sexta-feira, 25 de setembro de 2015
No Brasil, há a supremacia da retórica tecnocrata
No Brasil ainda pouco esclarecido das coisas, existe uma mania de pessoas usarem desculpas em retórica "técnica", ou tecnocrata, para explicar decisões e escolhas dotadas de muitos equívocos. No "espiritismo", temos a abordagem de acadêmicos como Alexander Moreira-Almeida e Jorge Cecílio Daher Jr. feita sob metodologia e abordagens prolixas e cheias de erros.
Sabe-se que Moreira-Almeida e Jorge Daher tentam dar um verniz científico à suposta mediunidade de Francisco Cândido Xavier, um atribuindo autenticidade nas cartas atribuídas ao espírito Jair Presente, jovem que havia morrido num acidente em 1974, publicadas naquele mesmo ano e outro alegando suposto pioneirismo científico de décadas à narrativa do suposto André Luiz.
No caso de Jair Presente, há um contraste aberrante entre a primeira carta, que aponta um estilo religiosista típico de Chico Xavier, com narrativa terna e respeitosa, e as outras cartas, que apontam uma narrativa grosseiramente tensa, como se parodiassem algum usuário de drogas ilícitas como cocaína e LSD escrevendo uma mensagem bastante nervosa e com um surreal excesso de gírias.
No caso de André Luiz, a tentativa é de atribuir a relatos escritos no livro Missionários da Luz (1945) um suposto pioneirismo científico de 13 e 63 anos em relação às abordagens da glândula pineal. Os acadêmicos liderados por Daher alegam que quase não havia trabalhos científicos sobre o tema na década de 1940 e que os trabalhos existentes eram "escassos e bastante conflituosos", afirmando como se o conflito, normal num debate científico, fosse visto como uma "aberração".
Só que nós observamos o trabalho deles, que o sítio da AME-Brasil (Associação Médico-Espírita do Brasil) tirou do ar, e vemos que eles só consultaram trabalhos de terceiros publicados depois de 1977, não se esforçando em ver as fontes originais, os próprios textos e autores que debatiam a glândula pineal nos anos 1940. Da década, só foi creditado o próprio livro de "André Luiz" / Chico Xavier.
As fontes pesquisadas vão de 1977 em diante e não são reedições de obras dos anos 1940. Enquanto isso, nós, nos limites de nossa especialidade - não somos especializados em Biologia - , identificamos que os debates sobre glândula pineal e uma de suas substâncias, a melatonina (isolada em 1958 por Aaron Lerner), já existiam em 1917 e, se o isolamento da melatonina só ocorreu em 1958, essa tarefa já era cogitada bem antes do livro do suposto espírito de André Luiz.
Toda descoberta científica já têm, pelo menos, duas ou três décadas de antecedência como hipótese. Isolar uma substância ou um vírus é uma tarefa que é pensada anos antes de sua descoberta. Uma pesquisa científica leva décadas para se consumar e é evidente que uma façanha científica é algo que não surge no momento de sua conclusão, ela é um trabalho de muitos e muitos anos.
Daí que o "pioneirismo" de André Luiz não procede, seja pelo isolamento da melatonina em 1958, seja por outras descobertas trazidas à luz em 2008. Na verdade, os temas presentes em Missionários da Luz já eram discutidos por autores como Wolfgang Bargmann, autor em evidência nos anos 1940.
Além disso, a glândula pineal parece ser um assunto presente em um livro muito conhecido no Brasil, Manual da Anatomia Humana, de Alfredo Monteiro e Benjamin Batista, lançado em 1920, e que possivelmente pode ter sido consultado pelo ávido leitor de livros que era Chico Xavier. Esse livro tem exemplares disponíveis para venda na Estante Virtual.
O discurso acadêmico e toda a postura de formalidade de Alexander Moreira-Almeida e Jorge Cecílio Daher Jr. não garantem coerência ou transparência de seus pontos de vista, num país em que o diploma não é visto como garantia de saber, mas de moeda de poder de decisão para algumas pessoas que se acham "formadoras de opinião e de decisões" para a sociedade.
"OTIMIZAÇÃO" QUE PREJUDICA, "MOBILIDADE" QUE COMPLICA
Um outro exemplo foi dado nos últimos dias pelo secretário municipal de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro - comandada por Eduardo Paes, do autoritário PMDB carioca - , Rafael Picciani, tanto para reafirmar as terríveis mudanças nas linhas de ônibus cariocas a serem implantadas em breve quanto para tentar desmentir a associação delas com os arrastões nos últimos dias.
Ele tentou dizer, com um discurso tecnocrático, que as mudanças nas linhas de ônibus, que darão fim à ligação direta entre Zona Norte e Zona Sul, não têm relação com os arrastões nem com a prisão de jovens vindos de ônibus da Zona Norte, e foram feitas "para otimizar o sistema" e não "como forma de vingança" contra a presença de pobres nas praias cariocas.
Afirmando o modelo (decadente) de sistema de ônibus implantado em 2010, Picciani tenta dar a impressão de que o modelo traz "melhorias" e expressões como "otimização" e "mobilidade urbana" são livremente pronunciadas nesse discurso demagógico, já que se sabe que o modelo de 2010 é inspirado em ideias que só faziam sentido na ditadura militar.
Para ele, "não existe lógica de concorrência de linhas" e ele alega que as linhas serão encurtadas para evitar "sobreposição de trajetos". Ele jura que a ideia, trazida por ele e Alexandre Sansão, foram feitas apenas para "racionalizar" o serviço de ônibus no Rio de Janeiro.
Só que o discurso bonito, supostamente técnico e dotado de bom-mocismo, não expressa a menor coerência. Afinal, não há como falar em mobilidade urbana um sistema que complica a vida dos passageiros, seja pela pintura padronizada que impede as empresas de ônibus serem conhecidas pela identidade visual, seja pelas linhas encurtadas que obrigam as pessoas a pegar mais de um ônibus.
Isso não é mobilidade. É desmobilidade. Complica o direito de ir e vir, força as pessoas a redobrar a atenção para não pegar um 378 para Marechal Hermes pensando ser um 328 para o Bananal, já que as empresas de ônibus têm a mesma pintura, e causa desconforto para alguém que vai sentada da Zona Norte para o Centro para embarcar e ficar em pé num BRT lotado do Centro para a Zona Sul.
Observando o que aconteceu em Jacarepaguá, realizamos pesquisas percorrendo várias avenidas no seu entorno. Constatamos que os BRTs rodam sempre lotados, quando muito apenas com todos os assentos ocupados, e com uma média de cinco pessoas em pé. Isso em horários de demanda muito fraca, pois quase sempre os ônibus têm grande lotação, superlotados em horários de pico (alta demanda).
E como é que vai otimizar um transporte assim sobrecarregando os pontos da Candelária, que já são tumultuados e confusos - só as filas para a Baixada e para Niterói se misturam completamente - e fazer com que o direito de ir e vir dependa do uso de mais de um ônibus, uma baldeação que quase sempre esgota a validade do Bilhete Único, que é de duas horas e meia?
Isso não é otimizar. Grande mentira do sr. Picciani. Isso é "pessimizar", "maleficizar", degradar. Se o sistema de ônibus do Rio de Janeiro antes de 2010 não era perfeito, era muito mais funcional e vantajoso em vários aspectos. Nem o histérico udenista Carlos Lacerda seria capaz de fazer um sistema de ônibus tão decadente e autoritário como o de Eduardo Paes e companhia, que se dizem "progressistas", pasmem!
Esse verniz tecnocrático, trazido por Jaime Lerner - ídolo dos secretários de Transporte cariocas Alexandre Sansão, Carlos Roberto Osório e o atual Rafael Picciani, e que foi prefeito da ARENA nomeado pela ditadura militar - , só serve para mostrar o quanto decisões equivocadas podem ser defendidas com um discurso "técnico" que só serve para enganar as pessoas.
Daí que, em muitos momentos na vida, os brasileiros são traídos constantemente com uma retórica "técnica" que busca justificar as piores decisões, as medidas mais cruéis e as abordagens equivocadas. Cria-se um país errado que só tem a arte de falar bonito e explicar qualquer bobagem com discurso tecnocrático.
Isso é um grande perigo, porque essa "sabedoria de letras mortas" um dia pode destruir o Brasil, se as pessoas não pararem de dar credibilidade ao "cientificismo de aparência", um monte de besteiras, maldades e deslizes protegido pela multidão de palavras bem arrumadas.
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