sexta-feira, 14 de novembro de 2014

"Espiritismo" brasileiro é o teatro das palavras bonitinhas


O "movimento espírita"  brasileiro virou um teatro de palavras bonitinhas, um desfile harmonioso e belo de vocábulos, dentro de todo um aparato de beleza, de encanto e de muito lirismo. Distanciado das lições precisas de Allan Kardec, os "espíritas" brasileiros vivem o apego e  obsessão pelo embelezamento das palavras e das aparências.

A quase totalidade das palestras "espíritas" se carateriza por essas palavras dadas com ternura maternal e postura paternal, e o que se nota é todo um simulacro de palavras, gestos e aparências dotados de profunda beleza e encantamento que seduz muitos adeptos e simpatizantes.

São esses aspectos que fazem com que muitos internautas, nas mídias sociais, recorram a frases de Chico Xavier ou de seus amigos Emmanuel e "André Luiz" (na verdade criação conjunta de Chico e Waldo Vieira) para publicar nas mídias sociais. Ou então recorrendo a Divaldo Franco achando que ele está a par dos mais profundos segredos da humanidade.

Muitas armadilhas são feitas, todavia, com esse paraíso de palavras, com essa maravilhosa articulação de letras, pontos e sinais gráficos. Porque a beleza está apenas nas palavras, além de outros aparatos, mas isso fez com que a chamada "doutrina espírita", da maneira como é feita no Brasil, se distanciasse dos trabalhos da razão, originalmente traçados por Allan Kardec.

Por isso é essa deliciosa sopa de letrinhas astral causa uma grave intoxicação alimentar. Por trás desse discurso cheio de lirismo e boas intenções, surgem lições moralistas, abordagens esotéricas, pretensões que variam do pedantismo pseudo-científico ao pretensiosismo pseudo-profético.

E tudo isso, pasmem, é feito com gente que hoje jura a fidelidade máxima aos textos de Allan Kardec,de forma até que às vezes se sente saudades de quando os espiritólicos defendiam abertamente Jean-Baptiste Roustaing e abraçavam seu igrejismo encostando nos seus peitos um dos quatro volumes da edição brasileira de Os Quatro Evangelhos.

MALABARISMOS DO DISCURSO

O Brasil é um país que vive a ditadura das palavras. Virou a potência máxima das desculpas, o que difere de outros países dotados de retrocessos sociais, como Iraque, por exemplo, em que se usam armas de fogo e explosivos para que se prevaleçam os interesses de determinados grupos ou se reajam contra os interesses atendidos de outros.

Justifica-se qualquer absurdo, qualquer aberração, até para impor o ruim alegando evitar o pior. O país se desgrada porque, para cada retrocesso, sempre tem uma desculpinha pragmática, que varia de argumentos tecnicamente verossímeis e palavras doces até ataques verbais bastante ofensivos.

O país regride enquanto tais retrocessos tentam ser desesperadamente justificados. "Não é aquela maravilha, mas é melhor que nada", "Até que isso é bom demais", "Era maravilhoso, mas muito complicado e incompreensível", "Tem seus defeitos, mas dá para viver", são algumas das desculpas utilizadas.

Vivemos então a supremacia das palavras, das desculpas, isso num país marcado pela desinformação e pelo analfabetismo, mesmo o analfabetismo funcional, cujas noções básicas de leitura e escrita não conseguem fazer as pessoas pensarem e agirem de maneira autônoma e criativa.

O malabarismo discursivo permite até a impunidade jurídica, permite que pessoas de mau-caráter obtenham vantagens sobre pessoas de caráter bem melhor. Conveniências sociais, esperteza para fingir e um certo malabarismo discursivo fazem com que o "crápula" da ocasião seja surpreendentemente beneficiado numa oportunidade.

E é isso que preocupa no "espiritismo" brasileiro. Preocupa uma doutrina que se serve tão somente de palavras bonitinhas, com um mercado em que se desperdiçam publicações em série de livros de textos muito lindos, mas sem qualquer utilidade para o estudo (sim, estudo) da Doutrina Espírita da maneira trabalhosamente elaborada pelo professor Allan Kardec.

CHICO E DIVALDO (SEMPRE ELES!)

Chico Xavier e Divaldo Franco foram os maiores seguidores das ideias de Jean-Baptiste Roustaing e popularizaram as ideias do autor de Os Quatro Evangelhos no Brasil, adaptando as ideias igrejistas para o contexto brasileiro. Mas eles tiveram jogo de cintura e um articulado jogo de palavras para abandonarem o "barco furado" quando o roustanguismo viveu sua mais aguda crise no país.

Com todos os clichês que seus estereótipos relacionados a ideias míticas sobre velhice, humildade, sabedoria e erudição, bem ao gosto da sociedade mais conservadora, fazem com que Chico Xavier (mesmo depois de morto) e Divaldo Franco passem incólumes às crises vividas pelo "movimento espírita".

Eles são conhecidos pela habilidade com que tiveram - e Divaldo ainda tem - de manipular as palavras, fazendo com que muitos, na sua ignorância em ver as coisas a não ser pela aparência, obtenham a confiabilidade neles por suas belas palavrinhas, únicas "lições de sabedoria" num Brasil ausente de grandes filósofos cujas ideias ultrapassassem tempos e gerações.

Mas mesmo as "preciosas lições de vida" de Chico Xavier e Divaldo Franco serão perdidas no decorrer do tempo. As palavrinhas bonitinhas deles são apenas bolinhos doces que satisfazem o paladar de seus seguidores e simpatizantes. Mas eles em nenhum momento deram uma contribuição que servisse para o fortalecimento da Doutrina Espírita codificada por Kardec.

O que parece "espírita" nas palavras bem articuladas dos dois não é mais do que "auto-ajuda espiritualista", que lançam livros que entram nas listas dos dez mais vendidos com facilidade. Admite-se que o discurso de Chico e Divaldo é até sofisticado, mas nada que pudesse contribuir em favor da doutrina de Allan Kardec. Palavras belas não são atos, são somente palavras belas.

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