terça-feira, 30 de junho de 2015

Espiritismo e a questão da redução da maioridade penal

NOTÍCIAS PESADAS COMO ESSAS, DO BRASIL URGENTE DA TV BANDEIRANTES SÃO TRANSMITIDAS EM HORÁRIO EM QUE CRIANÇAS VEEM TELEVISÃO.

Hoje haverá votação, na Câmara dos Deputados, para a aprovação ou o veto à proposta de redução da maioridade penal. Se for aprovada, adolescentes de 16 e 17 anos passam a responder criminalmente como se fossem adultos. A proposta é defendida pelo presidente da casa legislativa, o obscurantista Eduardo Cunha.

A medida é apoiada por vários setores da sociedade, baseados numa histeria ao mesmo tempo moralista e punitiva contra menores criminosos ou infratores, quando na verdade existem aspectos bem mais complexos que fazem com que a redução da maioridade seja uma medida inútil para o combate à violência.

O aspecto mais óbvio é que será apenas mais gente para lotar os já superlotados presídios, que por sua vez são ambientes em que o ódio, a falta de esperança e a violência, ou mesmo os planos criminosos que são negociados nas celas, são algumas das caraterísticas da realidade vivida nas prisões.

Embora o espírito não tenha idade, a infância e a adolescência são condições materiais de aprendizado que não podem se equiparar com a consciência plena de adultos formados. Embora hoje em dia as crianças sejam mais informadas e conscientes das coisas, mesmo assim elas ainda têm um despreparo para a complexidade da vida adulta.

Não seria procedente considerar a validade da redução da maioridade penal, mesmo que espíritos de crianças e adolescentes sejam bastante antigos e, portanto, experientes. Nem a tese de reencarnação justifica transformar criminosos mirins em adultos, pois a infância e a adolescência são, materialmente, condições de reformulação da personalidade, em que os adultos deveriam contribuir para dar aos menores condições de evolução e não de degradação moral.

Aliás, se as crianças e adolescentes acabam cometendo crimes, o que deve se levar em conta não são esses atos por si, mas todo um sistema de valores doentio para o qual a violência é vista como um desabafo e uma forma de reagir contra o descaso social e outros aspectos arbitrários ou punitivos.

As crianças são bombardeadas por uma verdadeira apologia à violência empurrada pelos meios de comunicação. Programas policialescos, como Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, e Cidade Alerta, da TV Record, mostram todo um repertório de notícias sobre homicídios, roubos e estupros que pode inspirar nas crianças um sentimento de "rebeldia".

Pois os programas, mesmo quando condenam severamente o banditismo e outras atrocidades, oferece ao público a alternativa de praticar esses mesmos crimes quando há algum empecilho. Se há uma discussão de amigos e de familiares, o homicídio acaba sendo a "solução" para tais desavenças.

Os crimes cometidos por menores ou mesmo pelos jovens adultos nos últimos anos é reflexo de toda uma campanha pró-violência que marcou a televisão brasileira na década de 1990. Sob a desculpa de transmitir "realismo", as emissoras de televisão empurravam programas que exaltavam sexo e violência que eram despejados na programação diária, impunemente.

Filmes com Charles Bronson e Chuck Norris eram jogados na Sessão da Tarde e similares. Programas infantis empurravam uma mentalidade adolescente antecipada e era marcada pela sensualidade das apresentadoras. Em compensação, comédias de Charlie Chaplin e Jerry Lewis passavam na madrugada. Até a publicidade embarcava na onda e também fazia das suas.

Um exemplo foi, quando, em 1994, uma fabricante de televisões fez um comercial num cinema, em que um garoto gritava com um jeito maroto "A mocinha morre no final! Quem matou foi o marido!", sugerindo uma apologia ao feminicídio, devido ao hábito de muitos cinéfilos acreditarem em finais felizes nas produções cinematográficas. O comercial passou nos intervalos do Jornal Nacional (Rede Globo).

Se um comercial de TV acaba associando sutilmente o feminicídio conjugal com final feliz, e comédias inocentes eram transmitidas de madrugada pelas emissoras de TV, esse quadro doentio de filmes violentos e programas policialescos passados sobretudo à tarde, já que as manhãs eram reservadas para o erotismo de cores aberrantes dos programas "infantis", então a coisa era feia.

Nas rádios, havia a pornografia do É O Tchan empurrada para o público infantil e, pasmem, tocada até em eventos infantis "espíritas". O primeiro sucesso, "Segura o Tchan", tem a segunda estrofe fazendo uma apologia nada sutil ao estupro.

Mas também havia o rock farofa do Guns N'Roses - que os incautos pensam ser banda de "rock clássico", quando o grupo não passa de um grosseiro pastiche do Led Zeppelin - , cujo um dos sucessos dizia "Eu costumava amá-la, mas tive que matá-la". Mais feminicídio.

Essas coisas, manifestas nos anos 90 que os brasileiros mais crédulos pensam ser uma "época gloriosa e saudosa", mas que a realidade demonstra ter sido a "década perdida" do Brasil, acabam estimulando toda uma "filosofia" que faz os menores de idade cometerem crimes.

É essa a "educação" que as crianças recebem, em que não existem valores positivos e a violência é vista como uma "solução" e um "desabafo". Pouco importa o bandido ou o assassino ser visto como "vilão" pela TV, porque contraditoriamente ele pode ser o "justiceiro", já que a violência acaba sendo uma expressão de instintos e impulsos que a mídia acaba estimulando, mesmo quando reprova no discurso.

É o "mundo adulto" que acaba forçando crianças e adolescentes a não construírem seus sonhos. mas seu ódio e seus instintos mais primários. que nas adversidades os fazem cometer crimes. Só que, antes de culpar os menores por isso, deveria culpar os adultos e, sobretudo, os meios de comunicação que, hipócritas, pregam a redução da maioridade penal.

O que deve se fazer é punir os adultos que estimulam os crimes feitos por menores, tornando as penas severas para quem tem mais de 18 anos e cometeu esse estímulo. E os próprios meios de comunicação deveriam ser multados por conta desse dano moral feito através de sua programação violenta, principalmente durante os "inesquecíveis" anos 90.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Com ônibus, Governo do Estado do RJ reforça mentalidade provinciana

A FALSA MOBILIDADE URBANA QUE LUIZ FERNANDO PEZÃO E EDUARDO PAES TESTAM COM CARLOS ROBERTO OSÓRIO...

Segundo reportagem do jornal O Globo, o Secretário de Transportes do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Carlos Roberto Osório, prepara mais um presente amargo para os passageiros de ônibus, anunciando a "licitação" das linhas intermunicipais que servem a capital.

A decisão é de arrancar os cabelos, se perceber que seu grupo político fez com as linhas municipais cariocas, criando uma "licitação" que, em vez de mostrar as empresas, as esconde, impondo uma tenebrosa padronização visual que confunde os passageiros, que precisam redobrar atenção na hora e ir e vir de ônibus.

A decisão, na medida que proibiu as empresas de ônibus de apresentar suas identidades visuais - em algumas cidades, como São Gonçalo, pequenos logotipos têm exibição permitida, mas isso é insuficiente - , estimulou a corrupção empresarial e fez empresas boas não só decaírem como serem confundidas com empresas ruins, já que ostentam a mesma pintura.

Isso interfere muito nas vidas das pessoas. E sobrecarrega os indivíduos que, na correria do dia a dia, têm que diferenciar uma empresa da outra com muita atenção, porque diferentes empresas se amontoam com seus ônibus de uma mesma pintura e o passageiro precisa observar duas vezes para não pegar o ônibus errado.

As autoridades dizem que isso é "mobilidade urbana", mas a realidade diz que isso é uma brincadeira de muito mau gosto. O desprezo das autoridades pelo interesse público e a mentalidade provinciana de adotar certas medidas como "verdades absolutas" só porque vieram de decisões de políticos e tecnocratas influentes é notório, por mais que os governantes cariocas tentem desmentir o desprezo.

TEM TUDO A VER COM O OBSCURANTISMO DE EDUARDO CUNHA.

Afinal, o "sucesso" da medida se deve mais ao lobby político em torno de Jaime Lerner, arquiteto e político lançado pela ditadura militar e considerado o "Roberto Campos dos transportes" pelo seu caráter tecnocrático e antipopular.

Político paranaense, Lerner foi o padrinho político de José Richa, pai do atual governador do Paraná, Beto Richa, recentemente envolvido na violenta repressão a uma multidão de professores em greve. Ele teria ordenado a violência policial contra os manifestantes.

A falta de visão da realidade contemporânea e a imposição de medidas dignas da ditadura militar mostram o quanto o provincianismo de Eduardo Paes, Sérgio Cabral Filho, Carlos Roberto Osório, Luiz Fernando Pezão, Alexandre Sansão, José Mariano Beltrame e outros está acabando com o Rio de Janeiro, Estado que está sofrendo diversos retrocessos sociais, culturais e políticos.

É o mesmo provincianismo que faz Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, querer a terceirização do trabalho, o prolongamento da contribuição do INSS, a redução da maioridade penal e outras propostas reacionárias, expressão de um Estado que ainda tem Jair Bolsonaro e também boa parte dos reacionários internautas que espalham terror e humilhação nas mídias sociais.

O Brasil está totalmente provinciano, é verdade. Mas o Rio de Janeiro surpreende com um provincianismo que não é apenas um bairrismo, porque não é um simples chauvinismo estadual, mas um retrocesso de valores, uma estreiteza de visão de mundo e um reacionarismo ultraconservador que fazem o Estado se situar num contexto muito preocupante para o país.

A própria "solução" da pintura padronizada nos ônibus, sob o pretexto da licitação - quando esta medida contraria não só artigos da Lei de Licitações mas de leis como o Código de Defesa do Consumidor e até da Constituição Federal - já é uma expressão da mentalidade neo-coronelista das autoridades cariocas.

É como se os ônibus fossem um "gado bovino sobre rodas" - como diriam os antigos indígenas se os vissem - e recebessem o design e o carimbo da prefeitura ou, no caso da notícia de hoje, órgão estadual. Uma mentalidade tipicamente de roça, que só por vir do Rio de Janeiro se impôs como "referência" para o país, mesmo quando se trata de uma lógica ultrapassada e retrógrada.

Afinal, não existe vantagem em pintura padronizada, em dupla função de motorista e cobrador ou no esquartejamento de linhas de ônibus (como as funcionais 465 Cascadura  Gávea e 676 Méier / Penha) para forçar o uso do Bilhete Único. E ainda há a vontade das autoridades de tirar ônibus das ruas, obrigando os passageiros a esperar mais tempo por um ônibus.

Não há atendimento ao interesse público, mas claramente o contrário, o que mostra o quanto governantes e empresários de ônibus legislam em causa própria. O modelo de sistema de ônibus que impõem é retrógrado, decadente, obsoleto,

É o Estado da violência nas UPPs, o Rio de Janeiro das milícias, dos contraventores e traficantes, dos reacionários rancorosos das mídias sociais, da monocultura do "funk". da grosseria machista e "pseudo-feminista" das "musas" siliconadas, do fanatismo doentio pelo futebol local, que deixa o famoso Estado do país e, sobretudo, a sua antes deslumbrante capital, numa situação de provincianismo preocupante.

Algo tem que ser feito. Talvez cariocas e fluminenses tenham que despertar de sua passividade e reagir contra os arbítrios dos detentores do poder, contra o fascismo digital dos reacionários da Internet, contra a violência, o desabastecimento de produtos, a falta de visão de mundo de intelectuais e executivos de mídia, enfim, tudo que faz o Rio de Janeiro se tornar um dos Estados mais atrasados do país.

domingo, 28 de junho de 2015

Raul Seixas continua sendo complicado para os brasileiros

RAUL SEIXAS À FRENTE DE SEU PRIMEIRO GRUPO, RAULZITO E OS PANTERAS.

As rádios de pop adulto e as poucas emissoras de MPB autêntica que existem no país eventualmente tocam os grandes sucessos de Raul Seixas: "Gita", "Al Capone", "Sociedade Alternativa", "Tente Outra Vez", "Metamorfose Ambulante".

Aparentemente, Raul Seixas é aceito pelas famílias mais tradicionais, pelas pessoas conservadoras, e até mesmo uma dupla breganeja como Chitãozinho & Xororó tenta se autopromover usando a música "Tente Outra Vez" como inspiração para a perseverança.

Raul iria se revirar no além. Afinal, ele nunca foi com a cara dos breganejos e de tantos outros oportunistas que agora se acham "profundos admiradores" do roqueiro baiano, um dos poucos que assimilaram a contemporaneidade cultural ao conhecer o rock'n'roll de 1954-1955 através dos discos de um amigo filho de um diplomata.

Apesar da boa execução de suas músicas e da aparente banalização de seu repertório, Raul Seixas é uma personalidade bastante complexa. Morto em 1989, em 21 de agosto, aos 44 anos, ele teria feito 70 anos hoje, supostamente popularizado, mas extremamente incompreendido.

Raul Seixas é admirado pelos brasileiros convencionais por conta da sua fase mística, por suas letras aparentemente utópicas em torno da liberdade pessoal. No entanto, é a massificação de seus sucessos que dá essa impressão enganosa.

Afinal, pais conservadores que cantam músicas como "Sociedade Alternativa" ou versos como "Você será capaz de sacudir o mundo", de "Tente Outra Vez", ídolos musicais que divergem da natureza artística de Raulzito (como o roqueiro era conhecido no começo da carreira) passaram a "homenagear" o músico após o seu falecimento.

No entanto, o misticismo de Raul Seixas que tanto deslumbra as "boas famílias", sobretudo as tidas como "espiritualistas", foi apenas uma "aventura" que durou menos de uma década. Quando gravou "Maluco Beleza", em 1978, Raul já se distanciava dos temas místicos.

A música "Maluco Beleza" tem sua mensagem subestimada, uma vez que ela não é uma apologia poética à "boa loucura", mas um desabafo irônico de Raul Seixas sobre a excentricidade. A letra é um protesto e a crítica é endereçada justamente para os "caretas" que, felizes, cantarolam o verso "fazer tudo igua-uu", fazendo tudo igual como não teria recomendado o roqueiro baiano.

Exemplo fez o último parceiro de Raul Seixas, o roqueiro conterrâneo Marcelo Nova, com quem o veterano gravou A Panela do Diabo. Nova, regravando "Ouro de Tolo" em 1986, mudou o modelo de automóvel citado na música, numa "não-autorizada" intervenção na composição de Raul Seixas. Mas, com toda certeza, Raul não só aprovou como se aproximou de seu discípulo.

E aí músicas como "Muita Estrela, Pouca Constelação" e "Rock'n'Roll" passavam bem longe do famigerado misticismo poético dos anos 70, sendo duas críticas cínicas contra a mediocridade cultural da qual os acomodados "fãs tardios" de Raul se inserem.

Raul, no final de sua vida, estava cético, mas com o senso crítico bastante afiado, bem distante do estereótipo do "bom maluco" e do "admirável esotérico" que o cantor baiano é visto pelo grande público, uma imagem não raro distorcida pela mídia, sobretudo o Fantástico da Rede Globo e a revista Contigo.

DEFINITIVAMENTE, RAUL SEIXAS NÃO FOI ZÍLIO

Um dos textos mais lidos deste blogue, Raul Seixas nunca teria sido o espírito Zílio, é bastante esclarecedor e podemos garantir que, definitivamente, o roqueiro baiano nunca teria se manifestado através do suposto espírito Zílio, na suposta psicografia de Nelson Moraes.

Nelson, que não parece o tipo de pessoa que conhece e aprecia profundamente a obra de Raul Seixas, construiu seu "Raulzito" através de informações estereotipadas divulgadas na grande mídia. Em muitos aspectos, o "Zílio", pseudônimo usado para a suposta psicografia, soa infantilizado e piegas para ter sido, realmente, o espírito do roqueiro baiano.

Dois livros foram lançados, Um Roqueiro no Além e Há Dez Mil Anos - este um trocadilho meio "engraçadinho" com o nome do livro Há Dois Mil Anos, da obra de Chico Xavier - e, embora nos meios "espíritas" o nome de Raul Seixas é abertamente usurpado, fora dele o "espírito Zílio" é timidamente divulgado sem enfatizar o suposto crédito.

Zílio se expressa como uma pessoa um tanto abobalhada, religiosa demais, excessivamente mística e com uma retórica quase infantil. Seu modo de se expressar é um misto de insegurança e um estado de tolice, que destoam do Raul Seixas que se expressou nos últimos anos de vida.

Um assustado Zílio mendigando "fraternidade" não teria mesmo a ver com o Raul Seixas doente, mas cínico e altivo, que fazia suas últimas apresentações ao vivo ao lado de Marcelo Nova, chegando a aparecerem no Domingão do Faustão da TV Globo, quando, em seus primeiros meses de transmissão, ainda guardava o ranço do antigo programa de Fausto Silva, Perdidos da Noite (Record / Band).

Além disso, o trocadilho forçado das mensagens de Zílio com temas relacionados a Raul Seixas e o trocadilho de mau gosto do nome do segundo livro, Há Dez Mil Anos, forçando o vínculo de Raulzito com o "espiritismo" ultraconservador de Emmanuel e Chico Xavier, só mostram o quanto é inverídica a associação, de tão forçada que ela se mostra.

Isso mostra o quanto o sensacionalismo "mediúnico", embora atraísse muitos fãs de determinado ídolo, só reforçam a situação de desmoralização e descrédito que a prática tem no Brasil. Até pelo fato de que, num momento ou em outro, os fãs acabam reconhecendo uma fraude aqui e ali, desmascarando o suposto médium de plantão.

Com isso, Raul Seixas continua sendo muito complicado para os brasileiros. É fácil vê-lo como um místico amalucado, mas ele nunca teve a ver com isso. E Raul, embora suas músicas sejam muito tocadas nas rádios, não é devidamente entendido nem valorizado como artista, até pelo fato de que algumas de suas homenagens vêm de ídolos que Raulzito reprovaria sem hesitar.

sábado, 27 de junho de 2015

Vale a pena sustentar uma mentira de 70 anos?


É válido usar a bondade e seus sentimentos e atos derivados para sustentar uma mentira? A bondade serve de muletas para que as pernas curtas da mentira possam se tornar longas? A mentira pode ser aceitável se ela se apoiar em "palavras" e "gestos de amor"?

Há um grande pavor nos meios "espíritas" diante de tamanhos questionamentos. Seus partidários estão espalhando, nos "centros" e em outros espaços associados, que o "veneno" da "intriga", da "malecidência" e do "escândalo" estão manchando a doutrina de "amor e luz", abalada pela "inveja" dos que não suportam a propagação da "boa nova" e da "fraternidade".

Evidentemente, os malabarismos discursivos dos doutos líderes do "espiritismo", capazes de usar Allan Kardec para corroborar ideias que o próprio Allan Kardec reprovaria com a mais firme segurança, tentam mais uma vez reagir a uma série de críticas e questionamentos dos mais diversos.

Tomados de discursos dóceis, somados a uma postura de pretensa autoridade, com uma fala serena e uma retórica pedante, que dão a falsa impressão de sabedoria, bom senso e serenidade, eles tentam convencer que seu já falido sistema de valores continua valendo e resiste a todas as adversidades.

MONTAGEM GROTESCA INSERE, NUMA EDIÇÃO MALFEITA DE IMAGEM E DE MANEIRA TENDENCIOSA, CHICO XAVIER AO LADO DE ALLAN KARDEC E JESUS DE NAZARÉ.

Os líderes tentam afirmar coerência, consistência, clamam por consenso, desde que seja o sistema de valores deles que prevaleça. Fazem de tudo para manter toda a sua ideologia, pregando a "união" pelo domínio, para que todos convirjam não pelo ponto de vista mais coerente, mas pelo mais confortável aos interesses dos privilegiados.

Se as irregularidades de Chico Xavier estão sendo largamente criticadas, é porque ele fez por onde. Sua trajetória é confusa, cheia de contradições, pontos sombrios, mistificações, fraudes e tudo o mais. Por que se tem que mantê-lo na Doutrina Espírita se essa trajetória confusa tantos dissabores fez, bem mais do que aqueles que eram acusados de "perseguir" o "bondoso" anti-médium mineiro.

Só o que Chico Xavier fez de pastiches literários, principalmente em torno de sua obsessão maior, o escritor maranhense Humberto de Campos, que nunca teria escrito os livros que se lhe atribuem a autoria espiritual, e de exploração sensacionalista das tragédias familiares, ostentando-as para o "bem" da propaganda dos "centros espíritas", já o faz uma pessoa nefasta para a Doutrina Espírita.

Não dá para buscar coerência espírita de verdade se mantém Chico Xavier, o Homem Chamado Obsessão. Ele obsediava os mortos, em maioria prematuros, e torna-se ele mesmo alvo de obsessão de muitos brasileiros, principalmente devido às frases que circulam no Facebook, tão perigosas quanto o vírus "Amazonaws" que circula neste portal de mídia social.

Só mesmo o apego aos estereótipos que Chico Xavier acumulou à sua imagem para justificar todos esses chiliques dos "espíritas" e mesmo de chiquistas assumidamente católicos ou declarados "laicos". O apego a estereótipos de velhice, humildade, bondade, que mostra uma imperfeição cujo maior defeito é a pretensão em parecer "perfeita".

NINGUÉM PRECISA DE CHICO XAVIER

O grande problema é esse. Pessoas que não conseguem ser boas por vontade própria, incapazes de produzir eles mesmos seus próprios exemplos, ficam perdendo o tempo glorificando e exaltando os "bons exemplos" associados a Chico Xavier que, em boa parte, são mistificações ou, quando muito, relatos exagerados de pequenas bondades, dessas que se perdem no vácuo das ações medíocres.

Chico Xavier nunca transformou coisa alguma nem pessoa alguma no Brasil. Ninguém precisa de Chico Xavier. Ele nunca trouxe algo seguramente confiável, edificante e renovador para o país, até porque ele sempre foi um figurão conservador, e uma personalidade tão retrógrada que parece nunca ter saído dos tempos da República Velha.

Ele, que fazia apologia do sofrimento humano, hipnotizando pelas palavras dóceis as pessoas, fazendo com o assédio das palavras que deixou para a posteridade pegue cidadãos desprevenidos, desinformados, mas cegamente crentes, entorpecidos pela zona do conforto da idolatria a uma personalidade confusa e sem a menor coerência.

Chico Xavier foi a antítese do bom senso. E, podemos dizer, continua sendo, pois, apesar de falecido há 13 anos, ele continua simbolicamente apegado às paixões terrenas de seus seguidores, reféns de todo um nó de intrigantes mistificações.

Não dá para sustentar uma mentira dessas por mais tempo. Vamos ter que manter o círculo vicioso das alegações chorosas dos chiquistas? Ou das relativizações viciadas dos que querem a fidelidade a Allan Kardec mas se apegam justamente àquele que desviou demais dos seus ensinamentos?

Será que a desculpa da bondade e da humildade continuarão ressoando para sustentar a mentira, como muletas longas a apoiar pernas curtas? O apego a Chico Xavier torna o Brasil doentio, mórbido, preguiçoso, conformista e crédulo. Convém romper com Chico Xavier de vez, para o bem da coerência e do bom senso.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

O "espiritismo" e a prepotência humana


Infelizmente, o "espiritismo" brasileiro, pela sua inclinação moralista, prefere que a missão humana na Terra se reduza a obediência e ao ato de suportar as provações mais pesadas, tendo muita dificuldade para superá-las.

A religião "espírita" acaba desestimulando o desenvolvimento social de pessoas dotadas de muita inteligência e criatividade, pessoas que, em parte, são definidas de forma discriminatória como "crianças índigo", definição tomada emprestada de um ex-casal de esotéricos.

Os tratamentos espíritas não conseguem melhorar a vida das pessoas, porque quase sempre seguem um receituário moralista, que influi nas energias pesadas que acabam sendo obtidas. A pessoa, em vez de ter seus problemas iniciais resolvidos, contrai outros, tendo que aguentar a prepotência de alguém, seja um patrão ou um internauta que "compra" briga com o pobre coitado.

As desculpas em torno de "reajustes espirituais" e a presunção de supor encarnações anteriores para cada pessoa - isso com a ignorância em relação à Ciência Espírita - faz com que as "boas energias" dos tratamentos espirituais permitam ao seu paciente contrair adversidades de forma que seus algozes é que se tornam mais sortudos e protegidos pelas circunstâncias.

O arremedo de tratamento hospitalar, as músicas relaxantes, a homeopatia, as recomendações de, a uma semana do dia marcado, evitar pensar em sexo ou não comer carne vermelha, não impedem que, depois de tudo feito, uma onda de azar venha em sua vida.

A culpa não é do paciente. Ele faz sua parte, com dedicação, calma, disciplina e atenção. Procura até mesmo tomar a dose recomendada da água fluidificada. Ele faz o "evangelho no lar", faz suas orações, presta reverência aos ícones "espíritas" etc etc etc.

Só que nada de concreto acontece em sua vida. Tudo se resume a uma água com açúcar, na qual os problemas apenas fingem que desapareceram, enquanto outros surgem depois. O tratamento acaba dando errado, mas há aquela desculpa esfarrapada dos "espíritas": "O tratamento está dando certo, mas, sabe como é, os irmãozinhos sofredores tentam atrapalhar né...".

Como explicar que o tratamento "dá certo" porque dá errado e que os benefícios acabam sendo para os prepotentes, para o pobre coitado que recebeu o tratamento aguentar cada absurdo em sua vida, e tentar resolver as coisas (em vão) indo para sucessivas doutrinárias, ouvindo CDs de Divaldo Franco, ficando escravo de toda essa pregação "espírita", até tomar todo o seu tempo com ela?

O prepotente continua "zoando" com o pobre coitado, que fica desprotegido, porque o seu esforço desesperado de buscar as doutrinárias "espíritas" pouco lhe adiantam, já que as provações continuam pesadas e difíceis de serem resolvidas, criando uma dependência psicológica das doutrinárias.

Infelizmente, o moralismo "espírita" acaba permitindo, mesmo de forma indireta, que as pessoas cometam abusos em suas vidas, num relativo prolongamento de suas situações de privilégios desmerecidos, de vaidades e chantagens, de corrupções e crimes, em relativa imunidade diante de escândalos e encrencas.

Essa visão moralista acaba criando injustiças, uma vez que as pessoas que querem fazer algo melhor na vida tornam-se impossibilitadas de fazê-lo, enquanto as pessoas que cometem erros graves de qualquer natureza são protegidas pela sorte e pela longa fase de privilégios.

Só que essas injustiças tornam-se piores do que se imagina. Isso porque, se o prepotente prolonga sua existência de privilégios e vantagens às custas do prejuízo alheio, irá aumentar suas dívidas morais sem necessidade, pois tudo permite para que sua vaidade cresça e seu orgulho, mesmo à mercê de um aparente arrependimento, não seja em todo eliminado.

A sociedade não melhora porque quem poderia ajudá-la nesse sentido tem as oportunidades vetadas. Enquanto isso, os que cometem graves erros acabam por se tornarem exemplo de sucesso para uma parcela da sociedade ou, quando muito, mesmo as punições recebidas são insuficientes para dar aos outros a plena consciência da gravidade desses delitos.

A humanidade acaba ficando na mesma, e o Brasil da mediocridade sócio-cultural permanece nesse círculo vicioso que a "fé espírita", pela pretensão de ser a vanguarda da transformação moral da humanidade, não consegue eliminar, antes agindo para perpetuá-la e crescê-la ao propiciar os abusos humanos que influem nos vários retrocessos vistos no país.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Por que o "espiritismo" brasileiro se deixou falir?


Muitos ainda perguntam se a crise vivida pelo "espiritismo" brasileiro não seria "injusta" e alvo de uma campanha "difamatória" e "caluniosa" que aproveita denúncias de erros e fraudes cometidos para tentar derrubar a doutrina.

Há um novo surto de pavor diante do risco de mais uma séria crise, comparável com a de 1944, quando Chico Xavier tornou-se réu no caso Humberto de Campos, ou de 1974, auge da crise da corrente roustanguista, que fez o "espiritismo" brasileiro, pela primeira vez, jogar Jean-Baptiste Roustaing para debaixo do tapete e fingir lealdade absoluta a Allan Kardec.

Os "espíritas", em seus "centros", falam no que entendem como "maledicência" e campanha de "intolerância religiosa", e de "perseguição e desmoralização" de pessoas que "só agem pelo bem". Tentam, assim, usar o coitadismo para que se mantenha intato seu sistema de valores ao mesmo tempo conservador e desonesto.

O problema é que os "espíritas" se deixaram falir, porque sua intenção em tentar agradar a Igreja Católica adaptando "livremente" seus dogmas, ritos e ideias, e sua preguiça em estudar a fundo a Ciência Espírita, são os dois fatores cruciais de uma decadência que chegou a ser evitada algumas vezes, mas hoje parece ser bem mais difícil.

Isso se deve ao fato de que a realidade acaba cobrando o preço de certas posturas. O desprezo a Allan Kardec, tão surdo e convicto, embora nunca devidamente assumido, custou as críticas que o "movimento espírita" recebe, da contradição entre a tão alardeada "fidelidade a Kardec" e as perniciosas traições feitas à sua linha de pensamento.

Diferente de outros episódios, como a incompreensão de juízes com o caso Chico Xavier versus Humberto de Campos, ou a complacência de espíritas autênticos com o anti-médium mineiro e o anti-médium baiano Divaldo Franco, para não interferir em relações de amizade (mesmo dentro do espírito "amigos, amigos, negócios à parte"), a situação de hoje deixa os "espíritas" sem controle.

Afinal, há 40 anos atrás ainda havia a amizade entre espíritas autênticos como José Herculano Pires, Gélio Lacerda, Deolindo Amorim e outros com Chico e Divaldo, que evitaram que houvesse um racha violento entre espíritas autênticos e os espíritas-católicos.

Sem apoiar os erros que os anti-médiuns haviam cometido, os espíritas autênticos limitaram-se a fazer com que o "movimento espírita" arranjasse, na época, uma posição intermediária entre o roustanguismo ideológico e o kardecismo formal, o que parecia, em primeiro momento, criar um equilíbrio entre "científicos" e "místicos", algo que, depois, não ocorreu.

O que se fez foi abafar as polêmicas e criar um "espiritismo" que mais "faz dizer" do que realmente faz. Uma doutrina pouco comprometida com a qualidade de vida, e que no fundo apenas reduzia ou acentuava o roustanguismo, sem eliminá-lo por completo, se resultou depois de tantas polêmicas.

Isso porque, para todo caso, há a obra de Chico Xavier para "compensar" o desgaste público da figura de Jean-Baptiste Roustaing, pois Chico adaptou e "eliminou a acidez" do legado de Os Quatro Evangelhos, "humanizando" o Jesus fluídico sem que, todavia, chegasse ao Jesus histórico, e substituindo a reencarnação humana em vermes com o mito dos "animais domésticos do além".

A cúpula da Federação "Espírita" Brasileira ainda mantém a proposta roustanguista, mas fora dela o que se vê é um "espiritismo" louco, que mantém a essência de Roustaing sem evocar seu nome (visto como um "palavrão" nos meios "espíritas" que entram em contato com o público), e evoca o nome de Kardec sem a correta compreensão e assimilação de seu pensamento.

E aí acumulam-se, graças à Internet, os escândalos anteriores que hoje são divulgados em rede mundial de computadores, ao lado de incidentes mais recentes. O "espiritismo", acusado ainda de estimular o moralismo mais retrógrado e se sustentar num contexto em que a mediocridade sócio-cultural e a "religiosização" das coisas é favorecida, não consegue responder aos desafios recentes da sociedade brasileira.

Daí a dificuldade de se continuar na mesma. E o desgaste do "espiritismo" brasileiro se aprofunda diante de tantos impasses que acontecem e de um cenário relativamente amadurecido de transmissão de informações, ainda deficitário em muitos aspectos, mas já propício a muitos esclarecimentos que desqualificam as mitificações e outros erros dos "espíritas".

Por isso a situação torna-se fora do controle, mesmo quando há tentativas de reabilitar o mito de Chico Xavier nas mídias sociais, pois mesmo suas dóceis palavras não são mais do que pregações do mais retrógrado moralismo, que quase sempre destoam da doutrina de Allan Kardec. Quase tudo no "espiritismo" brasileiro tornou-se criticável. E é isso que apavora os "espíritas" hoje.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Por que o Rio de Janeiro regrediu tanto?


Por que o Rio de Janeiro regrediu? Por que o Estado que parecia ser a vanguarda sócio-cultural do Brasil, cuja capital era o referencial de modernidade para o mundo inteiro, foi tomado de um provincianismo tão doentio que faz cariocas e fluminenses parecerem tão matutos quanto os cidadãos de Manaus e Belém do Pará?

O esporte da "religiosização" que aceita arbítrios absurdos como se fossem "ordens divinas" e que, no âmbito religioso, se manifesta no neo-obscurantismo manifesto pelo presidente da Câmara Federal, deputado Eduardo Cunha, e pelo pastor da Assembleia de Deus, Silas Malafaia, tornou-se doença no Estado junto com a negação da diversidade e a intolerância social.

Eduardo Cunha vai na contramão das conquistas constitucionais, através de medidas ou do apoio a projetos que envolvem inúmeros retrocessos sociais, como a redução de benefícios sociais no mercado de trabalho e a criminalização de adolescentes.

Por sua vez, Silas Malafaia havia sido criticado, pela sua intolerância social contra as culturas afro-brasileiras, pelo jornalista Ricardo Boechat, no programa que este apresenta nas manhãs da Band News FM. Boechat comentava a surra que uma menina sofreu depois que saiu, com os pais, de um culto de candomblé.

O espancamento teria sido feito por dois homens tomados de intolerância sócio-cultural e religiosa. Boechat acusou Malafaia de incitar o ódio nessas condições e chamou-o de "pilantra" e "tomador de dinheiro dos fiéis".

Malafaia é conhecido por suas posições ultraconservadoras e um apetite antissocial comparável ao também político Jair Bolsonaro, outra figura carioca (apesar de nascida em São Paulo) e famoso por suas posições fascistas.

É do Rio de Janeiro que vem boa parte dos internautas mais reacionários, que combinam entre si ataques morais, por meio de ameaças ou comentários zombeteiros e irônicos, contra aqueles que discordam de tudo que é imposto pelo poder midiático, político, mercadológico e tecnocrático. Em casos extremos, blogues são feitos exclusivamente para fazerem ofensas pesadas contra quem discorda do "estabelecido", com uso leviano de ideias e até fotos particulares das vítimas.

E isso sem contar de internautas que expressam racismo, homofobia e outros preconceitos sociais violentos, o que, no caso do racismo, é aberrante, tal o desprezo dos internautas com o fato de que essa prática é considerada crime inafiancável. Também, que diferença faz a esses brutamontes digitais se eles talvez continuassem a usar smartphones dentro das celas da prisão?

O que aconteceu com o Rio de Janeiro? A impressão que se tem é que, se os tanques de Olímpio Mourão Filho, general de Juiz de Fora que iniciou o golpe militar de 1964, tivessem chegado ao entorno da Central do Brasil hoje, teriam sido recebidos por grupos entusiasmados de reacionários a festejar a chegada da tropa com serpentinas e champanhes.

A Cidade Maravilhosa, hoje, nem de longe lembra o projeto de modernidade que se via em 1958. Até musicalmente a Bossa Nova deu lugar à tosqueira do "funk" e suas baixarias. E, socialmente, o Rio de Janeiro, segundo várias pessoas comentam, tornou-se uma "Calibama", mistura de Califórnia com Alabama (Estado ultrarreacionário dos EUA), com alguns aspectos mafiosos de Chicago.

Sim, porque é o Rio de Janeiro dividido entre o fisiologismo político de Eduardo Paes, Luiz Fernando Pezão e companhia, pelo obscurantismo religioso dos neopentecostais (representados no Congresso Nacional por Eduardo Cunha), pelo "coronelismo" suburbano dos banqueiros do jogo-do-bicho, pelo "cangaço" do asfalto dos milicianos e pelo "fascismo" favelado do narcotráfico.

Isso para não dizer do totalitarismo do futebol carioca, em que torcer pelos quatro principais times (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo) torna-se a medida das relações sociais, a ponto de pessoas que não torcem por um desses times e nem sequer curtem futebol sejam alvo de sutil discriminação social.

E ainda há a poluição do ar, que coloca o Grande Rio acima da Grande São Paulo, com o ar que os cariocas respiram sem perceberem o odor de fumaça em volta, motivada por muitos fumantes inveterados e pela crônica poluição da Baía da Guanabara e da Lagoa Rodrigo de Freitas, que envergonham os esportistas a espera dos eventos olimpicos de 2016.

Não dá para esconder esse quadro de provincianismo no Rio de Janeiro, em que na Economia se manifesta pelas constantes faltas de produtos, como se a região não fizesse parte dos grandes centros e sedes dos grandes distribuidores de produtos dos mais diversos tipos. Muitos supermercados se comportam como se fossem mercadinhos de Macapá, com tantas faltas de produtos e a lentidão que se tem na reposição de estoques.

Mas por que o Rio de Janeiro vive um provincianismo tão grande, pior, em muitos aspectos, do que a Bahia sob o domínio de Antônio Carlos Magalhães, entre 1967 e 2007? O que fez a Cidade Maravilhosa e o resto do Estado se comportarem como se fossem um Estado perdido no Norte do Brasil? Os Eduardos, Paes e Cunha, promovem retrocessos bem piores do que aqueles que foram associados ao "Toninho Malvadeza", que já haviam sido graves.

Seria necessário um estudo por parte de sociólogos, antropólogos e cientistas políticos para ver o Rio de Janeiro sem a máscara dos calçadões de Copacabana e Ipanema, e ver o outro Rio, do excesso de favelas, do provincianismo cultural, do bairrismo, do comportamento "bovino" da população, do obscurantismo religioso, do reacionarismo político-ideológico, da miopia midiática etc.

Difícil fugir dos estereótipos do corredor praiano Leblon-Ipanema-Copacabana-Leme, e do cosmopolitismo carioca hoje ameaçado de extinção. Mas seria melhor ver as raízes desse surto provinciano que preocupa o país, já que é do Rio de Janeiro que se lançam muitos paradigmas que valem para a vida cotidiana nacional.

Ver um Estado da Região Sudeste tomado de tantos retrocessos sociais é algo inimaginável até na visão elitista do prefeito Pereira Passos, há 100 anos, ou mesmo no Rio anterior à sua política do "bota abaixo". Ver que até os "modernos internautas" adotam um terrorismo medieval nas mídias sociais é algo que deveria ser analisado.

Enquanto, oficialmente, o Rio de Janeiro continua sendo o Rio de janeiro, fevereiro e março, na prática a Cidade Maravilhosa e seu Estado se perdem no seu perecimento social, em que ar poluído, religiosos medievais e internautas desordeiros temperam o cotidiano que faz o Estado do Rio de Janeiro se tornar um dos mais retrógrados do Brasil.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Coliformes fecais podem também ensinar os "espíritas" brasileiros


Parece nojento. Mas é necessário mostrar aqui a ilustração dos germes que representam os coliformes fecais, para que assim pudéssemos esclarecer a respeito da validade ou não de certos mitos "espíritas".

Afinal, a confusão correspondente ao mito de Francisco Cândido Xavier e seu rol de mistificações, confusões, fraudes, pastiches e tantos outros problemas revela o quanto não podemos achar que imperfeições e erros são perfeitos quando associados a uma aparente mitificação da bondade e da humildade.

Imaginemos a comparação entre os coliformes fecais e os erros humanos. Coliformes fecais são micróbios que são encontrados em alimentos sem qualquer tipo de higiene. Quanto mais coliformes fecais, mais perigoso se torna o alimento ao ser ingerido por alguém.

Diz a ciência que o alimento considerado mais saudável e apropriado para consumo não precisa ser aquele que tenha um número consideravelmente nulo de coliformes fecais, mas o que apresentar o menor número possível desses micróbios.

Vamos comparar isso com os erros humanos. As pessoas que são consideradas as mais corretas e coerentes são aquelas que não necessariamente deixaram de errar, mas que cometem erros menos graves e com a menor frequência possível.

E Chico Xavier errou menos e com menos gravidade? Para desespero dos chiquistas, não. Ele fez erros muitíssimo graves em relação à Doutrina Espírita e em relação a muitas coisas ligadas a atributos como o ativismo social, o profetismo sócio-científico e outras esferas do conhecimento que, de maneira surreal, são equivocadamente vinculadas ao anti-médium mineiro.

Os chiquistas, entre o tom choroso e a indignação raivosa que revelam um fanatismo cego e até odioso (logo eles que se dizem "incapazes" de sentir ódio), tentam perguntar "Quem nunca errou na vida?", na tentativa de manterem Chico Xavier no pedestal e perpetuá-lo na ilusória condição de "espírito puro", um mito movido pelas paixões terrenas que movem o "espiritismo" no Brasil.

AS CONFUSÕES DE CHICO XAVIER

Chico Xavier causou muita confusão, com a frequência e a gravidade preocupantes demais para que se considere o anti-médium mineiro como um "sábio" a enfeitar, com assustadora persistência, as frases hoje publicadas no Facebook, como um "Amazonaws" (nome de um vírus que circula no portal) da fé religiosa.

Ele está associado a casos gravíssimos de pastiches literários, que apenas um pouquinho de atenção podem comprovar sem dificuldade, comparando os estilos literários em obras como Parnaso de Além-Túmulo e os livros do suposto "espírito Humberto de Campos" e os dos supostos autores espirituais enquanto eram vivos para ver a disparidade gritante entre uns e outros.

A revolta das classes intelectuais mais conceituadas contra Chico Xavier não era gratuita. Não é algo que se defina, de forma tendenciosamente simplória, como "ira e perseguição contra um homem de bem" ou como "reação da fúria e da intriga contra um humilde pregador da fraternidade". Deixemos de infantilismos, a revolta se deu com as mais justas e coerentes razões.

Infelizmente, pessoas como Attila Paes Barreto, jornalista, e Osório Borba, crítico literário, caíram no esquecimento, mas eles, ao lado do advogado dos herdeiros de Humberto de Campos, Milton Barbosa, apresentaram razões consistentes para reagirem contra a "mediunidade" de Chico Xavier.

Todos eles apontaram absurdos grotescos que envolvem os poemas de Parnaso, ou a prosa do suposto "espírito Humberto de Campos" e o que os autores supostamente atribuídos produziram em vida. Milton Barbosa chegou a identificar, na obra do suposto espírito Humberto, um cacófato ("que cada", correspondente a "quicada", "chute") que Humberto de Campos nunca escreveria em vida.

A indignação é explicada pelas irregularidades observadas, e que mesmo nós, pessoas comuns, podemos identificar com muita facilidade. Vamos comparar, por exemplo, uma jovem poetisa como Auta de Souza e os poemas atribuídos ao espírito da garota (morta com apenas 25 anos e jeito de menina) trazidos por Chico Xavier. É o estilo pessoal do anti-médium mineiro, nada mais!

Chico Xavier também fez mal, até quando muitos acreditam ser o bem. As mensagens apócrifas atribuídas aos parentes mortos, que consistiu na sua "maior caridade", foi na verdade um pernicioso processo de se autopromover às custas de tragédias familiares, com uma série de prejuízos causados pelo seu ato "de profunda bondade e caridade".

Pois as famílias eram tiradas do sossego de suas privacidades e expostas ao sensacionalismo místico religioso que seduzia as massas e lotava "centros espíritas". As tragédias eram prolongadas pela exploração sensacionalista que ainda revelava fraude, com mensagens padronizadas que parecem virem só das mentes do respectivo "médium".

Para piorar, cria-se uma obsessão espiritual sem necessidade, e uma falsa noção de se saber o paradeiro dos parentes mortos sem que uma informação confiável, fidedigna e honesta fosse divulgada. Pior: as mensagens, além de soarem iguais, estranham pelo panfletarismo religioso, fazendo muitos crerem que o mundo espiritual não passa de uma mera igreja "espírita".

CHICO XAVIER ACHAVA QUE SOFRER ERA "O MÁXIMO"

Isso é muito ruim. Aliás, é péssimo e ofende as famílias, expondo suas tragédias de forma constrangedora e triste, através do sensacionalismo "espírita". E, não bastasse isso, Chico Xavier ainda tornou-se cruel com sua pregação moralista, nas "palavras doces" que hoje percorrem o Facebook e outros meios.

Isso porque Chico Xavier nunca gostou de mobilização social, achava, naquela visão de caipira conservador, que isso causava "desordem" e, por isso, ele sempre pregou a conformação com o sofrimento humano, uma apologia muito mal disfarçada.

Imagine alguém que sabe que você está se dando mal na sua vida e esse alguém acha isso ótimo? Parece tirinha do Amigo da Onça? Pode ser, mas as palavras de Chico Xavier seguem também o mesmo sentido, e, pior, não no propósito satírico do personagem de Péricles Maranhão, mas como um receituário de vida do "médium" que, no fundo, era o "AI-5 do bem".

Você vai ficar feliz quando tudo lhe dá errado na vida e vai alguém dizer que você é um felizardo, porque terá alguma recompensa no futuro? É, mas se esse alguém é Chico Xavier, bate aquele sentimento masoquista, aquela felicidade de suportar o "pior", seduzida pelo estereótipo de "bom velhinho" que leva as pessoas à perdição, tal como as sereias da Odisseia de Ulisses?

A trajetória de Chico Xavier é marcada por pontos como esse e muitos outros. Nebulosos, sombrios, traiçoeiros, irresponsáveis, fraudulentos, atrapalhados, mistificadores, fantasiosos e tudo mais. É como um alimento cheio de coliformes fecais. Chico Xavier, por tudo isso que representou, acabou se tornando uma personalidade doentia da qual o Brasil tornou-se, praticamente, seu refém.

E aí as pessoas se prejudicam sem saber. Adoçam suas almas e envenenam suas vidas com o apego desesperado ao estereótipo do "bom velhinho". Há quem queira recuperar a doutrina de Allan Kardec com Chico Xavier, o que é um absurdo deplorável. Com isso, tudo fica na mesma e as pessoas que aguentem sofrer com carestias, carências, corrupção, violência e outros retrocessos.

Não precisamos de Chico Xavier. Se procuramos bons exemplos, criemos os nossos, criemos boas palavras, sem depender de um suposto médium que nunca passou de um figurão ultraconservador e retrógrado, travestido de "grande filantropo".

Deixemos de depender dele para sabermos o que é caridade e boa nova. Há milhões e milhões de exemplos melhores do que ele, que a zona de conforto da fé religiosa e do apego a estereótipos de bondade e humildade impede que apreciemos.

Os chiquistas, sem saber, são tomados do mais viciado complexo de vira-lata, pela falta de amor próprio que os impede de ver a realidade. Daí o parasitismo emocional do chiquismo, os coliformes fecais da alma que impossibilitam de ver a humildade e a caridade fora dos estereótipos da fé cega e do paternalismo.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

O conto religioso de Humberto de Campos


Por essas ironias que o tempo traz com os desdobramentos surreais de certas ocasiões, um conto religioso de Humberto de Campos acabou representando, postumamente e com as mudanças de contextos, uma grande pegadinha para os seguidores de Chico Xavier.

Sabe-se que Chico Xavier tornou-se o único indivíduo, no Brasil, que não só foi autorizado a se apropriar do legado de um autor morto como a estabelecer vínculo ideológico sobre ele, o que significa que o anti-médium mineiro tornou-se praticamente "dono" do legado de Humberto de Campos.

Humberto tinha uma prosa de temáticas laicas, de linguagem fluente e simples, culta sem deixar de ser informal, com suas metáforas e ironias linguísticas. Mas eis que aparece um conto intitulado "Jesus" que faz bater os corações dos chiquistas.

"Sim! É ele! É ele! Bem feito, os que acusam Chico de ter criado um Humberto de Campos diferente! O espírito é ele mesmo! Sim, é ele!", apressam-se, em histeria que teria feito o referido autor maranhense cair em gargalhadas, os chiquistas que acham que o "espírito Humberto" nunca iria fugir do que Humberto havia sido em vida.

Só que a pegadinha literária chama a atenção por dois aspectos. Um, porque Humberto colocou o conto "Jesus" num livro intitulado O Monstro e Outros Contos, de 1932, o que soa, para os padrões da devoção religiosa, extremamente desrespeitoso. Curiosamente, foi o livro que Humberto lançou quando resenhou o Parnaso de Além-Túmulo organizado pelo seu futuro obsessor Chico Xavier.

Outro aspecto é porque o desfecho do referido conto "Jesus" é frustrante, para aqueles que pensam em ver Jesus como o cavaleiro alado a conduzir uma simples nação como o Brasil à condição de supremacia planetária e, talvez, universal.

O conto também soa como uma crítica de que o mundo adulto também possui as suas fantasias místicas, o que poderia muito bem soar como um puxão de orelha adiantado para aqueles que, décadas depois, só conhecem Humberto de Campos sob a sombra de Chico Xavier.

Ver que a tristeza de Jesus narrada por Humberto de Campos se expressa simplesmente pela proibição familiar de que ele brincasse com outras crianças é decepcionante para os chiquistas. Eis o conto, reproduzido abaixo:

JESUS

Por Humberto de Campos - Livro O Monstro e Outros Contos, 1932.

A casa de José, o carpinteiro, em Nazaré, ficava à margem do caminho que leva a Tiberíades. Pequena e humilde, mais humilde parecia, ainda, pela ancianidade, e por não ser possível ao dono reconstruí-la. Edificada por Jacó, primogênito de Matran, tornara-se, por morte deste, propriedade do esposo de Maria, filha de Ana, da casa de Davi. E como o carpinteiro já se encontrasse velho e alquebrado de forças, ia deixando que o casebre se desmoronasse, açoitado pelos grandes ventos que sopravam no verão, das bandas do golfo de Caifa, e no inverno, da alta cordilheira que orna o país de Sichen. Sem cercas que a defendessem, era a casa rodeada de limoeiros, que embalsamavam o ar, e que a afogavam, com a suas frondes de um verde escuro, como punhados de mangericão em torno de uma rosa fanada.

Era à sombra de um desses limoeiros José trabalhava, quando fazia bom tempo, manejando, trêmulo, o seu serrote e a plaina primitiva. E era sob a copa de todos os outros que brincavam, a manhã toda, e a tarde inteira, as crianças das casas vizinhas. Atraídas para ali pela frescura do local, vinham elas, isoladamente, ou duas a duas, ou três a três, com o seu perfil judaico, os olhos muito vivos e chegados um ao outro, para as correrias habituais. Trazia-as, muitas vezes, João, filho de Zacarias, antigo sacerdote do Templo, em Jerusalém. O senhor, entre elas, da casa e dos limoeiros, era, porém, Jesus, filho do carpinteiro, mais moço do que João quase um ano, e que era ainda seu parente, pois que Maria, esposa de José, e Isabel, esposa do velho sacerdote, eram primas e, apesar da diferença de idade, amigas e confidentes.

As duas famílias, a de Zacarias como a do carpinteiro, traziam no espírito, constantemente, duas preocupações. Segundo a palavra dos Profetas, o povo de Israel teria de cair sob o jugo do estrangeiro, do qual o livraria, no entanto, um grande Rei, que viria disfarçadamente à terra, com o sangue de Davi. A primeira parte das profecias estava cumprida. Os sucessores dos Macabeus haviam ateado a guerra civil na Judeia, e invocado, em certo momento, o auxílio dos romanos, que tinham escolhido entre eles um rei, de nome Herodes, o qual reinava em Jerusalém. E a outra, a mais grave e difícil, parecia, agora, em via de realização.

Efetivamente, nove anos antes, achando-se Zacarias sozinho no Templo, em Jerusalém, incensando o altar, Ouvira um ruído, que lhe parecera o de um grande pássaro em voo. Volvera, lento, o rosto, e estacara, surpreso. Diante dele, vestido de uma túnica diáfana, e que parecia feita com o fumo do turíbulo, estava um mancebo de fisionomia resplandecente, de cujas espáduas saíam grandes asas, e que lhe dissera, em palavras sem mistérios, que sua esposa, Isabel, lhe daria, dentro de alguns meses, um filho varão. Dissera isto, e desaparecera.

Suspeitando dos próprios olhos e dos próprios ouvidos, duvidava o sacerdote do próprio entendimento. Se a esposa, na mocidade, não lhe dera um filho, como lho daria, agora, quando os dois, ele e ela, já se sentiam velhos? Que fazer, pois, naquela emergência? Narrar o sucedido? Contar à mulher, e aos íntimos, a ocorrência do Templo? Melhor seria, talvez, não pecar pela palavra, quem já pecava, incrédulo, pelo pensamento. E desse dia em diante, aguardando os acontecimentos de cada hora, os seus lábios se selaram para o mundo, enquanto a sua alma se descerrava, inteira, para os olhos de Deus.

Semanas depois, o mesmo Enviado aparecia, belo e fulgurante, na casa do carpinteiro, em Nazaré. Levava àquele outro lar uma notícia idêntica. Maria, esposa de José, seria mãe. e o seu filho, neto de Reis, seria o Rei da Judeia.

De acordo com o anunciado, Isabel tivera, em verdade, um filho, que tomou o nome de João. E Maria concebera outro, que era, agora, essa triste criança, de seis anos, sob cujos olhos, de uma estranha doçura, as outras vinham, de longe, brincar à sombra cheirosa dos limoeiros.

Desde o nascimento do menino, em Belém, quando iam àquela cidade para serem recenseados por ordem de Augusto, o carpinteiro e a esposa se haviam convencido dos altos
destinos do filho. Daquele infante dependia, desde aquela hora, a sorte do Povo de Deus. Daí os cuidados de que o rodeavam, a cautela com que o vigiavam dia e noite, o susto com que acompanhavam as suas menores enfermidades. Naquele pequenito moreno, de olhos claros e fisionomia meiga, estava, não apenas o filho único, mas o Rei; não unicamente o rebento miraculoso de um casal que ia desaparecendo sem prole, mas o Salvador de uma raça, prometido pelas profecias do fundo remoto dos séculos.

Jesus havia nascido, entretanto, tão alegre como os outros meninos de Nazaré. Ao se lhe enrijar o pequeno corpo, de linhas modelares e puras, procurara correr, como os outros, e, como os outros, subir às árvores, roubar o ninho aos pássaros, ou banhar-se no lago, quando a família ia a Genezaré ou a Tiberíades. Mal, porém, tentava ia dessas distrações infantis, a mãe acorria aflita, ou acorria o pai, preocupado, detendo-lhe o gesto ou o desejo. E essa diferença de tratamento acordava-lhe dúvidas no espírito e no coração. Por que, sendo o mundo tão vasto, e a vida tão boa, só lhe não cabia, a ele, a alegria de ser livre como as crianças? Aquelas ondas cariciosas do lago, e aqueles ninhos de rouxinol dos olivais, teriam sido feitos unicamente para Mateus, filho de Marta, para Barnabé, filho de Manassés, para Eleazer, filho de Josué, ou, mesmo, para João, seu primo, tão violento que só procurava brinquedos de guerra, em que sempre saía vencedor? Por que, ainda, a curiosidade de toda a gente, em torno da sua pessoa: o sorriso de zombaria de uns, ao apontá-lo de passagem, e o respeito comovido de outros, - alguns dos quais chegavam, até, a ajoelhar na poeira dos caminhos para beijar-lhe, chorando, a fímbria grosseira da túnica?

Sob os limoeiros copados, cujas ramas, aqui e ali, roçavam o chão, as crianças brincavam, correndo em algazarra, simulando combates de judeus e romanos. Por cima das ramagens, o céu era todo azul e ouro, e uma brisa fresca soprava, como uma carícia, das bandas do lago. Balouçado por ela, o limoal escrevia em hebraico, aqui e ali, no solo pedregoso, com letras de luz abertas na sombra, pequenos poemas misteriosos. Tudo era, em torno, festivo e jovial. As próprias aves, tontas de luz, cantavam mais alto.

Sentado junto ao muro limoso de um poço, Jesus, ele só, estava triste.

- Pai, - havia pedido, momentos antes, ao carpinteiro, - deixa-me brincar com os outros!

- Não, meu filho; não podes, - respondera, paternal, o ancião, passando a mão trêmula e rude pelos seus cabelos castanhos. - E se caísses, em uma dessas correrias, que seria de nós, e do teu Povo?

Aquelas palavras eram, para ele, um mistério. Que significavam elas? Que Povo era esse, que era seu, e que ele não conhecia?

Os seus olhos, doces, e mansos, encheram-se de sombra. Uma lágrima correu, lenta e límpida, parando aqui e ali, pela sua face morena, vindo deter-se ao canto da boca miúda, pondo, nela, um desagradável gosto de sal.

Jesus de Nazaré começava a sofrer, nesse dia, a tristeza de ter nascido Deus...

domingo, 21 de junho de 2015

Mausoléu de Chico Xavier sofreu ato de vandalismo


Na madrugada do último dia 18, o mausoléu onde está o túmulo e a estátua de Francisco Cândido Xavier foi alvo de vandalismo. Desordeiros teriam usado peças de mármore, incluindo uma plaqueta, tirada de um túmulo vizinho, para danificar o vidro e o caixão do anti-médium mineiro, enterrado na cidade de Uberaba, na região do Triângulo Mineiro.

De acordo com Eurípedes Higino, filho adotivo de Chico Xavier e responsável pelo mausoléu, ele havia chegado pela manhã e encontrou os danos cometidos. "Nessa altura, tanto pode ser atitude de drogados, como de intolerância religiosa. Eu pensava que o Chico era respeitado desde as periferias e por pessoas de todas as religiões", afirmou Eurípedes, sobre o ocorrido.

Ele já entrou em contato com um serralheiro para fazer a grade de segurança. O mausoléu já teve objetos roubados em outras ocasiões. O incidente causou comoção entre os seguidores de Chico Xavier nas mídias sociais.

Condenamos todo ato de vandalismo e intolerância religiosa. Respeitamos o mausoléu como forma dos adeptos de Chico Xavier homenagearem e prestarem tributos a ele, e uma forma de expressar a memória do ídolo religioso. Só discordamos das formas que Chico é visto e tratado, completamente fora da realidade.

O ato de vandalismo, seja de quem for, de simples drogados ou de intolerantes religiosos - como, possivelmente, radicais evangélicos - , acaba fortalecendo o mito de Chico Xavier e as qualidades atribuídas a ele de forma bastante surreal, como se não bastasse a mitologia exagerada que já ocorre em torno dele.

A violência não é um ato positivo. Ela pode expressar um desabafo aqui e ali, mas não é a melhor forma de combater ou protestar contra um problema. Pelo contrário, ela corresponde a um ato extremo e irracional, além de imprudente, e aquele que a pratica acaba criando mais desordem e complicando muito mais as coisas, causando prejuízos de qualquer natureza.

A questão da intolerância religiosa também não pode ser banalizada pela aparente oposição a um ícone "espírita" que esse ato supostamente representou. Talvez os vândalos nem tenham ideia do que é o "espiritismo" brasileiro. É muito provável que eles tivessem estragado esse mausoléu, como estragariam outros de personalidades de outras religiões ou mesmo laicas.

A questão das críticas ao "espiritismo", portanto, não podem ser vistas como manifestos de intolerância religiosa. Pelo contrário, nossa tolerância com essa doutrina seria maior se ela assumisse a herança roustanguista, em vez de ficar teoricamente exaltando Allan Kardec e na prática seguindo Jean-Baptiste Roustaing.

Criticamos o engodo que é o "espiritismo" brasileiro, com todo o seu ranço católico-medieval e todo o seu conteúdo ideológico que trabalha as ideias de mediunidade e vida espiritual através da especulação, do "achismo", e se perde em um receituário moralista bastante conservador.

O que fazemos não é intolerância e nem o estímulo ao vandalismo e à violência. Fazemos críticas enérgicas, mas dentro do respeito de convívio. Os "espíritas" têm seu espaço, só que precisam assumir que não gostam muito de Allan Kardec por ser "científico demais" e não esconderem sua predileção pelo religiosismo de Roustaing, o verdadeiro mestre ideológico de Chico Xavier.

O que não toleramos é a mentira, a falsidade, a fraude, o pastiche e a mistificação. Condenamos a desonestidade, sobretudo a que se faz sob o verniz da "honestidade plena" e da "caridade". Usar a filantropia para mascarar a desonestidade mediúnica e o retrocesso religioso são tão ruins quanto o vandalismo que acaba realimentando esse círculo vicioso da exaltação extrema a Chico Xavier.

O que não toleramos é essa suposta mediunidade sem estudo, as supostas curas espirituais feitas no improviso, as mensagens apócrifas de proselitismo religioso, os pastiches literários, tudo isso que transformou a atividade mediúnica numa bagunça, desmoralizando a prática no Brasil, manchada por uma estrutura de corrupção e de faz-de-conta.

É essa a nossa intolerância. A intolerância do pretensiosismo e da falsidade, a intolerância de ver uma doutrina exaltar, na teoria, a obra de Allan Kardec, mas, na prática, nem chegar perto de seus pontos mais delicados, é isso que sentimos. Mas nunca a ponto de defender a violência e o vandalismo, mas tão somente o questionamento de ideias e atitudes.

sábado, 20 de junho de 2015

"Espiritismo", deturpações e intolerância religiosa

LAR DE FREI LUIZ, NO RIO DE JANEIRO, ONDE UM "MÉDIUM" FOI ENCONTRADO MORTO.

Na manhã de ontem, um "médium" que trabalhava em supostas cirurgias espirituais para pacientes graves, Gilberto Arruda, foi encontrado morto amarrado numa cama, apresentando sinais de espancamento e um corte no braço.

Isso ocorreu no "centro espírita" Lar de Frei Luiz, localizado na Taquara, da região de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, de onde foi divulgada uma suposta mensagem atribuída ao espírito de Cássia Eller, no mês passado. Arruda iria fazer palestras para dependentes químicos.

É a segunda morte ocorrida com um "espírita" nos últimos meses. Em Niterói, um dirigente de um "centro espírita" no bairro do Barreto foi assassinado num suposto assalto. O crime ainda está sob investigação e uma das linhas averígua se o crime teria sido uma execução.

A ocorrência se deu numa semana em que um templo de sincretismo religioso em outro bairro carioca, o Humaitá (Zona Sul), o Templo Casa do Mago, foi apedrejado, e uma menina foi espancada por dois homens na Vila da Penha, depois que ela e a família saíram de um culto de candomblé.

Na mesma semana,  um jovem de 21 anos invadiu uma igreja da Carolina do Sul, nos EUA, e, depois de assistir a uma missa até o fim, atirou contra os fiéis, matando nove pessoas. Alegando prfundo ódio contra os negros que "estupravam moças brancas", o jovem, depois de capturado, assumiu a autoria da chacina. Ele teria usado um revólver que recebeu do pai como presente de aniversário.

A intolerância religiosa é um dos fatos mais condenáveis da humanidade contemporânea. Infelizmente, vivemos uma crise de valores por causa das disputas de espaço de expressão e influência na qual tendências religiosas tentam, através de retrocessos, retomar os períodos que seus adeptos aprenderam nas respectivas "escrituras".

Por isso há manifestações de intolerância aqui e ali. Grupos religiosos diversos criam padrões de retrocessos temporários que os fazem eliminar quem representasse o oposto aos seus interesses. Em outras palavras, cada seita quer retroceder ao tempo e voltar, pelo menos na essência, aos tempos considerados "áureos" registrados nos seus livros "sagrados".

É por isso, por exemplo, que o Estado Islâmico realiza ataques contra sítios históricos antigos, dos quais os seguidores do grupo jihadista (combatente) identificam a origem da civilização. É uma forma de tentar destruir as fontes de transformações sociais que contrariam as crenças dos jihadistas, saudosos dos tempos "áureos" descritos nos livros "sagrados".

O CASO "ESPÍRITA"

A crise que sofre o "movimento espírita" brasileiro pode servir de um suposto gancho para atos de intolerância religiosa. No entanto, não se pode confundir as coisas, atribuindo como intolerantes as críticas que se faz aos erros, muitos gravíssimos, cometidos pelos "espíritas" ao longo dos anos.

Condenamos a intolerância religiosa sob todos os aspectos, e achamos os atos intolerantes dos mais deploráveis, para os quais deveriam ser feitas punições previstas nas leis ou, se não for o caso, que se criem mecanismos legais que as mesmas pudessem ser realizadas, dentro da legalidade constitucional.

O que se faz, aqui neste blogue, são as críticas dos desvios que o "espiritismo" brasileiro faz, já que a doutrina em nenhum momento cumpre com rigor os ensinamentos de Allan Kardec. Perdido, desde o século XIX, num religiosismo retrógrado, baseado nos fundamentos do Catolicismo português, por sua vez baseado em dogmas da Idade Média, o "espiritismo" decai pelos próprios erros.

Há como discernir os erros do Catolicismo propriamente dito ou de seitas evangélicas, porque eles já nascem com um sistema de valores fantasioso, com o atenuante de que não se comprometem à se apropriar da Ciência e nem posarem de vanguardas espiritualistas. Se querem supremacia, não posam de "movimentos modernos", antes fossem movimentos de resgate de tradições conservadoras.

Já o "espiritismo" está relacionado a dois erros que o macularam: a tentativa de adaptar, para si, os dogmas e ritos católicos (mesmo a "água fluidificada" e o "auxílio fraterno" correspondem, respectivamente, à "água benta" e ao "confessionário" católicos), e o desconhecimento da Ciência Espírita que fez das atividades mediúnicas algo improvisado, para não dizer fraudulento.

Aqui quase nunca se estudou as práticas e fenômenos do Magnetismo de Franz Anton Mesmer, da mesma forma que a mediunidade foi feita ignorando os cuidados e recomendações do Livro dos Médiuns, de Allan Kardec.

Pelo contrário, a quase totalidade dos supostos médiuns têm ação mais limitada do que se pensa, e isso inclui os "renomados" Chico Xavier e Divaldo Franco. A falha consiste, sobretudo, da falta de concentração que permita exercer um verdadeiro contato com os espíritos, o que faz com que a mediunidade seja substituída pelo "jeitinho".

Assim, para o caso do suposto médium que não consegue um contato espiritual, existe a manobra de recolher informações biográficas dos falecidos e construir um texto, da mente do próprio "médium", em que um mesmo roteiro é narrado: a dor da morte repentina, a ida para ambientes sombrios, o socorro em uma colônia espiritual e o apelo religioso no final.

Isso funciona para compensar a mediunidade que não funcionou pelo apelo emotivo da religiosidade. E é isso que movimentou a popularidade do "espiritismo" brasileiro, garantindo a proteção da grande mídia, mas estabeleceu um preço muito caro para a credibilidade da doutrina brasileira.

Afinal, as irregularidades acabam vazando e, diferente dos erros de católicos e evangélicos, que se limitam apenas a formas surreais de compreensão, o "espiritismo" brasileiro adota deturpações piores sob a pretensão de abraçar a ciência, se autoproclamar intelectualizada e se autodefinir na vanguarda espiritualista.

Enquanto palestras em "centros espíritas" perdem tempo com temas que não vão muito além de um reles moralismo familiar, desconhece-se a prática espírita, tudo é feito na base do improviso e da especulação.

O que se critica dos "espíritas" é o distanciamento feito à doutrina de Allan Kardec, já que o "espiritismo" brasileiro está a anos-luz aquém do pensamento do professor lionês. As críticas enérgicas e a crise vivida no "movimento espírita", no entanto, nem de longe representam intolerância religiosa.

CRITICAR SEVERAMENTE NÃO É INTOLERÂNCIA

Se, por exemplo, reclamamos da obsessão das pessoas por Chico Xavier, é que esse endeusamento é completamente fora de lógica, até porque o anti-médium era católico fervoroso e ideologicamente ultraconservador, nada tendo a ver com o "discípulo de Kardec" e o "ativista progressista" que se atribuem a ele, junto a qualidades surreais como "filósofo", "cientista", "profeta" e tudo o mais.

Uma das críticas, por exemplo, se refere à glamourização do sofrimento de muitas mensagens do anti-médium. Afinal, que benefício traz acreditar que o sofrimento é lindo e que tenhamos que acreditar que tudo deve dar errado em nossas vidas em troca de umas "bênçãos futuras" que não temos a menor ideia do que se tratam?

Criticar severamente isso não é intolerância. Pelo contrário, talvez tivéssemos maior aceitação a essa doutrina se ela assumisse a herança de Jean-Baptiste Roustaing, presente nas obras de Chico Xavier e mesmo de Divaldo Franco, e, em vez de Espiritismo, a doutrina fosse denominada Chiquismo e se definisse como um neo-catolicismo astral e espiritualista.

O que provoca as críticas mais enérgicas é toda uma série de mistificações e moralismos que descarateriza o "espiritismo" como adaptação brasileira da doutrina de Kardec, feitas abertamente enquanto seus líderes tentam justificá-las usando Erasto, Deolindo Amorim, Herculano Pires e o próprio Kardec, que nunca aprovariam tais práticas.

Ser kardeciano na teoria e roustanguista na prática é o mal maior do "movimento espírita", presente em suas práticas diversas. E é isso que provoca a crise da doutrina e motiva as críticas mais enérgicas. Isso não é intolerância, mas uma reivindicação de coerência e autocrítica.

Se um "espírita" é vítima da violência, o criminoso que o eliminou deve responder pelas consequências e enquadrado pela punição prevista em lei. Se houve intolerância religiosa, é da parte de outras seitas, já que o que se faz aqui contra o "espiritismo" é apenas a crítica severa contra os graves erros e contradições feitos no âmbito desta doutrina.

Nossa intolerância é contra a mentira, a mistificação, o moralismo severo, o propagandismo religioso, é contra todos os desvios que fazem o "espiritismo", que se julga "tão perto" (na teoria) de Allan Kardec, ficar tão longe (na prática) de seus ensinamentos originais.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Fanatismo não é sinônimo de amor nem de conhecimento de causa

VITÓRIA DA SELEÇÃO FEMININA DE FUTEBOL BRASILEIRO NÃO EMPOLGOU TORCEDORES.

Fanatismo é amor à causa? É conhecimento de causa? Não. O fanatismo é uma exaltação cega a uma causa que, em si, é vista não na sua essência original, mas na sua construção ideológica que permite esse fanatismo.

O fanatismo ou fundamentalismo são ideias que abraçam uma causa em segunda mão, e deixam omissões e falhas até mesmo no modo com que essa causa é abraçada. E vemos no Brasil exemplos típicos disso.

No caso da Rádio Cidade e seu fanatismo "roqueiro", seus adeptos nem gostam muito dos clássicos do rock. Se contentam, por exemplo, em ouvir, de uma banda conceituada como a britânica The Cure, uma única música, "Boys Don't Cry", que nem de longe resume a trajetória do grupo, que alternava canções ironicamente otimistas com músicas sombrias (que a Cidade nunca iria tocar).

Neste caso, o fanatismo em torno da "causa do rock" não abrange todo o gênero, da mesma forma que é incapaz de definir as razões de tanto fanatismo pela "atitude rock", uma postura nunca devidamente explicada ou esclarecida, mas cujo questionamento irrita profundamente os fundamentalistas.

Daí que eles não conseguem explicar por que, por exemplo, eles querem que o nome "Rádio Cidade" esteja vinculado à cultura rock. É uma histeria irracional, temperamental, furiosa e irreal, já que, como música, o gosto "roqueiro" dos ouvintes da Cidade vai ao mais rasteiro superficialismo do hit-parade dos últimos 25 anos.

O fundamentalismo é uma paixão condicionada, dentro de uma construção terceirizada de crenças associadas virtualmente a uma causa abraçada. Em muitos aspectos, a causa original é deturpada, distorcida e reduzida aos clichês mais superficiais. Tudo sem razões nem motivos, mas também sem permitir que algum esclarecimento se fizesse a respeito.

No futebol brasileiro, o fundamentalismo que, no Rio de Janeiro, obriga que as pessoas gostem de futebol e torçam para um dos quatro times cariocas (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo) como forma de condicionamento da vida social, não se interessa em valorizar o futebol como um todo.

Isso é observado quando o fanatismo que envolve a Seleção Brasileira de Futebol em copas do mundo não se reflete quando a mesma seleção joga nas Olimpíadas. Não existe essa obsessão pela medalha de ouro como se tem a do "caneco", e o pior é que a Seleção Brasileira é um dos poucos times que botam a mesma escalação básica nos jogos olímpicos e nas copas, diferentes de outros países, que têm seus times olímpicos de futebol.

Recentemente, o time feminino da Seleção Brasileira de Futebol venceu, no seu Mundial, a Seleção da Costa Rica, por 1 a 0, mesmo sem a artilheira Marta, e com vantagens na pontuação. Ninguém comemorou, e os brasileiros foram dormir tristes porque, na Copa América (regional), o time masculino de Neymar perdeu por 1 a 0 para a Seleção da Colômbia.

Que fanatismo pelo futebol é esse, que, apesar de monopolizar os bate-papos cariocas e que, em Estados como a Bahia, empurram a sintonia forçada de estabelecimentos comerciais, mesmo em shopping centers, nas transmissões de rádio, irritando os fregueses que sabem muito bem que shoppings não são arquibancadas de estádio, não cobrem todos os eventos da modalidade?

Bom é irritar os fregueses com transmissão esportiva arranhando os ouvidos numa loja de departamentos. Mas é o mesmo pessoal que pouco se importa se a Seleção Brasileira de Futebol merece ganhar o ouro olímpico.

Da mesma forma, bom é o carioca, antes de perguntar o nome de um futuro amigo, ir direto interrogando se ele é flamenguista, tricolor, vascaíno ou botafoguense. No entanto, é o mesmo pessoal que pouco se importa se a seleção feminina tem patrocínio para jogar e participar de competições pelo mundo afora.

Na religião, o fundamentalismo também não abraça as causas originais. Mesmo as lições originais dos profetas não são levadas em conta. Pelo contrário, os fundamentalistas adotam uma prática paramilitar, com objetivos bélicos, e esquecem as essências originais.

O fundamentalismo não tem a ver com fundamentos, mas com formas "fundamentalizadas" de concepções deturpadas, que não raro desviam completamente da essência original, dos fundamentos originais. Daí que o fanatismo não se fica em bases originais, mas numa construção da causa que dissolve, quase que por completo, a causa original, da qual sobram apenas alguns clichês.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Suposto espírito de Cássia Eller divulga mensagem


Depois de Raul Seixas e Renato Russo, além de narrativas de terceiros sobre a suposta vida espiritual de Cazuza, agora é a vez de Cássia Eller estar associada a uma suposta mensagem mediúnica, trazida ao público no último dia 11 de maio, no Grupo de Dependência Química do Lar de Frei Luiz, na Taquara, no Rio de Janeiro, pelo "médium" José Helenio.

A mensagem atribuída ao espírito da cantora, morta por overdose aos 39 anos, em dezembro de 2001, em pleno auge de seu sucesso, conta com o mesmo roteiro de sofrimentos do além-túmulo, embora tivesse uma cautela de não repetir a forma textual dominante, em que mesmo roqueiros pareciam usar uma retórica de líderes religiosos, tamanho o propagandismo religioso explícito.

Nota-se que a mensagem parece mais sutil nesse aspecto, embora haja a dúvida de autenticidade, já que no Brasil virou regra essa falsidade mediúnica, em que as mensagens parecem seguir o estilo dos supostos médiuns, sem necessariamente refletir as personalidades dos mortos evocados.

A mensagem não deixa de mostrar alguns aspectos surreais e aquela mesma perspectiva religiosa, por mais que a sutileza não sugerisse a propaganda religiosa explícita - tipo "venho para pedir para que todos nos unimos pela fraternidade em Cristo" - , aparece numa narrativa que soa vinda de algum personagem atormentado de Nosso Lar.

Segue então a mensagem abaixo, retirada do Facebook, que nós editamos fazendo a separação dos parágrafos para tornar a leitura menos pesada.

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COMUNIDADE ESPÍRITOS DE LUZ (FACEBOOK)

MENSAGEM "PSICOGRAFADA" ATRIBUÍDA A CÁSSIA ELLER

Divulgada por José Helenio, no Lar de Frei Luiz, Rio de Janeiro, em 11.05.2015.

"Se eu disser para vocês que o inferno existe, acreditem, pois eu estava mergulhada nele, de corpo e alma, num espaço sombrio e frio, bem interno do ser, dos pés à cabeça, sem tempo, sem luz, nem descanso e afogava-me, a cada segundo, num oceano de matéria viscosa que roubava até minha ilusória alegria… 

Naquele lugar não havia luz, somente nuvens cinza e chuvas com raios e trovões, gritos estridentes e desesperados, gemidos surdos, pedidos de socorro, lágrimas, desalento, tristeza e revolta… Preciso descrever mais as cenas dantescas de animais que nos mastigavam e, em seguida, nos devoravam sem consumir nossos corpos; se é que posso dizer que aquilo, que sobrou de mim, era um corpo humano. queria fugir para bem longe dali, mas tudo em vão, quanto mais me debatia no fluido grudento, mais me afundava e, quando alcançava, de novo, a superfície apavorante, mãos e garras afiadas faziam-me submergir naquele líquido pastoso e mal cheiroso. 

Dragões lançavam chamas de suas bocas sujas e nos queimavam, machucando e estilhaçando a pouca consciência que me restava da lembrança de minha estada no corpo físico, neste planeta azul. Guardiões das trevas olhavam atentos seus presos e vigiavam todos os movimentos realizados naquele imenso espaço de sofrimentos, dores, lamentos, depressões, angústias e arrependimentos tardios… 

O ar era ácido e provocava convulsões diversas. Perguntava-me porque ali estava se nada fizera por merecer tão infeliz destino, depois de ser expulsa do corpo de carne através do uso maciço de drogas. A dúvida assaltava-me os raros momentos de raciocínio menos desequilibrado e as crises de abstinência trancavam todas as portas que dariam acesso à saída daquele campo de penitência de espíritos rebeldes e viciados com eu. 

Os filmes de horror que assisti, quando encarnada, estariam ainda muito distantes dos padecimentos, pânicos, pavores e temores que ficariam para sempre registrados na minha memória mental, os piores dias que vivi até hoje, como joguete e marionete de forças que me escravizavam o ser, debilitado, fraco, desprovido de energias, suja, carente e chorosa. Não me lembrava do que acontecera comigo… 

Quando o medo é maior que as necessidades básicas, a mente fica encarcerada num labirinto hipnótico e “torporizante” de emoções truncadas e desconectadas da realidade… Assemelha-se a um pesadelo sem fim, sempre com final trágico e apavorante. Quando conseguia conciliar um pequeno tempo de sono; era imediatamente desperta por seres que me insultavam e xingavam, acusavam-me de suicida maldita e jogavam-me lama misturada com pedras… Insetos e anfíbios ajudavam a traçar o perfil horrendo dos anos que passei no umbral. 

Preciso escrever estas palavras para nunca mais me esquecer: “Com o fenômeno da morte, nós não vamos para o umbral, nós já estamos no umbral quando tentamos forjar as leis maiores da criação com nossas más intenções e tendências viciantes”. Tudo fica registrado num diário mental que traça nosso destino futuro, no bem ou no mal. 

O umbral não fora criado por Deus; ele é de autoria dos espíritos que necessitam de um autêntico e genuíno estágio educativo em zonas inferiores, onde poderão se depurar de suas construções aleijadas no campo dos sentimentos e dos pensamentos disformes, mal estruturados e mal conduzidos por nossa irresponsabilidade, de mãos dadas com a imensa ignorância que nos faz seres infelizes e distantes da tão sonhada paz de consciência. 

Após alguns anos umbralinos, despertei numa tarde serena, num campo verdejante e calmo. Não acreditava no que via, pois tudo, agora, parecia um sonho… Percebi, ao longe, o canto de uma ave que insistia em acordar-me daquele pesadelo no qual já me acostumava a viver; a morrer todos os dias… 

Seu canto era uma música que apaziguava meu coração e aguçava meus pensamentos na lembrança de como fui parar ali naquele campo gramado e repleto de árvores. Consegui sentar-me na relva e ao olhar todo aquele espaço natural, deparei-me com milhares de outros seres como eu, nas mesmas condições de debilidade moral, usufruindo, agora, de um bem que não merecia, mas vivia ! 

Todos nós dormíamos e fomos despertos com música e preces em favor de todos os presentes… A maioria era de jovens e adultos, poucos idosos e centenas de enfermeiros que olhavam atentos para nossos movimentos no gramado. Com seus olhos serenos, projetavam em nós a mansidão e a paz tão esperadas por nossos corações enfermos, débeis e carentes de atenção, de afeto e carinho. 

Alguém me tocava, de leve, os ombros e chamava-me pelo nome, como se me conhecesse há muito tempo. Eu identifiquei aquela voz e “temia” olhar para trás e confirmar minha impressão auditiva, era Cazuza todo de branco, como lindo enfermeiro, de cabelos cortados bem curtos e estendia suas mãos para que eu levantasse, caminhasse e conversasse um pouco em sua companhia. Não consegui me levantar, porque uma enxurrada de lágrimas vertia dos meus olhos, como nascente de rio descendo a montanha das dores que trazia no peito. 

Meu ídolo ali estava resgatando e cuidando de sua fã, debilitada e muito carente. Ele cantou pequena canção e tive a capacidade de avaliar o que Deus havia reservado para aqueles que feriam suas leis e buscavam consolo entre erros escabrosos e desconcertantes. 

A misericórdia divina sempre conspira a nosso favor, nós desdenhamos do amor divino com nossas desatenções e desequilíbrios das emoções comprometedoras, que arranham e esmagam as mais puras sementes depositadas no ser imortal. aprendi palavras boas ! 

Somente agora enxergo que sou espírito e que a vida continua e precisa seguir o curso natural das existências, como na roda-gigante: hora estamos aqui no alto; hora estamos aí embaixo encarnados. Daqui de cima, parece ser mais fácil compreender porque temos de respeitar as leis e descer num corpo físico para, igualmente, quando aí estivermos, conquistarmos, pelo trabalho no bem, a lucidez que explica porque há a reencarnação, filha da justiça divina. 

Após um tempo no campo reconfortante, fui reconduzida para um hospital onde me recupero até hoje dos traumas e cicatrizes que criei no corpo do perispírito. As lesões que provoquei foram muito graves, passei por várias cirurgias espirituais e soube que minha próxima encarnação será dolorosa e expiarei asma, deficiência mental e tuberculose. Mesmo assim, estou reunindo forças para estudar, pois sempre guardamos, no inconsciente, todos os aprendizados conquistados. 

Reencarnarei numa comunidade carente no interior do Brasil e passarei por muitos reveses, para despertar em mim o valor da vida do espírito na pobreza e na doença crônica. Peço orações e a caridade dos corações que já sabem o que fazem e para onde desejam chegar. Invistam suas forças e energias espirituais em trabalhos de auxílio ao próximo e serão, naturalmente, felizes. Obrigada por me aceitarem como necessitada que sou !"

Cássia Eller (sic)

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Disputa judicial nos bastidores da FEB diante da tentativa de excluir o roustanguismo de seu Estatuto

LUCIANO DOS ANJOS, NOTÁVEL ADEPTO BRASILEIRO DE JEAN-BAPTISTE ROUSTAING.

COMENTÁRIO: O presente artigo, de Wilson Garcia, revela os bastidores da Federação "Espírita" Brasileira, e as lutas pela exclusão da obrigatoriedade dos estudos da obra de Jean-Baptiste Roustaing do Estatuto da FEB.

O texto, dotado de informações jurídicas, aponta detalhes nesse longo texto sobre o caso do roustanguismo da FEB, a questão da fusão da Federação "Espírita" do Estado de São Paulo (FEESP) e da União da Sociedade Espírita (USE) local. É preciso lê-lo com paciência, de preferência imprimindo para permitir uma leitura pausada e detalhada do texto.

Nó de marinheiro

Wilson Garcia, com consultoria jurídica de Milton Medran - Expediente On Line - Publicado em 12 de junho de 2015.

As relações entre o Pacto Áureo, Roustaing, a mística do “Deus, Cristo e Caridade” e a última assembleia da Feb que frustrou os planos de Antônio Cesar Perri de Carvalho de reeleger-se para novo mandato presidencial.

Quem leu os autos do litígio jurídico entre Luciano dos Anjos e a Federação Espírita Brasileira (Feb), iniciado em 2003 e concluído em 2013, há de perguntar se o ardoroso roustainguista estava no melhor do seu juízo ao publicar, em 2009, um texto em que se vangloria de ter vencido todas as etapas, até então, da pendenga jurídica da qual, na verdade, sairia derrotado. Caso seja positiva a resposta, restará questionar: o que desejava ele, objetivamente, uma vez que ao dar publicidade ao texto estava dando um verdadeiro nó de marinheiro no assunto, nó que só se sustenta enquanto suas quatro pernas estão presas?

Vamos aos fatos.

Em 2003, o então presidente, Nestor Masotti, costurava a eliminação do Estatuto da Feb do parágrafo que a compromete com a difusão e o estudo da obra de Jean Baptiste Roustaing, aproveitando-se da necessidade de adequação do Estatuto ao Código Civil Brasileiro. O argumento era de que a doutrina de Roustaing mais divide do que une os espíritas e, por consequência, o Conselho Federativo Nacional (CFN).

O parágrafo, único, consta do artigo primeiro e está assim descrito: “Além das obras básicas a que se refere o inciso I, o estudo e a difusão compreenderão, também, a obra de J.-B. Roustaing e outras subsidiárias e complementares da Doutrina Espírita”.

Tudo indica que Masotti conseguiria seu intento não fosse a providencial atitude de Luciano dos Anjos que, procurado, concordou em ser o porta-voz dos adeptos do bastonário francês, ingressou na justiça e obteve liminar em processo cautelar, cuja notificação à Feb chegou a tempo de obrigar a assembleia, já reunida, a retirar da pauta o item correspondente a Roustaing. Sustentaram Luciano e seus companheiros, para a obtenção da liminar, sem audiência da parte contrária, ser aquele item cláusula pétrea, portanto inamovível. Explica-se: a concessão de uma liminar, adiantando provisoriamente o atendimento de um pedido presente na ação principal e sem a instauração do contraditório, é possível quando o requerente alega duas situações juridicamente tratadas por estas expressões latinas: a existência do “fumus boni juris”, ou seja, a fumaça do bom direito; e do “periculum in mora” (perigo de demora), hipótese em que o risco de retardamento da decisão final possa trazer dano de impossível ou difícil reparação. No caso, o juiz, liminarmente, entendeu estarem presentes esses dois requisitos e concedeu a medida, que sempre é provisória, e cuja manutenção irá depender do exame a ser feito mais profundamente no decorrer da ação.

A partir de então e durante longos 10 anos a questão rolou nos tribunais até ser concluída em 2013, com o julgamento de todos os incidentes processuais e do mérito do pedido. Para Luciano dos Anjos, no entanto, a Feb teria sido derrotada em todos os recursos interpostos, como se pode ler no texto que publicou em 2009:

“Durante a tramitação da ação, a FEB já perdeu quatro vezes: I – Contestou a liminar concedida que suspendeu os efeitos da estranha assembleia-geral realizada em 25-10-2003. Concomitantemente, recorreu, em segunda instância, ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, através de agravo de instrumento, para cessar a liminar. Perdeu; 2 – Em resposta à apelação interposta, resultando provimento em favor de Luciano dos Anjos, interpôs embargos infringentes no Tribunal de Justiça. Perdeu; 3 – Interpôs agravo interno desta decisão. Perdeu; 4 – Interpôs recurso especial cível perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que foi inadmitido. Perdeu; 5 – Acaba de interpor agravo de instrumento em recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, na mais recente tentativa de reverter a situação. Processo em andamento”.

Em fins de 2013, quando o processo efetivamente se encerrou, Luciano não se manifestou e em maio de 2014, dia 3, veio ele a falecer. As perdas que ele atribuiu à Feb são estranhas, mesmo em se tratando de manifestação quatro anos antes do encerramento do processo. Vejam-se as peças por ordem cronológica. Ao que consta, Luciano teria obtido apenas uma vitória parcial, que lhe valeu sustar provisoriamente a votação do item na assembleia de 2003 que retirava Roustaing do Estatuto da Feb. Foi pela medida liminar interposta, concedida pelo magistrado que a recebeu e entendeu ser-lhe devida. Todos os recursos processuais interpostos ao longo desse tempo por Luciano buscaram fazer, sem êxito, com que aquela liminar fosse mantida. Alegava que a decisão prolatada na ação principal, e que lhe fora inteiramente desfavorável, não tinha revogado a liminar prolatada na ação cautelar. Essa tese foi sucessivamente rejeitada, pois a decisão prolatada na ação principal termina por fazer com que a ação cautelar perca o objeto.

Mesmo com esse entendimento claramente exposto nas decisões, parece que a medida insistentemente repetida pelo autor da ação acabou prevalecendo não apenas para a ocasião, mas de forma extensiva, uma vez que, apesar de haver vencido o processo, a Feb não utilizou, ainda, o direito de alterar quando e onde desejar o seu Estatuto, pois a decisão final não reconhece nenhuma cláusula pétrea no referido documento, senão aquelas que dizem respeito às determinações do Código Civil Brasileiro. E a alegação de cláusula pétrea era o principal argumento do processo movido por Luciano dos Anjos e os recursos que interpôs a cada decisão do Tribunal contrária aos seus interesses.

O histórico do processo deixa isso bem claro:

1. Luciano dos Anjos entrou na justiça com solicitação de medida cautelar contra a Feb. O objetivo maior era impedir a realização da assembleia geral, especialmente a discussão e votação da supressão da obrigatoriedade do estudo e difusão da obra de Roustaing sob o argumento de que o item constituía cláusula pétrea. Dizia Luciano que o artigo 73 do Estatuto limita a reforma estatutária somente a questões de ordem administrativa, “vedando, portanto, as de natureza básico-doutrinárias sob pena de nulidade”.
2. A liminar concedida atendeu em parte ao desejo de Luciano, ou seja, entendeu o magistrado que a assembleia deveria se ater apenas às modificações exigidas pelo Código Civil Brasileiro, vedando-lhe tratar da questão Roustaing. Luciano fez ainda um esforço para estender a liminar à realização da assembleia como um todo, o que lhe foi negado.
3.Apesar de tentar cancelar a liminar parcial, a Feb não alcançou seu intento.
4. A manutenção da liminar, que teria curta duração, como se verá, deu a Luciano a sensação de êxito no seu intento. Mesmo assim, não satisfeito, entrou ele com recurso, alegando “falsidade documental”, entre outros, objetivando anular os efeitos da assembleia, no que não obteve sucesso.
5. Em suas alegações na demanda principal, a Feb argumentou: “não existe motivo a impedir a reforma do estatuto, pois o art. 73 representa apenas regra de competência a fim de promover a alteração estatutária. Afirma também que a proposta de reforma do estatuto não tem como objetivo se afastar das bases teóricas do espiritismo, pugnando pela improcedência do pedido do autor”. Com isso, obteve a revogação da liminar obtida por Luciano dos Anjos lá no início do feito.
6. Numa nova tentativa frustrada, Luciano alegou que a Feb havia perdido um prazo processual na ação principal, o que não foi reconhecido.
7. Em decisão subsequente, o magistrado declarou formalmente “a perda da eficácia da liminar”, já que o exame do mérito na ação principal havia determinado a extinção daquele processo cautelar. Com essa decisão julgou extinto aquele feito.
8. Luciano dos Anjos recorre sob a alegação de que a perda do efeito da liminar não extingue a ação principal, no que consegue, provisoriamente, sucesso.
9. Entretanto, nova decisão em juízo recursal declarou a ação principal improcedente e a perda do objeto da ação cautelar, ocasionando outra derrota para Luciano dos Anjos.
10. Luciano entrou com novo recurso, insistindo na sustentação de que “o julgamento conjunto da ação cautelar e a correlata ação principal ofende a autonomia do processo acessório (cautelar), razão pela qual pugna pelo prosseguimento do processo cautelar até o trânsito em julgado da ação principal”.
11. Tal recurso sustenta o seguinte: no processo principal, Luciano requer a declaração de nulidade da Assembleia de 25 de outubro de 2003 com base na afirmação de falsidade documental da sua Ata. Para ele, houve arbitrariedades do tipo “descumprimento da medida cautelar, tendo sido votado o seu novo estatuto alterando o art. 73; omitiu, ainda, diversas intervenções dos sócios inconformados com as decisões de Nestor Masotti e, finalmente, alegando que a Ata da Assembleia padece de falsidade.
12.A Feb, em suas contrarrazões, nega a alegada falsidade ou que tenha descumprido a liminar, “afirmando que a alteração estatutária se limitou a adequar o estatuto aos ditames do Código Civil”, no que foi acolhida pelo órgão julgador. Luciano, teve, mais uma vez, uma derrota.
13. Não satisfeito, Luciano dos Anjos entra com novo recurso, afirmando, entre outros argumentos, a necessidade de ouvir-se os sócios da Feb em relação à assembleia, mas a decisão toma em consideração as próprias palavras de Luciano, em fase anterior, em que além de não requerer a produção de provas orais, dispensou-as por entender ser desnecessária ao caso.
14. Ainda assim, entendeu a decisão que as manifestações orais durante a assembleia, não constantes da Ata, visavam tão-somente reforçar que o parágrafo único do art. 1º não poderia entrar em discussão em virtude da liminar, o que de fato não ocorreu, não havendo, portanto, nenhuma nulidade.
15. Nessa quadra do processo e já se considerando derrotado em sua demanda, Luciano dos Anjos usa do artifício de inverter o chamado “ônus de sucumbência” sob o argumento de que foi a Feb que deu origem à causa. Ou seja, desejava passar à Feb as custas do processo, algo que vinha de encontro às suas afirmações públicas de que não desejava obter nenhum ganho material com o processo, o que, em suma, pode ser entendido como não querer causar prejuízo material à instituição de sua veneração.
16. Luciano dos Anjos interpõe um agravo de instrumento junto ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, buscando reverter as decisões anteriores. Em decisão de 4 de fevereiro de 2014, o Tribunal negou provimento ao agravo.
17.Cumpre reproduzir, para clareza, a decisão prolatada em 11 de setembro de 2013, favorável à Feb, cuja ementa (síntese do acórdão) ficou assim: “Apelação cível. Alteração de estatuto de associação religiosa. Possibilidade de ausência de disposição acerca do caráter imutável da norma. Nos 78 artigos que compõem o estatuto não existe qualquer cláusula limitadora do poder de reforma, além do comando do art. 73, imposto para adequar-se à norma do art. 19 do Código Civil de 1916, vigente na época, que estabelecia no capítulo referente ao registro de pessoas jurídicas, o modo como seria reformável no tocante tão somente à administração. Atualmente o dispositivo corresponde ao artigo 46, incisos III e IV do CC/02. Recurso desprovido”.

Mesmo tendo recorrido a instância superior em Brasília e, mais uma vez, receber a negativa de acolhimento do seu recurso, a decisão acima surge como aquela que decreta o encerramento moral do processo e seu trânsito em julgado, isto é: Luciano dos Anjos tem a decisão definitiva e insuscetível de modificação, que coloca por terra seu argumento de cláusula pétrea para o parágrafo que aponta para a presença da difusão e estudos da obra de Roustaing no Estatuto da Feb. Uma vez que isso ficou assentado, pode a Feb alterar quando e como quiser o seu documento maior, sem nenhum constrangimento. A questão que fica no ar é se esse propósito retornará em algum momento e, também, se essa questão estatutária é de fundamental importância para o Espiritismo enquanto doutrina.

OS MITOS DO ESTATUTO E OS PAULISTAS NA FEB

O Estatuto da Feb seria comum, ou seja, semelhante a qualquer outro não fosse pelos mitos que se criaram em torno dele, especialmente sobre a questão Roustaing. Para desfazê-lo o processo de Luciano dos Anjos contra a instituição acabou colaborando ao proporcionar um maior acesso ao texto do Estatuto e colocar por terra as fantasias criadas ao seu derredor, como aquela que tornava obrigatória a crença na doutrina do advogado francês para acesso ao quadro associativo. Pode, em algum momento do passado, ter sido verdadeira a obrigação, mas ela não consta do Estatuto, como também o comprovam as mudanças ocorridas na Feb, especialmente a partir da assunção ao cargo de presidente de Francisco Thiesen, pelas mãos do qual espíritas não roustainguista ou com dúvidas sobre a crença tiveram assento no Conselho Superior.

É verdade que a chegada desses indivíduos estranhos ao contexto febiano, dominado pela ideologia roustainguista, acendeu a luz vermelha naqueles que perceberam aí um imenso perigo. O pragmatismo thieseano levou-o a entender a necessidade de ceder em algum momento para ampliar as bases da Feb, não apenas via CFN, mas principalmente pelo convencimento de lideranças expressivas a se tornarem sócios efetivos da instituição, ao mesmo tempo em que também acendiam a cargos de grande visibilidade.

Alguns desses líderes galgaram postos chaves, outros ficaram a meio caminho, mas todos, sem distinção, viram aumentar o seu cacife político em termos gerais, pelo simples fato de serem diretores da Feb. Paulo Roberto Pereira da Costa[1], por exemplo, a quem se atribuía a crença roustainguista, era egresso da Federação Espírita de São Paulo, aonde fora vice-presidente e chegou a assumir a presidência na ausência de Carlos Jordão da Silva. Foi ele dos primeiros a chegar à Feb pelas mãos de Thiesen. Se rezava na cartilha de Roustaing, era ao mesmo tempo tido como paulista, o que certamente lhe valia o selo de desconfiança da parcela maior dos membros do Conselho Superior.

Outro que chegou cedo, antes até de Paulo Roberto, foi Altivo Ferreira, que assumiu a condução da revista Reformador. Também foi levado por Thiesen e, não sendo roustainguista, acreditava que poderia realizar um trabalho eficiente e ao mesmo tempo contribuir para a distensão. Sobreviveu aos mandatos de Thiesen, Juvanir e Nestor, afastando-se por força da idade e da saúde.

Nestor João Masotti era, pode-se dizer, um político talhado, como mostrara em seus mandatos presidenciais na Use de São Paulo, para os quais, pelo menos o primeiro, fora conduzido no vazio de uma disputa intensa em que o principal candidato – Eurípedes de Castro, dentista e ex-deputado – falecera às vésperas do pleito. Nestor sequer era candidato, mas seu nome surgiu como solução da crise.

Desde então, Nestor tratou de acomodar os ânimos e distribuir os cargos de forma a contemplar os diversos interesses, o que lhe permitiu conduzir a Use prezando pela harmonia possível, mas contando com um secretário de peso, que lhe fora essencial: Antônio Schiliró, que mais à frente se torna também presidente da Use.

No âmbito político-ideológico, porém, Nestor teve de enfrentar dois grandes conflitos e viver dias de grande conturbação: primeiro, quando pouco tempo depois de sua posse, o projeto de fusão da Federação de São Paulo com a Use, há anos gestado pelas duas instituições ao nível da cúpula, recebe um golpe final. Em assembleia da Use muito conturbada, onde o assunto não constava da pauta, mas foi apresentado e votado, o projeto foi vetado de forma definitiva.

O resultado disso foi a elevação dos ânimos políticos a um nível máximo. A Feesp passou a alegar que a Use traiu os acordos que vinham sendo gestados há anos, acusando Nestor Masotti de fragilidade no comando da Use e atribuindo-lhe a culpa total pelo fato de deixar que a assembleia, onde o tema da fusão seria apenas objeto de relatório, o debatesse e votasse pela sua extinção. Internamente, Nestor foi alvo da desconfiança dos setores mais radicais, que temiam pudesse ele mais à frente ceder às pressões e deixar o projeto da fusão retornar.

Nestor, porém, obedeceu às decisões da referida assembleia e buscou conciliar os dois lados, sempre, no entanto, defendendo os direitos da Use. Isso o levou a serenar os ânimos internos com a acomodação dos diversos interesses, contando sempre com a credibilidade que Antônio Schiliró desfrutava, por seus muitos anos de condução da Use como Secretário Geral.

Outro instante de grande tensão vivido por Masotti foi quando da decisão da Feesp de, em represália à Use, aprovar um novo Estatuto em que oficializava sua vontade de desenvolver ainda mais a sua área federativa, estabelecendo claramente o confronto. A Use, então, se viu obrigada a responder às acusações que lhe foram imputadas e a buscar meios próprios de sobrevivência, uma vez que, até então, abrigava-se em prédio cedido pela Feesp, tendo suas principais despesas custeadas por esta.

Essas e outras experiências deram a Nestor uma maior capacidade de conviver com os diferentes interesses dentro do movimento espírita brasileiro e facilitaram em muito seus passos futuros.

Na segunda metade dos anos 1980 Nestor vê seu futuro em Brasília, para onde se transfere. Com a experiência adquirida em São Paulo, é guindado a diretor da Feb pelo então presidente Francisco Thiesen. Após integrar várias diretorias, Nestor ascende ao posto maior em 2001, substituindo Juvanir Borges de Souza, que comandou a Feb por cerca de 12 anos.

Nestor vai presidir a antiga instituição por vários mandatos e há quem afirme que sua longa trajetória ali só foi possível graças à sua capacidade de dividir o poder entre os diferentes aliados, de modo a manter-se no cargo. Alguns o criticam exatamente por essa postura, afirmando que Nestor formou uma espécie de triunvirato, ou seja, cabia-lhe as funções políticas e de representação, enquanto que as funções financeiras e administrativas estavam entregues a dois diretores, os quais possuíam total liberdade e eram originários do quadro mais conservador do Conselho Superior.

Na esteira de Nestor, mais um nome de São Paulo chegou à Feb: Antônio Cesar Perri de Carvalho, que desenvolveu carreira acadêmica na Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde fora, inclusive, pró-Reitor e chegou a disputar a reitoria. Cesar havia ocupado a presidência da Use por dois mandatos, destacando-se com propostas de modernização da instituição e, por isso mesmo, tendo de enfrentar a ala mais conservadora que, em muitas ocasiões, quase inviabilizara o mandato de Nestor.

Após ocupar vários cargos na Feb, Cesar Perri viu-se guindado ao posto máximo em virtude da grave doença de que foi acometido o então presidente Nestor Masotti, e de sua renúncia posterior ao cargo. Era seu vice-presidente imediato. Concluído o mandato, Cesar Perri é eleito presidente e prossegue com propostas de abertura da Feb que já havia iniciado, numa linha de pensamento semelhante à que empregara na Use.

As gestões de Nestor e Cesar Perri na Use dão uma mostra significativa do modus operandi de cada um. Em lugar de se opor à ala conservadora, Nestor sempre preferiu compor para governar, ou seja, entregava parcelas do poder aos diferentes setores de interesse. Perri, ao contrário, tinha em mente a ideia de modernização e nem sempre se importava de enfrentar os interesses contrários, desde que seu projeto se mostrasse necessário. Enquanto os conservadores travavam as diversas ações que julgavam prejudicar o destino da Use, obrigando Nestor a usar de enorme paciência para não paralisar tudo, Cesar Perri buscava formas de colocar em funcionamento projetos que, se levados a votação, encontrariam resistências muito grandes, podendo fracassar antes de serem executados. Preferia correr riscos a ficar refém dos conservadores.

Terão sido tais diferenças entre os dois últimos paulistas presidentes da Feb a razão da longevidade de Nestor e da brevidade de Cesar Perri no cargo? Seria precipitado afirmar que sim, pois tudo indica que diversos outros elementos estão presentes aí. Apesar de seu temperamento conciliador, não se pode esquecer que Nestor colocara seu cargo em perigo em 2003, com a tentativa frustrada de tirar Roustaing do Estatuto da Feb. Mexera ele com algo que poderia ter causado sua destituição do cargo, mas, ao contrário disso, Nestor permaneceu e se reelegeu outras vezes.

Segundo se informa, Cesar Perri tinha por objetivo permitir maior autonomia ao Conselho Federativo Nacional (CFN) que, tradicionalmente, era mantido e dirigido pelo presidente da Feb com mão de ferro, amparado no Regimento Interno que lhe dá poderes totais. Seria pensamento seu deixar que o CFN, na prática, se auto gerisse, a partir das decisões de seus membros na escolha dos representantes dos cargos ou na decisão pelos projetos de interesse da maioria.

Ações desse tipo, se não amparadas em alterações do Regimento Interno, correm sempre o risco de serem impedidas legalmente, senão de forma aberta, pelo menos através dos mecanismos políticos disponíveis. Ante a possibilidade de ver o CFN fugir do controle da Feb e vir algum dia a se tornar plenamente independente, é perfeitamente previsível o surgimento de movimentos contrários a gerar conflitos de difícil solução.

Por outro lado, consta que Cesar Perri, tão logo se vira empossado no cargo, iniciara mudanças, implantando um novo modelo de gestão, o que, sempre que ocorre, implica em redução de poder que afeta interesses. Então é de se perguntar se Cesar Perri tinha noção clara e ampla do que essas ações gerariam no centro nervoso do poder da instituição, o seu Conselho Superior.

A tradição em curso na Feb, de reeleger seu presidente indefinidamente, teria levado Cesar Perri a acreditar que, apesar dos diversos interesses contrariados, a própria força dos fatos se incumbiria de aplacar os descontentes e respaldar seu objetivo de continuar na presidência, repetindo o que, de certa forma, ocorreu na Use? Contaria ele, ainda, com o fato positivo gerado pelo clima de abertura do CFN, tornando-o mais ágil e atuante, como fator capaz de desfazer qualquer movimento contrário à sua permanência?

O fato é que o Conselho Superior da Feb, de forma surpreendente para Cesar Perri e a maioria dos seus aliados, tomou a decisão de eleger um outro presidente, colocando por terra sua pretensão. Pouco tempo antes da eleição surgiram os primeiros sinais de que algo ocorria nos bastidores e mexia com o clima interno. Cesar Perri parecia estar sendo alertado de que estava prestes a perder o poder, diante de uma realidade inexorável: a grande maioria de seus aliados o queriam, mas estes não tinham voto no Conselho Superior. O tempo era curto demais para reverter o quadro. Cesar Perri não percebeu o momento político em ebulição ou não lhe deu a devida atenção senão quando já nada mais podia fazer.

Poucos dias antes do pleito pipocaram notícias preocupantes sobre o andamento do processo eletivo; após a assembleia, acusações envolvendo questões éticas sérias foram feitas contra o próprio Conselho da Feb. O fato é que o poder voltou às mãos dos adeptos de Roustaing.

Quanto a isto, parece não restar muitas dúvidas. De repente, um nome, presente há muito tempo no Conselho Superior, mas desconhecido do próprio movimento espírita, acende ao poder máximo. Sua primeira entrevista à imprensa tem duas versões: a que foi publicada e a que de fato deu. Na primeira faz, fundamentalmente, sua apresentação pessoal e busca acalmar os ânimos. Mas na parte que não foi ao ar fala de Roustaing e sua importância para o Espiritismo na visão dos adeptos do advogado francês.

MUDANÇAS PERIFÉRICAS E AS RAÍZES DO PODER

O que é pouco para alguns pode ser demasiado para outros. A recente tentativa frustrada de reeleição de Cesar Perri à presidência da Feb pode ser, apenas, a ponta do iceberg que parecia estar afundando, mas que volta a emergir nos mares gelados da ação roustainguista.

Segundo fontes seguras, pode-se raciocinar em termos de duas possibilidades para o episódio. A perda de espaço da ideologia roustainguista parecia acentuar-se nos últimos anos, perda essa que teve início, de fato, com a estratégia Thiesen de incluir lideranças de outros estados no corpo diretivo da Feb e sua certeza de que os ganhos seriam maiores que as perdas. Essa seria uma das causas da mudança de rumos.

Por outro lado, o episódio da tentativa de retirada de Roustaing do Estatuto da Feb, em 2003, certamente acendeu a luz vermelha, podendo ter sido visto como o começo de uma ação mais incisiva e desastrosa para o futuro dessa ideologia.

Sabe-se que a presidência de Perri alterou a forma como o comando era exercido na diretoria da Feb ao tempo de Masotti. Perri teria instituído um tipo de gestão em que o poder centrado na figura do presidente tem sua condução rígida e mesmo quando este distribui os cargos, não deixa de controlar os diversos projetos de cada área. Essa forma, baseada também em gestão por orçamentos, significa na prática limitação do poder dos que estavam acostumados a exercer seus cargos com maior autonomia. Essa teria sido, e penso que apenas aparentemente, a principal razão para uma mudança interna e no Conselho Superior.

Aqueles que urdiram o movimento de retomada do poder por parte dos roustainguistas podem ter agido pelas razões acima, mas principalmente pelo medo da perda da ideologia, tão centenária quanto a própria instituição. Se esta ideologia está na essência das preocupações, pode-se questionar se ela constitui, na atualidade, em preocupação dominante e real e se, extinguindo-a do estatuto se estará fazendo um movimento concreto na direção da mudança da própria Feb, mudança que seja de fato tão profunda quanto capaz de permitir que o cenário se altere na medida da necessidade do movimento, onde autonomia e liberdade possam de fato ser exercidas pelas federativas e demais setores ligados ao CFN.

Não se pode encarar a realidade sem um olhar pragmático, do contrário as ilusões tendem a encobrir a verdade. A questão Roustaing já teve sua época fecunda e divisionária, ocasião em que os críticos dela se batiam contra sua presença por entenderem, com certa razão, que ela sustentava uma situação negativa, altamente prejudicial ao progresso do Espiritismo. Pergunta-se: essa situação se mantém?

Qualquer estudo de ordem cultural há de mostrar que a questão roustainguista, embora ainda constitua uma mancha na doutrina legada por Kardec, há muito deixou de ser o fator principal, pois, não podendo ser contida quando orientava a formação da cultura febiana, já não representa hoje, por si mesma, o nó da questão, porque a cultura febiana da religiosidade exacerbada, da centralização da doutrina num cristianismo baseado em hábitos antigos que deveriam ser eliminados se espalhou de tal forma que aquilo que era dominante intramuros tornou-se dominante no movimento oficial.

Não estamos mais diante de uma ideologia exercida pela Feb apenas dentro de seus domínios institucionais; é o movimento como um todo que se deixou contaminar, em nome da paz e da união encarecida por figuras exponenciais como Bezerra de Menezes espírito. Se consultado, Herculano Pires denominaria, com ironia, mas também com acentuado censo crítico, esse movimento de paz de remanso, águas paradas propícias à formação do lodo que aos poucos consome todo o oxigênio da liberdade.

Sob esse ponto de vista, a Feb cedeu e as federativas estaduais também cederam; a Feb assumiu o risco de sofrer abalos em sua ideologia central e o movimento espírita como um todo resolveu colocar a mão na bandeira da paz, desfraldada inteligentemente pela Feb, sem se incomodar e talvez com certa dose de ingenuidade de estar agindo em benefício da doutrina. Preocupava-se mais com as chamadas de atenção do Bezerra de Menezes espírito, na sua pregação pela unificação. E mesmo não desejando, fez do processo unificacionista um processo, também, uniformizador, que ajuda e asfixia ao mesmo tempo.

Boa parte dos que assumiram comando na Feb a partir da gestão Thiesen não professava e não veio a professar o ideário de Roustaing; a maioria absoluta dos espíritas brasileiros sequer conhece o roustainguismo e não o professa. Mas essa não é mais a questão principal. O que está na essência da cultura febiana e, aí sim, orientado pela doutrina de Roustaing, é esse cristianismo embolorado que se opõe à proposta kardequiana e que reduz o emprego da razão para as questões da crença. Quando isso se assenta, o crer por crer retorna dominante e desaloja o crer por saber, especialmente quando os principais esforços são direcionados à divulgação da proposta do homem novo idealizado. O Cristo assumiu o lugar de Jesus, o homem. Este se dirige à razão, aquele se reveste simbolicamente de um corpo fluídico.

Assim, sem necessidade de conhecer e assumir intencionalmente o roustainguismo, o movimento espírita o divulga na forma de uma cultura subsumida, numa permanente exaltação dos atributos formais do Cristo em livros, palestras, seminários e congressos, até mesmo em mensagens nas redes sociais, repetitivas, padronizadas, enquanto o homem Jesus, que Kardec privilegia, fica subjugado pela força da massa dos frequentadores obedientes às lideranças sonhadoras, que ainda esperam pelo paraíso, como se vê na recente Carta de Santos que a Use publicou.

O episódio da não reeleição de Cesar Perri à presidência da Feb reacendeu em alguns um questionamento antigo, em vista da circulação de mensagens pesadas à atitude dos membros do Conselho Superior da instituição: as federativas estaduais seriam capazes de dar início a um processo de enfrentamento da casa de Ismael, via CFN? Segundo as poucas vozes que se manifestaram, o CFN corre um sério risco de perder importantes avanços conquistados, especialmente nos últimos anos da presidência de Cesar Perri. Entre esses avanços estariam mais poder de decisão e grau de liberdade maior, que permitiriam ao próprio CFN determinar, por decisão própria, seu futuro.

Não há sinais de que isso possa ocorrer e se ocorrer desmentirá a própria história de quase setenta anos do chamado Pacto Áureo, que não registra nenhum movimento de tal magnitude, embora fosse mais fortemente contestado por expressivas lideranças nas primeiras décadas de sua formalização. Essas lideranças, contudo, eram poucas e agiam em nome pessoal.

Na última entrevista dada pouco antes de seu desencarne, o médico Luís Monteiro de Barros, que participou com Carlos Jordão da Silva das tratativas que levaram à assinatura do Pacto Áureo, reclama do descumprimento do acordo feito pelo então presidente da Feb, Wantuil de Freitas. E o fez de forma enfática, porque já não acreditava mais na promessa de autonomia do CFN.

As lideranças comprometidas com o Pacto Áureo nunca foram capazes de enfrentar o comando da Feb, apesar de sabidamente serem contra muitas das atitudes e interesses de seu presidente. Nem de forma pública, nem no plano interno. Esperavam candidamente que a Feb, numa atitude elevada, desse a carta de alforria do CFN, para que este, por seus membros, definisse a melhor forma de gerir seu destino.

Wantuil de Freitas e os que o substituíram, contudo, tinham em mente outra coisa: aumentar o poder da Feb, contornando os conflitos e apaziguando as ovelhas. Estavam cientes de que era esse poder que os instrumentalizaria para a construção daquilo que de fato importava: a cultura febiana, manifesta no dístico “Deus, Cristo e Caridade”.

A questão agora já não é saber se o CFN mudará, mas se a cultura do movimento espírita encontra tempo e razão para também mudar.

[1] Paulo Roberto Pereira da Costa foi, também, vice-presidente da Use no mandato de Antônio Schiliró, que sucedeu a Nestor Masotti.