terça-feira, 29 de novembro de 2016
O "espiritismo" e sua relação com os retrocessos sociais
O Brasil atravessa muitos retrocessos que há movimentos diversos de retorno a velhas posturas retrógradas, nas quais um saudosismo doentio de determinadas elites faz com que se busquem recuperar até sentimentos antissociais, como o racismo, o machismo vingativo e a escravidão.
A crise é usada como pretexto, da mesma forma que valores dos mais antiquados e obsoletos agora se travestem de "novo" sob a desculpa de "combater a maré vermelha que quase inundou o Brasil". Ostentam a bandeira brasileira, enrolada nos corpos dos "revoltados" anti-PT, para pedir que as riquezas brasileiras sejam vendidas para empresários estrangeiros.
A coisa é tão preocupante que internautas não medem escrúpulos para lançar comentários raciais, promover danos morais com cyberbullying e outras barbaridades. E ainda reagem com gracejos - o conhecido "KKKKKKKKK" - quando são alertados de que podem ir para a cadeia porque estão cometendo crimes.
Até feminicídios voltam com a desculpa da "defesa da honra" masculina, enquanto valores escravocratas são novamente evocados para "recuperar a economia". Isso num Brasil que só aboliu a escravidão oficialmente em 1888, quando já em 1823 a Grã-Bretanha, não por razões humanitárias, mas econômicas - ameaçava sanções econômicas se caso o Brasil não extinguisse o trabalho escravo. A ameaça incluiu a explosão de navios negreiros, é bom lembrar.
Enquanto tudo isso acontece, os "espíritas" ficam felizes dizendo que "está ocorrendo a regeneração". Contradizem quando, em certos momentos, falam que está irradiando uma nova luz na humanidade, mas em outros afirmam que "inteligências malignas" impõem obstáculos para essa evolução. É a velha desculpa de dizer "eu sou forte, os fracos é que não deixam".
Há até mesmo reacionários como Robson Pinheiro - com uma mentalidade que o faria encaixar na equipe de jornalistas de Veja - que chegam a definir como "libertadoras" as manifestações odiosas de "revoltados" que exibiam suásticas, pediam a pena de morte para petistas e justificavam seu rancor cego com a vaga desculpa do "combate à corrupção".
O "espiritismo" pode não estar do lado dos evangélicos neopentecostais, responsáveis por boa parte do neo-obscurantismo social dos tempos de hoje, em que um vereador negro eleito, mas de orientação de extrema-direita, Fernando Holiday, do "iluminado" Movimento Brasil Livre, quer acabar com o Dia da Consciência Negra, algo que vai contra o interesse do povo negro no Brasil.
Holiday usa como desculpa a de que "consciência não tem raça" e "se deve valorizar a consciência humana como um todo", ignorando que a consciência negra envolve valores históricos e culturais do povo negro, e sua luta para conquistar espaços sociais que lhe eram negados.
Se for por esse raciocínio, Holiday poderá defender o fim da Lei Áurea, sob a desculpa de que todo trabalho é "digno", mesmo sobrecarregado, bastando apenas ter obediência e disciplina. Ou então abolir o Sete de Setembro, considerando a Independência uma frescura, porque a América é uma só e por isso "não há mal algum" no Brasil se submeter ao jugo dos EUA.
Hoje se justifica qualquer absurdo. Vivemos a coreografia das palavras bonitas, das desculpas de cunho "técnico" ou "bondoso", tantos argumentos morais para justificar imoralidades. Pessoas dotadas de status quo agora se acham na "liberdade" de justificar erros, muitos deles graves. Vivemos uma crise institucional e social, na qual as pessoas com maiores atributos são as que se revelam mais falhas e, não raro, mais mesquinhas.
O "espiritismo", que cresceu sob o descalabro de permitir a falsidade ideológica das falsas psicografias, das quais o caso Humberto de Campos é um dos mais aberrantes, é justamente a religião que tenta acobertar os piores erros pela mais absoluta impunidade, garantida pelo aparato de pretensa simplicidade e suposta benevolência que nem católicos nem evangélicos conseguem ter.
A relação do "espiritismo" com os retrocessos sociais se dá quando se observa que a doutrina brasileira, cada vez mais afastada de Allan Kardec (mais bajulado do que compreendido), demonstra seu apreço à Teologia do Sofrimento - corrente medieval da Igreja Católica que define a desgraça humana como "atalho para a Salvação" - , o que está explícito, porém nunca assumido, nas palestras, textos e publicações "espíritas" dos últimos tempos.
São apelos para as pessoas "suportarem desgraças com fé" ou "se esforçarem acima dos limites para vencer na vida". Ou então "o sofrimento é apenas um desafio, um aprendizado". Isso tudo é Teologia do Sofrimento, é só ver o que os católicos devotos dessa teoria dizem e é tudo a mesma coisa.
Não é por acaso que as comparações de Francisco Cândido Xavier com Madre Teresa são muito profundas, para o bem e para o mal. Mitos religiosos que, no entanto, mostram aspectos muito, muito sombrios. A tragédia de Bhopal, na Índia, é um exemplo da hipocrisia de Madre Teresa, não muito diferente da do dito "homem chamado Amor".
Em 1984, um descaso administrativo permitiu uma falha de segurança técnica na fábrica de pesticidas da Union Carbide na cidade indiana, que resultou no vazamento de gás que matou aproximadamente 5 mil pessoas e contaminou cerca de 500 mil. Os empresários foram culpados por tamanha negligência e sabe o que Madre Teresa disse a respeito?
"Perdoe, perdoe", foi o que ela disse, de uma forma um tanto enérgica, quando a "santa" preferiu a complacência com os erros dos poderosos, pouco se importando com os sofrimentos das vítimas. Chico Xavier também culpou as vítimas da tragédia de um circo em Niterói, no final de 1961, xingando-as de "romanos sanguinários" e ainda botou seu juízo de valor na conta de um suposto Humberto de Campos mal disfarçado de Irmão X.
É muita crueldade numa atitude só. Acusar, sem provas, pessoas humildes de "pagarem" por um suposto prazer de ver multidões sendo queimadas. Gente até realmente humilde e inocente do que a "humildade" e "inocência" de fachada de Chico Xavier, que se valia de uma carteirada religiosa para acusar quem ele quisesse acusar, sem provas lógicas e botando a responsabilidade no morto que ele escolhesse, podendo ser Humberto de Campos, Meimei, Jair Presente e o que vier na mente.
É um Chico Xavier que apoiou a ditadura, que disse para os sofredores não mostrarem sofrimento para outrem (ou seja, apelava para esconder o sofrimento e fingir felicidade suportando desgraças), e realizou pastiches literários grosseiros. Que chorem seus seguidores, aos soluços, mas que estes sintam o que é apoiar cegamente um mistificador religioso envolvido em fraudes e defensor de um moralismo retrógrado.
O "espiritismo" revela, não por posturas teoricamente assumidas - já que a religião se autoproclama "vanguardista", "progressista" e "à frente do tempo" - , mas por suas ideias retrógradas herdadas do Catolicismo medieval (que a Igreja Católica, em parte, descartou), comprovadas em suas próprias palavras, seu apoio aos retrocessos sociais dos últimos tempos.
A leitura "espírita" da PEC 241 ou 55 consiste no apelo dos sofredores de aguentar desgraças, abrir mão de desejos, rever seus anseios e necessidades, ficar feliz apenas por respirar - aliás, nem isso, porque no Rio de Janeiro, por exemplo, só resta ser feliz por nada, porque a cidade é poluída e tem muitos fumantes, vários deles inveterados arrogantes e narcisistas - e por aí vai.
Há a leitura "espírita" dos abusos das elites, com seus preconceitos anti-classe, além de violentos preconceitos de padrões machistas, racistas, homofóbicos, escravistas e outros moralismos sem moral. Num país em que um suposto médium vira "espírito puro" praticando falsidade ideológica, trabalhadores rurais, gente realmente humilde, é vista como criminosa só porque fundou uma entidade vítima de preconceitos como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST).
A "leitura" espírita apela para "perdoarmos" tais abusos, entregarmos o ouro que não conseguimos ter ao bandido rico, nos sujeitarmos à servidão masoquista a um algoz ou um patrão estúpido ou corrupto, aceitarmos humilhações com sorriso e resignação, perdermos tudo e sorrirmos porque, na "verdadeira vida", virão as "bênçãos infinitas", lembrando que "bênção" é uma ideia abstrata na qual ninguém consegue definir o que realmente se trata. Cremos que bênção, no fundo, é uma bobagem.
E o "tóxico do intelectualismo" de Emmanuel? É a Escola Sem Partido com 75 anos de antecedência! Junte-se a reprovação dos "espíritas" ao pensamento questionador, quando entra nos terrenos da fé religiosa, levianamente acusado de "ser movido por paixões terrenas" e de ser "abuso da Ciência sobre a Religião", com as defesas de "educação evangelizadora" como as propagadas por Divaldo Franco em seus discursos verborrágicos!!
Se o que o "espiritismo" defende em suas ideias não é Teologia do Sofrimento, então não sabemos o que é, de fato. Ou se o projeto educacional que um Divaldo Franco defende e pratica não é Escola Sem Partido, então é o quê, afinal? Temos que desconstruir esse balé de palavras bonitas, que mascara posturas retrógradas do "movimento espírita" e ver a dura realidade que está por trás de uma retórica bonitinha e arrumadinha de seus ideólogos sedentos pela posse da verdade.
Se vermos as ideias nos livros de Chico Xavier, Divaldo Franco, Robson Pinheiro, Richard Simonetti, Alamar Régis Carvalho, Orson Peter Carrara, Nelson Moraes, Gerson Simões Monteiro, José Medrado e outros, o governo Michel Temer e outros movimentos retrógrados estão todos lá: PEC do Teto, Escola Sem Partido, Movimento Brasil Livre, Revoltados On Line, terceirização do trabalho, flexibilização do direito trabalhista, o poder concentrado dos barões da grande mídia, abusos e incompreensões do Judiciário, o legado do ex-deputado Eduardo Cunha.
Está tudo nessas obras, o que mostra o caráter ultraconservador do "movimento espírita" brasileiro. na verdade uma repaginação do antigo Catolicismo jesuíta dos tempos do Brasil colonial que quer recuperar a supremacia rompida pelo Marquês de Pombal. Usando a Doutrina Espírita como fachada, é o velho jesuitismo colonial que, sob o nome de "espiritismo", quer retomar o antigo poder sobre o povo brasileiro.
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