domingo, 21 de agosto de 2016

Trote telefônico também consola?


A mediunidade é uma atividade desmoralizada e pouco confiável no Brasil. Pouco importa se pregadores religiosos acreditam o contrário, que muitas pessoas de boa-fé insistam na autenticidade de muitos trabalhos desse tipo, mas a verdade é que a prática, simplesmente, não existe.

As atividades ditas mediúnicas passam a mil anos-luz de distância do Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos, e nem de longe seguiram as recomendações de cautela de Allan Kardec. Tudo não passa de meros trotes, nos quais o suposto médium cria uma mensagem, põe o nome do morto encomendado por alguma família e insere recados religiosos para afastar suspeitas de fraude.

Sim, porque ninguém iria se irritar com mensagens "boazinhas". Ninguém vai desconfiar de mensagens que, embora mostrem irregularidades nos aspectos pessoais, mostram apelos de "fraternidade" e "orações pela paz".

Mas isso é como um "Boa Noite Cinderela" feito sob a roupagem "espírita". Adoça os corações, alegra as almas, mas entorpece as consciências e, não raro, traz até azar em nossas vidas. E essa má escola mediúnica trazida pelo astuto Francisco Cândido Xavier não deve ser aceita. O status religioso não garante qualquer validade da autenticidade presumida sob o manto da fé.

Vamos deixar de ser infantis, já que as teimosias religiosas se tornaram tão grandes e intensas e a visão do status quo como uma analogia de divindades dentro e fora do âmbito religioso faz com que o Brasil despenque nos retrocessos políticos, culturais e econômicos que criaram condições para o decadente governo de Michel Temer, confiante em efetivar seu poder até 2018.

É por causa desses deslumbramentos da fé que os brasileiros aceitam até voltar ao regime escravo. As pessoas teimam em manter inabaladas reputações de gente pouco confiável, de Luciano Huck a Chico Xavier, passando por Jaime Lerner, MC Leonardo, Ivete Sangalo, Aécio Neves e outros que são feitos "deuses" na Terra, e olha o resultado: o Brasil preso no seu próprio atoleiro.

São teimosias piores do que as de crianças pequenas. Zonas de conforto que não podem ser destruídas. Que se dane o Brasil, preserve-se os "anéis humanos" em prejuízo dos dedos. E é isso que faz de um estranho católico paranormal e criador de pastiches literários, chamado Chico Xavier, ter sido elevado a um quase Deus, promovido a "dono da verdade absoluta".

ONDE TEM CONFUSÃO, NÃO HÁ COERÊNCIA

É preciso tão somente observação. Deixemos paixões religiosas de lado, sob pena de desenvolvermos o rancor diante da pressão de abandonarmos nossas ilusões. O próprio Jesus de Nazaré havia dito que "nem todos que dizem 'Senhor, Senhor' irão para o reino dos céus" e, dois milênios depois, as pessoas ainda ficam apegadas a ídolos religiosos de trajetória confusa e irregular?

Vamos observar o caso de Chico Xavier com muita cautela. Muitíssima cautela. Primeiro, se acostumando à ideia de que ele seria duramente reprovado por Jesus e por Allan Kardec pelos conhecidos deslizes que o anti-médium de Pedro Leopoldo e Uberaba fez em sua trajetória. Isso é chocante para muitos, mas é bem realista.

É só ver as coberturas da imprensa, sobretudo entre 1932 e 1970, época em que a trajetória do anti-médium era marcada de muita confusão. Seria ingenuidade dizer que essa confusão era efeito da suposta perseguição a um "homem de bem", até porque essa visão, que muitos acreditam ser verdadeira, se apoia tão somente em estereótipos do "caipira doente e bonzinho".

O mito de Chico Xavier sempre foi atropelado de confusões e contradições seriíssimas. É tolice acreditar que isso seja injustiça contra ele. O próprio Chico Xavier é responsável, direto ou indireto, de tantas confusões causadas. E as provas que se tem sobre as irregularidades diversas que o desqualificam, seja como médium ou filantropo, são tantas e consistentes que é burrice dizer que a bondade está acima da lógica e da coerência.

Aliás, para defender Chico Xavier, só mesmo sendo tolo e infantil (no pior sentido deste termo). Cai-se em contradição, dizendo que ele está "acima de qualquer lógica ou coerência", ou que ele "é a própria lógica e coerência personificadas". Não há argumentos que deem sentido seguro a tais teses e tudo isso não passa de desculpas para sustentar a cegueira da fé e da paixão religiosa.

O que ele fez em sua suposta mediunidade é algo de mais traiçoeiro, pernicioso e enganador que se pode fazer para multidões de brasileiros. Algo que é dos mais aberrantes e vis feitos sob o verniz da fé religiosa. E que fazem Chico Xavier não ser um ícone de caridade e amor ao próximo, mas um dos piores símbolos de arrivismo pessoal de toda a História do Brasil.

Pesquisemos o caso Humberto de Campos. Se confrontarmos as obras originais do autor maranhense com as do suposto espírito e lermos com muita e muita atenção, vendo a leitura não como um entretenimento vazio mas um lazer raciocinado e analisado, veremos, com uma exatidão surpreendente, que os estilos das obras originais e dos livros "psicográficos" são extremamente diferentes.

Desculpas de que o espírito do autor esqueceu seu talento tomado de "tanto sentimento de amor" ou que doou seu talento para a "caridade", se valendo pela "linguagem universal do amor" são completamente estúpidas e ridículas. Até porque, se essas desculpas tivessem sentido, os textos do "espírito Humberto de Campos" não seriam cansativos, prolixos e rebuscados.

Nota-se nas supostas "psicografias" que os parágrafos são longos demais, a narrativa pachorrenta, os temas por demais igrejeiros, sem falar que os livros são praticamente monotemáticos e, não raro, o falso Humberto de Campos "encampa" causas de interesse pessoal de Chico Xavier que, adepto fervoroso da medieval Teologia do Sofrimento, pedia aos desgraçados "nunca reclamarem da vida".

OSTENTAÇÃO

E quanto às "cartas mediúnicas"? A tarefa que muitos "espíritas" insistem em dizer que foi "a maior bondade de Chico Xavier" ou "a maior caridade que um homem pode fazer pelo próximo", é, na verdade, um dos atos mais perniciosos de exploração da boa-fé alheia e uma das piores crueldades na exploração sensacionalista da dor familiar.

Em primeiro lugar, porque são mensagens padronizadas, e as pessoas, deslumbradas pela fé religiosa, se esquecem de que as mensagens divulgadas por supostos médiuns sempre levam os estilos pessoais dos mesmos.

As de Chico Xavier sempre foram padronizadas, com o mesmo apelo igrejeiro, e quando pareciam diferentes havia um pano de fundo tendencioso por trás. Como, no caso dos livros "mediúnicos", o falso Humberto de Campos, a essas alturas escondido pelo risível pseudônimo Irmão X, "entrevistando" Marilyn Monroe em 1969, num suposto contato entre os dois espíritos falecidos, onde a lembrança do mito sensual amenizava o habitual estilo igrejeiro.

No caso de Jair Presente, nota-se que, depois do falecimento dele, em 1974, a primeira mensagem "mediúnica" a ele atribuída tem o mesmo estilo suavemente igrejeiro de Chico Xavier. Houve reclamações de parentes e amigos do jovem universitário, o que fez com que as mensagens seguintes tivessem uma diferença bastante surreal.

As mensagens seguintes mostravam um Jair Presente tresloucado, parecendo um hippie caricato, com um excesso de gírias que nenhuma linguagem coloquial normalmente comportaria e numa linguagem que, em princípio, soava muito tensa e, depois, retomava o igrejismo mesmo com esse coloquialismo postiço.

Os amigos de Jair Presente tinham toda razão de desconfiarem de tais mensagens. E, aí, Chico Xavier deixa cair a máscara do "todo bondoso" e "misericordioso", soltando uma maledicência, irritado, contra os amigos de Jair, chamando a desconfiança deles de "bobagem da grossa", tratando de forma ridícula os amigos do falecido, que tinham conhecimento de causa para tal desconfiança.

Muitas mensagens "mediúnicas" são assim. E muitas famílias caem nas armadilhas, o que mostra que nem sempre pais e mães conseguem conhecer a natureza complexa de seus filhos. E, o que é pior, as tragédias familiares, que poderiam se dissolver na privacidade, se prolongam na ostentação do sensacionalismo religioso.

Sim, religiosidade traz sensacionalismo, e o que se via eram reportagens e reportagens sobre famílias que perderam entes queridos, numa exploração pitoresca descomunal. As pessoas perdiam o sossego, sofriam o assédio de jornalistas, filas intensas se alongavam para o atendimento do popstar Chico Xavier, tudo acabava sendo uma mera propaganda deste "médium".

E tudo porque ele inventou mensagens, colheu informações de várias fontes, contou com colaboradores para a pesquisa bibliográfica e a "leitura fria". E se fosse um trote telefônico, ele também consolaria? Um trote com mensagens religiosas tem mais valor do que uma mensagem verídica de alguém? Pensemos nisso.

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