domingo, 30 de novembro de 2014

Análise sobre o suposto Edouard Manet de José Medrado

SUPOSTO QUADRO DE EDOUARD MANET, POR JOSÉ MEDRADO.

Eis que José Medrado, que costuma exibir suas pinturas "mediúnicas" como troféus em todos os espaços em que ele faz palestras ou divulga textos, insiste na apropriação dos ilustres pintores do passado, desta vez usando o pintor francês Edouard Manet (1832-1883).

Em uma curta postagem recente do seu blogue, o anti-médium baiano havia, na falta de algum assunto, colocado uma pintura atribuída a Manet e criou uma fase banal que Medrado atribuiu ao pintor: "O Sol realça a beleza das flores, como o sorriso clareia a face da vida".

Imaginar que Manet teria dito essa frase, quando em vida disse coisas como "O carnaval é uma coisa estranhíssima; eu me vi dentro dele, como todo mundo, enquanto vítima e ator", não traz qualquer tipo de diferencial para o suposto espírito do pintor.

Convidamos o caro leitor a analisar o quadro acima, do suposto espírito de Edouard Manet, com o legítimo quadro abaixo, Fleurs Dans Un Vase de Cristal (1882), um dos últimos em vida do pintor, para fazermos uma comparação.

FLORES SOBRE UM VASO DE CRISTAL, LEGÍTIMO QUADRO DE EDOUARD MANET.

Os estilos se conflitam seriamente, já que o fundo não tem a delicadeza que o pintor originalmente registrou na obra, e a iluminação torna-se festiva e aberrante demais para o estilo do artista impressionista.

E, mais uma vez, as flores parecem muito mal desenhadas, disformes, como é de praxe nas pinturas supostamente mediúnicas de José Medrado, em que o estilo do anti-médium parece se assemelhar nas "diferentes" obras registradas por seus óleos e tintas.

SUPOSTO CLAUDE MONET E SUPOSTO EDOUARD MANET, POR JOSÉ MEDRADO - ESTILOS SEMELHANTES.

Observando, desta vez, os quadros atribuídos a Claude Monet, outro pintor francês, e o de Edouard Manet que ora analisamos, nota-se a clara semelhança de estilo, com seus desníveis, suas flores mal desenhadas e suas cores igualmente distribuídas em um quadro e outro.

As assinaturas também seguem a mesma tendência. Se confrontamos a suposta assinatura de Edouard Manet com a do pintor francês, nota-se uma diferença aberrante, já que a assinatura "espiritual" nada tem a ver com a que o pintor registrou em vida. Vejam abaixo:


Agora, vamos usar as assinaturas dos quadros supostamente de Monet e Manet aqui pesquisados, e nota-se uma semelhança no estilo caligráfico, por mais que as letras tentem parecer diferentes em uma e outra assinatura.

O "M" maiúsculo expressa apenas uma diferença pessoal do assinante, no caso José Medrado, mas a caligrafia mostra uma impressionante semelhança estilística, mesmo quando a do quadro de Monet tenha sido escrito em letras inclinadas, como que em itálico.


Se usarmos outra assinatura supostamente atribuída a Claude Monet, para a comparação com a do suposto Edouard Manet, a semelhança torna-se ainda mais clara, mesmo considerando a mudança de grafia do "M" maiúsculo.


Diante dessa observação cautelosa, observamos mais uma fraude cometida pelo anti-médium baiano, com mais uma análise dos estilos de pintura e de assinaturas das obras envolvidas, que já permitem um questionamento mais seguro a respeito das supostas obras mediúnicas.

sábado, 29 de novembro de 2014

Comparação entre a assinatura de Humberto de Campos e a de seu suposto espírito

LIVRO DESTINOS (1935), UM DOS PRIMEIROS TRABALHOS PÓSTUMOS DE HUMBERTO DE CAMPOS, EM EDIÇÃO DE 1947.

Humberto de Campos tornou-se uma das maiores obsessões de Chico Xavier. O anti-médium de Pedro Leopoldo, depois radicado em Uberaba, no Triângulo Mineiro, era um católico de hábitos excêntricos e hábito regular de leitura, além de sentir um mórbido fascínio por mortos prematuros.

A obsessão de Chico Xavier pelos mortos precoces era notória, vide casos de Auta de Souza, Irma de Castro (Meimei) e, sobretudo, do escritor e jornalista Humberto de Campos, membro da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 20, inaugurada por Joaquim Manuel de Macedo, autor de A Moreninha, cadeira ocupada hoje pelo ex-jornalista de Manchete, Murilo Melo Filho.

Humberto foi o mais obsediado, transformado em marionete por Chico, talvez sob orientação da FEB, mas com a cômoda cumplicidade do popstar da mediunidade. O escritor de O Brasil Anedótico, hoje esquecido, era uma das grandes figuras literárias dos anos 1920 e 1930, e seu falecimento prematuro, com apenas 48 anos, comoveu seus admiradores.

Hoje Humberto está associado ao "espiritismo" da FEB e praticamente foi "sequestrado" por Francisco Cândido Xavier, que se apropriou dele a ponto dos herdeiros do escritor reagirem em processo judicial, enquanto seu advogado Milton Barbosa identificava irregularidades entre as obras do suposto espírito de Humberto e o que ele havia escrito em vida.

Um dos aspectos que contradizem a veracidade da autoria de Humberto de Campos, ignorada há 70 anos por conta do empate jurídico que favoreceu Xavier, é a assinatura colhida em um documento supostamente mediúnico, recebido por um funcionário ferroviário e aparente médium, Alarico Cunha, de Parnaíba, Piauí.


Este documento, de 1935, um ano após o falecimento do intelectual maranhense, teria sido apresentado à mãe do escritor, Ana de Campos Veras, que aparentemente reconheceu a assinatura do filho.

No entanto, confrontando as assinaturas, através da imagem abaixo, a veracidade soa duvidosa e talvez Ana, em suas primeiras impressões depois da perda do filho, tenha se comovido demais com uma mensagem atribuída ao escritor, jornalista e acadêmico.


A assinatura apressada teria sido feita por alguém que, conhecendo a obra de Humberto, conhecesse também a sua assinatura, já que ela apresenta, como numa imitação, algumas semelhanças no desenho das letras.

Mesmo assim, há o contraste entre a caligrafia nervosa lançada pelo suposto médium e a assinatura peraonalizada do autor, reproduzida num de seus livros póstumos. Note-se que as tentativas de imitar o estilo das letras H e C dá num resultado enganoso, mas nota-se a imitação superficial da caligrafia, semelhante mas nem tanto.

Numa outra comparação, desta vez usando uma assinatura mais corrida de Humberto de Campos, reproduzida em sua lápide no cemitério de São João Batista, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, onde o escritor está sepultado, o problema não se resolveu.


Compare então a suposta assinatura espiritual presente nestes dois arquivos de comparação - a suposta assinatura está embaixo em ambos - com a assinatura, também corrida, presente na moldura em homenagem ao escritor maranhense.


Nota-se que, em todas as comparações, a suposta assinatura espiritual não consegue reproduzir em todo a fluência da caligrafia de Humberto de Campos, e nota-se que o de Campos parece grudado e a caligrafia das letras minúsculas mais parece rabiscada, contrastando com a desenvoltura dos traços da caligrafia do escritor.

Quanto aos manuscritos dos supostos trabalhos de Humberto de Campos através de Chico Xavier, consta-se que eles desapareceram misteriosamente, mas o estilo de narrativa do suposto espírito já contradiz, por seu conteúdo, o estilo original do acadêmico.

O Humberto de Campos em vida tinha senso de humor, em certos casos levemente irônico, em outros divertidamente satírico. Já o suposto espírito de Humberto era piegas, melodramático e infantilizado, em muitos casos lembrando, nas palavras usadas, o mesmo discurso que Chico Xavier dava em suas entrevistas e depoimentos.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Artigo de Humberto de Campos: "Como Cantam os Mortos"

EDIÇÃO DE CARVALHOS E ROSEIRAS (1923), DE HUMBERTO DE CAMPOS, LANÇADA NO ANO DE SUA MORTE, 1934.

Dando continuidade ao artigo anterior, Humberto de Campos produziu outro, "Como Cantam os Mortos", em que dá sequência ao seu misto de ingenuidade e ceticismo, talvez apresentando uma dúvida que não deixava explícito no texto anterior, quanto à mediunidade de Chico Xavier, em que pese acreditar nas semelhanças entre os poemas espirituais e as obras originais dos autores atribuídos.

Ele até cita os trechos dos poemas do livro atribuído a alguns autores, acreditando que os mesmos preservem as caraterísticas estilísticas e estéticas das obras dos respectivos poetas feitos em vida. Mas, até pelos limites de espaço, ele não confrontou os poemas "espirituais" com os poemas autênticos do legado deixado pelos autores.

O texto está reproduzido integralmente abaixo, com as devidas atualizações ortográficas posteriores à reforma de 2009.

COMO CANTAM OS MORTOS

Por Humberto de Campos - Diário Carioca, n. 1205, Rio de Janeiro, 12 de julho de 1932.

O "Parnaso de Além-Túmulo" do sr. Francisco Cândido Xavier, cujos objetivos examinei em artigo anterior, merece trato mais grave demorado. Escutando a voz dos mortos, devemos identificá-la, para evitar quaisquer possibilidades de impostura. Vejamos, pois, como canta, ou escreve, Augusto dos Anjos, pela boca ou pela pena do espírita de Pedro Leopoldo:

"Louco, que emerges de apodrecimentos,
Alma pobre, esquelético fantasma,
Que gastaste a energia do teu plasma
Em combates estéreis, famulentos...

"Em teus dias inúteis foste apenas
Um corvo ou sanguessuga de defuntos
Vendo somente a cárie dos conjuntos
Entre as sombras das lágrimas terrenas.

"Vias os teus iguais, iguais aos odres
Onde se guarda o fragmento imundo,
De todo o esterco que apavora o mundo
E as ruins exalações dos corpos podres".

Casimiro de Abreu conserva, nas cordas da sua lira, feitas possivelmente com os restos dos seus nervos, a ingenuidade primitiva. E oferece-nos, nas rimas póstumas, a prova triste de que, mesmo além da vida, no selo mesmo da morte, as paixões não desaparecem. A saudade da pátria é conservada incólume, como se o morto não tivesse mudado de planeta, mas, apenas, de um país para outro. Ouçamos, para exemplo, o poeta das "Primaveras" oitenta e dois anos depois de desencarnado:

"Que terno sonho dourado
Das minhas horas fagueiras
No recanto das palmeiras
Do meu querido Brasil!
A vida era um dia lindo
Num vergel cheio de flores
Cheio de aroma e esplendores
Sob um céu primaveril.

"Se a morte aniquila o corpo
Não aniquila a lembrança:
Jamais se extingue a esperança
Nunca se extingue o sonhar!
E à minha terra querida,
Recortada de palmeiras
Espero em horas fagueiras
Um dia, poder voltar".

Antero de Quental continua triste e trágico no outro mundo, e disposto, parece, a suicidar-se de novo, para reaparecer neste. "À Morte" é um dos seus sonetos caraterísticos, exportados com endereço aos seus antigos admiradores e discípulos, por intermédio do "médium" mineiro:

"Ó Morte, eu te adorei, como se foras
O fim da sinuosa e negra estrada,
Onde habitasse a eterna paz do Nada
Sem agonias desconsoladoras.

"Eras tu a visão idolatrada
Que sorria na dor das minhas horas,
Visão de tristes faces cismadoras,
Nos crepes do silêncio amortalhada.

"Busquei-te, eu que trazia a alma já morta,
Escorraçada no padecimento,
Batendo alucinado à tua porta;

"E escancaraste a porta escura e fria,
Por onde penetrei no Sofrimento,
Numa senda mais triste e mais sombria".

A notícia que Antero nos dá não é, evidentemente, das mais agradáveis. A outra existência, para ele, não tem sido melhor do que esta. Ou sucederá isso em virtude do gênero de morte que ele escolheu? O homem que se mata engana, ou tenta enganar a Deus. E o castigo que este lhe inflige, consiste, possivelmente, em fazê-lo sofrer no outro mundo os mesmos tormentos que padecia neste. Em síntese: a morte, obtida pelo suicídio, não vale. Só é tomada em consideração aquela que Deus dá, isto é, que sobrevém naturalmente.

D. Pedro II continua, mesmo depois de morto, a fazer maus versos. Há uma antiga tradição literária, segundo a qual os melhores sonetos do ex-Imperador eram feitos pelo Barão de Loreto. Admitida essa versão, a conclusão a tirar dos decassílabos que se vai ler é que os dois andam, agora, por lá, separados. Escutemos o velho monarca:

"Magnânimo Senhor, que os orbes cria
Povoando o Universo ilimitado,
Que dá pão ao faminto, ao desgraçado,
E ao sofredor os raios da alegria;

"Se, de novo, no mundo, desterrado,
Necessitar viver inda algum dia,
Que eu regresse ditoso ao solo amado
Da generosa pátria que eu queria;

"Se é mister retornar a um novo exílio,
Seja o Brasil, lá onde eu desejara
Ter vertido o meu pranto derradeiro.

"Que eu novamente viva sob o brilho
Da mesma luz gloriosa que eu amara,
Na alcandorada terra do Cruzeiro".

Castro Alves continua condoreiro, e utilizando as mesmas imagens em que era mestre, na terra:

"E a gota d'água caindo
No arbusto que vai subindo
Pleno de seiva e verdor;
O fragmento do estrume
Que se transforma em perfume
Na corola de uma flor.

"E a dor que através dos anos,
Dos algozes, dos tiranos,
Anjos puríssimos faz;
Transformando os Neros rudes
Em arautos de virtudes,
Em mensageiros de paz!"

E Junqueiro, sem mudar de tema ou de rima:

"Na silenciosa paz do cimo do Calvário
Ainda e vê na Cruz o Cristo solitário.

"Vinte séculos de dor, de pranto e de agonia
Represam-se no olhar do Filho de Maria".

As poesias de Junqueiro continuam sendo, na outra vida, extensas em demasia. Ficam, por isso, aí, apenas duas parelhas, para amostra.

O "Parnaso de Além-Túmulo merece, como se vê, a atenção dos estudiosos, que poderão dizer o que há nele, de sobrenatural ou de mistificação. No primeiro caso, o outro mundo deve ser insuportável, com os poetas que lá se acham. E pior será, ainda, se houver, também, por lá, declamadoras...

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Artigo de Humberto de Campos: "Poetas do Outro Mundo"

NO FINAL DE SEU ARTIGO, HUMBERTO DE CAMPOS CITA O LIVRO O MONSTRO E OUTROS CONTOS, QUE ELE LANÇAVA NA ÉPOCA.

COMENTÁRIO: Humberto de Campos havia escrito, em vida, dois artigos no jornal Diário Carioca, o primeiro, intitulado "Poetas do Outro Mundo", datado de 10 de julho de 1932, e, como o periódico não circulava nas segundas-feiras, o texto seguinte, "Como Cantam os Mortos", saiu dois dias depois, portanto 12 de julho de 1932.

No primeiro texto, que reproduziremos a seguir, Humberto adota uma postura ao mesmo tempo ingênua e crítica ao livro Parnaso de Além-Túmulo, de Francisco Cândido Xavier, dando a crer que o livro - que, através de pesquisas cuidadosas, revelou-se não ter sido psicografado, mas elaborado por um grupo de escritores, como se observa no decorrer de sua coluna.

Humberto acreditava que os poemas lançados no livro eram autenticamente espirituais, conservando as caraterísticas dos autores em vida, tese contestada anos depois por especialistas, sobretudo o crítico Osório Borba.

No entanto, Humberto se sentia incomodado com o fato da antologia contar com "obras do além", que competiam com a expressão artística dos vivos. Neste livro, ele mostra sua conhecida veia irônica, mas tudo indica que ele havia achado o livro ruim, dando-nos a impressão de que ele julgava a poesia uma arte menor.

Ele chega a dar preferência ao "inferno" descrito por Dante Alighieri em A Divina Comédia, pelo fato de impedir que poetas façam novos trabalhos, pois no enredo os Demônios teriam lhes tomado a lira, para "o bem da ordem interna do estabelecimento", enquanto Humberto descreve o mundo espiritual do livro de Chico Xavier como "desorganizado".

Reproduzimos o texto na íntegra, com a atualização da ortografia de acordo com a reforma de 2009.

POETAS DO OUTRO MUNDO

Por Humberto de Campos - Diário Carioca, n. 1204, Rio de Janeiro, 10 de julho de 1932.

Francisco Cândido Xavier, é o nome de um moço de origem humilde, nascido em Pedro Leopoldo, Estado de Minas Gerais, em 1910. Após um estágio na escola primária de sua terra, entrou como operário e órfão, para uma fábrica de tecidos e, em seguida, para um estabelecimento comercial. E como neste mundo não lhe parecesse dos mais amáveis, começou a pensar no outro, aderindo ao espiritismo, com as altas funções e responsabilidades de "médium".

Lidando nesta vida, com os espíritos medíocres que frequentam a casa de comércio em que trabalha, resolveu Francisco Cândido Xavier tornar-se mais exigente no reino das sombras, buscando, nele, para conversar, inteligências superiores, homens de letras e, especialmente, poetas, que já haviam passado por este mundo. Nessas palestrou em que a boca se mantinha em silêncio, transmitiam-lhe os seus novos amigos algumas poesias elaboradas depois de desencarnados, e que o jovem caixeiro de Pedro Leopoldo ia escrevendo mecanicamente, sem esforço do braço ou da imaginação. Esses espíritos eram, ordinariamente, Guerra Junqueiro, Antero de Quental, Augusto dos Anjos, Castro Alves, Casimiro de Abreu, João de Deus, Auta de Souza, Pedro II, Souza Caldas, Júlio Diniz, Cruz e Souza e Casimiro Cunha, poeta vassourense. Às vezes aparecia, também, um anônimo, cuja modéstia não desaparecera nem no outro mundo. E cada um deles escrevia o seu soneto, ou a sua poesia, com a pena de Francisco Cândido Xavier, o qual, reunindo-as, acaba de publicar o "Parnaso de Além-Túmulo", editado pela Federação Espírita Brasileira.

O primeiro pensamento que assalta o leitor, antes de examinar o merecimento literário da obra, é a ideia de que, nem no outro mundo, estará livre dos poetas. A poesia é uma predestinação de tal modo fatal, irremediável, que a vítima não se livra dessa maldição nem, mesmo, depois da morte. Quem fez sonetos ou redondilhas neste planeta, está condenado a fazê-las em todos os pontos do espaço e da eternidade a que o leve o dedo divino. E sem mudar de estilo. E sem variar de temas. E sem modificação de ritmos, de rimas ou de inspiração.

Admitindo essa verdade, a vida literária no outro mundo deve ser mais variada, embora mais fatigante do que neste. Lá estarão, ainda, Anchieta, a celebrar a Virgem Maria em língua tupi; Botelho de Oliveira a cantar no estilo da "Ilha da Maré" e da "Música do Parnaso"; Cláudio Manoel da Costa, escrevendo sonetos clássicos; Gonçalves Dias, com a sua lira romântica; e os parnasianos; e os simbolistas; e os futuristas, que morreram antes do futurismo morrer. A vantagem apresentada por essa reunião de escolas ficará, todavia, comprometida pela eternidade da produção. A superioridade que esta vida apresenta sobre as outras, está, precisamente, no seu caráter transitório. Quando um indivíduo, entre nós, dizendo-se benquisto dos deuses, empunha a lira, ficamos certos, desde logo, que ele um dia emudecerá. E é esse consolo que não têm os habitantes do Astral, os quais se acham condenados a escutar os maus poetas até a consumação dos séculos.

O Inferno católico é, nesse particular, mais bem organizado do que os mundos em que o espiritismo coloca os mortos. Quando Dante nele penetrou, lá encontrou Virgílio, e outros mestres latinos e medievais. Travou, com eles, palestras, sobre a existência que levavam; e nenhum lhe recitou versos novos, - fato que prova, e sobejamente, que os Demônios lhes tomaram a lira, a bem da ordem interna do estabelecimento, no momento da entrada.

O "Parnaso de Além-Túmulo" do sr. Francisco Cândido Xavier torna-se, por isso mesmo, interessante para os poetas vivos, embora constitua uma terrível ameaça para os que detestam a linguagem rimada ou ritmada. "Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate!" (*) Lá dentro, no reino da Morte, há poetas e eles cantam. E cantam como cantavam aqui, sem omissão, sequer, da linguagem preciosa que aqui utilizavam. "Muitas vezes, - confessa o "médium" no prefácio da obra, - muitas vezes, ao recebermos uma destas páginas, era necessário recorrermos ao dicionário, para sabermos os respectivos sinônimos das palavras nela empregadas, porque tanto eu como os meus colegas as desconhecíamos em nossa ignorância. Não obstante a mudança de clima, cada um conserva, por lá, as suas virtudes e defeitos literários.

Eu faltaria, entretanto, ao dever que me é imposto pela consciência, se não confessasse que, fazendo versos pela pena de Francisco Cândido Xavier, os poetas de que ele é intérprete apresentam as mesmas caraterísticas de inspiração e de expressão que os identificavam neste planeta. Os temas abordados são os que os preocupavam em vida. O gosto é o mesmo. E o verso, obedece, ordinariamente, a mesma pauta musical. Frouxo e ingênuo em Casimiro, largo e sonoro em Castro Alves, sarcástico e variado em Junqueiro, fúnebre e grave em Antero, filosófico e profundo em Augusto dos Anjos - sente-se ao ler cada um dos autores que veio do outro mundo para cantar neste instante, a inclinação do sr. Francisco Cândido Xavier para escrever "À la manière de..." ou para traduzir o queaqueles outros espíritos sopraram ao seu.

Essa identificação será todavia objeto de outro artigo. Por enquanto eu quero, apenas, pôr de sobreaviso os poetas vivos contra o perigo que a todos nos ameaça com a ideia que tiveram os mortos de voltar a escrever neste mundo em boa hora abandonado por eles. Se eles voltam a nos fazer concorrência com os seus versos perante o público e, sobretudo, perante os editores, dispensando-lhes o pagamento de direitos autorais, que destino terão os vivos que lutam, hoje, com tantas e tão poderosas dificuldades?

Quebre pois cada espírito a sua lira na tábua do caixão em que deixou o corpo. Ou, então, encarna-se outra vez, e venha fazer a concorrência aqui em cima da terra, com o feijão e o arroz pela hora da vida.

Do contrário, não vale.

Nota - Transmitido por telefone o "post-scriptum" de ontem saiu errado. Eu havia dito que o sr. Humberto de Campos "me pedia" que divulgasse a notícia do aparecimento do seu livro "O Monstro e outros contos". E saiu que esse autor "pediu" a divulgação da notícia. A supressão do prenome alterou o pensamento de quem ditou a nota. E eu dou esta explicação para fazer a propaganda, outra vez. - H. de C.

(*) Abandoneis toda a esperança, vós que aqui entrais! (Nota do Editor)

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Por que os "centros espíritas" carregam energias pesadas?

CENTRO ESPÍRITA PAULO E ESTEVÃO, EM SALVADOR - EXEMPLO DE DESAVENÇAS E VAIDADES.

Por que os chamados "centros espíritas", que poderiam ser ambientes dedicados ao "amor e à fraternidade", acabam se tornando ambientes "pesados", nos quais um tratamento espiritual ou uma frequência doutrinária podem significar a infelicidade de uma pessoa?

O conjunto do que é a forma de "espiritismo" implantada no Brasil explica essas energias negativas. O próprio Espiritolicismo, o "espiritismo" lançado pela FEB e que serviu de modelo até para dissidências (como a Conscienciologia de Waldo Vieira e a "mediunidade independente" da família Gasparetto) já oferece as condições para os "centros" serem antros de más vibrações energéticas.

O "espiritismo" brasileiro se baseou na aceitação parcial e seletiva dos conceitos de Allan Kardec sobre a realidade espírita. Muitos desses conceitos foram intermediados pela primeira grande deturpação feita já na França, através de Jean-Baptiste Roustaing.

No entanto, houve também uma adaptação em que aspectos retrógrados do Catolicismo, que no século XIX ainda sofriam, no Brasil imperial, a influência do Catolicismo medieval português, implantado aqui através das atividades da Companhia de Jesus, encontraram na Doutrina Espírita um pretexto para se reciclarem.

Se figuras como Bezerra de Menezes, Chico Xavier e Divaldo Franco, só para citar os astros terrenos do "espiritismo à brasileira" em toda sua História, apresentam uma acentuada carga católico-medieval em suas ideias, apenas extraídos os elementos punitivos mais explícitos do Catolicismo da Idade Média, os "centros" não poderiam ser diferentes.

Em primeiro lugar, o "espiritismo" brasileiro é uma religião de classe média alta, com todos os princípios moralistas e paternalistas que tais elites carregam, respaldando interesses oligárquicos e valores claramente conservadores. Isso influi muito no modelo de doutrina que querem, nem sempre promovendo a Justiça Social, antes preferindo pequenas mudanças de valores e procedimentos.

O "espiritismo" que, em tese, se autoproclama a vanguarda da espiritualidade filosófica, pouco tem de filosofia e mais possui de moralismo religioso. Com todos os vícios e paixões trazidos pelas ideologias ultraconservadoras, os "centros" acabam se tornando feudos aristocráticos e redutos de vaidades e disputas de interesses que não raro criam dissidências.

EFEITOS DANOSOS

Isso contribui para que os tratamentos espirituais, que se efetuam como arremedos de terapias hospitalares e pregam até mesmo disciplina alimentar e preparo psicológico antecipado, gerassem, em vez de efeitos benéficos e progressos pessoais, uma "maré de azar" para seus pacientes.

Isso é terrível. O coitado já faz sua parte, não raro pagando transporte caro, se dedicando duas horas para ouvir palestras maçantes, dedica uma semana para se preparar para o tratamento - para o qual marcou depois de tanta espera para solicitá-lo ao auxiliador fraterno do "centro" - , fazendo todos os procedimentos exigidos, além de se manter ouvindo doutrinárias com a maior boa vontade.

O coitado faz sua parte, se dedica, enche-se de vibrações amorosas, chega a ser fã de figurões conhecidos - como Joana de Angelis e Emmanuel - , lê seus livros, acredita que tudo aquilo é energia de "amor e luz" e, de repente, o que poderia lhe trazer sorte na vida, traz uma onda de azar.

É a idosa que se cura de uma doença grave, mas tem sua filha mais querida morta num acidente de moto. É o bom pai de família que ganha na loteria mas tem sua casa assaltada por ladrões furiosos. É o rapagão desempregado que, numa polêmica sem muita importância na Internet, acaba atraindo um inimigo mortal que lhe faz ameaças e ronda a cidade onde mora etc.

Não se pode dizer que efeitos danosos como esses são "consequências naturais" do sucesso do tratamento. Não existe isso. Se, por exemplo, num tratamento de quimioterapia para doentes de câncer, o tumor se agrava, admite-se que o tratamento falhou, e não porque o efeito danoso é uma "etapa natural" do sucesso do tratamento. Tanto que, se a falha é grave, o doente falece.

As vibrações danosas não são etapas "incômodas" de um tratamento bem sucedido. Se elas ocorrem, é porque o tratamento espiritual falhou. E, por conta do próprio "espiritismo" brasileiro, que adota procedimentos nem sempre confiáveis, que se apoia na mentira, na fraude, no moralismo severo, na hipocrisia e na demagogia em palavras dóceis, o fracasso é de responsabilidade desses "centros".

Se os dirigentes dos "centros" reclamam que os tratamentos espirituais recebem "reações incômodas" de "irmãozinhos sofredores" que não querem o progresso do paciente, o que podemos explicar é que esses dirigentes em parte são culpados, sim, porque é inerente, no "espiritismo" brasileiro, essa falta de firmeza moral por conta de uma série de dissimulações e intrigas próprias dessa doutrina.

HERANÇA NEGATIVA DOS JESUÍTAS

Em muitos casos, os "irmãozinhos sofredores" acabam sendo os "atores" do teatrinho de desobsessão, tornam-se cúmplices dos jesuítas do além que comandam espiritualmente os "centros". Os próprios espíritos de padres, madres, irmãos, irmãs, freis etc são carregados dos defeitos e malefícios históricos trazidos pelos jesuítas durante o Brasil colonial.

Os jesuítas eram machistas, racistas, escravocratas, autoritários, violentos, belicosos e tinham uma disciplina militarista de fazer as Forças Armadas ficarem de queixo caído. Os jesuítas foram os primeiros latifundiários do país, juntamente com os bandeirantes, e ambos competiam no extermínio e na captura para o trabalho escravo de índios e negros.

Eles não se livrariam prontamente de seus aspectos sombrios. Teriam apenas que reduzir seus métodos punitivos. O "espiritismo" brasileiro não defende que hereges sejam queimados em praça pública, tendo mudado o método de abordagem de outras crenças, preferindo a cooptação do que a repressão. Mesmo assim, mantém muito de seus julgamentos severamente moralistas.

Por isso, os "centros", seguidores de todo o repertório ideológico do "espiritismo" brasileiro, tornam-se redutos de energias bastante pesadas. Não por acaso, eles se localizam em lugares perigosos, como se observam nas instalações de alguns "centros" de Salvador, reduto de Divaldo Franco e José Medrado.

CENTRO ESPÍRITA CAVALEIRO DA LUZ - Localizado no bairro de Pituaçu, numa área sombria da orla marítima. Enquanto ocorrem doutrinárias na chamada "Cidade da Luz", perigosos assaltantes fazem plantão no ponto de ônibus próximo, sem iluminação e com acesso ermo e vazio.

CENTRO ESPÍRITA CAVALEIRO DA LUZ, UNIDADE URUGUAI - O chamado "núcleo assistencial" se localiza no Uruguai, bairro da parte mais perigosa da Península de Itapagipe, onde ocorrem tiroteios a partir de 22 horas, quando os frequentadores do "núcleo" ainda estão no ponto de ônibus para pegar o transporte de volta para casa, numa espera demorada.

CENTRO ESPÍRITA PAULO E ESTEVÃO - Mesmo frequentado por pessoas mais abastadas, o "centro" situa-se próximo ao Nordeste de Amaralina e numa área perigosa da Rua Manoel Dias da Silva, onde ocorrem roubos de carros e ação de pivetes, muitas vezes em grupos.

Há vários outros casos, de "centros" localizados em áreas ermas, lugares perigosos etc. Um "centro" é localizado na Boca do Rio, em frente a uma área do antigo Aeroclube onde ocorreram até estupros e homicídios não só à noite, mas nas tardes de feriados ou mesmo de dias úteis.

Aí os dirigentes "espíritas" vão dizer que essas localizações são "estratégicas" para permitir os trabalhos assistenciais e filantrópicos dessas instituições. Em tese, tudo bem, essa alegação parece ter um sentido verossímil.

Mas, por conta da natureza de sua doutrina, essas instituições não conseguem exercer um trabalho transformador com firmeza e, como efeito inverso, acabam mesmo sendo contaminadas pelas energias pesadas que fazem com que os "centros" tornem-se verdadeiros umbrais.

É a lógica dos manicômios mal-administrados, que se tornam mais vulneráveis à revolta ou mesmo à tirania de pacientes internos, de psicopatas que, de assistidos, passam a governar com mãos de ferro tais ambientes, fazendo exigências severas e até ameaças.

Por isso os ambientes que poderiam oferecer ajuda e amparo tornam-se vulneráeis, inseguros e até mesmo bastante perigosos. Daí o azar que muitas doutrinárias - várias delas maçantes e pouco espontâneas - e tratamentos espirituais trazem para seus assistidos.

domingo, 23 de novembro de 2014

Quando "centros espíritas" parecem o próprio umbral

POLICIAIS INVESTIGAM CRIME NA ENTRADA DE UM "CENTRO ESPÍRITA" EM NITERÓI.

Um crime ocorrido em Niterói, no bairro do Barreto, na manhã do dia 20 de novembro de 2014, põe a pensar sobre as energias que o dito "espiritismo" brasileiro traz a seus seguidores. Na ocasião, o engenheiro João Gabriel Lima de Macedo, de 29 anos, foi morto ao ser assaltado, quando entrava no "centro espírita" para verificar as obras de reforma do lugar.

Macedo já teve outro irmão assassinado, em outro local, sete anos antes. Ele era frequentador do "centro espírita" que visitava quando foi rendido pelos bandidos, que fugiram. A política aposta na tese de latrocínio, mas não descarta outros motivos.

É verdade que os "espíritas" ficam desculpando que ocorrências negativas sejam casos pontuais, mas uma doutrina que se arroga a prever "grandes transformações no planeta" não é capaz de prevenir energias negativas numa pequena rua. Ainda mais no Barreto, bairro niteroiense abrigado por "centros espíritas" que não conseguem trazer a tão prometida "luz" para o lugar.

O "centro espírita" em questão fica Rua Ribeiro de Almeida, na esquina com a Rua Libório Seabra, do entorno próximo à Rua Dr. Luiz Palmier. Mas houve um outro "centro espírita" no local, não se sabe se continua, que se localizava no outro lado, na Rua Rio Branco, numa pequena alameda com acesso para a Venda da Cruz.

O centro fazia um ritual de desobsessão que parecia um verdadeiro filme de horror. O médium aparentemente entrava em transe e recebia um espírito de um "irmãozinho sofredor" (eufemismo para o que eles definem como "espíritos trevosos") que surge falando num tom rabugento a respectiva raiva que sente por alguma pessoa, geralmente presente no recinto.

O espírito - provavelmente algum zombeteiro fazendo teatrinho - ficava teimoso e endurecido, até que a mediadora da doutrinária fala palavras suaves para que o inquieto encerre sua fúria e fique chorando, e, enquanto a mediadora faz uma oração, o endurecido, assim de repente, começa a dizer "graças a Deus", "obrigado, Senhor".

São espetáculos que se repetiram toda semana, dentro do processo "amoroso" de "educação moral" dos espíritos, mas o que se nota, por trás disso, é todo um jogo de cena em que espíritos endurecidos, que na verdade dominam e exercem influência em "centros espíritas", se passam por gente vingativa que ensaia um suposto arrependimento. Tudo para atrair fiéis para os "centros".

Dependendo do caso, quem se dispõe a fazer uma simples doutrinária nesses locais já sofre revezes em sua vida, seja no âmbito profissional, amoroso e tudo o mais. Em outros "centros espíritas" as doutrinárias mostram efeitos danosos menores, pois os danos maiores estão nos "tratamentos espirituais", mas nos do Barreto as próprias doutrinárias já oferecem influência danosa grave.

Tem pessoa que, quando faz uma doutrinária em um outro lugar, não sofre tragédias, não atrai encrencas para si, apenas não consegue arrumar um bom emprego nem uma boa namorada ou namorado. Mas, no caso de uma doutrinária do Barreto, há quem, frequentando doutrinárias, pode ver uma pretendente sua "sumir do mapa" ou sofrer um sequestro relâmpago numa saída à noite.

Os ambientes desses "centros" parecem o próprio umbral, e para uma doutrina que se vangloria em "prever" que a humanidade planetária está sofrendo grandes transformações, capaz de determinar até o ano exato da regeneração do planeta, é estranho que não seja capaz de proteger vibratoriamente os seus fiéis ou mesmo os mais necessitados.

Pelo contrário: deixa-se "abrir a guarda" e permitir que assaltantes matem um frequentador, numa rua fechada, aparentemente complicado para fugas, e na porta de um "centro espírita". É energia pesada demais que as instituições não conseguem controlar.

Os "centros espíritas", da parte de seus diretores e doutrinadores, evidentemente irão negar essa responsabilidade. Vão dizer que os infortúnios ocorrem por motivo tal, mediante ajustes espirituais, resgates morais, provações necessárias etc etc.

Só faltava dizer que João Gabriel foi reencarnação de um delinquente do Império Romano que havia esfaqueado alguém depois de assaltá-lo. Mas aí seria demais, pois ele era figura querida do "centro" que frequentava, seus amigos não chegariam ao ponto de lhe dirigir um julgamento moralista tão duro.

Damos nossos pêsames aos familiares de João pela ocorrência lamentável. E pedimos que a impunidade não se dê neste caso e que os culpados sejam detidos e devidamente julgados e condenados. Mas o caso nos faz a pensar sobre que energias "elevadas" promete o chamado "espiritismo" brasileiro, que "luz" é essa que falta até para seus protegidos.

Isso porque uma doutrina considerada "superior", que se diz dotada de poderes para prever mudanças na humanidade, que diz evocar a ciência, e diz deter os mais complicados segredos da natureza humana, não conseguiu vibrar para prevenir tão trágicas ocorrências.

Falar é fácil. Dizem que os "centros" têm tranca-ruas, "cercas elétricas" espirituais, e até leões-de-chácara do além protegendo suas instalações. Isso é muito duvidoso, e ainda mais quando falta o policiamento do pessoal "daqui" e os bandidos, materialistas, não querem saber se há ou não algum guarda do além.

O "espiritismo" brasileiro tem cada coisa que se torna uma doutrina complicada e cheia de irregularidades. Daí que não poderia trazer boas energias, mesmo.

sábado, 22 de novembro de 2014

O desvirtuamento de valores e de princípios morais

"DEITAÇO" FOI FEITO SEMANA PASSADA EM APOIO À EMBRIAGUEZ DA ATRIZ LETÍCIA SABATELLA.

Dois fatos chamaram a atenção pelos aspectos fúteis e pela adoração aos baixos níveis da moralidade humana, estarrecedores mas não surpreendentes num contexto em que se apoia o "funk carioca" como sinônimo de "alta cultura" e se cultuam pessoas que alcançam a fama por nada.

Um é a manifestação de uns jovens desocupados e gozadores, em defesa da embriaguez da atriz Letícia Sabatella, que arrogantemente reagiu às críticas recusando-se a sentir vergonha pelo seu ato. Diante de críticas, manifestação ocorrida em várias partes do país saiu para defender a atriz no seu erro,

Outro é o oba-oba midiático em torno do casamento do psicopata Charles Manson - chefe de uma seita alucinógena e reacionária, a Família Manson - com uma jovem de 26 anos, ironicamente a mesma idade de uma de suas vítimas mais famosas, a atriz Sharon Tate, naquele massacre de 09 de agosto de 1969.

Artista frustrado depois de ser rejeitado para integrar ninguém menos que os Monkees, além de ser desafeto do produtor Terry Meltcher (músico filho de Doris Day e produtor dos Byrds, Beach Boys e outras bandas psicodélicas dos anos 60), Manson havia promovido a carnificina para se vingar do produtor e tentar matá-lo e matar sua mãe, mas matou outras pessoas e atingiu a atriz Sharon, que era mulher do cineasta Roman Polanski.

Do grupo que participou do massacre de 1969 - que deu fim ao astral juvenil da Contracultura e "fechou" os anos 60 - , uma integrante já havia falecido de câncer, em 2009. Mas há quem garanta que Charles Manson não tem muito tempo de vida, já que ele conta com 80 anos de idade o que, para quem teve um pesado passado junkie, é como se estivesse a poucos passos do cemitério.

Manson é tratado como se fosse um ator de filmes-B, e, pasmem, possui uma excêntrica e barulhenta legião de fãs, como um efeito da cultura trash que varreu os EUA desde a "década perdida" da Era Reagan até a onda escatológica trazida pelo grunge no começo dos anos 90.

É uma crise de valores, vinda dos delírios yuppies e do revanchismo do nixonismo perdido - quando o caso Watergate expôs um esquema de corrupção nos bastidores do governo de Richard Nixon, por sinal o presidente dos EUA na época do massacre da seita Manson - e que fez os norte-americanos passarem a cultuar até psicopatas, em nome da catarse niilista de uma elite de jovens bem-nascidos.

No Brasil, isso se tornou mais sutil quando personagens como Guilherme de Pádua e Antônio Pimenta Neves, por seus crimes, receberam tratamento diferenciado da grande imprensa. De Pádua tornou-se um típico personagem de filme de Luís Buñuel, com manias de autoridade jurídica, demonstrando apetite voraz em processar qualquer um que contrariá-lo.

O ex-ator chegou mesmo a ameaçar processar a novelista Glória Perez por danos morais, não bastasse ser ela mãe da atriz Daniella Perez, assassinada por Guilherme, seu colega de elenco numa novela. Glória chamou o ex-ator de "psicopata" depois que ele, após o homicídio, se dirigiu aos familiares da vítima demonstrando "sentir pêsames" pelo ocorrido.

Pimenta Neves, como figurão de uma grande imprensa conservadora e reacionária, sediada em São Paulo, nunca aparecia nas retrancas criminais de seus veículos, mas tão somente na retranca "país", referida a fatos políticos ou ocorrências nacionais comuns. Arrogante, ele definiu o assassinato contra sua ex-namorada e colega Sandra Gomide, em 2000, como "uma besteira".

CRISE DE VALORES

A crise de valores e a combinação promíscua e desequilibrada de valores libertinos e outros moralistas, combinados a um sentimento de catarse que eventualmente serve uns e outros valores, ao mesmo tempo cultuando as frases dóceis de Chico Xavier e exaltando a bebedeira de Letícia Sabatella - fora outras coisas como a defesa do uso de drogas pela ex-estrela mirim Patrícia Marx - , revela o padrão de sociedade em que vivemos.

Claro que isso não ocorre somente no Brasil, os EUA são marcados pelo culto à sub-celebridades, à ação de uma imprensa sensacionalista virulenta, à ocorrência de chacinas, ao endeusamento de psicopatas, à valorização do trogloditismo esportivo - como as lutas de UFC - , o que indicam um retrocesso moral profundo, mesmo em pleno século XXI.

E isso torna seletivos até os méritos ou tragédias para quem cometeu erros vergonhosos ou crimes. Se, por exemplo, alguém diz que um roqueiro de 65 anos está com câncer terminal porque se drogou demais, há quem comemore, achando isso "bem feito" e até torcendo para que o sepultamento aconteça o mais rápido possível.

Mas se alguém disser que um empresário de 80 anos, que no passado fumou demais e que havia assassinado sua esposa,têm tumor maligno no pulmão, há quem diga que é invenção de gente rancorosa, mesmo quando a advertência parte dos mais dedicados amigos e tal constatação seja tão somente em função do natural desgaste do organismo.

A depender do status quo de alguém, a utopia da "autodestruição responsável", seja a pretexto da "defesa da honra", da "liberdade do corpo", do "direito à diversão", da "vontade de extravasar" e por aí vai, cria uma ilusão de que seus detentores são invulneráveis às consequências negativas de seus atos.

A "liberdade" humana passou a ser a de se embriagar, de se drogar, de se prostituir, portar uma arma, brigar no tatame ou, em certos casos, tirar a vida de alguém "incômodo", sem ter que arcar com as consequências de tudo isso, seja o desgaste do corpo físico ou os protestos do restante da sociedade, como se as pessoas que cometem tais desvios fossem "invulneráveis".

De repente, o mau-caratismo, a libertinagem, os erros graves, ou mesmo crimes, se tornaram um "diferencial" que faz com que determinadas pessoas de elite sejam endeusadas, queridas e poupadas de alguma consequência danosa. No caso de Letícia Sabatella, alguém seria capaz de fazer um "deitaço" se, em vez dela, a embriagada fosse uma figura controversa como Luana Piovani?

Os valores e princípios morais se desvirtuaram e a pós-modernidade, de repente, se viu tomada de forças retrógradas. O medieval Tea Party, as lutas de UFC, o culto aos psicopatas, a defesa da embriaguez e do vício de drogas, o mundo fica junkie, medieval, retrógrado, e seu reflexo no Brasil começa a se fortalecer.

Se isso já ocorre nos EUA, que cumprem um papel negativo como país comandante da ciranda das nações no planeta, um Brasil confuso e esquizofrênico não será diferente. Daí não se esperar que o "coração do mundo" se torne uma nação progressista e promotora da paz. Será mais um "império" a desnortear a humanidade.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O perigo de transformar um pobre coitado em líder absoluto

O TIRANO PICHOT, DA NOVELA QUE REI SOU EU? (1989), ERA UM MENDIGO.

É muito perigoso transformar pobres coitados em líderes absolutos. As pessoas não entendem, carentes que são tanto de lideranças quanto de supostos exemplos de humildade e sabedoria, uma sabedoria "confusa", combinada promiscuamente com a ignorância, criando estereótipos ao mesmo tempo "iletrados" e "sábios", "humildes" mas "decisivos", que agradam muitos.

O sentimentalismo das pessoas é um ponto fraco que permitiu aos chefões da Federação "Espírita" Brasileira, que desde o final do século XIX rasgou todos os ensinamentos de Allan Kardec em prol de um roustanguismo a princípio explícito e entusiasmado e hoje bastante sutil e enrustido, criar um mito em torno de um caipira católico aparentemente ingênuo.

Quem viu, há 25 anos atrás, a novela Que Rei Sou Eu? (1989), da Rede Globo de Televisão, sabe do enredo da transformação de um inocente mendigo, Pichot, no rei Lucien Elán, que seria o suposto herdeiro de Petrus II, portanto destinado a ser Petrus III. Ele havia sido assistido pelo feiticeiro Ravengar (Antônio Abujamra, também prestigiado diretor teatral) para tal transformação.

A novela, do genial criador televisivo Cassiano Gabus Mendes - pai do ator que interpretou Lucien, Tato Gabus Mendes, hoje em plena atividade - , era uma parábola do autoritarismo político e, dizem alguns analistas, era também uma advertência subliminar sobre a Era Collor, já que Lucien parecia imitar os mesmos trejeitos agressivos do dito "caçador de marajás".

Mas o que tem a ver um mendigo que, ajudado por um feiticeiro, tornou-se um terrível tirano, com um caipira mineiro "tão bonzinho" que, sob a ajuda dos "humilíssimos" senhores da FEB, transformou-se num "homem-amor" aparentemente frágil e generoso, cujas frases dóceis são constantemente publicadas nas mídias sociais?

Simples. É a transformação de um pobre coitado em um líder absoluto, o que se torna muito perigoso, por mais que se tente relativizar pelos contextos de "amor e bondade" associados a Chico Xavier. E o seu exemplo tornou-se ainda muito mais traiçoeiro, porque ele passa a dominar sem que se transpareça esse processo de manipulação de corações e mentes.

Francisco Cândido Xavier era, na verdade, um modesto católico caipira que tinha como hábito constante ler livros. Tinha imagens de santo em seus aposentos, mas era dotado de poderes paranormais (hoje superestimados) e sentia um fascínio mórbido por pessoas que morriam antes da velhice, sobretudo por mulheres mortas na flor da idade.

De repente, surgiu o mito do "médium", em que os limitados poderes paranormais de Chico Xavier - que, na prática, se limitavam, fora uma prática aqui e a ali, a dialogar com os espíritos de sua mãe e de um antigo padre jesuíta, que usava o codinome de Emmanuel - eram superestimados e exagerados, enquanto processos bastante duvidosos eram associados à sua pessoa.

Plágios literários, fraudes de materialização, julgamentos moralistas cuja responsabilidade era atribuída a escritores do além, obras sensacionalistas, uma produtividade supostamente ágil que, na verdade, ela elaborada por terceiros (muitos dos livros de CX eram, na verdade, escritos por uma equipe de editores), tudo isso estava por trás do mito "iluminado" de Chico Xavier.

Alimentado pela glamourização de sua imagem, Chico fez fortalecer o seu mito e, de um caipira razoavelmente alfabetizado e despretensioso, ele foi promovido a médium, conselheiro, filósofo, profeta, psicólogo, cientista e filantropo sem ter sequer 1% de todas essas habilidades.

Isso é muito perigoso. De repente boa parte dos julgamentos da humanidade e das previsões dos destinos do Universo foram entregues, de forma tão pedante e leviana, a alguém que, na verdade, nunca teve habilidade alguma para tais competências.

Chico Xavier, pelo mito e pelo carisma que obteve, passou a ser considerado por seus seguidores como alguém acima de tudo na humanidade, uma pessoa que pode errar e ser considerada perfeita, que pode hesitar e ser considerada líder, que pode cometer erros sérios e ainda assim ficar com última palavra.

Ele é a personificação de toda uma crise de valores em que se encontra o Brasil, incapaz de conciliar valores modernos e antigos de forma coerente e equilibrada, preferindo apostar numa confusa junção de valores retrógrados e o que há de pior nos valores novos, combinando moralismo severo com libertinagem.

Não por acaso, a atriz que interpretou, no cinema, o espírito da mãe de Chico Xavier, a também mineira Letícia Sabatella, se embriagou até cair no chão e virou uma quase unanimidade, pois, em vez dela se arrepender e ser perdoada pelo erro, transformou-o em "bandeira de luta" e houve gente que até fez um "deitaço" se manifestando em sua solidariedade.

Sim, a atriz carismática que se embriaga até cair e é apoiada por isso tem tudo a ver com o anti-médium que é ligado a erros, fraudes e deturpações, mas é considerado "espírito puro" o qual ninguém quer tirar do pedestal, e isso reflete o país confuso que alguns querem ser o "coração do mundo" a comandar "a comunidade das nações".

De nada adiantou transformar Chico Xavier num homem de "mil e uma utilidades", já que seu exemplo em nada contribuiu para o avanço da sociedade brasileira, mesmo aquela que se proclama "espírita", e o máximo que ele fez foi apenas adocicar os corações de seus seguidores com o açúcar de suas palavras escritas em doses diabéticas.

Na medida em que se atribui a ele habilidades que não lhe foram próprias, cria-se um perigoso mecanismo de subordinação da humanidade a seu sistema de valores conservadores, moralistas e extremamente místicos e dogmáticos, que mais entravam do que impulsionam o progresso social e moral de homens e mulheres.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Celebridades e a idolatria a Chico Xavier


Uma amostra de que o religiosismo do "espiritismo" brasileiro jogou para o escanteio as teses racionais de Allan Kardec, pondo em seu lugar a idolatria piegas a Chico Xavier, está na reportagem que a revista Minha Novela fez para o filme Chico Xavier, dirigido por Daniel Filho, na edição de 16 de abril de 2010, ano de lançamento do filme.

A reportagem entrevista várias celebridades, quase todas bastante conhecidas, e mostra seus clichês de "superioridade espiritual" do anti-médium mineiro, além de explorar a glamourização do sofrimento, e os estereótipos de humildade e caridade bastante conhecidos.

Atores e atrizes que se deixam levar pela mitologia de Xavier, contagiadas pelo próprio clima de melodrama, de ficção, de fantasia, que cerca uma figura não muito confiável, mas cuja "confiabilidade" se garante com a reunião de clichês relativos à pobreza, velhice, bondade e pela dicotomia ignorância / sabedoria.

Os próprios famosos se rendem, portanto, a essa imagem novelesca e folhetinesca do caipira que escreve frases dóceis e que está vinculado a tradições religiosas que fazem bater os corações ainda muito conservadores de muitas celebridades, que à primeira vista parecem "modernas", mas estão ainda presas a valores retrógrados prevalecentes no nosso país.

Mal sabem os famosos das inúmeras e gravíssimas irregularidades que o "movimento espírita" apresenta. E, não sabendo, fica pior ainda, porque os famosos são os primeiros a inspirarem as pessoas comuns a aderirem a essa forma deturpada da Doutrina Espírita, pela própria influência que atores e atrizes têm como formadores de opinião, de gostos e de crenças pelo grande público.

Da Doutrina Espírita, o "movimento espírita" brasileiro que até hoje tem Chico Xavier, mesmo falecido há mais de dez anos, o seu maior propagandista, só se aproveitou a consciência da vida espiritual e da reencarnação, mas na essência NADA foi aproveitado do professor lionês.

Mesmo assim, como se vê na reportagem, o "espiritismo" aparece na forma asséptica, posterior aos escândalos do roustanguismo explícito, seguindo a atual orientação de um "roustanguismo light com Kardec", em que personagens polêmicos dos dois lados, como Jean-Baptiste Roustaing (espiritólico) e Afonso Torteroli (anti-espiritólico) e Amauri Pena (que denunciou fraudes de Chico Xavier) foram ocultados.

Daí a "abordagem" pura que se nota na pequena biografia de Chico Xavier publicada pela revista, no box localizado no canto direito da segunda página. Alguns trechos são notórios dessa linha "pura" do "movimento espírita" e seu "roustanguismo light com Kardec e sem Roustaing". Diz uma parte selecionada deste texto:

"Nascido de uma família pobre em Pedro Leopoldo (MG), Francisco de Paula Cândido foi educado na igreja católica e teve seu primeiro contato com a doutrina espírita em 1927, após fenômeno obsessivo verificado com uma de suas irmãs. A partir daí, passa a desenvolver sua mediunidade, que, como relata em nota no livro Parnaso de Além-Túmulo, somente ganhou maior clareza em finais de 1931. O seu nome de batismo foi dado em homenagem ao santo do dia de seu nascimento, São Francisco de Paula, substituído pelo nome paterno de Francisco Cândido Xavier logo que rompeu com o catolicismo. O mais conhecido médium brasileiro contribuiu para expandir a religião e encorajar os espíritas a revelarem sua adesão à doutrina sistematizada por Allan Kardec. Sua credibilidade serviu de incentivo para que médiuns espíritas e não espíritas realizassem trabalhos abertos ao público. Chico é lembrado por suas obras assistenciais em Uberaba (MG), cidade onde faleceu".

Nele há os notórios clichês de religiosidade, humildade e caridade, além da apresentação da "doutrina espírita" brasileira como algo higienizado das polêmicas dos dois lados, mesmo aquelas que defendia com veemência o religiosismo típico dos "espíritas" brasileiros.

Um aspecto típico dessa manobra é apenas a dicotomia feita entre o "espiritismo" brasileiro e o catolicismo (no caso, o mais ortodoxo), conforme foi escrito pelo redator da revista, sobre a "ruptura" de Chico Xavier com o catolicismo que, sabemos, não foi total e nem mexeu na sua essência, já que o próprio Chico ainda se demonstrava católico em 1971, ano de sua famosa entrevista no programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo.

Além disso, há uma citação superficial de Allan Kardec, mas, como sabemos aqui, na prática, ele foi completamente desprezado pelo chiquismo, já que, conforme o saudoso analista espírita José Manoel Barbosa disse, Chico Xavier nasceu, viveu e morreu sem entender coisa alguma da Doutrina Espírita. Se Chico foi analfabeto de alguma coisa, ele foi analfabeto do kardecismo.

Há também a citação ligeira do primeiro trabalho, Parnaso de Além-Túmulo, que, sabemos, não foi o trabalho autêntico de mediunidade que tanto se diz. O livro já é estranho por ser uma "mensagem acabada" de "lições amorosas" que teve que ser reparada cinco vezes em pouco mais de duas décadas, o que mostra uma falta de firmeza de Chico Xavier, provada em produção de um livro.

Xavier não teve as menores condições de ser líder, seja errando de propósito ou não. Sua falta de firmeza não pode ser confundida com humildade. Suas hesitações não podem ser confundidas com adaptações às mudanças do tempo. Sua ignorância em relação à Doutrina Espírita não pode ser confundida com originalidade.

Daí que Chico falhou gravemente na condução da Doutrina Espírita no Brasil. Representou os interesses roustanguistas com gosto, com alegre submissão. Usou de seu carisma para popularizar as violentas deturpações da doutrina de Allan Kardec, e fez uma série de bobagens religiosas e moralistas serem vinculadas erroneamente às lições do professor francês.

Por isso, se Chico Xavier errou, o fez da pior forma possível. Os fatos comprovam. E, na essência, Chico Xavier nunca rompeu com o catolicismo, mas tão somente com correntes mais ortodoxas. Seus adeptos e seguidores, de uma forma ou de outra, acabam comprovando isso, mesmo sem assumir no discurso essa influência católica que lhes é perene.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

O Espiritolicismo e a submissão do Brasil ao que vem "de cima"

EMPRESAS DE ÔNIBUS COM PINTURA PADRONIZADA, NO RIO DE JANEIRO - Medida impopular, nociva e ineficiente, mas que prevalece, por causa da "hierarquia".

Um dos piores cacoetes dos brasileiros, adquiridos desde os tempos do AI-5, é a submissão às autoridades ou a decisões que vem "de cima", ou seja, vem de pessoas que detém status, visibilidade e carisma, por mais erradas e antidemocráticas que sejam.

Isso favorece a prevalência do "espiritismo" brasileiro, com sua pretensa superioridade de julgar e prever as coisas, se utilizando de processos duvidosos e não raro fraudulentos de mediunidade, e servindo um conteúdo ideológico moralista, místico e mistificador, intimidando as pessoas pela "autoridade" que mesmo a pose de aparente humildade não consegue disfarçar.

Graças a esse apego à ideia de autoridade, em que decisões empresariais, políticas e religiosas, sem falar do exemplo nem sempre positivo de celebridades (para não dizer as sub-celebridades), as pessoas se acomodam e não contestam atitudes e procedimentos feitos ou ditados por pessoas dotadas de status ou algum tipo de prestígio social.

Pouco importam os interesses públicos, os princípios éticos, a transparência e nem sequer as vantagens. Às vezes uma medida só traz danos e desvantagens, mas ela prevalece e se amplia em várias partes do país porque interessa a um grupo privilegiado de homens, que jura de pés juntos que está agindo em benefício da sociedade, quando só serve a seus interesses traiçoeiros.

É o caso da pintura padronizada nos ônibus municipais ou intermunicipais, uma praga decadente que se espalha pelo país. Diferentes empresas de ônibus são obrigadas a adotar uma mesma pintura, confundindo os passageiros, favorecendo a corrupção político-empresarial e impedindo as empresas boas de oferecer um diferencial de serviço.

A medida nem de longe é benéfica, pelo contrário, ela traz prejuízos que dariam um longo livro de quatrocentas páginas só para enumerar todos eles. Mas a medida prevalece e não parece ter prazo final - a não ser que uma rebelião popular vire o quadro de cabeça para baixo - porque atende a interesses e vaidades de políticos, empresários mais poderosos e tecnocratas.

Esse é um exemplo de como uma medida autoritária, nociva e nada funcional prevalece. É porque muitos cidadãos ainda estão tementes, e veem tais medidas como se fossem "determinadas por Deus", achando até que os malefícios que sofrem, incluindo inúmeras tragédias, são "sacrifícios necessários" em prol de um "benefício futuro" que, na verdade, não existe nem jamais vai existir.

O "ESPIRITISMO" E SEUS ADEPTOS TEMENTES A DEUS... E A CHICO XAVIER

Há muitos outros exemplos, que mostram a má distribuição da representatividade no Brasil. Até segmentos culturais não são representados devidamente por celebridades ou veículos midiáticos, mas como tudo vem "de cima", de pessoas que conquistaram fama, votos ou diplomas, tudo é válido, por mais que a representatividade seja malfeita, equivocada, deficiente.

O Brasil tem essa mania, desde que o Exército brasileiro prometeu que iria resgatar a democracia no país em 1964, mas criou uma crise de valores sociais, culturais, políticos e econômicos, entre outras naturezas, que fez muita gente não saber mais o que quer e que aceita comodamente aquele que se impõe como seu representante.

Daí que, no Brasil da ditadura militar, cresceram mais e mais os anti-médiuns Chico Xavier e Divaldo Franco, antes considerados simpáticas mas excêntricas e pouco expressivas figuras religiosas, hoje promovidos a dublês de filósofos com suas supostas respostas para todos os problemas da humanidade.

Se, por exemplo, no âmbito midiático, vemos a aceitação dos jovens que curtem rock da representatividade de rádios como Cidade e 89 FM, incompetentes na divulgação do estilo musical que apreciam, ver Chico Xavier transformado numa quase divindade, como se fosse um vice-Deus no comando do Universo, isso mostra que o Brasil adotou a mania da subserviência.

Até na chamada "cultura popular" é assim, por conta dos executivos midiáticos. Se o nome popular se chama Calcinha Preta ou É O Tchan e está associado às baixarias pornográficas, tem que se aceitar. Se o caminho do folclore está no "funk carioca", por causa das alegações de intelectuais e acadêmicos badalados, tem que se aceitar como se fosse uma decisão de Deus.

Ninguém mais pergunta se tal imposição vale a pena, ou se ela é legítima. Às vezes reclama dos erros daquele que diz representar seus interesses e anseios, admite que este tem até defeitos, mas não faz o menor esforço em promover uma ruptura, em buscar algo melhor e mais autêntico para representá-lo.

A visão é temerosa, de perder a representação de autoridades, tecnocratas e outros profissionais que, com todos os seus defeitos, não obstante desastrosos e deploráveis, ainda têm uma reputação quase "divina". E haja masoquismo nas pessoas, em sofrer demais na esperança de um benefício que nunca virá.

No "espiritismo", a temeridade se manifesta quando as denúncias de erros cometidos por Chico Xavier, Divaldo Franco e similares começam a pôr em xeque suas reputações. Daí haver alguns "patrulheiros" a pedir "embasamento científico" pelo medo de ver seus ídolos expostos a críticas severas e cuja veracidade não depende necessariamente de "legistas" para se constatar.

Afinal, em muitos casos, os procedimentos desses anti-médiuns e outros astros do "espiritismo" são claramente fraudulentos. Não se pode justificá-los aceitando o sobrenatural e é muito fácil apontar fraudes na pintura de José Medrado pelo contraste que tem entre um pintor falecido atribuído a uma de suas pinturas "mediúnicas" e o que ele havia produzido em vida.

E o falsete de Divaldo Franco em suas pseudo-psicofonias? Pode ser Bezerra de Menezes, Marechal Deodoro, Dom Pedro II e outros, que é o mesmo texto, o mesmo modo de falar, se aproveitando da inexistência de registros sonoros originais dessas personalidades.

Quem carece de fundamento científico é a aceitação dessa suposta mediunidade, e não os questionamentos que chegam à tona, em muitos fáceis de reconhecer. Só vendo os quadros originais de Claude Monet e Pierre Auguste Renoir fica muito fácil apontar as fraudes cometidas pelas pinturas que José Medrado atribui a esses artistas, mas que destoa do estilo original deles.

No entanto, a temeridade se impõe a tudo. Temerosos a anti-médiuns, como a políticos, tecnocratas, executivos de mídia, empresários etc, as pessoas acabam se prejudicando seriamente e sem necessidade, pois o preço a se pagar por aceitar sempre as decisões vindas "de cima" é bem mais alto e não valem os benefícios prometidos, porque eles nunca virão ou, se vierem, serão poucos.

Daí o masoquismo existencial dos brasileiros, esse adormecimento de atitudes e procedimentos, Muitos aceitam coisas erradas, problemas, transtornos, misérias, tragédias, desastres, resignados por um benefício que não virá mas que a turma "de cima" - não a turma do além, mas a turma de cá que possui um bom status - garante que haverá.

Ninguém questiona com firmeza, ninguém combate, ninguém se encoraja a sair de sua zona de conforto e contestar arbitrariedades. Por isso, o Brasil se afunda no atraso, nos retrocessos, por causa da importância exagerada da hierarquia, cujos prejuízos não podem ser vistos como males necessários porque eles apenas prejudicam, sem trazer qualquer benefício real.

domingo, 16 de novembro de 2014

A cobrança de "fundamentos científicos" e seus equívocos

À ESQUERDA, PINTURA DE CLAUDE MONET E, À DIREITA, SUPOSTA PINTURA DO AUTOR LANÇADA POR JOSÉ MEDRADO, E ABAIXO AS RESPECTIVAS ASSINATURAS.

Mais uma vez, quando denúncias surgem contra totens do "movimento espírita" brasileiro, algumas pessoas reagem cobrando "fundamentos científicos", como se fizessem exigências "rigorosas" para que ícones consagrados do "espiritismo" sejam comprovadamente contestados.

Insatisfeitos (ou incomodados?) com os questionamentos feitos, principalmente contra nomes como Chico Xavier, Divaldo Franco e José Medrado, essas pessoas, mesmo aparentemente definindo como "críticos dos abusos do movimento espírita", parecem mais incomodados com a apresentação de um problema do que com a existência do mesmo.

A atitude é estranha. Afinal, pessoas assim cobram dos críticos um "fundamento científico" que deixam de cobrar quando é a prática espiritólica que, muitas vezes, vai contra qualquer noção de lógica dos fatos.

Quando os líderes "espiritólicos" adotam procedimentos mediúnicos duvidosos, ninguém pede "provas científicas". Se existe contradição ou irregularidade, os apreciadores "exigentes" preferem se satisfazerem com aquilo que parece semelhante ao real.

Ora, quando existe algum problema e surgem os primeiros relatos, não significa que eles possam trazer, de bandeja, algum fundamento científico. Exigir de um problema apresentado de início um "fundamento científico" seria como se pedíssemos que um vírus descoberto venha com um código de DNA já pronto e servido de bandeja.

INCOERÊNCIA

Quando surge um problema, ele não necessariamente surge com os atestados científicos já prontos. É uma grande incoerência exigir "fundamentos científicos" quando um problema é apresentado. O verdadeiro cientista não exige de alguém que comunicou um problema que tenha que vir com argumentos científicos prontos.

Uma vez que irregularidades apontadas em atividades de anti-médiuns como Chico Xavier, Divaldo Franco, José Medrado e outros aparecem, se a pessoa sente alguma falta de um fundamento científico, ela que prepare monografias com base no que viu, colhendo livros, documentação e depoimentos.

Mas o grande problema é que essa mesma pessoa que faz tal cobrança, quando o caso é desqualificar Chico Xavier e Divaldo Franco, por exemplo, perde toda a firmeza quando o caso é buscar argumentos científicos por conta própria e aceitar provas confusas e superficiais que "legitimem" as atividades desses anti-médiuns.

Por que a pessoa não exige "fundamento científico" para as teses delirantes que existem em obras como Nosso Lar? Ou será incômodo confrontar com tais teses, até porque é bonitinho saber que existem centros comerciais, sucos deliciosos, bichinhos fofinhos e até dinheiro nas colônias espirituais?

Quando é para questionar a aparente mediunidade de Divaldo Franco, Chico Xavier e quejandos, se exige "fundamentos científicos" que não são exigidos quando é para legitimar suas atividades ou mesmo para fazer vista grossa aos seus erros, relativizando-os. Há muito mais medo de tirá-los de seus pedestais do que de buscar coerência e honestidade no âmbito do tema espiritual.

É muita incoerência. Quando apresentamos irregularidades ligadas ao "espiritismo" brasileiro, estamos lançando problemas para serem discutidos e aprofundados por outrem. Apresentamos argumentação lógica, que não é um ponto de chegada, como se quer num processo científico, mas um ponto de partida, para que seja estudado a posteriori.

Um problema não surge com seu código científico pronto. Quando ele começa a ser apresentado, o problema aparece com seus aspectos "crus" e os primeiros argumentos lógicos que o apoiam. Se falta algum "procedimento científico", ele deve ser buscado depois, por outras pessoas, sem esperar que as primeiras denúncias "fechem definitivamente a questão".

Quando estudou os fenômenos das irmãs Fox, nos EUA, Allan Kardec não exigiu delas fundamentos científicos. O pesquisador não exige dos que apresentam um problema o rigor dos métodos científicos. Basta saber se algo está errado e ter as mínimas motivações possíveis, que só depois podem ser analisadas mediante métodos científicos.

Em outras palavras, quando um problema começa a ser denunciado, ele vem para abrir questões e estimular o debate e a investigação, ele não vem como questão fechada. Daí os equívocos que existem quando alguém cobra "fundamento científico" nas denúncias de irregularidades "espíritas".

sábado, 15 de novembro de 2014

Quando "palavras de amor" podem ferir


A "indústria de palavras de amor" que movimenta o chamado "espiritismo" brasileiro esconde um mecanismo traiçoeiro de deturpação da Doutrina Espírita e do impune abuso da exploração da boa-fé dos seus seguidores.

Nem mesmo religiões ditas neo-pentecostais de gosto duvidoso, com seus pastores truculentos e sua profissão de fé mais voltada à intolerância social e ao reacionarismo moral do que em qualquer outra coisa, conseguiram enganar tanto quanto o "movimento espírita" brasileiro.

As "palavras de amor" e a postura supostamente elevada e serena que facilmente se convertem num coitadismo quando surge um turbilhão de contestações severas a essa doutrina dão ao "espiritismo" brasileiro uma imunidade preocupante.

O que se vê, eventualmente, mesmo em debates em que muitos discutem os abusos da FEB e do roustanguismo que corrompeu a doutrina de Kardec em prol de um igrejismo piegas e moralista, é que ninguém quer tirar Chico Xavier e Divaldo Franco de seus pedestais.

As "palavras de amor" tornam-se traiçoeiras no "espiritismo" brasileiro por conta de esconder intenções maliciosas a ponto de torná-las quase imperceptíveis, de forma que, quando elas são divulgadas, as pessoas reagem, chorosas, achando "injustas" tais denúncias. Não admitem a hipótese de, por exemplo, Chico Xavier desejar um novo império igrejista para o Brasil.

Mas as "palavras de amor" ferem, cortam, mostrando o lado espinhoso de frases róseas com sabor de mel. Vejamos:

1) APOLOGIA DO SOFRIMENTO - Elas servem para glamourizar e fazer apologia do sofrimento humano, ofendendo e agredindo o sofredor, em dóceis frases que mesmo assim não escondem o pouco-caso e um certo esnobismo. Um exemplo: "Quanto mais você sucumbe às duras penas do sofrimento e da amargura, mais bênçãos surgem anunciando no futuro a felicidade eterna".

Ninguém veria de ofensivo numa frase tão linda como essa. E que é muito diferente, por exemplo, do que a saudosa Brittany Murphy, estrela de Grande Menina, Pequena Mulher (Uptown Girls), havia dito sobre os dias difíceis.

Se Brittany disse que os dias difíceis poderiam ser os melhores da vida de alguém, ela quis dizer que esses dias poderiam propiciar condições para a pessoa trabalhar pela sua superação. Mas ela não disse que o sofredor é um abençoado, como Jesus também não tinha dito que sofredores seriam abençoados porque teriam o ingresso ao "Reino dos Céus". Isso é uma má interpretação católica.

Tais palavras que glamourizam o sofrimento são formas dóceis de pregar valores moralistas, criando um discurso envolvente que faz com que as pessoas que sofrem fiquem confortadas e sintam até prazer em sofrer, chegando mesmo a se extasiarem pela própria angústia, dentro do transe que a fé cega traz nos rituais igrejistas.

2) PERMITIR ERROS E FRAUDES - Nos meios "mediúnicos", chega-se mesmo a considerar que estilos e aspectos carateristicos das personalidades dos mortos não são importantes, e o que vale, na dita mensagem mediúnica, são as lições de amor e fraternidade que elas transmitem.

Então, para que usar nomes diversos, como Cazuza, Daniella Perez, Raul Seixas, Getúlio Vargas, Ayrton Senna, Humberto de Campos, Auta de Souza, Noel Rosa etc etc etc, se todo mundo se expressa feito funcionário de igreja e praticamente dizem a mesma coisa: "sofri, fui socorrido e encontrei a luz"?

Dirigentes "espíritas" que se dizem "sérios" e "totalmente fiéis às bases doutrinárias de Kardec", chegam mesmo a dizer que os "espíritos" às vezes deixam de lado sua personalidade e seu estilo pela missão "universal" de transmitir uma mensagem "de amor e fraternidade". Outros enrolam, dizendo que existem aspectos pessoais e estilísticos, sem convencer senão os mais incautos.

Falsificar quadros, criar falsetes, plagiar livros, escrever falsas psicografias, tudo isso é permitido, sem que assumam tais falsidades, mas consentindo com suas práticas secretamente, sob o pretexto de caridade e transmissão de "palavras de amor e fraternidade". Segundo o "movimento espírita", mentiras de amor não doem.

3) LIVRAR DA CULPA DE SEUS PRATICANTES - As "palavras de amor" servem não só para inocentar os astros e chefes do "movimento espírita", sempre com os mais altos elogios às suas pessoas, como servem também para livrá-los da culpa de qualquer acusação, por mais verídica que esta seja.

O discurso serve para desqualificar a lógica dos fatos e dos argumentos de outrem, quando contestam os valores do "espiritismo" brasileiro, e não raro se investe em apelações chorosas como acusar qualquer denúncia, mesmo aquela rigorosamente investigada, de "escandalosa" e "perturbadora".

O coitadismo entra em ação e os ídolos espiritólicos envolvidos em escândalos são tidos como "vítimas de perseguição". Virou até clichê dizer coisas do tipo: "eles só trabalham para o amor e são perseguidos de forma tão humilhante pelos modernos inquisidores", como se a influência do catolicismo medieval não existisse no "movimento espírita" brasileiro. Mas o jesuitismo de Emmanuel comprova que ela existe, sim.

4) PERMITIR TRAIÇÃO E ALEGAR FIDELIDADE - Que tal apunhalar Allan Kardec pelas costas e jurar fidelidade a ele? Como se os kardecistas autênticos tivessem sangue de barata, os espiritólicos brasileiros traem a doutrina de Kardec e, cada vez mais, juram total e rigorosa fidelidade a ele.

Cria-se todo um repertório discursivo para que ninguém perceba quem são os traidores da Doutrina Espírita no Brasil ou, quando muito, expurgar apenas os deturpadores menos sutis - seja o francês Roustaing. seja a farsante Otília Diogo, sejam Wantuil de Freitas e Luciano dos Anjos, sejam os Gasparetto - e manter os espiritólicos mais espertos no seu pedestal.

Assim, cria-se uma retórica habilidosa que evoca a defesa completa e rigorosa da doutrina de Allan Kardec, enquanto, na prática, essa fidelidade é traída pela sedutora tentação de admirar Chico Xavier e Divaldo Franco e ler, escondido, os seus livros, em busca de "lindas lições de vida".

CONCLUSÃO

As palavras ferem, quando vão contra os fatos. Mesmo quando palavras dóceis que expressam sonhos tão lindos sejam muito mais agradáveis do que a dura realidade. Só que Allan Kardec sempre recomendava o raciocínio mais realista e sua doutrina sempre havia advertido sobre os inimigos que usam o Espiritismo para enganar as pessoas justamente pelas "palavras lindas de amor".

Tais advertências, se levadas a sério no Brasil, desqualificariam sobretudo Chico Xavier e Divaldo Franco, cujas palavrinhas lindas não têm a força de ultrapassar séculos e gerações. São apenas momentâneas águas com açúcar que deliciam o paladar dos brasileiros e outros a adotar a mesma postura de adoração.

No entanto, essas "palavras de amor" mostram depois o seu veneno mortal, na medida em que servem apenas de suporte para as sérias e graves deturpações que o "movimento espírita" brasileiro sofreu nos seus mais de 130 anos.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

"Espiritismo" brasileiro é o teatro das palavras bonitinhas


O "movimento espírita"  brasileiro virou um teatro de palavras bonitinhas, um desfile harmonioso e belo de vocábulos, dentro de todo um aparato de beleza, de encanto e de muito lirismo. Distanciado das lições precisas de Allan Kardec, os "espíritas" brasileiros vivem o apego e  obsessão pelo embelezamento das palavras e das aparências.

A quase totalidade das palestras "espíritas" se carateriza por essas palavras dadas com ternura maternal e postura paternal, e o que se nota é todo um simulacro de palavras, gestos e aparências dotados de profunda beleza e encantamento que seduz muitos adeptos e simpatizantes.

São esses aspectos que fazem com que muitos internautas, nas mídias sociais, recorram a frases de Chico Xavier ou de seus amigos Emmanuel e "André Luiz" (na verdade criação conjunta de Chico e Waldo Vieira) para publicar nas mídias sociais. Ou então recorrendo a Divaldo Franco achando que ele está a par dos mais profundos segredos da humanidade.

Muitas armadilhas são feitas, todavia, com esse paraíso de palavras, com essa maravilhosa articulação de letras, pontos e sinais gráficos. Porque a beleza está apenas nas palavras, além de outros aparatos, mas isso fez com que a chamada "doutrina espírita", da maneira como é feita no Brasil, se distanciasse dos trabalhos da razão, originalmente traçados por Allan Kardec.

Por isso é essa deliciosa sopa de letrinhas astral causa uma grave intoxicação alimentar. Por trás desse discurso cheio de lirismo e boas intenções, surgem lições moralistas, abordagens esotéricas, pretensões que variam do pedantismo pseudo-científico ao pretensiosismo pseudo-profético.

E tudo isso, pasmem, é feito com gente que hoje jura a fidelidade máxima aos textos de Allan Kardec,de forma até que às vezes se sente saudades de quando os espiritólicos defendiam abertamente Jean-Baptiste Roustaing e abraçavam seu igrejismo encostando nos seus peitos um dos quatro volumes da edição brasileira de Os Quatro Evangelhos.

MALABARISMOS DO DISCURSO

O Brasil é um país que vive a ditadura das palavras. Virou a potência máxima das desculpas, o que difere de outros países dotados de retrocessos sociais, como Iraque, por exemplo, em que se usam armas de fogo e explosivos para que se prevaleçam os interesses de determinados grupos ou se reajam contra os interesses atendidos de outros.

Justifica-se qualquer absurdo, qualquer aberração, até para impor o ruim alegando evitar o pior. O país se desgrada porque, para cada retrocesso, sempre tem uma desculpinha pragmática, que varia de argumentos tecnicamente verossímeis e palavras doces até ataques verbais bastante ofensivos.

O país regride enquanto tais retrocessos tentam ser desesperadamente justificados. "Não é aquela maravilha, mas é melhor que nada", "Até que isso é bom demais", "Era maravilhoso, mas muito complicado e incompreensível", "Tem seus defeitos, mas dá para viver", são algumas das desculpas utilizadas.

Vivemos então a supremacia das palavras, das desculpas, isso num país marcado pela desinformação e pelo analfabetismo, mesmo o analfabetismo funcional, cujas noções básicas de leitura e escrita não conseguem fazer as pessoas pensarem e agirem de maneira autônoma e criativa.

O malabarismo discursivo permite até a impunidade jurídica, permite que pessoas de mau-caráter obtenham vantagens sobre pessoas de caráter bem melhor. Conveniências sociais, esperteza para fingir e um certo malabarismo discursivo fazem com que o "crápula" da ocasião seja surpreendentemente beneficiado numa oportunidade.

E é isso que preocupa no "espiritismo" brasileiro. Preocupa uma doutrina que se serve tão somente de palavras bonitinhas, com um mercado em que se desperdiçam publicações em série de livros de textos muito lindos, mas sem qualquer utilidade para o estudo (sim, estudo) da Doutrina Espírita da maneira trabalhosamente elaborada pelo professor Allan Kardec.

CHICO E DIVALDO (SEMPRE ELES!)

Chico Xavier e Divaldo Franco foram os maiores seguidores das ideias de Jean-Baptiste Roustaing e popularizaram as ideias do autor de Os Quatro Evangelhos no Brasil, adaptando as ideias igrejistas para o contexto brasileiro. Mas eles tiveram jogo de cintura e um articulado jogo de palavras para abandonarem o "barco furado" quando o roustanguismo viveu sua mais aguda crise no país.

Com todos os clichês que seus estereótipos relacionados a ideias míticas sobre velhice, humildade, sabedoria e erudição, bem ao gosto da sociedade mais conservadora, fazem com que Chico Xavier (mesmo depois de morto) e Divaldo Franco passem incólumes às crises vividas pelo "movimento espírita".

Eles são conhecidos pela habilidade com que tiveram - e Divaldo ainda tem - de manipular as palavras, fazendo com que muitos, na sua ignorância em ver as coisas a não ser pela aparência, obtenham a confiabilidade neles por suas belas palavrinhas, únicas "lições de sabedoria" num Brasil ausente de grandes filósofos cujas ideias ultrapassassem tempos e gerações.

Mas mesmo as "preciosas lições de vida" de Chico Xavier e Divaldo Franco serão perdidas no decorrer do tempo. As palavrinhas bonitinhas deles são apenas bolinhos doces que satisfazem o paladar de seus seguidores e simpatizantes. Mas eles em nenhum momento deram uma contribuição que servisse para o fortalecimento da Doutrina Espírita codificada por Kardec.

O que parece "espírita" nas palavras bem articuladas dos dois não é mais do que "auto-ajuda espiritualista", que lançam livros que entram nas listas dos dez mais vendidos com facilidade. Admite-se que o discurso de Chico e Divaldo é até sofisticado, mas nada que pudesse contribuir em favor da doutrina de Allan Kardec. Palavras belas não são atos, são somente palavras belas.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O "espiritismo" e sua noção de "progresso social"

ADIANTA DAR SÓ CESTAS BÁSICAS E PALAVRAS DE AMOR A MORADORES SEM-TETO?

A indústria de "palavras de amor" e a glamourização do sofrimento humano que são a praxe do "espiritismo" brasileiro impede que o progresso social se efetive de maneira satisfatória e definitiva, sendo restrito a medidas paliativas que só resolvem provisoriamente os problemas.

Além das "mensagens fraternais" que só chegam tardiamente depois dos muitos prantos das tragédias ocorridas, quase uma manifestação cínica de consolação, o que se vê são ações "filantrópicas" que apenas provisoriamente atendem às necessidades dos desafortunados, ou, sendo mais claro, os miseráveis.

O "espiritismo" brasileiro não estimula o raciocínio intelectual, desencoraja o questionamento, intimida a indignação e reprova até a depressão. Essa doutrina deprime, com muitas palestras maçantes e até tristes, e nós é que temos que sorrir e achar tudo lindo e maravilhoso, quando muito chorando de comoção e "alegria" pela mensagem transmitida.

Enquanto isso, também não há pesquisas sérias e eficientes sobre a vida espiritual, não há estudos sobre os problemas sociais sob a ótica da Doutrina Espírita e tudo fica na mesma, dentro de um viciado religiosismo paternalista e moralista.

O que esperar do "nosso espiritismo" em termos de progresso social? Nada, senão medidas paliativas, consolos tardios e hipócritas, e todo um teatrinho de falsa humildade, falsa generosidade em que letras mortas povoam um enxame inesgotável de mensagens "fraternais" que só servem para vender livros e lotar "centros espíritas".

Doar cestas básicas e roupas é, em tese, uma atitude louvável e saudável, mas até que ponto o material a ser doado vai realmente para as populações carentes ou a simples doação traria a eles algum conforto mais efetivo e alguma melhoria mais duradoura?

Será que também não podem existir casos de "centros espíritas" que desviam uma boa parte das roupas doadas para serem vendidas em brechós, garantindo lucros pessoais para seus dirigentes? Ou então os alimentos a serem desviados para mercadinhos de menos categoria?

Mas, independente desses processos desonestos haverem ou não, será que a simples doação, acrescida das "palavras desencarnadas" que falam em "amor e caridade", irá trazer alguma qualidade de vida para as populações sofridas? Na realidade, não existe qualquer garantia quanto a isso.

"Palavras de amor" não consolam as pessoas que perderam entes queridos. A perda, muitas vezes, gerou danos irreparáveis e vai um texto "espírita" dizer que isso é lindo porque trará bênçãos futuras, e é evidente que isso soa como uma gozação àqueles que sentem falta de seus falecidos. "Eu estou sofrendo horrores e vem vocês dizendo que sou abençoado por isso? Vão se catar!", dirá talvez.

E se as doações cessarem? Será que vamos ter que depender sempre de doações incessantes, enquanto os miseráveis continuam desprovidos de condições e oportunidades de autossustentação? Não seria melhor estimular os miseráveis a agirem por conta própria, em vez de nos limitarmos a doar o que não nos serve para atender às suas necessidades?

Por isso pessoas como o educador Paulo Freire dão um banho de caridade a astros do "espiritismo" como Chico Xavier. O método educacional de Paulo Freire, para alfabetização de adultos, inclui tanto a leitura conscientizada e questionadora, a compreensão da realidade, a capacidade de lutar pela sobrevivência própria e a solidariedade das pessoas de uma comunidade para resolver problemas.

E é uma solidariedade ativa, não a passiva de doar coisas sem resolver as desigualdades sociais. O Método Paulo Freire envergonharia os chiquistas porque tudo o que Chico Xavier pôde fazer foram dar palavrinhas de amor e algumas "bondades", muitas vezes consolando tardiamente os outros pela tragédia ocorrida e sem trazer qualquer coisa transformadora para as vidas humanas.

O "espiritismo" que chega tarde consolando em vão os outros pelas tragédias ocorridas e nada faz mais do que doar alimentos e roupas não traz transformação profunda para as pessoas. A desculpa do "autoconhecimento" e da "reforma íntima" mais parece uma forma adocicada de pregar o conformismo e até mesmo o masoquismo religioso, o "autoflagelo" espiritual da aceitação do sofrimento.

Problemas existem não para que achemos eles lindos e maravilhosos. Sofrimentos e dores existem não para a gente dizer o quanto eles são fascinantes. Eles existem porque a vida é complexa e teremos que buscar algo para resolvê-los e superá-los de uma forma ou de outra.

Por isso não bastam o falso consolo das "palavras de amor", a falsa transformação moral da "reforma íntima" e a falsa revolução das doações. Se não encararmos de frente os problemas, independente de acharmos se é melhor somente a reforma individual ou a reforma coletiva ou "dos outros", nada se resolverá e periga das pessoas se afogarem tragicamente pela "doce" enchente de "palavras de amor".

Os problemas da humanidade são muito sérios e graves para serem resolvidos dessa maneira acomodada com que faz o "espiritismo" brasileiro e sua indústria de "palavras de amor" e de paternalismos paliativos.