MADRE TERESA DE CALCUTÁ FOTOGRAFADA ACARICIANDO UMA CRIANÇA.
Não se sabe quem primeiro inventou o mito de Chico Xavier. Sabe-se que ele nasceu depois de 1944 e por encomenda do então presidente da Federação "Espírita" Brasileira, Antônio Wantuil de Freitas, que tratou como "vitória" o empate jurídico do processo movido no caso Humberto de Campos.
Diante do contexto do Brasil da época, em que o meio jurídico praticamente desconhecia os assuntos da mediunidade, os juízes não entenderam o propósito dos herdeiros de Humberto ao pedir à Justiça a verificação das supostas psicografias que levaram o nome do falecido escritor.
A ideia dessa verificação era que, se caso a veracidade fosse comprovada, Chico Xavier e a FEB passariam o dinheiro dos direitos autorais para os herdeiros de Humberto de Campos e, no caso de rejeição, o anti-médium e a federação teriam que indenizar os familiares do escritor pelo uso indevido do nome dele.
Se fosse nos padrões jurídicos de hoje, Chico Xavier seria processado por falsidade ideológica. Mas, naquela época, o termo era desconhecido e o que ocorreu foi que o debate jurídico morreu na praia e o processo foi considerado improcedente. Com isso, foi um empate com sabor de vitória, e os herdeiros acabaram tendo a péssima reputação de "gananciosos".
MALCOLM MUGGERIDGE, JORNALISTA QUE INVENTOU O MITO DE MADRE TERESA.
Chico Xavier enfrentaria outros escândalos, como sabemos, mas a atual reputação de "filantropo" que persiste mesmo 13 anos após sua morte tem como raiz o documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), que o jornalista britânico Malcolm Muggeridge fez em 1969 sobre Madre Teresa de Calcutá.
O documentário era o que a sociedade moralista anti-aborto, contrária à liberdade sexual e carente de exemplos paternalistas (ou "maternalistas"), queria ver, num ano em que a "nação Woodstock" apavorava os conservadores com seus jovens arrojados que nem de longe lembravam a límpida formalidade do "mundo adulto".
Sabe-se que, no Brasil, o efeito do documentário chegou tardiamente, mas refletiu o marketing religioso e filantrópico que encontra respaldo na conservadora sociedade brasileira. E, pelo menos na virada dos anos 1970 e 1980, a Rede Globo escolheu um mito para trabalhar nos mesmos moldes de Madre Teresa de Calcutá.
CHICO XAVIER ERA TRABALHADO PELO MARKETING MIDIÁTICO DO MESMO MODO QUE MADRE TERESA, ATÉ MESMO NO CONTATO COM PESSOAS CARENTES.
Chico Xavier acabava de viver uma relação de "amor e ódio" com os Diários Associados. Era tratado com carinho pela Rede Tupi de Televisão - profissionais como a atriz Ana Rosa e o diretor Augusto César Vannucci eram alguns de seus admiradores - , mas com certa estranheza pela revista O Cruzeiro.
Enquanto o livro Nosso Lar era tomado "emprestado" por Ivani Ribeiro para escrever A Viagem, que a TV Tupi exibiu na década de 1970 (mais precisamente entre 1975 e 1976), O Cruzeiro já havia batido pesado contra ele nas denúncias da farsante ilusionista Otília Diogo, cuja fraude na falsa materialização de Irmã Josefa e outros "espíritos" teve o apoio entusiasmado de Chico Xavier.
O anti-médium mineiro também havia passado por uma violenta crise do roustanguismo - influência que ele praticou, mas nunca assumiu firmemente no discurso - e, como para não se desgastar junto à direção centralizadora da FEB, foi se passar por um grupo de "ex-roustanguistas" ou "místicos" que declararam, em tese, "fidelidade absoluta a Allan Kardec".
Entre 1978 e 1980, então, vemos Chico Xavier oficialmente "kardecizado" junto a Divaldo Franco, embalados para agradar os kardecianos de primeira viagem, embora as obras dos dois "médiuns" destoassem seriamente do pensamento do pedagogo francês.
Em todo caso, era hora da mídia trabalhar o mito de Chico Xavier e as Organizações Globo, que cerca de duas décadas antes era hostil ao anti-médium, resolveu fazer as pazes e começar a trabalhar o mito, hoje alimentado por produções da Globo Filmes.
Várias reportagens eram feitas sobre Chico Xavier, principalmente no Fantástico e Globo Repórter. A lógica era a mesma de Muggeridge, gravar imagens de atividades aparentemente filantrópicas e mostrar Chico Xavier abraçando crianças, velhinhos e doentes em geral, com as mesmas poses de Madre Teresa no documentário da BBC.
FRASES DE EFEITO TORNARAM-SE O MARKETING QUE UNIU MADRE TERESA E CHICO XAVIER.
Nota-se que Chico Xavier foi trabalhado da mesma forma que Madre Teresa foi trabalhada no documentário Algo Bonito para Deus. Até a edição de imagens a Globo copiou do documentário inglês, tudo era calculado milimetricamente para ficar idêntico. Afinal, era a reprodução de uma fórmula bem sucedida de publicidade.
É só observar os noticiários. Tudo que é reportado de Chico Xavier é inspirado em Malcolm Muggeridge. Não há um jornalista oficialmente responsável pela concepção do mito, mas Roberto Marinho deixou para trás a hostilidade ao anti-médium na medida em que viu nele uma forma de promover "de forma independente e ecumênica" os valores moralistas e religiosos na sociedade.
E isso acabou transformando Chico Xavier num mito semelhante ao da Madre Teresa de Calcutá. A ponto de ambos também serem conhecidos por frases de efeito, pela apologia que faziam ao sofrimento humano - segundo cada um, devia-se aceitar os infortúnios da vida visando as "bênçãos futuras da vida eterna" - e pela aparente função de filantropos "consoladores".
Curiosamente, do lado dos defensores de Chico Xavier, as comparações com a Madre Teresa de Calcutá são abertamente feitas, e até mesmo o "espiritismo" acolhe a freira albanesa como se ela já fosse integrante da doutrina.
Por outro lado, porém, o meio dos contestadores parece ter tido menos dificuldades de combater o aparentemente inabalável mito da Madre Teresa. Mesmo confuso e irregular, o mito de Chico Xavier parece mais difícil de ser desmascarado.
Falta um Christopher Hitchens brasileiro para desvendar o "intocável Chico Xavier". O mito do anti-médium brasileiro parece resistir a todo impasse e ele conta com um poderoso lobby que alicia até juristas e acadêmicos. O que faz o poder das Organizações Globo na construção de totens intocáveis...
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