quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Brasil ainda persiste com valores da ditadura militar

GENERAL EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI, QUE COMANDOU A ILUSÃO DO "MILAGRE BRASILEIRO".

O "milagre brasileiro" são os nossos "anos dourados"? Infelizmente, para o bem e para o mal, muitos dos "heróis" brasileiros são figuras do tempo da ditadura militar. Muitas das "receitas" para o desenvolvimento ainda são projetos ditatoriais e mesmo a cultura é subordinada a abordagens "provocativas" que evocam apenas a "carnavalização" brega-tropicalista dos "anos de chumbo".

Essa visão saudosista do "milagre brasileiro", trazida por modelos de urbanismo, transporte, economia, cultura, cidadania e mídia que só faziam sentido na época da ditadura, mas tentam se fazer prevalecer hoje, é vista não apenas por grotescos movimentos golpistas do porte dos Revoltados On Line, Acorda Brasil e Movimento Brasil Livre, mas mesmo em mentes ditas "progressistas".

Enquanto uma parcela de brasileiros fica mais preocupada na saída do PT do poder e na depreciação a cada vez mais agressiva de Dilma Rousseff e Luís Inácio Lula da Silva, poucos percebem o verdadeiro mal, o "ovo da serpente" criado pelo PMDB carioca, através de medidas retrógradas trazidas por Eduardo Cunha, Eduardo Paes e Luiz Fernando Pezão.

Projetos que vão da terceirização do mercado de trabalho, da redução da maioridade penal e do prolongamento da idade de aposentadoria, no âmbito federal, até medidas "espetaculares" no Rio de Janeiro, como a redução de linhas de ônibus diretas da Zona Norte para a Zona Sul, numa clara intenção de estimular a "faxina étnica" nas principais praias cariocas, dão conta desse cenário.

São retrocessos que preveem a catástrofe que poderá ser o Brasil, que sempre viu interromperem tentativas de projetos de verdadeiro progresso social e econômico. Depois de tentativas como os governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart e, de maneira ainda mais precária, dos governos de Lula e Dilma, volta o risco do país mergulhar em retrocessos políticos mais profundos.

Se Fernando Henrique Cardoso sinalizou para o fim de muitas conquistas sociais da Era Vargas, o atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, pretende arrasar até o que a Constituição de 1988 garante, na gradual finalidade de promover um Brasil de adolescentes encarcerados, adultos escravizados e idosos impedidos de aproveitar o ócio para usufruir e avaliar suas vidas.

Poucos percebem o quanto, por outro lado, os festivos políticos cariocas, Eduardo Paes e Luiz Fernando Pezão querem governar o Rio de Janeiro como se fosse a África do Sul nos tempos do apartheid, "consolando" o povo da Zona Norte da "praia artificial" que no próximo mês haverá em Madureira.

Os políticos já adotam essa política separatista e discriminatória desde quando impuseram a padronização visual nos ônibus, impedindo que cada empresa de ônibus tenha identidade visual própria e autonomia administrativa e dificultando que os passageiros possam diferir uma empresa boa da ruim, o que favorece a corrupção.

Diferentes empresas de ônibus são enfiadas numa camisa-de-força dos "consórcios" (grupos empresariais politicamente formados), e se os empresários de ônibus têm menos autonomia administrativa, eles ganharam mais poder no jogo eleitoral e suas fraudes nas urnas eletrônicas. Recentemente, o pouco confiável Pezão foi eleito favorecido pelo lobby dos sindicatos e associações patronais de transporte coletivo no Estado do RJ.

Se essa discriminação já era comparável ao "desenho" que as autoridades da África do Sul racista faziam para diferentes etnias, em que cada uma tinha seu "território", a eliminação das ligações diretas Zona-Norte-Zona Sul - os cariocas têm que pegar (e pagar, porque o Bilhete Único se esgota rapidinho) dois ônibus para se deslocar entre as duas zonas) agrava ainda mais esse separatismo.

Tudo é feito "pelo cidadão", num país em que pedir "intervenção militar" (novo nome para "golpe de 1964", que a ditadura chamava de "revolução") é "defender a democracia e a Constituição". Só que Paes, Pezão e qualquer outro (ao redor deles existe José Mariano Beltrame, Carlos Roberto Osório e até o "sumido" Sérgio Cabral Filho) estão comprometidos com o Rio de Janeiro das elites.

Eles expulsam bandidos que passam a agir em outras cidades e Estados. Permitem que balas perdidas atinjam inocentes nesse tiro ao alvo que elimina cariocas. Pouco importa se alguns turistas ou gente de classe média morrem no caminho, a insegurança parece ser proposital diante da falta de medidas reais de segurança e qualidade de vida. Tudo fica no terreno da demagogia.

Enquanto isso, a Zona Sul não resolve o problema de suas próprias favelas, nem do abuso policial. A truculência policial, que tanto pode "fazer sumir" um pedreiro como Amarildo de Souza quanto a bela engenheira Patrícia Amieiro, ambos no entorno de São Conrado - que tem a gigantesca favela da Rocinha no seu território - , é algo ainda constante no "moderno" Rio de Janeiro.

E o Rio de Janeiro mantém a mania de se impor como "modelo para o país", depois do desgaste de São Paulo, e o país continua à mercê dessa influência, o que representa uma séria ameaça de "federalização" dos retrocessos que atingem o Estado do Rio de Janeiro, que tende a se tornar um dos mais atrasados do país.

VALORES DA DITADURA MILITAR

Se alguns dos "heróis" de hoje são figuras surgidas na ditadura militar, como o arquiteto Jaime Lerner, o ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello e o ex-político e hoje radialista baiano Mário Kertèsz e os paradigmas de desenvolvimento social, urbanístico e cultural continuam os mesmos do "milagre brasileiro", a situação é preocupante.

Mesmo pessoas mais jovens como Luciano Huck, o jornalista cultural Pedro Alexandre Sanches (discípulo do neoliberalismo cultural travestido de falso militante esquerdista) e o já citado Eduardo Paes, ainda bebês na época do governo do general Emílio Garrastazu Médici (que implantou o projeto do "milagre brasileiro"), não fogem a essa herança ditatorial.

Esses três representam as elites sócio-culturais que, mesmo com um arremedo de "progressismo", seguem ainda uma visão própria dos "anos de chumbo", enxergando princípios de cidadania como subprodutos do marketing político e dos ideais de consumismo num país em que se acredita que a Economia é a medida de todas as coisas.

Até o machismo se torna ainda resistente, apesar de estar moribundo como ideologia dominante, seja pela ação criminal de feminicidas, seja pela publicidade depreciativa às mulheres. Num país em que perdemos nomes como Renato Russo, Glauber Rocha e Raul Seixas com pouca idade, muitos ainda sentem medo de ver morrerem Pimenta Neves e Doca Street, ambos já bastante idosos, e ver o machismo que eles simbolizaram ruir sem a presença destes "heróis da defesa da honra".

Nem para fechar o ciclo dando adeus a velhos machistas o Brasil tem coragem. Ainda ficamos presos às eras Médici e Geisel e seus totens, mesmo os mais "desagradáveis". Imaginamos a dificuldade de editores do Estadão, ávidos em deixar pronto o obituário do ex-presidente Lula, adiantar um obituário de Pimenta Neves. Até a Rainha da Inglaterra já tem texto funebre pronto há anos.

Mas mesmo o feminismo brasileiro ainda é refém de valores machistas. As "mais modernas" feministas têm o protótipo de mulheres vulgares que povoaram as páginas de revistas eróticas de segunda categoria, vendidas nas bancas nos tempos de Geisel, com a diferença de que as despeitadas de glúteos enormes deram lugar às "turbinadas" com altas doses de silicone. Mas o paradigma de "mulher brasileira" ainda se mantém refém de ideais machistas de sensualidade.

O "progresso econômico" ainda está subordinado ao receituário da Era Médici. A transposição do Rio São Francisco e a construção da hidrelétrica de Belo Monte (esta um projeto do governo Médici) são exemplos de obras megalomaníacas que causam impacto ambiental e sócio-biológico. O lucro financeiro e o avanço tecnológico são vistos como mais importantes que a cidadania e a biodiversidade e os direitos dos povos indígenas de terem seus espaços.

Muitos desses aspectos se protegem não na histeria golpista dos "coxinhas" e "revoltados" em gerla, mas sob pretextos "progressistas" e pelas supostas mudanças de posturas de certas personalidades. O baiano Mário Kertèsz, lançado pela ARENA e apadrinhado por Antônio Carlos Magalhães, tentou bancar o dono das esquerdas na Bahia e prometia uma mídia "progressista" através de suas corporações midiáticas. Em vão.

Isso porque, num dado momento, muitos "progressistas de ocasião" deixam a máscara cair. Kertèsz já esculhambou em sua Rádio Metrópole FM, jornalistas de esquerda mais renomados. O respaldo ao governo petista já teve direitistas do porte de Marco Feliciano e Jair Bolsonaro no seu bojo, Jaime Lerner, como governante, foi tão corrupto quanto Paulo Maluf e Eduardo Cunha se ascendeu nas costas da mesma Dilma Rousseff à qual declarou oposição.

O Brasil compromete seu progresso pensando assim, como um cão que corre atrás pelo próprio rabo. Pensar em valores de âmbito político, econômico, sociológico, cultural e tecnológico herdados do período militar é travar o compromisso histórico, porque ninguém pensará o progresso do país através desses valores que, no fundo, são bastante conservadores, retrógrados e até obsoletos.

O ideal é fazer um novo país com novos personagens, recuperando e atualizando tradições perdidas com a ditadura militar e com personagens que não possam simbolizar ou representar heranças dos "anos de chumbo", por mais "progressistas" que tais pessoas finjam hoje parecer.

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