quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Mito da "bondade" religiosa esconde preconceitos sociais

CRIANÇAS SORRINDO SÃO UM BOM MARKETING DA "CARIDADE" RELIGIOSA.

As pessoas entendem a bondade como uma qualidade secundária da fé religiosa. Num mundo marcado por conflitos de diversos tipos, com a banalização da sordidez humana em vários aspectos, as pessoas imaginam que ser bondoso e praticar caridade não são qualidades naturais do ser humano, mas procedimentos submetidos ao receituário religioso, embora variasse a seita em questão.

É por isso que as pessoas supervalorizam figuras religiosas por essa atitude. Sobretudo os "espíritas", os quais superestimam Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco por essas atitudes, que no caso de Chico Xavier têm a precisão das denúncias contra o PT na Operação Lava-Jato, ou seja, nenhuma, devido a informações vagas e superficiais.

Tudo parece lindo e comovente, mas devemos chamar a atenção por um detalhe: as pessoas que aparecem em propagandas ou ilustrações de "caridade" costumam ser pessoas dóceis, alegres, inofensivas. Sobretudo doentes e pobres, mas, no caso da propaganda, crianças em geral.

Isso mostra um sutil preconceito social, marcado por um "teatro da bondade" que faz com que algozes e sofredores pareçam inofensivos, mediados por uma figura religiosa vista como "heroína" da situação.

É como uma versão dócil da Teologia do Sofrimento. Sofredores felizes, algozes tranquilos, enquanto o "super filantropo" age para minimizar os efeitos danosos, sem no entanto mexer na estrutura de privilégios e desigualdades.

A ação tem por vista apenas reduzir os efeitos extremos, mas de maneira paliativa, sem resolver profundamente o problema. E seu sentido de "caridade" se torna tão duvidoso que áreas que se dizem "protegidas" pela religião são justamente as que mais sofrem com a violência.

Seja na Índia de Madre Teresa de Calcutá, seja na São Gonçalo (RJ) tomada de tantas seitas evangélicas, seja na Uberaba de Chico Xavier e no bairro soteropolitano de Pau da Lima da Mansão do Caminho de Divaldo Franco, o que se vê é que tais "caridades" nem de longe resolveram o problema da violência.

Deixemos de ser ingênuos. Se essas áreas são as que mais sofrem com a violência, é porque a "caridade" não funciona e não passa de conversa para boi dormir. A blindagem que ídolos religiosos recebem por causa do aparato de "bondade" não consegue esconder certos problemas.

Entre esses problemas, podemos destacar que a "bondade" sempre tem como preço uma influência religiosa. Os "espíritas" adoram argumentar que nunca influenciam as pessoas a seguir tal religião, mas a forma como ensinam os "valores sagrados da vida" sempre tem um dogma religioso embutido. O religioso não irá transmitir para as pessoas pontos de vista contrários às crenças dele.

Hostilizar a educação laica de Paulo Freire em detrimento da supervalorização da "caridade" de Divaldo Franco - tido como "maior filantropo do Brasil" beneficiando, só em Salvador, menos de 1% da população - lembra muito a polarização ideológica da educação esquerdista versus educação conservadora. Não é por acaso que a Rede Globo adora gente como Divaldo Franco e Chico Xavier.

Isso lembra um horror "higienista" de setores da classe média que parecem seguir valores das elites dominantes. Uma educação sem ideologias e que beneficia as classes populares, tirando-as da situação de subserviência resignada é vista como "manipuladora" por ser associada a valores de esquerda.

Já a educação conservadora, que envolve desde a pregação de valores de mercado a dogmas religiosos - ambos dissimulados pelos pretextos de "preparação para a vida" e "valores morais positivos" - , escondidas num processo pedagógico que inclui até mistificações e deturpações historiográficas, a sociedade "do bem" define como "não-manipuladora" e até "transformadora", embora, na verdade, ela manipulasse e não transformasse as pessoas.

No "espiritismo", por exemplo, costuma-se ensinar a visão equivocada de que o imperador Dom Pedro II era um "líder abolicionista". Chegam mesmo a supor encarnações passadas ao monarca brasileiro, com informações confusas. Mas a verdade é que o Segundo Império permaneceu longos anos conivente com o sistema escravista, e a Lei Áurea que nada resolveu na ressocialização dos escravos libertos só se deu porque a escravidão estava sofrendo sua mais aguda crise.

A "bondade" religiosa lida com pessoas inofensivas e ela em si é um projeto inócuo. Por isso é que a crise que vivemos no Brasil ocorre. Se essa "caridade" funcionasse de fato, o nosso país seria outro, não havia notícias de violência, e nem a crise econômica teria acontecido.

Se tudo isso de ruim acontece, não é reflexo de falta de religião. Pelo contrário. É resultante da overdose de fé. Dá-se ouvido demais aos ídolos religiosos, sempre glorificados e exaltados. Enquanto isso, fora dos palacetes da fé e do paternalismo religioso, a sociedade sofre seu dramático caos do dia a dia.

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