segunda-feira, 21 de setembro de 2015

YouTube e a aberrante complacência com Chico Xavier


É preocupante o que acontece nas mídias sociais a respeito de Francisco Cândido Xavier. A idolatria cega ao anti-médium mineiro não se expressa apenas nos hashtags um tanto hipócritas do Twitter ou nas mensagens docilmente conservadoras deixadas por ele e reproduzidas em memes no Facebook. No YouTube ocorre o pior da idolatria dada a Chico Xavier.

Sem alguém com visibilidade para desmascarar Chico Xavier - no passado, um Padre Quevedo tentou o feito, apoiado por outros, mas ele e estes eram católicos ortodoxos e Quevedo era visto como ranzinza e oportunista - , o mito do anti-médium, construído há mais de 70 anos, cresceu monstruosamente, mesmo diante de uma trajetória confusa e cheia de contradições e escândalos graves.

No YouTube existem vídeos de diversos tipos favoráveis a Chico Xavier. Um deles tem o título piegas de "Chico Xavier: Amor". Outros falam asneiras como "Astronautas norte-americanos confirmaram previsão de Chico Xavier", com a risível tese de que episódios ocorridos em 1964 e 1967 nos EUA, relacionados à visitas de extra-terrestres, haviam confirmado a "previsão" (?!) dada por Chico Xavier em 1969, portanto, depois das ocorrências.

Há também os relatos de personalidades "espíritas" a respeito do "bom homem", dentro daquele lero-lero religiosista que se conhece, uma perspectiva "espírita" mais próxima da devoção católica. E há entrevistas ou notícias relacionadas a "estudos acadêmicos" a respeito da "mediunidade" de Chico Xavier, sempre legitimando, de uma forma ou de outra, suas falsas psicografias.

É terrível, também, a adesão dada a Chico Xavier, a partir das curtidas do YouTube. No portal de vídeos, sabe que existe um "termômetro" de avaliação que se divide entre o desenho de uma mão com o polegar para cima ("curtir", referente à aceitação do que é exposto) e para baixo ("não curtir", referente à rejeição do mesmo).

Pois se o vídeo é a favor de Chico Xavier, com todo o absurdo e todas as tolices que são expostas, o número de curtidas é surpreendentemente grande. Se o vídeo é contra, o número de não-curtidas é que se torna maior.

Isso é assustador. Num país em que o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva é xingado de mafioso para baixo e se costumam assassinar reputações de quem quer que seja, Chico Xavier, mesmo apoiando fraudes de materialização e cometendo grotescos plágios literários e crime de falsidade ideológica, é inocentado até pelos erros que cometeu de propósito e de forma comprovada.

Chico Xavier defendia os arbítrios da ditadura militar numa época em que até Carlos Lacerda, o mais entusiasmado defensor do Golpe de 1964, estava na oposição. E no entanto o anti-médium mineiro é tido como "progressista" e acariciado ingenuamente por setores das esquerdas, desavisadas da postura ultraconservadora que teve o "bom velhinho".

É muito assustadora a reputação de Chico Xavier, cujo mito cresceu de forma descontrolada, e cujas atribuições, muitas delas sem fundamento, vão a qualidades que nunca lhe existiram como "cientista político", "filósofo", "ativista social" e "militante progressista". Chico nunca passou de um reles católico fervoroso dotado de relativa paranormalidade.

A preocupante situação nas mídias sociais e que mostra o atraso calamitoso em que se encontram os brasileiros, que não conseguem perceber as coisas que estão por trás das aparências e aceitam tudo que lhes é imposto apenas pela ideia declarada pelo porta-voz oficial.

A ignorância dos internautas, que em certos casos leva à arrogância reacionária que produz troleiros (trolls) que aterrorizam as mídias sociais, uma ignorância ignorada (já que eles acreditam ser "inteligentes" e "sensatos" com sua burrice estúpida), mostra o quanto o Brasil está despreparado para ser a nação-líder do mundo.

O caso de Madre Teresa de Calcutá, figura bem mais verossímil que Chico Xavier e um mito bem mais organizado na sua construção ideológica, em que pesem distorções como a apologia ao sofrimento humano que glamouriza o flagelo dos excluídos, é bem ilustrativo.

Lá fora, permite-se lançar documentários desmascarando Madre Teresa, incluindo títulos que, à primeira vista, seriam violentamente ofensivos como defini-la "anjo do inferno", algo que até gerou protestos indignados, mas não inviabilizou os questionamentos contra o mito da freira albaneza. Eles continuam crescendo e até ganhando apoio de muita gente.

Já Chico Xavier, cujo mito se construiu de forma bastante confusa, depois de gerados dois graves escândalos, um de partiche literário (Parnaso de Além-Túmulo) e outro de falsidade ideológica (caso Humberto de Campos) - o termo "falsidade ideológica" inexistia no jargão jurídico brasileiro de 1944 - e outros que vieram depois, tornou-se uma aberrante "unanimidade" entre seus adeptos.

Xavier compartilhava da mesma apologia ao sofrimento humano de Madre Teresa. No entanto, se Madre Teresa foi condenada pela opinião pública ao defender o autoflagelo como suposto meio de salvação individual, Chico Xavier é visto como "progressista" e "ativista" mediante essas mesmas ideias. Dois pesos, duas medidas.

Um vídeo de asneiras pseudo-proféticas, Data-Limite Segundo Chico Xavier, de Fábio Medeiros, em menos de um ano de disponibilização no YouTube, ganhou mais de 20 mil curtidas, fora outras adesões entusiasmadas que publicaram comentários e outras quem nem publicaram.

Pessoas acreditando e apoiando um rol de absurdos com sérios erros de abordagem científica e sociológica, em que Chico Xavier prediz uma suposta catástrofe a atingir o Primeiro Mundo e que, entre outras coisas, fará norte-americanos migrarem para a Amazônia, em vez da natural tendência, bastante conhecida, do êxodo deles para o eixo Rio-São Paulo.

Isso é terrível. Como é que uma mesma ideia reacionária pode ser reprovada e aprovada dependendo do grau de imunidade que tem alguma personalidade. As ideias e a lógica não valem pelo que elas são, pela sua relação com a realidade, mas conforme a "posse" do discurso, pois as coisas, no Brasil, não valem por si só, mas através de quem diz.

Essa incoerência em torno de Chico Xavier e sua aberrante e absurda imunidade - ele pode ter cometido os erros que cometeu, os mais graves e comprovadamente de propósito e demonstradas pelo próprio anti-médium, que ele é absolvido até de suas culpas mais evidentes - fazem com que os brasileiros permaneçam escravos de suas piores ilusões. Dessa forma, o Brasil nunca progredirá.

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