sexta-feira, 5 de agosto de 2016
Os retrocessos e a pressão do tempo
As elites, sabe-se, estão brincando com fogo, no Brasil. Pessoas querendo promover retrocessos, como se sentissem uma nostalgia doentia de tempos mais restritivos, parecem tranquilas com a ilusão de que a História do Brasil possa caminhar numa marcha-a-ré.
Diante do desgaste de paradigmas relacionados ao status quo, seja político, econômico, cultural, religioso etc, as pessoas acabam preferindo eliminar conquistas e avanços sociais para proteger seus totens e dogmas que já se encontram obsoletos ou em avançado desgaste.
Por isso, o Brasil é terreno propício para ataques terroristas ou para um clima de guerra civil. Segundo estudos da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), o país é o terceiro no mundo em assassinato de jovens (principalmente crianças e adolescentes), o que indica uma tendência perigosa para os brasileiros.
Grupos fundamentalistas existem nas mídias sociais, humilhando quem pensa diferente ou quem é diferente dos padrões sociais dominantes. Há fanáticos até por pintura padronizada nos ônibus (aberração que estimula a corrupção político-empresarial), quanto mais pessoas racistas, homofóbicas, machistas e valentões em geral.
Há desde gente encorajada em criar blogues de ofensas e calúnias, se apropriando de acervo pessoal da vítima (sejam seus textos, sejam fotos de família, por exemplo), até pessoas que fazem comentários racistas contra famosos. E, no meio do caminho, há valentões que aconselham os nerds a aceitarem periguetes siliconadas, sob a pena de serem chamados de homossexuais por esses truculentos, que já são também homofóbicos.
Tudo deixou de ser enrustido e os reacionários que antes vestiam a máscara de "progressistas" e "modernos", defendendo valores retrógrados como se fossem "liberdade" e "inovação", agora se mostram mais abertamente reacionários, obscurantistas, medievais fantasiados de surfistas, skatistas, punks, universitários, hippies, garotas com cabelos pintados de azul etc.
Diante desse quadro assustador, de vândalos digitais que, depois, vão para as ruas pedir "Fora PT" e despejar ódio contra famosos e quebrar portas de bancos etc, os "espíritas" parecem viver no mundo da lua e acabam considerando essa patota toda como "gente iluminada e politicamente conscientizada" disposta a "lutar contra tudo o que está aí".
Palestrantes "espíritas" acabam dando um tiro no pé definindo essas pessoas como "libertadoras" e "regeneradas" (não seria melhor dizer "degeneradas"?) furiosas quando há o aumento do salário-mínimo e outras medidas de inclusão social das classes pobres, mas tranquilas quando uma gangue de corruptos carreiristas toma o poder e é representada pelo governo do presidente interino Michel Temer.
Pessoas felizes porque Eduardo Cunha presidiu uma votação para abrir processo contra uma mandatária "insuportável". Pessoas felizes porque as leis trabalhistas serão rasgadas e o mercado de trabalho anuncia retrocessos futuros como o fim de encargos sociais, a queda do valor salarial, o aumento de horas de trabalho, o prolongamento da idade de aposentadoria, fora os temores de fim da carteira assinada e da licença-maternidade (a licença-paternidade já está "por um fio").
O tempo pressiona progressos e não retrocessos. E a tranquilidade das pessoas atinge níveis ao mesmo tempo surreais e masoquistas, com a fé de que Michel Temer se tornará efetivo e levará seu retrógrado projeto "Ponte para o Futuro" (já apelidado pejorativamente de "pinguela para o passado") adiante.
Todos imaginam que, no final deste mês, com o afastamento definitivo de Dilma Rousseff, se a votação no Senado permitir, a crise que assola o país irá acabar ou dar uma "boa reduzida". Os "espíritas", então, vão acreditar que será pavimentado o caminho para o Brasil ser o "Coração do Mundo", sem explicar direito como nosso país comandará a "comunidade das nações" se voltará a ser um mero capacho dos EUA?
Não. Assim que Michel Temer assumiu o poder, a crise agravou. Denúncias sucessivas de corrupção, envolvendo o próprio Temer - que, aliás, está proibido de concorrer a novos cargos eletivos até 2023 - , se multiplicam, diante de uma resignação de uma sociedade que, hipócrita, ainda pergunta, cinicamente: "Quem nunca errou na vida? Deixa o homem governar!".
Que "erros toleráveis" são esses nos quais um dos partidos que apoiam o governo Temer, o PSDB do ministro das Relações Exteriores, José Serra, e do senador mineiro Aécio Neves, provocou gigantescos desvios de dinheiro público para os cofres dos próprios políticos, num valor que poderia resolver a crise econômica mas "voa" para as contas dos tucanos nos paraísos fiscais?
Diante desse quadro em que é muito fácil condenar a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) à morte e inserir a Escola Sem Partido que prefere ensinar que o homem veio do barro do que discutir os problemas da realidade atual vivida, uma parcela da sociedade brasileira acha que, basta fazer a marcha-a-ré histórica, para tudo voltar aos "conformes".
Grande engano. Com a efetivação do governo Michel Temer, a crise atingirá níveis catastróficos. A chamada plutocracia, crente de que viverá feliz retomando seus privilégios, será vítima de assaltos cada vez mais violentos, ocorridos à luz do dia e em locais de grande movimento, diante da exclusão social a ser efetuada pelo presidente.
Quantos filhos as elites afortunadas perderão, manchando de sangue os retrocessos sócio-econômicos que, no discurso e no papel, são apenas "pequenos sacrifícios" que as classes populares sofrerão com as medidas de choque "contra a crise"!
Quantos atos de vandalismo, quantos mendigos nas ruas, quanta insegurança nas cidades, quanto ódio nas pessoas, tudo isso porque Temer irá fazer os brasileiros trabalharem mais horas por muito mais tempo, ganhando menos, perdendo garantias sociais - é prevista a extinção do SUS (Sistema Único de Saúde) - , diante de uma Escola Sem Partido que só quer ensinar fantasias religiosas, moralistas e economicistas, preparando os alunos para o mercado e não para a cidadania!
A teimosia das pessoas em manter totens diversos - Rede Globo, Chico Xavier, machismo, neoliberalismo, multinacionais, Luciano Huck etc - , sacrificando a necessidade de rever nossos valores, terá um gosto amargo na medida em que esse neoconservadorismo já nasce mofado e podre, alimentado pela violência das trolagens e cyberbullying nas mídias sociais.
Os retrocessos serão atropelados por uma crise ainda maior. Isso porque não dá para andar para trás. A marcha-a-ré histórica será atropelada por um trem-bala que exige novos valores, coisa que poucos estão preparados e dispostos em admitir, mesmo aqueles que finjam concordar com a urgência de novos tempos.
O coitadismo e o triunfalismo de uma parte dos privilegiados também não resolverá, assim como a fúria ameaçadora dos valentões das redes sociais que chegam a perseguir suas vítimas até mesmo nas ruas. Tudo isso só agravará a crise que fará com que os retrógrados, mesmo forçando a barra para fazer prevalecer seus interesses e convicções, se tornem ainda mais decadentes. O tempo sempre pede a conta de quem quer andar para trás.
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