre 1954 e 1956, e divulgava isso na própria cidade de Pedro Leopoldo, no Grupo Espírita Meimei. Arnaldo teria lançado, em parceria com Chico, um livro chamado Instruções Psicofônicas, no qual o viúvo de Meimei, na condição de organizador, selecionava mensagens do amigo.

O livro foi lançado no mesmo ano de 1956, época das manifestações mais recentes. Segundo um DVD Instruções Psicofônicas & Vozes do Grande Além, que foi lançado pouco antes da morte de Arnaldo, em 2012, Chico Xavier teria evocado "vozes" de Emmanuel, André Luiz, Batuíra, Meimei, Cairbar Schutel, Teresa d'Ávila, Guillon Ribeiro, Leopoldo Cirne, Augusto dos Anjos e outros.

É muito estranho que pouco alarde se fez com tais eventos, e sabemos que o baixo alarde não quer dizer uma demonstração de humildade, porque a divulgação honesta de uma atividade pouco importa se tem publicidade ou não, porque, no caso de uma atividade honesta, ela fala por si mesma, não pelo modo que ela é mostrada para poucas ou mais pessoas.

Neste caso, a baixa divulgação traz um aspecto sombrio de fraude, porque se essa "outra faceta" de Chico Xavier não foi tão celebrada quando a da sua suposta psicografia, é porque a atividade era pouco convincente, e divulgá-la faria aumentar as desconfianças de fraudes, sobretudo naquela época, o ano de 1956, pouco antes do sobrinho Amauri Xavier denunciar as atividades do tio.

O aspecto que fica nebuloso também é se Arnaldo Rocha não se tornou um aproveitador do prestígio de Meimei, aceitando colaborar com o esperto Chico Xavier na sua usurpação da imagem da falecida professora. Ele parecia dedicado e apaixonado pela esposa, mas depois teria visto a oportunidade de se promover com o legado dela, juntando-se ao anti-médium que se achava "dono dos mortos".

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

YouTube e a aberrante complacência com Chico Xavier


É preocupante o que acontece nas mídias sociais a respeito de Francisco Cândido Xavier. A idolatria cega ao anti-médium mineiro não se expressa apenas nos hashtags um tanto hipócritas do Twitter ou nas mensagens docilmente conservadoras deixadas por ele e reproduzidas em memes no Facebook. No YouTube ocorre o pior da idolatria dada a Chico Xavier.

Sem alguém com visibilidade para desmascarar Chico Xavier - no passado, um Padre Quevedo tentou o feito, apoiado por outros, mas ele e estes eram católicos ortodoxos e Quevedo era visto como ranzinza e oportunista - , o mito do anti-médium, construído há mais de 70 anos, cresceu monstruosamente, mesmo diante de uma trajetória confusa e cheia de contradições e escândalos graves.

No YouTube existem vídeos de diversos tipos favoráveis a Chico Xavier. Um deles tem o título piegas de "Chico Xavier: Amor". Outros falam asneiras como "Astronautas norte-americanos confirmaram previsão de Chico Xavier", com a risível tese de que episódios ocorridos em 1964 e 1967 nos EUA, relacionados à visitas de extra-terrestres, haviam confirmado a "previsão" (?!) dada por Chico Xavier em 1969, portanto, depois das ocorrências.

Há também os relatos de personalidades "espíritas" a respeito do "bom homem", dentro daquele lero-lero religiosista que se conhece, uma perspectiva "espírita" mais próxima da devoção católica. E há entrevistas ou notícias relacionadas a "estudos acadêmicos" a respeito da "mediunidade" de Chico Xavier, sempre legitimando, de uma forma ou de outra, suas falsas psicografias.

É terrível, também, a adesão dada a Chico Xavier, a partir das curtidas do YouTube. No portal de vídeos, sabe que existe um "termômetro" de avaliação que se divide entre o desenho de uma mão com o polegar para cima ("curtir", referente à aceitação do que é exposto) e para baixo ("não curtir", referente à rejeição do mesmo).

Pois se o vídeo é a favor de Chico Xavier, com todo o absurdo e todas as tolices que são expostas, o número de curtidas é surpreendentemente grande. Se o vídeo é contra, o número de não-curtidas é que se torna maior.

Isso é assustador. Num país em que o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva é xingado de mafioso para baixo e se costumam assassinar reputações de quem quer que seja, Chico Xavier, mesmo apoiando fraudes de materialização e cometendo grotescos plágios literários e crime de falsidade ideológica, é inocentado até pelos erros que cometeu de propósito e de forma comprovada.

Chico Xavier defendia os arbítrios da ditadura militar numa época em que até Carlos Lacerda, o mais entusiasmado defensor do Golpe de 1964, estava na oposição. E no entanto o anti-médium mineiro é tido como "progressista" e acariciado ingenuamente por setores das esquerdas, desavisadas da postura ultraconservadora que teve o "bom velhinho".

É muito assustadora a reputação de Chico Xavier, cujo mito cresceu de forma descontrolada, e cujas atribuições, muitas delas sem fundamento, vão a qualidades que nunca lhe existiram como "cientista político", "filósofo", "ativista social" e "militante progressista". Chico nunca passou de um reles católico fervoroso dotado de relativa paranormalidade.

A preocupante situação nas mídias sociais e que mostra o atraso calamitoso em que se encontram os brasileiros, que não conseguem perceber as coisas que estão por trás das aparências e aceitam tudo que lhes é imposto apenas pela ideia declarada pelo porta-voz oficial.

A ignorância dos internautas, que em certos casos leva à arrogância reacionária que produz troleiros (trolls) que aterrorizam as mídias sociais, uma ignorância ignorada (já que eles acreditam ser "inteligentes" e "sensatos" com sua burrice estúpida), mostra o quanto o Brasil está despreparado para ser a nação-líder do mundo.

O caso de Madre Teresa de Calcutá, figura bem mais verossímil que Chico Xavier e um mito bem mais organizado na sua construção ideológica, em que pesem distorções como a apologia ao sofrimento humano que glamouriza o flagelo dos excluídos, é bem ilustrativo.

Lá fora, permite-se lançar documentários desmascarando Madre Teresa, incluindo títulos que, à primeira vista, seriam violentamente ofensivos como defini-la "anjo do inferno", algo que até gerou protestos indignados, mas não inviabilizou os questionamentos contra o mito da freira albaneza. Eles continuam crescendo e até ganhando apoio de muita gente.

Já Chico Xavier, cujo mito se construiu de forma bastante confusa, depois de gerados dois graves escândalos, um de partiche literário (Parnaso de Além-Túmulo) e outro de falsidade ideológica (caso Humberto de Campos) - o termo "falsidade ideológica" inexistia no jargão jurídico brasileiro de 1944 - e outros que vieram depois, tornou-se uma aberrante "unanimidade" entre seus adeptos.

Xavier compartilhava da mesma apologia ao sofrimento humano de Madre Teresa. No entanto, se Madre Teresa foi condenada pela opinião pública ao defender o autoflagelo como suposto meio de salvação individual, Chico Xavier é visto como "progressista" e "ativista" mediante essas mesmas ideias. Dois pesos, duas medidas.

Um vídeo de asneiras pseudo-proféticas, Data-Limite Segundo Chico Xavier, de Fábio Medeiros, em menos de um ano de disponibilização no YouTube, ganhou mais de 20 mil curtidas, fora outras adesões entusiasmadas que publicaram comentários e outras quem nem publicaram.

Pessoas acreditando e apoiando um rol de absurdos com sérios erros de abordagem científica e sociológica, em que Chico Xavier prediz uma suposta catástrofe a atingir o Primeiro Mundo e que, entre outras coisas, fará norte-americanos migrarem para a Amazônia, em vez da natural tendência, bastante conhecida, do êxodo deles para o eixo Rio-São Paulo.

Isso é terrível. Como é que uma mesma ideia reacionária pode ser reprovada e aprovada dependendo do grau de imunidade que tem alguma personalidade. As ideias e a lógica não valem pelo que elas são, pela sua relação com a realidade, mas conforme a "posse" do discurso, pois as coisas, no Brasil, não valem por si só, mas através de quem diz.

Essa incoerência em torno de Chico Xavier e sua aberrante e absurda imunidade - ele pode ter cometido os erros que cometeu, os mais graves e comprovadamente de propósito e demonstradas pelo próprio anti-médium, que ele é absolvido até de suas culpas mais evidentes - fazem com que os brasileiros permaneçam escravos de suas piores ilusões. Dessa forma, o Brasil nunca progredirá.

domingo, 20 de setembro de 2015

O "espiritismo" em crise apela para o receituário moral


Perdido em suas próprias contradições, o "movimento espírita" tenta resistir a todo custo, sempre acendendo velas para duas tendências contraditórias, o igrejismo de Chico Xavier e o cientificismo de Allan Kardec.

Recentemente, dois exemplos mostram o quanto o "espiritismo" brasileiro que não consegue resolver coisa alguma, já que se volta para a apologia do sofrimento humano, agora tenta alguma "contribuição" para a reforma moral do indivíduo, nesta sociedade cheia de conflitos.

Um exemplo é o blogue do líder "espírita" Orson Peter Carrara, ligado à FEB, num texto que mostra um psiquiatra paulista radicado em Cascavel, no Paraná, Vlamir Pereira, presidente do Grupo Espírita A Caminho da Luz, que estabelece um receituário de "mudança de pensamento" para uma "melhor qualidade de vida".

Outro exemplo é o blogue do Instituto Cultural Kardecista de Santos, da famosa cidade paulista, em que um texto de Ricardo Nunes, um dos membros da instituição, estabelece 20 ítens para a pessoa "viver bem". O texto foi reproduzido na boa-fé pelo Blog do Turquinho, um dos blogues de esquerda desavisados de que o "espiritismo" tem como astro maior o direitista Chico Xavier.

Em princípio, são duas iniciativas bastante bem intencionadas, não fosse o contexto em que tais mensagens se encontram. Elas refletem a tentativa do "movimento espírita" em tentar superar a crise dando a impressão de que "faz alguma coisa".

O grande problema é a contradição que essas mensagens que evocam a consciência de que o indivíduo "não veio para sofrer" e que "pode viver bem com prazer e alegria" e a apreciação dos respectivos "centros espíritas" à "iluminada figura de Chico Xavier, que dizia que "deveríamos sofrer amando".

Ultimamente, a contradição acaba contaminando o "movimento espírita", que tenta uma "fidelidade absoluta" a Allan Kardec, mas comete traições o tempo todo. Tenta, no discurso, apelar para a coerência do seu pensamento, mas dá tratamento preferencial aos traidores da Doutrina Espírita, como o próprio Chico e outros, como Divaldo Franco, Bezerra de Menezes, Yvonne Pereira etc.

Essa traição se deu porque estas personalidades sempre valorizaram mais o religiosismo trazido pelas obras de Jean-Baptiste Roustaing, apenas extraindo os pontos polêmicos. Primeiro os "espíritas" traem Kardec inserindo conceitos mistificadores e ideias anti-doutrinárias, para depois jurar fidelidade absoluta, rigorosa e inabalável a ele.

No caso do Instituto Cultural Kardecista de Santos, a lista de itens comete o equívoco de se definir como "reflexões espíritas", porque o que se observa é um receituário moral comum. Se essas "reflexões" fossem lançadas pela Igreja Universal, seriam "ensinamentos evangélicos". Se fossem lançadas pela Igreja Católica, seriam "receitas para a vida cristã". Qual é a diferença?

Mesmo citando a reencarnação, isso não quer dizer que tais "reflexões" sejam espíritas. Outras crenças religiosas acreditam em reencarnação, e há vestígios históricos comprovados que mostram que a ideia vem muitos séculos antes de Allan Kardec.

A contradição entre a reprovação do sofrimento, pelos "espíritas" modernos e a apologia do sofrimento de Chico Xavier cria uma grande confusão doutrinária, o que torna pertinente o fato de que tratamentos espirituais trazem mais azar do que sorte na vida.

O receituário moral acaba tendo um efeito inócuo para a vida do indivíduo e não traz eficiência para o "movimento espírita", com os vários erros que incluem o religiosismo de base católica-medieval e a mediunidade nunca devidamente feita. Tudo acaba servindo apenas para o "espiritismo" brasileiro bancar o bonzinho, sem que possa dar uma contribuição séria para a sociedade.

sábado, 19 de setembro de 2015

Fizeram de um prefeito da ditadura um "Deus" e ele trouxe o "inferno" sobre rodas


Isso é o que dá religiosizar as coisas e qualquer pessoa. A mania dos brasileiros, sobretudo cariocas, de divinizar as coisas e endeusar tudo que vem de cima, de cocô de andorinha a astro pop decadente que vem se apresentar no Brasil, cria sérios problemas, não bastasse o atraso grosseiro que isso representa para a humanidade.

No Rio de Janeiro, o processo de separatismo entre ricos e pobres começa a ser bolado, transformando a Cidade Maravilhosa num equivalente tardio da África do Sul, que nos seus tempos de racismo padronizou as áreas reservadas para cada etnia. Uma forma de deixar as áreas nobres da Cidade Maravilhosa "longe" do alcance das periferias.

O projeto é "maravilhoso" - para quem que deseja ir de carro para Copacabana e pouco se importa com o congestionamento "monstro", desde que, ao chegar à praia, se sinta como se estivesse no Còte d'Azur francês - e é planejado por tecnocratas como Alexandre Sansão e o paranaense Jaime Lerner.

Lerner é considerado um "Deus" do urbanismo, da mobilidade urbana e do transporte coletivo. No entanto, sua origem é bastante sombria. Graduou-se em Arquitetura da Universidade Federal do Paraná (UFPR) nos tempos do reitor Flávio Suplicy de Lacerda, o mesmo que, como ministro da Educação do general Castelo Branco quis destruir o movimento estudantil e privatizar as universidades públicas.

Lerner foi lançado como prefeito "biônico" de Curitiba, e bolou seu plano de urbanismo e transporte coletivo quando o presidente da República era o general Emílio Garrastazu Médici. Para quem não associa o governador ao contexto político, é bom deixar claro que "biônico" era o termo usado para governantes nomeados pelos generais da ditadura militar e o período do plano de Lerner era feito durante o "milagre brasileiro".

O "milagre brasileiro" era uma ilusão de ufanismo que tentava camuflar as arbitrariedades estimuladas pelo AI-5. criando um "país da fantasia" que escondia censuras, prisões, repressões e assassinatos políticos. Enquanto "baixava o cacete" no país, a propaganda vendia uma imagem fantasiosa do "Brasil em desenvolvimento pleno".

Jaime Lerner foi lançado pela ARENA, o partido que comandava a ditadura militar - o MDB, embrião do hoje surpreendentemente autoritário PMDB, fazia "oposição moderada" ao regime - , e seu projeto urbanístico o fez um "santo" entre seus defensores. Praticamente um "Deus".

No entanto, como político, o "São Jaime Lerner" canonizado em vida era um privatista fanático, mau pagador de salários, político indiferente aos problemas da Educação e Saúde e tão corrupto quanto seu colega de partido, o paulista Paulo Maluf e outro "santo" divinizado em vida, o baiano Mário Kertèsz (dono e locutor da Rádio Metrópole, que tem programa com o anti-médium José Medrado).


Mas mesmo seu "santificado" projeto para o urbanismo e o transporte coletivo não são tão maravilhosos assim como se imagina. Ele desenha uma cidade para as elites, e só realiza "melhorias sociais" dentro dos limites que possam garantir a "igual desigualdade" ou "desigual igualdade" entre populações pobres e ricas nas cidades, sem que a verdadeira qualidade de vida fosse considerada.

No transporte coletivo, Lerner apela mais para o sensacionalismo dos ônibus articulados (BRTs) e suas pistas exclusivas do que para qualquer tipo de funcionalidade. Adota um padrão opressivo de trabalho dos rodoviários e várias medidas favorecem a corrupção político-empresarial e o enriquecimento ilícito dos empresários de ônibus.

Medidas como a dupla função do motorista-cobrador, responsáveis pela sobrecarga profissional que influi na ocorrência de acidentes, a pintura padronizada nos ônibus - que impede que o passageiro reconheça o ônibus pela identificação visual das empresas, que é proibida - e a redução de frotas de ônibus em circulação, são alguns dos ingredientes do amargo cardápio de Jaime Lerner.

Ele parece ser um dos poucos que acham ótimo que as pessoas esperem mais de uma hora pela chegada de um ônibus. Isso porque ele é incapaz de associar a redução de ônibus nas ruas com o aumento do trânsito de automóveis, realidade que há muito acontece até em Curitiba.

Isso porque a presença de ônibus nas ruas é diminuída sob o pretexto de "aliviar o trânsito" (?!) e "permitir maior rapidez" (?!?!), como se só existisse pistas de BRT e não houvesse carros nas ruas. No entanto, se os ônibus são diminuídos para "evitar sobreposição de trajetos", não se diminuem os comerciais de automóveis que se sobrepõem entre si nos intervalos de TV.

É um comercial atrás do outro. Comercial da Fiat atrás do comercial da Chevrolet, intercalado por comerciais de bateria Moura, pneus Firestone, postos de gasolina etc. Tudo ligado aos automóveis, criando um hipnotismo dos espectadores que já são induzidos a usar carros por convenções sociais das mais tolas, como mulheres valorizarem os homens só pelos carrões que eles têm.

E aí o que se observa? O "inferno" do trânsito nas ruas, que será agravado a partir de outubro e depois dezembro, quando será extinta a ligação direta Zona Norte-Zona Sul nas linhas municipais cariocas, e em 2016, com a drástica redução das linhas intermunicipais para o Rio de Janeiro, é algo que jogos de GTA e The Sims, ilustrações do Photoshop e gráficos do PowerPoint não conseguem prever.

Isso porque a "mobilidade urbana" de Jaime Lerner - que tem, no RJ, em Alexandre Sansão o seu discípulo maior e em Carlos Roberto Osório seu entusiasmado simpatizante - , que pouco tem de mobilidade, irá contaminar o Grande Rio de "alimentadoras", trajetos ceifados que complicarão o direito de ir e vir, porque os passageiros terão que pegar vários ônibus com pagamento de Bilhete Único, que se esgota em pouco tempo, e sob trânsito congestionado.

Daí que foi um grande erro transformar em "Deus" um prefeito da ditadura militar. Ele acabou produzindo um "inferno" sobre rodas. É bom as pessoas prepararem seus lanches e levarem seus travesseiros porque os congestionamentos ficarão ainda piores.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O rock e o egoísmo contra o esforço alheio

SEM TRADIÇÃO NEM EQUIPE ESPECIALIZADA EM ROCK, RÁDIO CIDADE SE PROMOVE EM CIMA DOS ÍCONES DO GÊNERO, COMO JOY DIVISION (FOTO).

Hoje é o dia do Rock In Rio, e a cultura rock não está fora desse contexto em que os retrocessos que ocorrem no Estado do Rio de Janeiro, fazendo-o tornar um dos Estados mais atrasados do país, só servem para a construção de um gigantesco parque de consumismo das elites, seja na capital, seja nas áreas nobres de algumas de suas principais cidades.

Se a "novidade" esperada para os próximos meses é a extinção ou redução de itinerários de linhas de ônibus, para dificultar o acesso direto das populações dos bairros suburbanos do Rio e dos municípios vizinhos à Zona Sul, uma clara prova que as autoridades que integram o PMDB carioca governam como se o Estado do Rio fosse a África do Sul nos tempos do apartheid, a cultura rock é promovida de maneira caricatural.

O caso da Rádio Cidade, emissora que o mercado impôs como "rádio de rock" - a emissora não tem equipe especializada, mas seu proprietário é aliado dos grandes empresários de eventos de ponta, por sua vez aliados de empresários de franquias que exploram trabalho escravo e cobram caro por serviços e produtos - , é ilustrativo diante dessa onda elitista que tenta criar um Rio de Janeiro de fantasia, feita para o consumismo e o turismo.

O aspecto do egoísmo está no fato da supremacia da Rádio Cidade - cujo lobby afastou uma concorrente que se dedicava melhor aos clássicos do rock e tinha gente ligada ao ramo - agora se impor como "paradigma oficial de rádio de rock", o que vai muito além de uma simples deturpação de formato, pois se trata da depreciação de todo um trabalho em prol de sua cultura, que simplesmente tornou-se desmoralizado e desperdiçado.

A Rádio Cidade, sabe-se, não surgiu como rádio de rock, nunca teve vocação natural para o gênero, não tem pessoal especializado no gênero, seus locutores são os mesmos de quando a rádio se chamava Jovem Pan, e sua grade de programação não chega a cobrir o básico da cultura rock, indo abaixo do mínimo aceitável. Pior: já nem mais lança bandas novas, já que agora depende de programas da Rede Globo de Televisão para veicular "novos talentos", quase todos de talento sofrível.

No entanto, é ela que "tem que ser rádio de rock" e fim de papo. Mesmo que o roqueiro no Rio de Janeiro seja reduzido a uma patética caricatura que bota língua para fora e faz sinal do demônio com as mãos. O que assusta é a acomodação até mesmo dos seguidores da Fluminense FM, felizes com o saudosismo muito bem-intencionado do projeto Maldita 3.0 e do consolo digital da webradio Cult FM, mesmo quando o carisma da Flu se reduzir a uma celebração nostálgica.

Eles acham que o FM está morto, e acham que uma webradio resolve o problema das deturpações em FM. Só que a Rádio Cidade também tem canais na Internet e ocupa fatias de mercado bastante estratégicas de forma que o rock se torna refém mercadológico da emissora, o que pode fazer com o que se conhece como rock autêntico - para diferenciar das deturpações comerciais associadas ao gênero - se reduza mais e mais a um bacanal de saudosistas.

LUIZ ANTÔNIO MELLO FEZ DA FLUMINENSE FM UMA RÁDIO DIFERENCIADA, QUE FUGIA DAS FÓRMULAS DO RADIALISMO POP HOJE MANTIDAS PELA RÁDIO CIDADE.

O problema mais grave é que o êxito comercial da Rádio Cidade - que pelas suas caraterísticas é comparada pelos roqueiros autênticos a uma espécie de "Eduardo Cunha da cultura rock" - pode pôr a perder todo o trabalho que Luiz Antônio Mello - jornalista que idealizou a Fluminense e hoje tem programas na Cult FM - realizou na emissora niteroiense (cujo prefixo 94,9 mhz hoje corresponde à Band News Fluminense).

Entre 1982 e 1985, Luiz Antônio comandou a programação da Fluminense e queria trazer um conceito de rádio de rock que fosse muito além do vitrolão. Seu projeto era desenvolver uma rádio com personalidade própria, fugindo de fórmulas de linguagem, locução, vinhetas e grade de programação das rádios pop convencionais.

O projeto foi um sucesso, mas não se ampliou devido a problemas financeiros. Mas o formato de rádio de rock foi vítima da natural hipocrisia de gente que nunca quer assumir uma causa, mas quando ela se revela vantajosa, correm atrás dela como se fossem seus donos, querendo a patente para si.

Aí, a partir da 89 FM de São Paulo, veio uma enxurrada de rádios pop ou popularescas que viraram "rádios rock" da noite para o dia, sem ter equipe especializada e tocando um repertório previamente decidido por gravadoras. O formato cresceu e, no Rio de Janeiro que teve a Fluminense FM, é agora definitivamente consagrado pela Rádio Cidade, a parasitar o rock desde 1995, com algumas interrupções.

Isso acaba desmoralizando o trabalho de Luiz Antônio Mello, desprezando todas as dificuldades que ele enfrentou. Isso porque muitos consideram que, se fosse para o radialismo rock terminar com o império publicitário da Rádio Cidade, a Fluminense FM não precisava ter existido, pois não valeria a pena tanta trabalheira para se fazer uma rádio diferenciada, se bastava apenas botar uma rádio pop qualquer nota para tocar "só rock".

No livro A Onda Maldita, Luiz Antônio havia escrito, sabiamente, sem saber do desastre que acabou prevendo: "Tínhamos uma verdadeira fobia de que uma Rádio Cidade, de repente, despejasse, com seus milhares de quilowatts, rock sobre o Rio. Estaríamos ferrados". Acabaram ferrados, com o crescimento da máquina publicitária da Cidade, consolidada nos últimos meses.

Surgem textos na Internet lembrando desse desprezo da Cidade FM às lições do trabalho de Luiz Antônio, conhecido como LAM, e isso vai além de questões acerca de divulgar bem ou mal a cultura rock. É um caso de egoísmo humano, de desprezo a um trabalho diferenciado, que se reduziu a pó, porque a Rádio Cidade simplesmente adota todos os elementos de trabalho radiofônico que a Fluminense FM queria evitar e até combater.

A Rádio Cidade tem uma grande de programação inspirada na Jovem Pan FM. Programas de humor, programa de "sucessos do momento", "mais pedidas", "músicas antigas" e "novidades", apenas camuflados num aparato "roqueiro". Não é uma grade de programação de rádio de rock, que aborda as variações do gênero e vai muito além dos "grandes sucessos" e da "música de trabalho". O estilo de locução, por sua vez, segue o estilo "gostosão" reprovado por LAM.

Outra crítica sobre a Rádio Cidade se refere à emissora não ter qualquer tradição histórica com o gênero, a partir do seu nome. A rádio surgiu em 1977 se consagrando no pop convencional, e só "aderiu ao rock" quando percebeu o potencial comercial do estilo, ou seja, quando havia "grana rolando". Sem tradição histórica nem pessoal especializado, a emissora apenas "força a barra" querendo criar para si uma reserva de mercado exclusiva ou, ao menos, dominante no rock.

Fora do âmbito roqueiro e, mesmo comparando com a situação do "espiritismo", a relação Fluminense FM x Rádio Cidade têm a mesma natureza da relação Allan Kardec x Jean-Baptiste Roustaing. E, vendo de fora o caso, nota-se que a Rádio Cidade faz um verdadeiro desrespeito ao trabalho difícil de um jornalista como Luiz Antônio, por jogar todas as lições dele no lixo.

Por isso, mais do que uma deturpação da cultura rock e da forma caricata com que a Rádio Cidade trata o público roqueiro, reduzido a um consumista submisso - sobretudo um "consumista do rock" - , é o desprezo que se tem a todo um trabalho de radialistas em prol da cultura rock no passado, assim como a ignorância de todo um histórico da cultura rock do Brasil e do mundo, já que mesmo nos momentos mais "radicalmente roqueiros", a Cidade FM sempre foi uma rádio comercial "só de sucessos".

O caso mostra o descaso que uma emissora e sua minoria de seguidores fanáticos (que encaram o rock como se fosse uma seita neopentecostal) tem com a verdadeira natureza de um estilo cultural e o desprezo que tem com as lições feitas há décadas por equipes de radialistas que tentaram ir além dos estereótipos associados ao rock. Jogar todo esse trabalho fora é demonstração de puro desprezo aos esforços do próximo.