terça-feira, 29 de novembro de 2016

O "espiritismo" e sua relação com os retrocessos sociais


O Brasil atravessa muitos retrocessos que há movimentos diversos de retorno a velhas posturas retrógradas, nas quais um saudosismo doentio de determinadas elites faz com que se busquem recuperar até sentimentos antissociais, como o racismo, o machismo vingativo e a escravidão.

A crise é usada como pretexto, da mesma forma que valores dos mais antiquados e obsoletos agora se travestem de "novo" sob a desculpa de "combater a maré vermelha que quase inundou o Brasil". Ostentam a bandeira brasileira, enrolada nos corpos dos "revoltados" anti-PT, para pedir que as riquezas brasileiras sejam vendidas para empresários estrangeiros.

A coisa é tão preocupante que internautas não medem escrúpulos para lançar comentários raciais, promover danos morais com cyberbullying e outras barbaridades. E ainda reagem com gracejos - o conhecido "KKKKKKKKK" - quando são alertados de que podem ir para a cadeia porque estão cometendo crimes.

Até feminicídios voltam com a desculpa da "defesa da honra" masculina, enquanto valores escravocratas são novamente evocados para "recuperar a economia". Isso num Brasil que só aboliu a escravidão oficialmente em 1888, quando já em 1823 a Grã-Bretanha, não por razões humanitárias, mas econômicas - ameaçava sanções econômicas se caso o Brasil não extinguisse o trabalho escravo. A ameaça incluiu a explosão de navios negreiros, é bom lembrar.

Enquanto tudo isso acontece, os "espíritas" ficam felizes dizendo que "está ocorrendo a regeneração". Contradizem quando, em certos momentos, falam que está irradiando uma nova luz na humanidade, mas em outros afirmam que "inteligências malignas" impõem obstáculos para essa evolução. É a velha desculpa de dizer "eu sou forte, os fracos é que não deixam".

Há até mesmo reacionários como Robson Pinheiro - com uma mentalidade que o faria encaixar na equipe de jornalistas de Veja - que chegam a definir como "libertadoras" as manifestações odiosas de "revoltados" que exibiam suásticas, pediam a pena de morte para petistas e justificavam seu rancor cego com a vaga desculpa do "combate à corrupção".

O "espiritismo" pode não estar do lado dos evangélicos neopentecostais, responsáveis por boa parte do neo-obscurantismo social dos tempos de hoje, em que um vereador negro eleito, mas de orientação de extrema-direita, Fernando Holiday, do "iluminado" Movimento Brasil Livre, quer acabar com o Dia da Consciência Negra, algo que vai contra o interesse do povo negro no Brasil.

Holiday usa como desculpa a de que "consciência não tem raça" e "se deve valorizar a consciência humana como um todo", ignorando que a consciência negra envolve valores históricos e culturais do povo negro, e sua luta para conquistar espaços sociais que lhe eram negados.

Se for por esse raciocínio, Holiday poderá defender o fim da Lei Áurea, sob a desculpa de que todo trabalho é "digno", mesmo sobrecarregado, bastando apenas ter obediência e disciplina. Ou então abolir o Sete de Setembro, considerando a Independência uma frescura, porque a América é uma só e por isso "não há mal algum" no Brasil se submeter ao jugo dos EUA.

Hoje se justifica qualquer absurdo. Vivemos a coreografia das palavras bonitas, das desculpas de cunho "técnico" ou "bondoso", tantos argumentos morais para justificar imoralidades. Pessoas dotadas de status quo agora se acham na "liberdade" de justificar erros, muitos deles graves. Vivemos uma crise institucional e social, na qual as pessoas com maiores atributos são as que se revelam mais falhas e, não raro, mais mesquinhas.

O "espiritismo", que cresceu sob o descalabro de permitir a falsidade ideológica das falsas psicografias, das quais o caso Humberto de Campos é um dos mais aberrantes, é justamente a religião que tenta acobertar os piores erros pela mais absoluta impunidade, garantida pelo aparato de pretensa simplicidade e suposta benevolência que nem católicos nem evangélicos conseguem ter.

A relação do "espiritismo" com os retrocessos sociais se dá quando se observa que a doutrina brasileira, cada vez mais afastada de Allan Kardec (mais bajulado do que compreendido), demonstra seu apreço à Teologia do Sofrimento - corrente medieval da Igreja Católica que define a desgraça humana como "atalho para a Salvação" - , o que está explícito, porém nunca assumido, nas palestras, textos e publicações "espíritas" dos últimos tempos.

São apelos para as pessoas "suportarem desgraças com fé" ou "se esforçarem acima dos limites para vencer na vida". Ou então "o sofrimento é apenas um desafio, um aprendizado". Isso tudo é Teologia do Sofrimento, é só ver o que os católicos devotos dessa teoria dizem e é tudo a mesma coisa.

Não é por acaso que as comparações de Francisco Cândido Xavier com Madre Teresa são muito profundas, para o bem e para o mal. Mitos religiosos que, no entanto, mostram aspectos muito, muito sombrios. A tragédia de Bhopal, na Índia, é um exemplo da hipocrisia de Madre Teresa, não muito diferente da do dito "homem chamado Amor".

Em 1984, um descaso administrativo permitiu uma falha de segurança técnica na fábrica de pesticidas da Union Carbide na cidade indiana, que resultou no vazamento de gás que matou aproximadamente 5 mil pessoas e contaminou cerca de 500 mil. Os empresários foram culpados por tamanha negligência e sabe o que Madre Teresa disse a respeito?

"Perdoe, perdoe", foi o que ela disse, de uma forma um tanto enérgica, quando a "santa" preferiu a complacência com os erros dos poderosos, pouco se importando com os sofrimentos das vítimas. Chico Xavier também culpou as vítimas da tragédia de um circo em Niterói, no final de 1961, xingando-as de "romanos sanguinários" e ainda botou seu juízo de valor na conta de um suposto Humberto de Campos mal disfarçado de Irmão X.

É muita crueldade numa atitude só. Acusar, sem provas, pessoas humildes de "pagarem" por um suposto prazer de ver multidões sendo queimadas. Gente até realmente humilde e inocente do que a "humildade" e "inocência" de fachada de Chico Xavier, que se valia de uma carteirada religiosa para acusar quem ele quisesse acusar, sem provas lógicas e botando a responsabilidade no morto que ele escolhesse, podendo ser Humberto de Campos, Meimei, Jair Presente e o que vier na mente.

É um Chico Xavier que apoiou a ditadura, que disse para os sofredores não mostrarem sofrimento para outrem (ou seja, apelava para esconder o sofrimento e fingir felicidade suportando desgraças), e realizou pastiches literários grosseiros. Que chorem seus seguidores, aos soluços, mas que estes sintam o que é apoiar cegamente um mistificador religioso envolvido em fraudes e defensor de um moralismo retrógrado.

O "espiritismo" revela, não por posturas teoricamente assumidas - já que a religião se autoproclama "vanguardista", "progressista" e "à frente do tempo" - , mas por suas ideias retrógradas herdadas do Catolicismo medieval (que a Igreja Católica, em parte, descartou), comprovadas em suas próprias palavras, seu apoio aos retrocessos sociais dos últimos tempos.

A leitura "espírita" da PEC 241 ou 55 consiste no apelo dos sofredores de aguentar desgraças, abrir mão de desejos, rever seus anseios e necessidades, ficar feliz apenas por respirar - aliás, nem isso, porque no Rio de Janeiro, por exemplo, só resta ser feliz por nada, porque a cidade é poluída e tem muitos fumantes, vários deles inveterados arrogantes e narcisistas - e por aí vai.

Há a leitura "espírita" dos abusos das elites, com seus preconceitos anti-classe, além de violentos preconceitos de padrões machistas, racistas, homofóbicos, escravistas e outros moralismos sem moral. Num país em que um suposto médium vira "espírito puro" praticando falsidade ideológica, trabalhadores rurais, gente realmente humilde, é vista como criminosa só porque fundou uma entidade vítima de preconceitos como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST).

A "leitura" espírita apela para "perdoarmos" tais abusos, entregarmos o ouro que não conseguimos ter ao bandido rico, nos sujeitarmos à servidão masoquista a um algoz ou um patrão estúpido ou corrupto, aceitarmos humilhações com sorriso e resignação, perdermos tudo e sorrirmos porque, na "verdadeira vida", virão as "bênçãos infinitas", lembrando que "bênção" é uma ideia abstrata na qual ninguém consegue definir o que realmente se trata. Cremos que bênção, no fundo, é uma bobagem.

E o "tóxico do intelectualismo" de Emmanuel? É a Escola Sem Partido com 75 anos de antecedência! Junte-se a reprovação dos "espíritas" ao pensamento questionador, quando entra nos terrenos da fé religiosa, levianamente acusado de "ser movido por paixões terrenas" e de ser "abuso da Ciência sobre a Religião", com as defesas de "educação evangelizadora" como as propagadas por Divaldo Franco em seus discursos verborrágicos!!

Se o que o "espiritismo" defende em suas ideias não é Teologia do Sofrimento, então não sabemos o que é, de fato. Ou se o projeto educacional que um Divaldo Franco defende e pratica não é Escola Sem Partido, então é o quê, afinal? Temos que desconstruir esse balé de palavras bonitas, que mascara posturas retrógradas do "movimento espírita" e ver a dura realidade que está por trás de uma retórica bonitinha e arrumadinha de seus ideólogos sedentos pela posse da verdade.

Se vermos as ideias nos livros de Chico Xavier, Divaldo Franco, Robson Pinheiro, Richard Simonetti, Alamar Régis Carvalho, Orson Peter Carrara, Nelson Moraes, Gerson Simões Monteiro, José Medrado e outros, o governo Michel Temer e outros movimentos retrógrados estão todos lá: PEC do Teto, Escola Sem Partido, Movimento Brasil Livre, Revoltados On Line, terceirização do trabalho, flexibilização do direito trabalhista, o poder concentrado dos barões da grande mídia, abusos e incompreensões do Judiciário, o legado do ex-deputado Eduardo Cunha.

Está tudo nessas obras, o que mostra o caráter ultraconservador do "movimento espírita" brasileiro. na verdade uma repaginação do antigo Catolicismo jesuíta dos tempos do Brasil colonial que quer recuperar a supremacia rompida pelo Marquês de Pombal. Usando a Doutrina Espírita como fachada, é o velho jesuitismo colonial que, sob o nome de "espiritismo", quer retomar o antigo poder sobre o povo brasileiro.

domingo, 27 de novembro de 2016

Inimigos internos do Espiritismo pedem fidelidade ao legado de Kardec. Ahn?!


Virou bagunça. O "espiritismo" brasileiro, de bases igrejeiras calcadas no Catolicismo jesuíta do Brasil colônia, fundamentado no Catolicismo medieval português, busca manter suas contradições severas, embora sinalize para posturas ainda mais ultraconservadoras e neo-medievais.

Hoje vivemos uma transição em que o "espiritismo" brasileiro se prepara para deixar a fase dúbia ("kardecismo" supostamente autêntico, mas com bases igrejistas) e assumir de vez a Teologia do Sofrimento, já que os "espíritas" sempre carregaram a herança do que havia de mais retrógrado no Catolicismo. O "espiritismo" assumiu, digamos assim, a "mobília" que deixou de ter serventia para a Igreja Católica propriamente dita.

Um livro lançado em 2015 ainda sinaliza a doutrina dúbia, o "roustanguismo sem Roustaing" que ainda deixa suas marcas no "movimento espírita". É o livro Vivendo o Evangelho, um engodo pseudointelectual que relança o fictício André Luiz através de um outro suposto médium, Antônio Baduy Filho e publicado pela editora igrejista IDE.

Em dois volumes, o suposto André Luiz investe numa engenhosa falácia, que é a de narrar as dificuldades que Jesus de Nazare e Allan Kardec tiveram para trazer seus pensamentos pioneiros para a humanidade. Isso pareceria correto se não fosse um detalhe: o "espiritismo" brasileiro é o "inimigo interno" que havia sido advertido ainda nos tempos em que estava vivo o professor lionês.

O "inimigo interno" é definido com outro nome: "adversário íntimo". E aí o discurso fica uma beleza: advertir para que a arrogância e a negligência de cristãos e espíritas não provoquem divisões e prejuízos à divulgação do Espiritismo no planeta. Diz um trecho:

"(...) O Mestre da Boa Nova e o Professor da Nova Revelação colheram adversários declarados, durante a missão sublime de anunciar e restabelecer as verdades divinas.

De nossa parte, guardemos vigilância e fidelidade aos ideais, para que não nos transformemos, por negligência ou arrogância, em adversários íntimos da causa que abraçamos, recordando que Jesus foi traído pelo discípulo do Evangelho e Kardec tem sido negado por aqueles que mais dizem honrar a Codificação Espírita".

Se observarmos bem as coisas, veremos que o livro evoca um suposto espírito que, independente de ter sido ou não uma ficção (hipótese dotada de provas, como o fato de Nosso Lar ter sido plágio de um livro de um reverendo britânico), representa justamente um dos símbolos maiores de todo o processo de traição feito pelo "movimento espírita" ao legado de Allan Kardec.

"ANDRÉ LUIZ" DIVULGOU IDEIAS ESTRANHAS A ALLAN KARDEC

Em outras palavras, Vivendo o Evangelho, de Antônio Baduy Filho, é um livro em que o traidor tenta condenar a traição, e é risível que ele fale em "adversário íntimo" e pedisse para as pessoas "observarem" as suas próprias fraquezas e erros. De repente o suposto André Luiz passou a vestir a fantasia de Erasto e "denunciar" a própria deturpação do "movimento espírita".

Não se trata de autocrítica. Afinal o livro segue a "saudável orientação" de toda uma linhagem lançada por Francisco Cândido Xavier. Sabe-se que o mito "André Luiz" aponta indícios de ter sido inventado a partir de um plágio de Nosso Lar sobre o livro A Vida Além do Véu, de George Vale Owen, e de elementos de ficção científica e pseudociência trazidos por sugestões dadas por Valdo Vieira, então pré-adolescente, e depois parceiro de Chico Xavier na "série André Luiz".

Enquanto no "simpático" livro de Baduy o "André Luiz" expressa sua "preocupação" com os traidores da Doutrina Espírita, sabe-se que as obras que levam seu nome revelam muitos aspectos estranhos ao legado deixado por Allan Kardec.

Um deles é o da "colônia espiritual". Allan Kardec afirmou, em suas obras, que não havia a menor possibilidade de supor o que é um mundo espiritual, mesmo em hipóteses plausíveis. O mundo espiritual é um enigma que até hoje se mantém insuperável, pela falta de estudos sérios e rigorosos à luz da Ciência.

Mas "André Luiz" apostou na "colônia" ou "cidade espiritual", usando a ficção "mediúnica" do reverendo Owen, e com Chico Xavier provavelmente acolhendo as sugestões do adorado fã Waldo Vieira, fã de quadrinhos de ficção científica.

O problema é que a "cidade espiritual" foi construída, não fosse suficiente a partir de outra fonte literária, mediante convicções materialistas: hospitais imponentes e luxuosos, bosques verdejantes e floridos, animais domésticos e passarinhos, crianças brincando, pessoas usando pijamas brancos, lanchonetes oferecendo sucos e alimentos saudáveis, pátios ao ar livre com orquestras etc.

A ideia, justamente daqueles que deturpam a Doutrina Espírita - e Chico Xavier foi o pior desses deturpadores - , é criar uma analogia ao "paraíso católico" (embora a "cidade" de Nosso Lar seja, mediante algumas interpretações, o "purgatório") no "movimento espírita", com um objetivo que parece "bonito" no balé das palavras belas de seus pregadores, mas é muito cruel.

Afinal, usa-se o "paraíso" como forma de fazer apologia às desgraças humanas. O "espiritismo" é ainda mais cruel com o sofrimento humano quando tenta fazer juízo de valor (o mito dos "resgates morais" ou "reajustes espirituais") e adotar postura de descaso (a falácia de que "o sofrimento de uma encarnação inteira é nada diante do futuro de bênçãos da eternidade"), como se fosse moleza desperdiçar 80 anos de vida acumulando desgraças que só agravam as feridas da alma.

O "movimento espírita", para o qual Chico Xavier atuou em inúmeros embustes - um caso gravíssimo que incluiu até uma provável "queima de arquivo", através da estranha morte do sobrinho Amauri Xavier Pena - , quis mesmo criar um "prêmio simbólico" para quem aceitasse sofrer desgraças, achar ótimo perder entes queridos e trabalhar para patrões tirânicos, espécie de "gincana de superação": um suposto mundo superior que trouxesse os prazeres e fantasias reprimidos na vida corpórea.

O "André Luiz" foi um dos "instrumentos" para a traição da Doutrina Espírita feita no Brasil. Chico Xavier personificou com chocante exatidão o "inimigo interno" previsto por Erasto, embora, em vários trechos de O Livro dos Médiuns, as advertências parecem endereçadas também a Divaldo Franco.

Em todo caso, Chico e Divaldo puxaram todo um processo de traições e embustes no "movimento espírita", que as conveniências permitem total e espantosa impunidade. Vai o baiano José Medrado invadir um terreno para construir sua "Cidade da Luz", explorar crianças carentes, difundir preconceitos sociais nas palestras e falsificar quadros sem medir escrúpulos em usar uma única assinatura para diferentes "autores espirituais" e ninguém mexe com ele.

O "movimento espírita" brasileiro é hipócrita, ao pedir fidelidade e vigilância contra as traições. Sendo os próprios traidores que pregam isso, é uma atitude deplorável que merece o mais rígido repúdio.

Os traidores insistem em usar Erasto em causa própria, fazendo-nos esquecer que Erasto, quando falava dos "inimigos internos" (ou "adversários íntimos") da Doutrina Espírita, estava na verdade falando de Chico Xavier, Divaldo Franco, José Medrado, André Luiz, Emmanuel, Joana de Angelis e outras figuras igrejistas que transformaram o legado kardeciano numa grande bagunça.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O topo da pirâmide apodrece


A roupagem financeira, jurídica e midiática, aparentemente, tornou-se suficiente para que forças retrógradas recuperassem o poder e buscassem a retomada de antigos privilégios de maneira supostamente tranquila.

No entanto, é como embalsamar um cadáver em começo de estado de decomposição. O odor incômodo passa, o cadáver parece preservado e pronto para simbolizar sua história para a prosperidade. Mas não é assim que acontece.

No Brasil, sob a aparente "tranquilidade institucional" que cerca o governo de Michel Temer, passeatas intensas e greves acontecem contra a chamada "PEC do Teto" ou "PEC dos Gastos Públicos", um maligno projeto de congelamento de investimentos públicos permitirá ao governo dar mais dinheiro aos ricos do que aos pobres, já que os juros da dívida pública, altíssimos, não serão sequer congelados.

Nos EUA, foi só surgir a notícia da inesperada vitória eleitoral do empresário Donald Trump, ideologicamente alinhado a movimentos ultraconservadores, para eclodirem passeatas diversas. A retomada do poder da chamada plutocracia não está sendo fácil. Forçar a volta ao passado é sempre complicado.

Há surtos de movimentos reacionários e retrógrados que permitem a catarse violenta que permite até mesmo manifestações de racismo, com internautas ignorando que podem ir para a cadeia por fazer comentários maldosos sobre negros. E ainda reagem com "KKKKKK" quando são advertidos disso.

As pessoas que antes se relacionavam a antigas tendências dominantes, hoje em começo de declínio, tentam a todo custo fazer a marcha-a-ré histórica, um processo que é feito à força a ponto das elites já não mostrarem mais a compostura de antes.

No governo Temer, dá para perceber a prevalência de políticas antipopulares, prejudiciais à população, propostas, aprovadas e legitimadas politicamente, sob o respaldo de uma Justiça cada vez mais irregular e uma mídia cada vez mais mentirosa e enganadora. E ainda se fala que estamos em "impressionante normalidade institucional".

Racistas, machistas, elitistas, obscurantistas religiosos, tecnocratas, magnatas, entre outros setores sociais em que o dinheiro, a fama, a idade, a supremacia racial, o diploma e a visibilidade e o gênero são atributos de pretensa superioridade humana que começam a decair de forma surpreendente.

Sem retomar o poder e os privilégios por suas próprias qualidades, mas movidas por campanhas de ódio cego e intolerância aos avanços sociais, os setores ultraconservadores da sociedade e seus antigos privilegiados começam a mostrar seus pontos fracos diante da retomada forçada do poder, com um apetite maior do que a fome.

No machismo, além da surreal tendência de haver um maniqueísmo interno entre as "mulheres-objetos" que reagem contra as "rainhas do lar" e o pacto social que faz com que o paradigma da mulher independente e comedida fosse sempre vinculado a um marido poderoso, há o lado criminal dos feminicidas com medo de sofrer sua própria tragédia, num meio em que machistas cuidam menos da saúde e são um perigo constante no volante.

Se achando no direito de vida e morte sobre as próprias mulheres, que podem ser mortas até antes dos 30 anos, os feminicidas conjugais, vulneráveis à própria tragédia causada pelas pressões emocionais consequentes dos crimes violentos, empurram essa mesma sina com a barriga, como se observa no estranho moralismo plutocrático que pede "morte aos petistas" mas se arrepia nos nervos quando se fala que feminicidas velhos ou mesmo relativamente jovens podem falecer a qualquer momento.

É uma sociedade com moralismo seletivo, que tem uma Justiça também seletiva, como se vê na Operação Lava Jato, extremamente confusa e irregular. O gráfico de Power Point do procurador Deltan Dallagnol tornou-se uma gafe vergonhosa mas ele, protegido pelo status da profissão e por ser evangélico, escapou de maiores arranhões.

A grande mídia, cada vez mais mentirosa e caluniadora, como se observam o Jornal Nacional da Rede Globo, a revista Veja, os jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo e, mais recentemente, a revista Isto É, mostram o quanto o status empresarial, combinado com uma visibilidade midiática, estão se mostrando cada vez mais decadentes.

A grande mídia desenha um mundo fictício e força a sociedade a acreditar nesse mundo como se fosse real. Noticiando ao sabor de suas conveniências e dos interesses comerciais, a mídia plutocrática a cada vez mais está distante de seus compromissos de transmitir informação, serviço e formação de opinião com transparência, isenção e objetividade.

Se a decadência do status quo faz o alto da pirâmide estremecer, mesmo nas classes médias as famílias veem a deterioração de valores. Por conta do status etário, pais e mães complicam as vidas dos filhos, através de perspectivas viciadas, com os pais pedindo aos filhos sacrifícios descomunais para vencer na vida, como se o sacrifício tivesse mais importância que a meta a ser atingida, e as mães se comportando como bulas humanas sempre dizendo aos filhos o que se deve ou não fazer.

O próprio "espiritismo", que parece se regojizar em supor que a plutocracia cairá e ele ficará inteiro para a posteridade, também está caindo. Sem poder desmentir seu vínculo com a Teologia do Sofrimento e suas raízes fundamentadas não em Allan Kardec, mas no Catolicismo jesuítico medieval português, os "espíritas" fazem todo um malabarismo de palavras bonitas para se manterem em posse da verdade, mesmo pregando valores cada vez mais retrógrados.

Velhos moralismos, velhos pragmatismos, velhos conceitos burocráticos, tecnocráticos, midiáticos, profissionais, sociais etc estão perecendo e há um medo enorme em ver tais conceitos obsoletos ou inválidos. Existe até o medo de cancelar a pintura padronizada nos ônibus do Rio de Janeiro, hipótese necessária e urgente, mas combatida por um engodo de argumentos pretensamente técnicos e burocráticos.

É um velho mundo, sobretudo um velho Brasil, que se recusa a sair de cena. É o bolor que não quer ser removido pelo fungicida, um cadáver em estado de decomposição que, insatisfeito em ser embalsamado, quer ser considerado vivo e saudável. A forçada retomada dos setores retrógrados da sociedade pode ter tido seu relativo êxito, mas a conta será cobrada pelas circunstâncias de quem imagina que o futuro garantirá a volta dos velhos privilégios e supremacias. Só que não.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A moral seletiva no Brasil


Um homem de notável status social, de 44 anos e que havia assassinado sua mulher no final dos anos 90, crime que chocou o país mas terminou em impunidade, faleceu de infarto fulminante em seu apartamento há alguns dias.

Ele estava sentado em na poltrona, em sua sala, vendo televisão às 20 horas, e um seriado que mostra uma experiência de vida que lembrou a falecida esposa lhe causa um extremo mal estar, que lhe atinge o coração de maneira violenta. Tenta em vão mudar o controle remoto, mas o infarto é forte demais e, quando ele levanta para pegar algum remédio ou calmante, desmaia e cai.

Na manhã seguinte, o porteiro do prédio estranha que o homem não tenha descido para comprar pão e fazer a conversa matinal de sempre. A faxineira que costuma fazer limpeza nos andares do prédio notou um cheiro desagradável no apartamento do falecido feminicida, que lembra o de um cachorro morto apodrecendo na rua, e corre para avisar o porteiro. Tentam meios de abrir a porta da casa e encontram o corpo do homem, já morto e em começo de decomposição.

Suponhamos que este óbito seja fartamente noticiado nos jornais, sendo os telejornais mostrando imagens de arquivo do último julgamento que garantiu a liberdade condicional do finado e fotos da mulher que ele matou, uma só dela, em 3X4 e outra ao lado do marido-assassino.

Tudo seria natural não fosse a reação, em níveis kafkianos, da sociedade conservadora. Internautas não acreditando no óbito, achando que é mentira pois o rapaz era novo e parecia saudável. Machistas homens e mulheres se revoltando com a tragédia. Gente dizendo que o rapaz "estava reconstruindo sua vida" e lamentando. Algum atrevido perguntando se o rapaz foi envenenado ou se suicidou, embora os laudos médicos indiquem que foi, sim, um infarto.

Isso é chocante mas condiz ao contexto de moral seletiva do Brasil em que vivemos. A sociedade crer que, de dois cidadãos que maltratam sua saúde, o que matou a própria companheira é o menos vulnerável ao infarto (quando, por razões óbvias, é o contrário) em relação a outro indefeso, ou que noticiar o falecimento de um feminicida conjugal iria provocar a falência de um fabricante de armas, é algo absurdo, mas constante em nosso país.

E isso é apenas um caso extremo. Há também o de tecnocratas endeusados por impor medidas antipopulares para a população, ou corruptos dos mais traiçoeiros sendo vistos como "políticos honestos" só porque eles não são vinculados a um partido de esquerda ou a um movimento camponês ou proletário.

A sociedade brasileira passou a viver um surto de uma parcela de brasileiros que expõem preconceitos morais e sociais aqui e ali. A retomada reacionária abriu uma caixa de Pandora da sordidez humana, que, vale lembrar, não é de todos os brasileiros e nem da maioria deles, mas é de uma parcela que, embora minoritária, é influente e dominante na opinião pública.

É um contexto em que pessoas pedem a morte de petistas, mas se arrepiam só de perceber que assassinos, sobretudo os conjugais, também morrem um dia (e, se morrem, a imprensa também se arrepia em dar alguma notícia). Ou de pessoas que preferem a redução de salários e o fim de direitos trabalhistas para combater a recessão econômica. Ou de pessoas que preferem corruptos tecnocratas do que esquerdistas de elevada competência técnica e consciência social profunda.

E tudo isso sem falar de que essa parcela da sociedade defende uma reforma educacional que prefira difundir fantasias religiosas do que debater os problemas da realidade, vistos como "doutrinação ideológica" por um projeto intitulado Escola Sem Partido que não define como doutrinação o proselitismo religioso. Ou o desejo de parte da sociedade em ver a privatização e desnacionalização das empresas públicas brasileiras e a entrega de nossas riquezas ao estrangeiro também é notório.

Temos uma moral seletiva na sociedade ultraconservadora que retomou o poder. Sem verificar a realidade, as pessoas fazem julgamentos de valor nos quais os beneficiados são sempre alguém que detém alguma vantagem social, do poder político ao prestígio religioso. Se pessoas chegam ao ponto de se sentirem ofendidas ao serem informadas que assassinos impunes podem morrer por descuidos de saúde ou pelas pressões emocionais motivadas por seus crimes, então alguma coisa está errada.

Isso para não dizer o recreio vazio do WhatsApp e da banalização dos youtubers para gerações imbecis que promovem até competição de asfixia e mutilação entre os jovens. E um mercado literário que foge do Conhecimento e prefere apostar em livros de autoajuda, de besteirol, de religião, de livros para colorir e tudo que fuja de qualquer compromisso do saber e das informações que escapam do controle do mercado e da mídia.

Recentemente, um dos ministros do governo Michel Temer, Geddel Vieira Lima, foi denunciado por pressionar o ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, a autorizar a construção ilegal (ainda não realizada), embora autorizada pelo IPHAN baiano (num deslize em relação às obrigações técnicas do órgão) de um edifício de 30 andares.

A denúncia daria origem a um escândalo de corrupção, mas como Geddel não é ligado ao PT, foi mantido no governo e tudo ficou na mesma, porque o político baiano é "necessário" para a estabilidade política e a governabilidade. As mesmas desculpas já haviam sido dadas sobre Romero Jucá, promovido a líder do governo Temer no Senado, meses depois dele revelar um plano para obstruir as investigações da Lava Jato contra o referido senador.

Há uma combinação de nostalgias diversas - sobretudo em relação aos anos "moderados" da ditadura militar, durante o governo do general Ernesto Geisel - e uma raiva diante das transformações profundas vividas no país, onde novos agentes sociais começaram a alcançar conquistas sociais e terem voz e capacidade de decisão no cotidiano brasileiro.

Se aproveitando de uma crise econômica motivada pelo capitalismo estrangeiro, inventaram que o PT criou a corrupção no país - por mais que se descubra que a "gritante corrupção" foi, na verdade, obra do PSDB - e criou-se um sentimento catártico que abriu caminho para forças retrógradas retomarem o poder, não apenas através do governo Temer, mas também diante de episódios como o "congresso" do Movimento Brasil Livre e a invasão de grupos fascistas no Congresso Nacional.

O grupo neofascista, que pedia a volta da ditadura militar, se autoproclamava "inteligente" e "consciente das coisas", que uma manifestante do grupo invasor declarou que o Japão é um "país comunista" só por causa do vermelho do círculo que simbolizou o sol nascente. Ignora ela que o Japão é um país capitalista dos mais radicais, diga-se de passagem.

Temos esse momento surreal, em que pessoas tomam surtos de completa ignorância moral, alternando sentimentos de sadismo e masoquismo em defesa de um cenário sócio-político e econômico bastante conservadores, que beneficiem não necessariamente a sociedade retrógrada que respalda a plutocracia, mas um modelo de valores e procedimentos considerados "tradicionais" por aqueles que detém privilégios antigos que os conservadores querem que se preservem e respeitem, sem respeitar, no entanto, as novas demandas sociais dos últimos anos.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O Brasil em insegurança jurídica e política


O Brasil se encontra numa situação altamente vulnerável. Um golpe político trazido pela retomada autoritária e ultraconservadora de setores sociais representados pelo Poder Judiciário, Ministério Público, Poder Legislativo e pela grande mídia, traz uma roupagem de legalidade democrática que não se observa na prática.

O chamado "pacote anticorrupção", por exemplo, embora sinalize uma aparente esperança de fechar o cerco à corrupção política e administrativa, traz como grande erro a falta de debate com a sociedade e, entre outros equívocos, o de evocar "velhos fantasmas" da ditadura militar, como o fim do habeas corpus e da presunção de inocência, além de admitir provas ilícitas para investigação de esquemas de corrupção.

Isso acontece juntamente com propostas de crescimento econômico que nunca atingirão essa meta. A PEC do Teto, ou PEC dos Gastos Públicos, que havia sido a PEC 241 na Câmara dos Deputados e virou PEC 55 no Senado, propõe cortes ou congelamento de investimentos nos setores públicos, o que ameaça uma surpreendente porção de atividades ligadas à Educação e à Saúde e a uma série de benefícios previdenciários que serão também ameaçados pela reforma previdenciária.

O Brasil passa por um período de obscurantismo social nos últimos seis meses. Empresários que deveriam ser processados e presos por promover trabalhos análogos à escravidão estão impunes e ainda dão entrevistas defendendo esse padrão de trabalho como se fosse "necessário" para disciplinar as classes trabalhadoras e equilibrar os orçamentos e os salários. Tudo falácia, mas é aplaudida de pé por setores reacionários da sociedade que de repente voltaram a estar em alta.

A situação é típica de uma obra do surrealismo literário. Há uma catástrofe política, econômica e social em andamento e as pessoas estão tranquilas e felizes. Os políticos que retomaram o poder à força, destituindo Dilma Rousseff sem motivos concretos e comprovados, acumulam escândalos gravíssimos (repetindo: GRAVÍSSIMOS) e tudo fica nisso mesmo, com eles comandando o processo político, sob o apoio não só resignado mas esperançoso de setores influentes da sociedade.

O Brasil está numa situação extremamente delicada. A Justiça representada pelo Poder Judiciário e Ministério Público mostra sua prepotência, seu autoritarismo e sua interpretação parcial - tanto no sentido incompleto quanto na seletividade social - , o Legislativo corrupto fingindo "transparência e competência" e a grande mídia divulgando mentiras e praticando sensacionalismo barato, deveriam trazer aflição extrema para as pessoas.

Quem entende a situação compara o atual momento do país como um avião de passageiros onde ocorre uma briga violenta na tripulação dentro da cabine de comando. É como se dentro desta cabine piloto, co-piloto e comissários de bordo trocassem socos, pontapés e seus corpos se esbarram nos painéis, manipulando os botões de forma aleatória e acidental.

O país está sob sério risco e as pessoas vão para as praias e praças felizes trocar piadas umas com as outras. Famílias pedindo para filhos serem mais simpáticos e sorridentes para as pessoas. Gente indo para shoppings, lanchonetes, boates como se vivessem o melhor dia de suas vidas, quando a catástrofe deixa o país em situação imprevisível.

Há uma série de retrocessos que lembram o começo da ditadura militar, entre 1964 e 1966. Há crises que lembram o colapso econômico de 1974-1985. A violência dos assaltos, o feminicídio e o crime organizado, lembram os períodos mais sombrios dos anos 1970 e 1980, retomando a convulsão social que dizima muitas pessoas, independente de classe econômica e social.

Querer bancar o "perseverante" e o "otimista" diante de um período desses, fingindo admitir que o caos existe mas "tudo vai melhorar em seguida" é muito perigoso. A manutenção desse cenário calamitoso não vai representar um céu de brigadeiro posterior a uma tempestade de intensas trovoadas, chuvas fortes e vendavais. É mais fácil as tormentas se seguirem a um terremoto devastador.

Talvez seja hora das pessoas começarem a questionar as estruturas de status quo viciadas que dominam o país e que não largaram o poder mesmo nos 13 anos de governos do PT. Hora de questionarmos a tecnocracia, a gerontocracia, a burocracia, o machismo, o patriarcalismo, o prestígio religioso, o poder da grande mídia etc.

É a partir dessas "cracias" e "ismos" que estão as estruturas arcaicas cuja podridão deverá ser combatida e não preservada. A sociedade deverá abrir mão dos velhos tesouros para salvar a humanidade, questionando o abuso das leis, do poder, da fama, do dinheiro, da técnica ou mesmo da fé religiosa. Derrubar totens antes tidos como unanimidades, se preciso. Abrir mão de velhos tesouros que perderam o valor, antes que os brasileiros paguem o preço caro demais pelo doentio apego.

sábado, 19 de novembro de 2016

Invasão de fascistas na Câmara dos Deputados é alerta para o Brasil


Na tarde do último dia 16, um grupo de mais de 800 manifestantes chegou em Brasília e 50 deles invadiram o plenário da Câmara dos Deputados - um deles conseguiu passar pelos detectores de metais, porque portava um revólver - para atrapalhar os debates sobre o "pacote anti-corrupção" na referida casa do Legislativo.

Eles derrubaram vidros, agrediram seguranças e outras pessoas à frente, e, gritando louvores a Sérgio Moro, pediam a chegada de um general ao local e reivindicavam intervenção militar no país. Estúpidos e agressivos - embora vários de seus integrantes sejam gente adulta que deveria ter consciência de seus atos - , eles ainda cometeram gafes, como uma delas definindo o Japão como "país comunista", quando o país é um dos que levam o capitalismo às últimas consequências.

São pessoas que usam os mesmos argumentos da extrema-direita. Fascistas, eles queriam a volta da ditadura militar, se servindo do eufemismo "intervenção" para definir o golpe. Se dizem "sem organização definida", mas foram financiados por um empresário que bancou a excursão e a permanência dos "ativistas".

Eles são a facção extrema dos manifestantes que pediam o "Fora Dilma" até pouco tempo atrás. Estão insatisfeitos com os retrocessos sinalizados pelo governo de Michel Temer - que defende a chamada PEC do Teto ou PEC dos Gastos Públicos (que foi PEC 241 e hoje é PEC 55) para reduzir drasticamente os investimentos para a Educação, Saúde e Asistência Social, deixando o Brasil à penúria - e querem um governo ainda mais autoritário e elitista.

Os invasores chegaram a serem detidos, mas foram liberados. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), condenou a invasão de defendeu a prisão dos delinquentes, mas tudo ficou nisso mesmo. A grande mídia reacionária se esqueceu que influenciou os invasores por causa das campanhas de ódio anti-PT de tempos atrás e "condenou" a invasão.

QUAL A ÓTICA "ESPÍRITA"?

O episódio serve de alerta para o crescimento de movimentos fascistas no Brasil, algo que não deve ser visto como uma brincadeira de moleques provocadores. Em Niterói, já foram vistos colados nas paredes de locais públicos panfletos de uma tal "International Klans", que pode ser um grupo fascista nos moldes da Klu Klux Klan que atua clandestinamente no Brasil.

A ação de "fascistas mirins" e os atos de intolerância social, seja por trolagem ou cyberbullying, além de ações racistas e machistas - recentemente voltou a onda de feminicídios de motivação conjugal - chama a atenção de um cenário sombrio que as pessoas não podem subestimar como sendo casos isolados ou ações extremas de poucas pessoas.

A situação do Brasil está absolutamente vulnerável, diante de uma Justiça seletiva, uma mídia mentirosa e uma classe política sem a menor confiabilidade. E um governante como Michel Temer, que chega a financiar jantares caros (usando dinheiro público) para pedir aos parlamentares o apoio à PEC que irá cortar os gastos públicos, quando estes se voltam para o interesse público. Para os ricos, tudo, para os pobres, nada!

O "espiritismo", desnorteado, não assume formalmente posição alguma, mas sinalizou apoio implícito ao governo de Michel Temer. Um sem-número de artigos e palestras pedia para pessoas que tivessem algum sofrimento ou dificuldade na vida aceitarem desgraças e infortúnios, abrindo mão de desejos e necessidades e vivendo "conforme o possível". Parecem falar da PEC do Teto, chamada de PEC do Fim do Mundo ou PEC da Morte (seria PEC do Além-Túmulo para os "espíritas"?).

O reacionarismo "espírita" já é conhecido pelas bases roustanguistas originais, e pelas posturas ultraconservadoras de Francisco Cândido Xavier, um católico ortodoxo, de ideias medievais e moralismo retrógrado, mas transformado em um semi-deus por causa das manobras da FEB e do apoio da grande mídia patronal.

Quem não se lembra da edição especial do programa Pinga Fogo, da TV Tupi de São Paulo, que no final de julho de 1971 mostrou um Chico Xavier defendendo a ditadura militar, que vivia sua fase ainda mais cruel, pedindo para que "orássemos pelos generais", porque eles "estavam construindo o reino de amor do Brasil futuro". Reino de amor? Com o sangue de muitos inocentes assassinados?

Recentemente, o "médium" Robson Pinheiro, um dos mais festejados do mercado literário atual, lançou livros como O Partido - Projeto Criminoso de Poder e A Quadrilha: Foro de São Paulo, que tentam justificar o anti-esquerdismo doentio do autor (que usa o nome do suposto espírito Ângelo Inácio) pela "influência dos planos espirituais". O conteúdo "coxinha" das duas obras não faria feio se lançadas, em capítulos esparsos, como folhetim nas páginas da revista Veja.

Corroborado pelo "Correio Espírita", o reacionarismo de Robson definiu as passeatas anti-PT como "libertadoras" e como "despertar da juventude" por um "novo Brasil", supostamente atendendo às recomendações de "benfeitores espirituais". O "movimento espírita" chegou a festejar tais passeatas como se fossem o "começo de uma fase de regeneração do Brasil", o que é uma incoerência.

Afinal, as passeatas foram movidas pelo ódio nas redes sociais. Um dos grupos organizadores tem o nome de Revoltados On Line (o "espiritismo" diz condenar a revolta). Nas passeatas, havia gente exibindo símbolos nazistas, pedindo a tal "intervenção militar", rogando para que esquerdistas fossem mortos e havia até mesmo um grupo de rapazes que baixou as bermudas, exibindo grotescamente seus glúteos ao ar livre, sem ter escrúpulos com o ridículo de seus atos.

É com base nessas manifestações de "libertação" e "regeneração" que se diz "intuída por espíritos superiores" que um grupo de pessoas praticou vandalismo e truculência e invadiu a Câmara dos Deputados pedindo a volta da ditadura militar. Gente movida por ódio estúpido e patético, contrariando as perspectivas dos "espíritas".

Isso é terrível e mostra que o Brasil não retomou a "normalidade institucional". Pelo contrário. Desde maio o Brasil está extremamente vulnerável, como um trem bala sem freio descendo uma ladeira e tendo perdido seu condutor. A retomada ultraconservadora revela tempos ainda mais obscuros, a não ser que haja um freio para conter essa multidão que pede retrocessos diversos para o país. É melhor que ocorra algo contra isso, antes que seja tarde demais.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

As ilusões do prestígio religioso


Quantas ilusões levianas repousam nas mentes de religiosos tão felizes no seu prestígio, na sua pretensa humildade, no balé das lindas palavras que saem de seus lábios que se julgam tão puros? Quanta mansuetude serve de máscara para vaidades e ambições tão perniciosas?

O "movimento espírita", que é o movimento religioso que mais se beneficia pela blindagem da mídia e da Justiça humana, é marcado pelo aparato da mais profunda humildade, da mais generosa bondade e da mais infinita paciência e perseverança, suficientes para ocultar, como num revestimento isolante, o seu pérfido caráter medieval e seu conservadorismo extremo.

O "espiritismo" cada vez mais se volta para a Teologia do Sofrimento, e, se sempre foi distante de Allan Kardec, com toda a bajulação feita a sua pessoa e seu legado e todos os artifícios para dar respaldo a essa adulação, hoje se aproxima cada vez mais do imperador Constantino, o pai do Catolicismo medieval, e já não consegue esconder isso.

Tantas e tantas palestras, tantos textos, tantas publicações e seminários mostram que os "espíritas" estão muito mais preocupados em pedir para os sofredores em geral aguentarem desgraças, mudar totalmente os planos de vida arduamente estabelecidos e aceitar virar um brinquedo das circunstâncias adversas.

Isso é Teologia do Sofrimento. É a corrente medieval da Igreja Católica que sofreu uma retomada com Teresa de Lixieux, no século XIX, e mais tarde com Madre Teresa de Calcutá. No Brasil politicamente correto, ninguém assumiu essa teoria de maneira explícita, mas identificamos ideias da Teologia do Sofrimento nas obras de Francisco Cândido Xavier.

Chico Xavier disse, com suas próprias palavras, para a pessoa sofrer amando, ou seja, aceitar o sofrimento humano. E sofrer sem mostrar o sofrimento aos outros, dando a impressão de que é sempre feliz. É o mesmo apelo que se viu nos católicos que pregam a Teologia do Sofrimento, que é a ideia de ver a desgraça humana como um atalho para o "céu".

É chocante revelar isso para as pessoas, mas o Brasil virou uma caixa de Pandora nos últimos anos. A ilusão de cordialidade e generosidade foi derrubada pelos surtos de ódio e reacionarismo profundo capazes de eleger figuras obscurantistas como a família Bolsonaro, de tendência fascista. Casos de machismo, racismo e homofobia também se tornaram práticas comuns no Brasil e, em certos ambientes, socialmente aceitáveis.

Portanto, o Brasil vive seu momento surreal, quando as mais diversas forças retrógradas reconquistam o poder e tentam fazer o país regredir no tempo, não mais no habitual atraso que fazia os brasileiros só assimilarem as novidades com uma defasagem média de 15 anos, mas uma marcha a ré proposital feita para restauração de antigos privilégios e hierarquias sociais.

E os "espíritas", que se consideram portadores da "palavra final", vivem no seu "mundo feliz" em que se desenha um paraíso de contos de fadas chamado "colônias espirituais", com gatinhos e cachorrinhos pulando e pessoas vestindo pijamas bem branquinhos que nunca se sujam, num cenário que combina relvas de um verde forte e vivo, com lindas árvores e, em volta, prédios modernos com a imponência de grandes edifícios comerciais ou residenciais.

Eles é que acham que sua doutrina é a "religião da bondade", se vangloriam em não ter os vícios que mancharam ou mancham católicos e evangélicos, se sobressaem com uma roupagem de despretensão e simplicidade que é ótima para uma Rede Globo utilizar como mershandising religioso para combater a escalada da Igreja Universal após ser eleito um "bispo" desta seita para a Prefeitura do Rio de Janeiro.

O "espiritismo" brasileiro, no entanto, é a pior religião devido ao fato da desonestidade doutrinária. É um dos poucos movimentos ideológicos que na prática romperam com o legado original de seu precursor, Allan Kardec. Nem o marxismo viu tantas rupturas, com exceção do stalinismo e regimes associados no Leste Europeu, que romperam com Marx ao preferir um regime militaresco com estatismo totalitário sem trazer os benefícios sociais que o socialismo original defende.

A desonestidade doutrinária é comprovada pela preferência original a Jean-Baptiste Roustaing em detrimento ao pensamento original de Allan Kardec. Como no Brasil costuma-se descartar encrenqueiros que "vão longe demais" - vide o caso recente do deputado Eduardo Cunha - , veio a fase dúbia que, durante anos, combinava o igrejismo com bajulações a Allan Kardec, um "roustanguismo sem Roustaing" travestido de falsa filosofia ou pseudo-ciência.

Durante esse tempo, o verniz de simplicidade e humildade escondeu uma fogueira de vaidades. O fato antes inédito do culto à personalidade que beneficiava supostos médiuns, como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, mas também tantos e tantos outros, como recentemente o "curandeiro" João Teixeira de Faria, o João de Deus, e o "coxinha" Robson Pinheiro, que tenta estabelecer vínculos entre o reacionarismo de Veja com o plano espiritual.

O arrivismo de Chico Xavier, que adaptou o roustanguismo à realidade brasileira mas nunca assumiu abertamente seu vínculo com o autor de Os Quatro Evangelhos, o fez tornar o patrono da fase dúbia do "movimento espírita", e personificou com exatidão as ilusões que o prestígio religioso trazem a seus detentores.

Chico Xavier, bem antes do conterrâneo Aécio Neves, foi um dos poucos cidadãos que cometeram irregularidades gravíssimas que foram beneficiados pela mais absoluta impunidade, não apenas a da Justiça dos homens, mas a chamada impunidade social, quando o impune por um crime que cometeu (o de Chico Xavier foi falsidade ideológica) passa também a ser querido pela sociedade.

O que Chico Xavier fez, por exemplo, com o nome de Humberto de Campos está entre as coisas mais deploráveis que se viu na História do Brasil. Embarcar num nome bastante popular, mas com fama secundária, para produzir, sob o nome do falecido autor, obras que lhe escapam do estilo original, e usar a "bondade" como desculpa para validar tais obras, é assustador na forma como se deu o desfecho: absoluta impunidade e apoio dos próprios familiares do autor.

Mestre em técnicas ilusionistas como hipnose e leitura fria, Chico Xavier está mais para um fenômeno perverso de neurolinguística do que para um benevolente símbolo de mediunidade e filantropia. Isso é fato, mas, quando se trata de um ídolo religioso, não há convicções. Vide Deltan Dallagnol e seus esquemas toscos de Power Point.

Ele manipulou os familiares de Humberto de Campos se valendo de sua aparência de "humildade" e "fragilidade", como um caipira esperto que inventa um drama para obter fiado do vendedor de um armazém, bastando apenas caprichar no coitadismo. Como mineiro, Chico Xavier foi o que mais "comeu quieto" para alcançar tudo no seu arrivismo religioso. Há quem pense que ele é até "cientista", pasmem todos!

Com a mãe, Ana de Campos Veras, Chico Xavier a seduziu explorando seu ponto fraco de mãe saudosa do filho morto. Com o filho, o cético Humberto de Campos Filho, falsas cartas de Humberto de Campos caprichando no tom paternal e um convite para ir a um "centro espírita" em Uberaba, assistir a uma doutrinária e ver senhoras cozinhando sopas e um idoso doente de comportamento abobalhado.

São manipulações da mente humana, para os quais os brasileiros se tornam bastante vulneráveis. Só no Brasil há uma ojeriza, uma raiva contra a capacidade de raciocinar e questionar as coisas, de exigir lógica, transparência, coerência.

Sob a tentação do deslumbramento religioso, tão perigosa quanto as piores orgias sexuais e entoxicantes, criam-se barbaridades como acreditar que "o amor está acima da lógica" e que se pode usar até falsidade ideológica para transmitir "recados de fraternidade" e "mensagens de amor". Aqui "amor" e "bondade" podem ser cúmplices de tantas mentiras e falsidades!

E essa ilusão religiosa torna-se terrível, criando nos seus ídolos uma ilusão de superioridade que equivale à arrogância dos ricos mais levianos. É como se os "espíritas" tivessem uma fortuna invisível e possuíssem gozos mundanos imaginários, tesouros que não existem nos níqueis da Terra, mas se encontram em "paraísos fiscais" criados em "colônias espirituais", riquezas fictícias porque não materiais, e nem por isso menos levianas ou menos traiçoeiras.

Quantos "espíritas", tão iludidos com seu revestimento de "boas energias", que escondem um perverso moralismo religioso ultraconservador, calcado na herança medieval do Catolicismo jesuíta do Brasil colonial (a verdadeira base doutrinária do "movimento espírita"), sonham com solenidades no mundo espiritual, sem perceber o choque violento que sofrerão e que os jogarão para um lugar que eles entendem como o "umbral"!

Imaginamos Divaldo Franco, já no fim da vida, acreditando ingenuamente que voltará à "pátria espiritual" sob uma cerimônia imponente, com as autoridades do Universo lhe oferecendo medalhas e diplomas, corais de anjos entoando cantigas de amor e paz, autoridades discursando sobre a obra do "médium" e Jesus Cristo dando como encerrada a reunião, chamando o baiano para se deslocar para o banquete eterno dos puros.

Quanta ilusão. Sobretudo vinda de um "médium" que cometeu o agravante de transmitir para o resto do mundo o que Chico Xavier transmitiu em território nacional, as deturpações violentas da Doutrina Espírita, crescendo a erva daninha do roustanguismo enrustido, fazendo as pessoas desprezarem os alertas do espírito Erasto sobre os inimigos internos do Espiritismo, inimigos estes que dominaram tanto a Doutrina que se julgam agora seus donos e seus "melhores representantes".

Só a defesa de uma palhaçada chamada "crianças-índigo" que, pelo seu sensacionalismo mercenário, custou o divórcio do casal que desenvolveu essa farsa, já revela o equívoco do pseudo-sábio Divaldo, o "maior filantropo do Brasil" que não ajudou 0,1 % da população de Salvador e, quanto mais, do país inteiro.

A ilusão religiosa que protege esses ídolos, que usa a desculpa de que "pelo menos eles ajudaram muita gente" (sem, no entanto, esclarecer como e se realmente ajudaram), é muito mais leviana do que mil orgias, e é uma ilusão que cria um sensualismo sem sexo, uma ganância sem bens materiais, uma vaidade travestida de simplicidade, um arrivismo socialmente aceito e que, por isso mesmo, traz consequências muito mais chocantes para quem vive dessa ilusão.

Daí que os seguidores de Chico Xavier demonstram completa fúria e desespero descomunal quando são contrariados. Uns até disfarçam com um discurso "benevolente" que mais parece ironia, enquanto os corações explodem de profundo rancor e desequilíbrio espiritual, de gente que se diz "iluminada",  "desapegada" e "desobsediada", mas demonstra ser o extremo oposto disso tudo.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Por que a bondade se reduziu a um teatro elitista?


Por que a bondade, rebaixada a um subproduto da religião (seja que crença for, mas sempre algum movimento religioso), virou um teatro elitista? Pobres e doentes resignados e quase debiloides, sem voz e sem vez, enquanto há apelos para perdoarmos algozes, tiranos, carrascos e assassinos como se os tivesse livrando de sofrer os efeitos de seus atos?

Devemos analisar essa ideia de bondade que traz todo um exército de belas palavras e toda uma antologia de belas imagens, num discurso de beleza plena que deixa as pessoas tranquilas e felizes mas que, não obstante, revelam realidades cruéis e uma complacência com as verdadeiras injustiças morais que vivemos e nunca superamos.

A "caridade" exaltada por muitas pessoas nem de longe consegue resolver as injustiças sociais que vivemos. E é patético haver pessoas que exaltam uma atitude filantrópica por ela ser feita por ídolos religiosos bastante festejados e celebrados.

Nas redes sociais, houve o caso de um religioso que exaltou o projeto pedagógico da Mansão do Caminho, de Salvador, organizada por Divaldo Pereira Franco, considerado "maior filantropo do Brasil" sem no entanto atingir 0,1% da população da capital baiana, quanto mais em relação a todo o país.

O internauta entusiasmado, que sempre arrumava desculpas para endeusar Divaldo Franco - tão "ativista" que, diante da crise política que vive o Brasil, pediu apenas para "rezar", "solução" não muito diferente de um Silas Malafaia da vida - , parece o que o famoso compositor Osvaldo Montenegro descrevia do pescador que "amava mais a rede que o mar".

O internauta não via a quantidade de beneficiados, que se pudesse justificar o termo de "maior filantropo" para Divaldo, teria que ter sido infinitamente grande. Não valem os "beneficiados" que ouvem as palestras verborrágicas, em que Divaldo, com uma retórica retrógrada, digna dos velhos demagogos da República Velha, despeja igrejismo e insere bobagens como crianças-índigo que na verdade foi uma farsa esotérica criada por um casal dos EUA visando ganhar mais dinheiro.

A restrição da bondade a um subproduto da religião mostra o quanto a sociedade está muito, muito atrasada. E o "espiritismo" é uma das religiões mais atrasadas do mundo, porque não passa de uma reciclagem do Catolicismo medieval que insere resíduos de outras religiões só para se passar por "moderna", "futurista" e "ecumênica".

Nesse simulacro de altruísmo que é o modelo religioso de "bondade", observa-se que os assistidos nunca têm voz nem vez, são pobres e doentes tratados como se fossem animais domésticos. Selvagens domesticados, diga-se de passagem.

Por outro lado, temos que compactuar com o egoísmo alheio, servirmos aos algozes que cometem abusos contra nós, e acharmos que isso é "caridade" e "humildade". Ser humilde com o egoísmo alheio não é sinal de vitória nem superação. É sinal de inferiorização humana, de subjugação.

Essa ideologia da "caridade" que faz tantas pessoas desperdiçarem lágrimas de uma comoção movida pelas conveniências, por um discurso religioso que mais parece um conto de fadas, segue essa linha de dois pesos e duas medidas: o sofredor sofre sem reclamar, o algoz tem que ser poupado de críticas.

A Teologia do Sofrimento está muito mais presente no imaginário religioso do que se imagina. A combinação de desgraçados conformados com sua situação e algozes tranquilizados em seus abusos é vendida para a opinião pública como se fosse um "equilíbrio" para o "bem-estar moral de todos", mas é uma paz forçada que apenas põe as injustiças debaixo do tapete.

E é isso que dá um tom elitista à "bondade" exaltada pela "boa sociedade". Aquela "bondade" que, em tese, "agrada a todos". Uma "bondade" que não passa de uma subsidiária da empreitada religiosa, que não mexe nas injustiças e apenas evita os efeitos mais drásticos, e disfarça o desequilíbrio social forçando os desgraçados a aceitarem o sofrimento e evitando os algozes a sofrer o peso de seus atos. Um falso equilíbrio que nada tem da verdadeira ajuda ao próximo.

domingo, 13 de novembro de 2016

Bondade não é cúmplice da fraude e da mentira


O "espiritismo" tem dessas coisas. Doutrina que no Brasil deturpou o legado de Allan Kardec através da aceitação de ideias do mistificador Jean-Baptiste Roustaing, que, como um "Eduardo Cunha" da Doutrina Espírita, foi descartado como pessoa, mas suas ideias preservadas na sua essência.

Como o governo Michel Temer preservando os conceitos retrógrados propostos ou apoiados por Eduardo Cunha, mesmo sendo este abandonado pelo presidente, o "espiritismo" que nominalmente e formalmente abandonou Roustaing manteve as "pautas-bombas" do roustanguismo que tentou transformar a Doutrina Espírita num engodo igrejista ultraconservador.

Não foi preciso usar o nome de Roustaing porque a FEB resolveu dar um jeitinho, um legítimo "jeitinho brasileiro". Chamou Francisco Cândido Xavier para adaptar detalhe por detalhe da obra roustanguista para o contexto brasileiro, o que completou o trabalho de deturpação da Doutrina Espírita, ignorando os avisos de Erasto.

Erasto avisava dos perigos da desonestidade doutrinária: textos empolados, supostas mensagens de amor, ênfase nas "boas coisas", misticismo, ideias fantasiosas, discurso envolvente. Infelizmente, essas armadilhas foram aceitas pelo "movimento espírita" no Brasil e ocorrem impunemente, usurpando nomes de falecidos ilustres.

Tudo isso é permitido. "Centros espíritas" que usam os nomes de Carlos Chagas, Auta de Souza e Humberto de Campos, pastiches musicais que usam o crédito indevido de Renato Russo são gravados e lançados no YouTube, obras literárias que usam os nomes de Getúlio Vargas e outros famosos por puro sensacionalismo, pessoas anônimas que têm suas tragédias prolongadas porque um "médium" inventou uma mensagem e botou no crédito do ente querido falecido.

Tudo isso, infelizmente, é praticado livremente, como se os "espíritas" fossem os donos dos mortos. Fraudes aberrantes são feitas aqui e ali, e a Justiça não mexe um dedo contra. Para piorar, se existe algum esforço de investigação, os "espíritas" partem para a carteirada ou para o vitimismo para dizerem que "estão sendo perseguidas pelo julgamento severo dos homens da Terra".

Fica muito fácil. Imagine alguém que possui um prestígio social. Decide então inventar um romance, para vender livros, e, querendo ganhar dinheiro, usa o nome de um falecido. Enche o enredo de lições moralistas, procurando caprichar nos "ensinamentos de misericórdia e fraternidade" e, pronto. Pode-se usar levianamente o nome de um morto, mesmo que não condiga ao estilo original dele, e se o farsante possui prestígio e é formador de opinião, tudo bem.

Não há uma punição, os juízes nem investigam. E há quem ache tudo autêntico, apenas porque as obras "falam de coisas boas" e "não" poderiam ser desonestas por isso, mesmo quando são observadas distorções graves de estilo ou aspectos pessoais em relação ao que os falecidos haviam sido ou deixado em vida.

Houve uma tentativa da Justiça acolher uma fraude literária, nada menos que o caso Humberto de Campos, usurpado por Francisco Cândido Xavier, numa das piores farsas literárias que os juízes, por uma simples bobeira, deixaram passar, favorecendo o mito do anti-médium mineiro que cresceu como uma bola de neve, fazendo com que ele passasse para a posteridade com um status de "dono da verdade" e "semi-deus".

O mais aberrante, o mais deplorável e o mais preocupante é que Chico Xavier, que sempre apresentou irregularidades em suas obras atribuídas à autoria de gente morta, seduziu familiares de Humberto de Campos através de "cartas bondosas" que eram comodamente aceitas, sem um pingo de desconfiança.

Primeiro, foi a mãe de Humberto, Ana de Campos Veras, da qual Chico Xavier usou sua esperteza para explorar o ponto fraco daquela senhora, que é a saudade do filho morto. É como tirar doce das mãos de uma criança, a astúcia teve o resultado esperado, conquistando uma vítima com algumas palavrinhas doces.

Segundo, foi o antes desconfiado Humberto de Campos Filho. que havia sido um dos autores do processo judicial contra Chico e a FEB, que depois desconversou sobre as razões da petição e aceitou aos poucos o empate judicial, desistindo de continuar recorrendo das sentenças.

Chico Xavier, esperto, chamou o filho do autor maranhense para visitar um "centro espírita" de Uberaba, em 1957, e dessa forma chamou Humberto Filho, a essas alturas jornalista e produtor de TV, ligado à TV Tupi de São Paulo que já estava complacente com o anti-médium, para ver as "obras de caridade".

Segundo relatou o próprio Humberto Filho no livro Irmão X, Meu Pai, Chico o levou para ver cozinheiras fazendo sopinha num galpão sem paredes - a sopa é um símbolo de caridade paliativa defendida por muitos brasileiros - e, depois, para ver um idoso doente num aposento. O idoso estava deprimido e se comportava de maneira patética, e Chico foi só sussurrar alguma coisa para o idoso depois sorrir de maneira debiloide para o visitante.

Isso tudo foi visto como "generosidade suprema", mas a verdade é que, através de Chico Xavier e seus seguidores, como Divaldo Franco, a ideia de bondade passou a ser usada para justificar práticas nada honestas do "espiritismo" brasileiro, quando a religiosidade permite qualquer fraude ou mentira, pastiche ou mistificação.

Na exposição recente sobre a "corrupção" do ex-presidente Lula, o procurador Deltan Dallagnol havia falado que "não tinha provas, mas tinha convicção", o que diz muito do caráter seletivo, parcial e pedante dos setores da Justiça brasileira.

Pois como, num país de tratamento desigual, como o Brasil, em que o Lula que prometia progressos sociais para o país é visto como "criminoso" e Chico Xavier, usurpador dos mortos, é visto como "espírito iluminado", também "não tem provas, mas tem convicção" de que as obras "mediúnicas" seriam "autênticas".

Só que a bondade, ao ser associada a práticas irregulares e bastante duvidosas, se mostra bastante perversa, anulando o sentido de bondade como uma virtude que não contradiz a honestidade. E é analisando esse ponto delicado que os "espíritas" querem sempre evitar os avanços do raciocínio questionador, com o medo de serem desmascarados pela sua desonestidade doutrinária e suas fraudes associadas.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

As elites dominantes e o medo das perdas iminentes


2016 será conhecido como o ano em que setores retrógrados da sociedade, que estavam associados a todo tipo de status quo, de uma simples faixa etária (ou seja, os mais idosos) ao machismo ou ao poder do dinheiro e do armamento.

Depois que a presidenta da República, Dilma Rousseff, foi definitivamente afastada do poder, depois que o então presidente interino Michel Temer, com apetite acima do aceitável, propôs inúmeros retrocessos políticos, desfazendo a marca da antecessora, outra surpresa desagradável foi a vitória do "azarão" Donald Trump, um dos ícones da extrema-direita estadunidense.

O surto reacionário que tomou conta do planeta não se ascendeu pelas qualidades positivas, mas por um clima de catarse que contagiou as classes dominantes que, com seu discurso apaixonado de "revolta contra tudo que está aí", uma espécie de diarreia moral de setores retrógrados ou antigos da sociedade que não representaram um sinal positivo de qualidade, muito pelo contrário.

Só a eleição de Donald Trump, por exemplo, revela o desprezo às inúmeras denúncias de mulheres que teriam sofrido assédio sexual do empresário. No Brasil, políticos comprovadamente envolvidos em corrupção simbolizam a "recuperação ética" e um projeto maligno de cortes de gastos públicos, a PEC do Teto, é festejado por setores da sociedade como um "projeto necessário e urgente para o crescimento do país".

Isso cria um cenário perigoso que já era manifesto por ataques racistas de internautas nas redes sociais, indiferentes ao fato de que o racismo é crime inafiancável, e o extremo reacionarismo dos chamados "fascistas digitais" e seu cyberbullying antecipou a tendência atual de pessoas retrógradas achando que podem tudo.

É um cenário perigoso até para mulheres, que no Brasil sofrem o horror de voltar os "crimes de honra", feminicídios moralistas movidos por ciúmes doentios, num contexto social em que ninguém, nem mesmo a imprensa, se prepara para as mortes de Doca Street (com histórico de tabagismo inveterado e consumo de cocaína no passado) e Pimenta Neves (diabético, com câncer na próstata e histórico de overdose de remédios).

É até irônico o medo que a sociedade machista e setores solidários têm em não ver Doca Street vivo para comentar os 40 anos do assassinato de Ângela Diniz, daqui a um mês. Há poucos dias, o músico Leonard Cohen, com a mesma idade de Doca, 82 anos, faleceu meses após lançar novo disco e declarar que estava pronto para morrer. De repente, matar uma namorada cria um "diferencial" para os assassinos, contra os quais qualquer hipótese de tragédia soa como um palavrão.

Os mesmos que pregam "morte aos petistas" se sentem ofendidos por serem informados que feminicidas também adoecem e morrem. Fácil é aceitar que mulheres morram aos 25, 30 anos assassinadas por seus maridos, mas difícil é aceitar que eles também morrem (em vários casos prematuramente) e são bem mais frágeis, até pelas fortes pressões emocionais que sofrem após o crime. No país que perde um Domingos Montagner, também não há garantia segura que os promotores Igor e detetives Pacífico da vida cheguem vivos aos 60 anos de idade.

Não se pode sequer se preparar para a perda dos "heróis" da plutocracia, mesmo os anti-heróis que cometeram crimes visando o "direito à propriedade", a "defesa da honra" ou mesmo uma simples demonstração de poder. Pelo menos, nos EUA, uma moça se fez de namorada do psicopata Charles Manson numa relação que depois se revelou uma pegadinha, com a jovem dizendo que só o namorou para montar um mausoléu dele, como se dissesse que psicopatas também podem morrer um dia.

Mas a sociedade retrógrada não quer perdas. Ela retomou o poder querendo demais, querendo retomar os antigos privilégios num apetite que nem mesmo em tempos reacionários como o macartismo nos EUA, nos anos 1950, ou o golpe de 1964 no Brasil, não mais com a compostura de seu reacionarismo cujas posturas extremas eram mais clandestinas, como ordenar massacres de estudantes como em Tlatelolco no México, em 1968.

O apetite reacionário é comparável ao do nazi-fascismo alemão e italiano nos anos 1930. O clima de hoje é de uma retomada de setores conservadores numa combinação entre politicamente correto e politicamente incorreto, sem escrúpulos em criar rupturas legais e jogar fora conquistas sociais históricas nem em prevalecer no poder acumulando escândalos e gafes. De repente a moralidade tornou-se uma ficção e o que se vê são moralistas sem moral subindo facilmente ao poder.

O clima contagiou de tal forma que mesmo o "espiritismo" brasileiro, que muitos acreditavam ser uma doutrina de vanguarda, a cada vez mais assume, não no discurso, mas pelo menos na prática, sua inclinação à Teologia do Sofrimento, e sinaliza seu apoio ao conservadorismo sócio-político atual, simbolizado pelas obras recentes do "médium" Robson Pinheiro, que tenta atribuir um anti-petismo doentio de seus romances reacionários às "intuições espirituais".

O problema é que, se os setores ultrarreacionários da humanidade retomaram o poder à força, muito menos por suas virtudes e mais por uma catarse ultraconservadora doentia, isso significa que defeitos muito mais acentuados se mostram existentes e até surpreendentemente comuns que fazem com que os atributos de superioridade social mostrassem qualidades opostas a tais posições.

A questão da superioridade da idade, do dinheiro, do poder econômico, do poder político, da fama, do diploma, da visibilidade, do prestígio tecnocrático, do prestígio religioso, revela-se cada vez mais uma grande ilusão, na qual seus detentores fazem tudo para prevalecer seus interesses e pontos de vista, sem perceber a transformação profunda dos tempos.

De grisalhos senhores que se comportam como moleques birrentos defendendo velhas convicções a políticos que cometem graves atos de corrupção (como Romero Jucá, um dos "homens fortes" do governo Temer) e permanecem no poder impunemente, passando por ídolos religiosos que, com seu balé de palavras bonitas, se esforçam sempre para ficar com a palavra final em tudo, as elites parecem viver seu momento de plenitude, mas não com inabalável segurança.

Elas são sustentadas pela combinação entre a resignação social da maioria da sociedade, o poder financeiro das grandes empresas, a atuação tendenciosa das leis que favorecem os privilegiados e uma estrutura midiática que estabelece um padrão dominante de agir, pensar e querer a ser determinado à sociedade em geral.

Até pelo fato de que a plutocracia (o "universo" que envolve todo tipo de status quo no contexto atual, que vai de moralistas religiosos a delinquentes digitais) não reconquistou o poder com qualidades positivas e sua qualidade moral e pragmática é pior do que antes, quando o moralismo, por mais sanguinário que secretamente seja, era um pouco mais elegante, o cenário atual é de incertezas até para os protagonistas do momento reacionário de hoje.

Mais impulsivos e permissivos em suas atrocidades, os plutocratas são mais gananciosos e nem todos concordam com tudo. Há direitistas LGBT e outros homofóbicos. Há direitistas na mídia que condenam o cyberbullying, mesmo vindo de reacionários anti-PT. Neopentecostais e "espíritas" podem ser igualmente conservadores, mas religiosamente não se bicam, praticamente só se unindo em causas como a reprovação de aborto, mesmo para casos de gravidez sob estupro.

As qualidades que permitiram a retomada ao poder já estão também gerando disputas de egos, arrogância e imprudência extrema, teimosias e retrocessos tão graves que assustam até alguns conservadores convictos. Além disso, posta à situação "marginal", as forças progressistas começarão a reagir massivamente pela Internet e por passeatas, e uma pequena amostra nisso está em curso no Brasil de Michel Temer.

Escolas ocupadas por estudantes dos quais não se esperava uma reação contra a PEC do Teto - já intitulada PEC da Morte ou PEC do Fim do Mundo pelos cortes de gastos a serem feitos em duas décadas - e juristas e economistas sérios divulgando na Internet os gravíssimos e devastadores equívocos a se esperar da "gloriosa ponte para o futuro" do governo Temer.

Portanto, os reacionários reconquistaram o poder à força e se acham numa momentânea plenitude de seus atos e perspectivas. Mas pela falta de qualidades positivas eles também se tornam vulneráveis, até de maneira pior do que os esquerdistas que foram expulsos do poder.

A tragédia da plutocracia está em forçar a ganância e o conservadorismo para onde os novos tempos e novas demandas não permitem mais, e forçar uma volta ao passado dessa forma trará aos plutocratas uma tragédia sem precedentes, pois o perecimento de um mundo no qual eles julgam ser eterno está se avançando rapidamente, sem controle.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O "espiritismo" brasileiro e a "força" que fraqueja


Já dissemos que alguma coisa estranha chama a atenção. Os "centros espíritas", no Brasil, costumam estar localizados em lugares de profunda decadência, o que não pode ser uma coincidência nem uma casualidade.

Em Salvador, por exemplo, o "centro espírita" Paulo e Estêvão, frequentado por um público em maior parte aristocrático, vindo da Pituba, Caminho das Árvores, Ondina e Rio Vermelho, se situa na beira do perigoso "triângulo da violência" dos bairros de Nordeste, Santa Cruz e Vale das Pedrinhas. Recentemente, o bairro do Vale das Pedrinhas teve seu acesso fechado por causa de intenso tiroteio.

A localização de "centros espíritas" em lugares perigosos é tida pelos seus defensores como um "meio de trazer luz a locais miseráveis e degradantes", o que, em tese, poderia ser uma hipótese plausível e dotada de coerência, se não fosse a natureza decadente do "movimento espírita" em nosso país.

O "movimento espírita" tem como sua prática maior a desonestidade doutrinária. A coisa ficou pior ainda, porque, pelo menos em outros tempos, a herança de Jean-Baptiste Roustaing (espécie de "deputado Eduardo Cunha" do Espiritismo) era bem mais assumida.

Só por causa de um chilique de roustanguistas menores e ligados a federações regionais, como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, com a cúpula da FEB, depois que o dirigente Luciano dos Anjos denunciou que Divaldo começou sua "mediunidade" plagiando livros do já plagiador de carteirinha Chico Xavier, veio a postura dúbia que vigora no movimento há pelo menos 40 anos.

Hoje a desonestidade doutrinária se torna ainda mais cínica e escancarada, na medida em que se promove o falso equilíbrio entre o cientificismo de Allan Kardec e o igrejismo roustanguista, já sem o nome de Roustaing sendo pronunciado e talvez até desconhecido de muitos "espíritas".

E é isso que traz energias negativas, que pegam de surpresa até quem se delicia com seus postulados medievais. Uma reciclagem do lixo medieval descartado pela Igreja Católica, um lixo que remete ao pior do Catolicismo jesuíta do Brasil colonial, resulta nesse mercado das "palavras de amor" que adoça almas e envenena vidas e traz mau agouro para muitas e muitas pessoas.

As contradições em que se envolve o "movimento espírita" trazem essas energias maléficas. Isso choca muita gente, que se recusa a admitir isso, acha que as más energias surgem "por acaso" e imaginam que o "espiritismo" brasileiro só traz "luz e paz". Mas, paciência, contradições graves trazem energias confusas e, não obstante, malignas.

E a gente observa também o quanto os "espíritas" dizem e desdizem o tempo inteiro. Dizem valorizar a ciência, mas impõem limites para o pensamento científico, impedindo-o de questionar a fé religiosa. Apelam para que a opinião pública e até o meio jurídico aceitem as pretensas psicografias (plágios e pastiches ligerários), psicopictografias (pastiches de artes plásticas) e psicofonias (falsetes) como se fossem autênticas apenas pela suposta mensagem fraternal que transmitem.

Isso faz até mesmo o movimento ter desentendimentos internos. A tese da "data-limite" de Chico Xavier, por exemplo, não é defendida por todos os adeptos do "bondoso médium". Pelo contrário, há quem ache tudo isso um blefe para autopromoção de alguns "espíritas". Outro dado a observar é que a Teologia do Sofrimento, pregada por Chico Xavier, não é corroborada por José Medrado, que defende a Teologia da Prosperidade, inspirada nos neopentecostais.

E aí vemos a contradição maior: a "força" que fraqueja. Ver uma figura tão festejada como Divaldo Franco, nos momentos de crise, se limitar a pedir para "orarmos", é deplorável. Neste sentido, ele se iguala ao terrível Silas Malafaia, que pediu a mesma coisa. Divaldo fala para os ricos e nunca teve coragem de fazer qualquer cobrança a eles para o combate às desigualdades sociais.

O "espiritismo" aliás tem essa omissão. Promove uma "caridade" que nunca ajuda de verdade, nunca traz resultado profundo algum, mas apenas a resolução superficial da miséria extrema e da ignorância total, com efeitos meramente paliativos e limitados, sem mexer nas estruturas de injustiças sociais que permanecem intatas.

O "espiritismo" se diz "forte" mas fraqueja. Nos tratamentos espiritiais, os pacientes contraem mais azar e adversidades piores do que as que sofreu antes e os "espíritas" dizem que tais tratamentos "deram certo", mas os "irmãozinhos pouco esclarecidos" (eufemismo para espíritos obsessores) simplesmente "se sentem incomodados e querem atrapalhar".

Não existe isso da coisa "dar certo" quando dá errado. Se a coisa dá errado, é porque não deu certo. Nos tratamentos espirituais, e o paciente contrai mais azar, mais infortúnios e mais ciladas do que antes, simplesmente esses tratamentos fracassaram, deram errado, resultaram em um grande prejuízo. Num país um pouco mais sério, desculpas assim dariam num grande processo por danos morais, que obrigaria os "espíritas" a darem uma grande soma financeira como indenização.

A profecia da "data-limite" é um outro exemplo maluco. Tanto Chico Xavier e suas testemunhas, como Geraldo Lemos Neto, quanto Divaldo Franco, se enrolaram nas alegações de que a Terra passará por regeneração ou por conflitos entre o Bem e o Mal.

Contraditoriamente, chegam a dizer que a Terra passa por regeneração e atingirá o ponto de luz em tal ano. Chega tal ano e nada acontece. Tão "fortes" e "triunfantes", os "espíritas" usam como desculpa o fato de que os tais "irmãozinhos pouco esclarecidos" impediram o trabalho, e por isso a tão prometida entrada na prosperidade foi adiada para outro ano.

É a mesma coisa com os "centros espíritas". Localizados em áreas de alta periculosidade, ou em lugares de práticas abjetas - o Irmã Rosa, em Niterói, é vizinho a um circuito de bares, redutos da mais doentia embriaguez - , essas instituições usam como pretexto a "disposição" de "melhorar" tais lugares.

Mas esses lugares não melhoram e, muitas vezes, até pioram. Tão marcadas pela influência "iluminada" dos "maiores médiuns" Chico Xavier e Divaldo Franco, lugares como a cidade mineira de Uberaba, cidade adotiva do primeiro, e o bairro de Pau da Lima, em Salvador, onde fica a Mansão do Caminho do segundo, são redutos de miséria e violência em índices bastante preocupantes.

Sejamos diretos e sem enrolação. Se o "espiritismo" tivesse mesmo a força que diz ter, tudo isso teria sido resolvido prontamente. Mas não. Em vez disso, os "espíritas" demonstram fraqueza, porque o próprio movimento optou por uma performance contraditória, como se fosse um sub-Catolicismo à paisana, e essas contradições atraem as piores energias espirituais, e o próprio consentimento "espírita" a isso só o faz permitir que as energias malignas prevaleçam.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Divaldo Franco e a Escola Sem Partido


O "movimento espírita" apoia a Escola Sem Partido. Um projeto educacional que diz rejeitar a "doutrinação" da ideologia esquerdista, do pensamento crítico e da compreensão questionadora da realidade, mas que sempre acolhe a doutrinação religiosa, diante do respeito dado à formação religiosa dos alunos, que devem ser preservadas intocáveis por essa proposta.

A Escola Sem Partido, idealizada por Miguel Najib e pelo senador Magno Malta, tem origem evangélica, sendo oficialmente lançado em 2004 mas já proposto no Congresso Nacional em 1996. É um projeto que, na prática, retoma os antigos paradigmas educativos que vigoraram até o começo da década de 1950. O projeto foi acolhido pelo Ministério da Educação do governo Michel Temer e será aproveitado pela reforma do ensino médio proposta por seu governo.

Eram padrões pedagógicos em que o ensino era hierarquizado. O professor era visto como um aristocrata do saber e os alunos, submissos aprendizes de lições anódinas que serviam apenas para a vida prática dentro dos limites da sociedade conservadora. Nada de pensar criticamente o mundo, mas, quando muito, usar o raciocínio apenas para resolver cálculos matemáticos ou fórmulas de equações químicas ou físicas.

Mas muito do projeto Escola Sem Partido condiz, e muito, no pensamento do "movimento espírita". As ideias encontram afinidade no pensamento de Emmanuel e também se encaixam no projeto educacional da Mansão do Caminho, de Divaldo Franco.

O trecho a seguir, do tema Importância da Evangelização Infantil - Seara Infantil (os termos "evangelização" e "seara" são jargões católicos), Divaldo Franco se dirige à cúpula da Federação "Espírita" Brasileira, trazendo argumentos que possuem surpreendente afinidade com a Escola Sem Partido, já que as semelhanças programáticas com base nos argumentos dos defensores da ESP são impressionantemente expícitas.

Nota-se que tanto Divaldo Franco descreve a "doutrinação" no sentido religioso, tarefa que é aceita pela Escola Sem Partido, embora num discurso mais sutil. A ESP defende que crenças religiosas sejam preservadas, por mais fantasiosas que sejam. E o projeto educacional da Mansão do Caminho segue a doutrinação religiosa, ensinando coisas como as "crianças-índigo", uma analogia sutil à ideia católica da "profecia do menino Jesus".

Portanto, a "doutrinação" que se condena, nesse projeto pedagógico, é a evocação de personalidades esquerdistas - como Ernesto Che Guevara ou mesmo o ex-presidente Lula - e de novos fatores sociais, como a formação de famílias cujos pais são do mesmo sexo. Isso é visto como "doutrinação esquerdista" e "manipulação política" pelos defensores da Escola Sem Partido, que segue uma orientação mais conservadora.

Vejamos alguns trechos do manifesto de Divaldo Franco, reproduzidos da seleção feita pelo seu seguidor Orson Peter Carrera. O conteúdo das ideias de Divaldo apresenta uma contundente afinidade com a reforma educacional do governo Michel Temer e com o ideário da Escola Sem Partido que a gente até pergunta se esse projeto também não seria "espírita".

05. Existem condições mínimas para que alguém possa desempenhar a tarefa de evangelização? Quais seriam?

Não pretendemos estabelecer regras de comportamento doutrinário, que já se encontram muito bem apresentadas no corpo da Doutrina Espírita, e, em particular, na excelente página “o homem de bem” e a seguir “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec.

Não obstante, a pessoa que deseje desempenhar a tarefa de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil deve possuir conhecimento da Doutrina Espírita e boa moral como embasamento para a tarefa que pretende. Como necessidade igualmente primordial, deve ter conhecimentos de Pedagogia, Psicologia Infantil, Metodologia, sem deixar à margem o alimento do amor, indispensável em todo cometimento de valorização do homem. Aliás, a programação para a preparação de evangelizadores infanto-juvenis tem tido preocupação em oferecer esses elementos básicos nos encontros e Cursos que são ministrados periodicamente em diversas regiões do país sob a orientação da FEB.

06. Que papel cabe aos espíritas de um modo geral, isto é, àqueles que não atuam diretamente na Evangelização Espírita Infanto-Juvenil, para o crescimento e maior êxito dessa tarefa?

O de divulgar este trabalho importante, estimulando os pais para que encaminhem, quanto antes, os seus filhos à preparação e orientação evangélico-espírita, de modo a contribuírem significativamente para os resultados que todos esperamos. Da mesma forma, exemplificarem, levando os filhos às aulas hebdomadárias e mantendo, no lar, a vivência espírita, que ainda é a melhor metodologia para influenciar mentes e conduzir sentimentos.

07. Que orientação os Amigos Espirituais dariam aos pais espíritas em relação ao encaminhamento dos filhos à Escola de Evangelização dos Centros Espíritas?

Informa-me Joanna de Ângelis que, na condição de pais e orientadores, temos a preocupação de oferecer a melhor alimentação aos filhos e aos nossos educandos; favorecê-los com o melhor círculo de amigos; vesti-los de forma decente e agradável; encaminhá-los aos melhores professores, dentro da nossa renda; proporcionar-lhes o mais eficiente médico e os mais eficazes medicamentos quando estejam enfermos; conceder-lhes meios para a manutenção da vida; encaminhá-los na profissão que escolham... É natural que, também, tenhamos a preocupação maior de atendê-los com a melhor diretriz para uma vida digna e um porvir espiritual seguro, e esta rota é a Doutrina Espírita. Portanto, encaminhemo-los às Escolas de Evangelização dos Centros Espíritas, ou, do contrário, não estaremos cumprindo com as nossas obrigações.

08. Que recursos poderiam ser, ainda, acionados para expandir a tarefa de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil?

Maior e mais constante contato entre evangelizadores e pais, a fim de os conscientizar da alta responsabilidade que a estes últimos diz respeito, pedindo ajuda e num intercâmbio frequente, já que ambos são interessados na formação moral e espiritual da criança e do jovem. Seria, também, muito válido, que os resultados da Evangelização Espírita Infanto-Juvenil fossem mais divulgados nos Centros Espíritas e se insistisse mais na colocação de que todo bem feito à infância se transforma em bênção no adulto.

sábado, 5 de novembro de 2016

A onda de retrocessos do Brasil dos últimos tempos


O Brasil está passando por uma situação extremamente delicada. As elites estão felizes, porque o cenário político do PT, contra o qual reagiram com rancor acima dos limites socialmente imagináveis, praticamente se encerrou. E isso com o agravante de que se tratam de elites supostamente esclarecidas, bem educadas e pacíficas.

Afinal, desde que o governo Dilma Rousseff entrou em crise, o que se viu foi a sensação de uma parcela da sociedade em se achar no direito de defender os mais assustadores preconceitos sociais: defendem valores machistas, homofóbicos, racistas (apesar de tal postura ser considerada crime inafiancável) e até mesmo escravagistas.

A catarse coletiva, que vem de onde não podemos imaginar, que é de uma sociedade supostamente organizada e civilizada, é ainda comandada por uma grande imprensa que passou a mentir, por um sistema jurídico que manipula as leis conforme interesses escusos e por movimentos religiosos que preferem apelar para as pessoas aguentarem desgraças em prol das "bênçãos futuras".

É um Brasil inseguro, vulnerável, abusivo, um verdadeiro caos. É como se a sociedade brasileira sofresse uma infecção generalizada combinada a um câncer em estado terminal. E o que mais assusta é que as elites são justamente as que reagem felizes ao atual momento, achando que já estão recuperando o glamour perdido, vivendo seu entretenimento com "alegria" e "positividade".

Não há como pensar em "positividade" num cenário desses. É muito fácil pensar em jardins floridos, coraçõezinhos pulpitantes, botar ilustrações de pessoas alegres na relva abrindo os braços diante de um céu ensolarado, quando temos a ameaça de cortes nos investimentos públicos que simplesmente farão as despesas familiares se estrangularem cada vez mais.

A hipocrisia de uns e a boa-fé de outros, que apoiam essa sociedade ultraconservadora, esse "mundo cão" que se é obrigado a aceitar, que acham que o ministro da Fazenda do governo Temer, Henrique Meirelles, virá no próximo mês fantasiado de Papai Noel para dar presentes para o pessoal que se mobilizou nas ruas pelo "Fora PT", é ilustrativa dos últimos tempos.

Pais que apoiam governos conservadores impondo a seus familiares cortes de gastos até do que é necessário, acompanhando, na vida doméstica, o propósito sombrio da PEC do Teto (PEC 241, transformada em PEC 55 na tramitação do Senado).

Em contrapartida, teremos o avanço da saúde privada em que as mensalidades não incluem tratamentos delicados e complexos de saúde, mas sempre incluem a "bolsa-granfino" para médicos de renome na alta sociedade adquirirem sua coleção de ternos e gravatas para circular nos eventos de gala ao lado de suas estonteantes esposas.

O cenário brasileiro de hoje é devastador. Isso não é exagero e nem é discurso de gente derrotista, catastrofista ou coisa parecida. Não é, portanto, relato de desesperançosos doentios, mas de gente realista, que vê a coisa rumar para ameaças cada vez mais sombrias, como a ascensão de grupos fascistas no Brasil.

A vitória eleitoral de Marcelo Crivella, "bispo" da Igreja Universal do Reino de Deus, e a provável tendência da Rede Globo se aliar ao "movimento espírita" para neutralizar o poder de Edir Macedo no berço da rede televisiva dos Marinho, revela que o cenário ultraconservador tende a se acentuar cada vez mais.

Inúmeros retrocessos sociais se observa desde que internautas combinavam campanhas coletivas de difamação contra gente que discordava de valores pré-estabelecidos, de modismos midiáticos trazidos pela mídia reacionária, arbitrariedades políticas impostas até na mobilidade urbana, a velhos valores de supremacia racial ou masculina.

Isso cresceu como bola de neve e o Rio de Janeiro, antes uma sedutora vitrine de novidades e inovações, passou a ser socialmente reacionário, comprovando, pelas urnas, a escolha de gente retrógada, como Eduardo Cunha, Jair Bolsonaro e seus familiares e, agora, Crivella. A cidade do "funk" e dos ônibus "padronizados" provou que hoje rejeita a diversidade e o progresso sociais.

Há preconceitos e intolerâncias no lado de cima da pirâmide social. Por boa ou má-fé. Por boa-fé, no caso de pais de família cobrarem demais dos filhos sacrifícios descomunais para vencer na vida, como se valorizasse mais o sacrifício do que a conquista de alguma meta. E, por má-fé, pelo interesse de defensores da PEC 241 de evitar benefícios para as classes populares.

No mercado de trabalho, existe o preconceito com pessoas de talento que não seguem estereótipos sociais dominantes. E nem quando se admite portadores de limitações físicas diversas se supera esse quadro, pois são apenas ações excepcionais, ou então movidas por ideais politicamente corretos ou visando abatimentos ou isençõs fiscais.

As elites é que sofrem a perda de privilégios e quer forçar a recuperação dos mesmos apelando para rupturas sociais diversas, que permitem transmitir calúnias, difamações, afrontas à lei, moralismos perversos, mistificações e tudo o mais.

No "espiritismo", por exemplo, a cada vez seus palestrantes estão perdendo os escrúpulos em fazer apologia ao sofrimento, usando o mesmo discurso dos partidários católicos da Teologia do Sofrimento, corrente católica apoiada por gente como Madre Teresa de Calcutá e que aos poucos começa a substituir a tendência dúbia, que era o "kardecismo autêntico" de conteúdo igrejista, vigente desde 1975.

As elites não querem ceder. É muito fácil as pessoas "de cima" cobrarem demais dos que estão em baixo. Mas são as elites que, no alto da "pirâmide", estão sujeitas às trovoadas sociais, e são elas que mostram suas graves crises, sua sordidez, sua imaturidade na meia-idade e na velhice, sua miséria na riqueza financeira, sua burrice sob diplomas, sua mentira disfarçada de informação, sua grosseria disfarçada pela etiqueta, sua perversidade sob o verniz da bondade etc.

As pessoas "de cima" é que têm mais que perceber o lado "de baixo", em vez de pedir de volta antigos privilégios, cobrar demais de quem não tem e criar ou apoiar barreiras sociais, abrir mão de lucros exorbitantes, não usar a religião para ter a posse da verdade e não usar o poder para governar apenas para uns poucos.

Se caso não ocorrer e as pessoas "de cima" não cederem de suas convicções, a crise pesará mais nelas, porque a instabilidade vivida pelos brasileiros pode prejudicar, em primeiro momento, os mais pobres e desfavorecidos, mas os efeitos a médio prazo atingirão, de maneira mais grave e sem controle, os privilegiados que se achavam portadores de alguma superioridade social. Não há como dar marcha-a-ré ao tempo.