sábado, 5 de novembro de 2016

A onda de retrocessos do Brasil dos últimos tempos


O Brasil está passando por uma situação extremamente delicada. As elites estão felizes, porque o cenário político do PT, contra o qual reagiram com rancor acima dos limites socialmente imagináveis, praticamente se encerrou. E isso com o agravante de que se tratam de elites supostamente esclarecidas, bem educadas e pacíficas.

Afinal, desde que o governo Dilma Rousseff entrou em crise, o que se viu foi a sensação de uma parcela da sociedade em se achar no direito de defender os mais assustadores preconceitos sociais: defendem valores machistas, homofóbicos, racistas (apesar de tal postura ser considerada crime inafiancável) e até mesmo escravagistas.

A catarse coletiva, que vem de onde não podemos imaginar, que é de uma sociedade supostamente organizada e civilizada, é ainda comandada por uma grande imprensa que passou a mentir, por um sistema jurídico que manipula as leis conforme interesses escusos e por movimentos religiosos que preferem apelar para as pessoas aguentarem desgraças em prol das "bênçãos futuras".

É um Brasil inseguro, vulnerável, abusivo, um verdadeiro caos. É como se a sociedade brasileira sofresse uma infecção generalizada combinada a um câncer em estado terminal. E o que mais assusta é que as elites são justamente as que reagem felizes ao atual momento, achando que já estão recuperando o glamour perdido, vivendo seu entretenimento com "alegria" e "positividade".

Não há como pensar em "positividade" num cenário desses. É muito fácil pensar em jardins floridos, coraçõezinhos pulpitantes, botar ilustrações de pessoas alegres na relva abrindo os braços diante de um céu ensolarado, quando temos a ameaça de cortes nos investimentos públicos que simplesmente farão as despesas familiares se estrangularem cada vez mais.

A hipocrisia de uns e a boa-fé de outros, que apoiam essa sociedade ultraconservadora, esse "mundo cão" que se é obrigado a aceitar, que acham que o ministro da Fazenda do governo Temer, Henrique Meirelles, virá no próximo mês fantasiado de Papai Noel para dar presentes para o pessoal que se mobilizou nas ruas pelo "Fora PT", é ilustrativa dos últimos tempos.

Pais que apoiam governos conservadores impondo a seus familiares cortes de gastos até do que é necessário, acompanhando, na vida doméstica, o propósito sombrio da PEC do Teto (PEC 241, transformada em PEC 55 na tramitação do Senado).

Em contrapartida, teremos o avanço da saúde privada em que as mensalidades não incluem tratamentos delicados e complexos de saúde, mas sempre incluem a "bolsa-granfino" para médicos de renome na alta sociedade adquirirem sua coleção de ternos e gravatas para circular nos eventos de gala ao lado de suas estonteantes esposas.

O cenário brasileiro de hoje é devastador. Isso não é exagero e nem é discurso de gente derrotista, catastrofista ou coisa parecida. Não é, portanto, relato de desesperançosos doentios, mas de gente realista, que vê a coisa rumar para ameaças cada vez mais sombrias, como a ascensão de grupos fascistas no Brasil.

A vitória eleitoral de Marcelo Crivella, "bispo" da Igreja Universal do Reino de Deus, e a provável tendência da Rede Globo se aliar ao "movimento espírita" para neutralizar o poder de Edir Macedo no berço da rede televisiva dos Marinho, revela que o cenário ultraconservador tende a se acentuar cada vez mais.

Inúmeros retrocessos sociais se observa desde que internautas combinavam campanhas coletivas de difamação contra gente que discordava de valores pré-estabelecidos, de modismos midiáticos trazidos pela mídia reacionária, arbitrariedades políticas impostas até na mobilidade urbana, a velhos valores de supremacia racial ou masculina.

Isso cresceu como bola de neve e o Rio de Janeiro, antes uma sedutora vitrine de novidades e inovações, passou a ser socialmente reacionário, comprovando, pelas urnas, a escolha de gente retrógada, como Eduardo Cunha, Jair Bolsonaro e seus familiares e, agora, Crivella. A cidade do "funk" e dos ônibus "padronizados" provou que hoje rejeita a diversidade e o progresso sociais.

Há preconceitos e intolerâncias no lado de cima da pirâmide social. Por boa ou má-fé. Por boa-fé, no caso de pais de família cobrarem demais dos filhos sacrifícios descomunais para vencer na vida, como se valorizasse mais o sacrifício do que a conquista de alguma meta. E, por má-fé, pelo interesse de defensores da PEC 241 de evitar benefícios para as classes populares.

No mercado de trabalho, existe o preconceito com pessoas de talento que não seguem estereótipos sociais dominantes. E nem quando se admite portadores de limitações físicas diversas se supera esse quadro, pois são apenas ações excepcionais, ou então movidas por ideais politicamente corretos ou visando abatimentos ou isençõs fiscais.

As elites é que sofrem a perda de privilégios e quer forçar a recuperação dos mesmos apelando para rupturas sociais diversas, que permitem transmitir calúnias, difamações, afrontas à lei, moralismos perversos, mistificações e tudo o mais.

No "espiritismo", por exemplo, a cada vez seus palestrantes estão perdendo os escrúpulos em fazer apologia ao sofrimento, usando o mesmo discurso dos partidários católicos da Teologia do Sofrimento, corrente católica apoiada por gente como Madre Teresa de Calcutá e que aos poucos começa a substituir a tendência dúbia, que era o "kardecismo autêntico" de conteúdo igrejista, vigente desde 1975.

As elites não querem ceder. É muito fácil as pessoas "de cima" cobrarem demais dos que estão em baixo. Mas são as elites que, no alto da "pirâmide", estão sujeitas às trovoadas sociais, e são elas que mostram suas graves crises, sua sordidez, sua imaturidade na meia-idade e na velhice, sua miséria na riqueza financeira, sua burrice sob diplomas, sua mentira disfarçada de informação, sua grosseria disfarçada pela etiqueta, sua perversidade sob o verniz da bondade etc.

As pessoas "de cima" é que têm mais que perceber o lado "de baixo", em vez de pedir de volta antigos privilégios, cobrar demais de quem não tem e criar ou apoiar barreiras sociais, abrir mão de lucros exorbitantes, não usar a religião para ter a posse da verdade e não usar o poder para governar apenas para uns poucos.

Se caso não ocorrer e as pessoas "de cima" não cederem de suas convicções, a crise pesará mais nelas, porque a instabilidade vivida pelos brasileiros pode prejudicar, em primeiro momento, os mais pobres e desfavorecidos, mas os efeitos a médio prazo atingirão, de maneira mais grave e sem controle, os privilegiados que se achavam portadores de alguma superioridade social. Não há como dar marcha-a-ré ao tempo.

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