quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O atraso brasileiro puxado pelo Rio de Janeiro


O Brasil é oficialmente considerado um país em desenvolvimento e integrante do grupo de emergentes chamado BRICS, do qual também participam Rússia, China, Índia e África do Sul. Todavia, é um dos países que mais desperdiçam potencial, isolado em um provincianismo doentio.

O surto de provincianismo que toma conta do Sul e Sudeste, em especial o Estado do Rio de Janeiro - depois do surto que atingiu São Paulo nas décadas de 1990 e 2000 - é surpreendente e deixa o país bastante vulnerável, já que as duas regiões ainda são conhecidas como referenciais de progresso e modernidade a serem adotadas e seguidas pelo resto do país.

Se essas duas regiões, que envolvem sete Estados - Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul - , se encontram num atraso retumbante, que contrasta com o gradual e lento despertar de Estados como Pará, Ceará e Bahia (que começam a reagir contra sua mediocrização cultural), é necessário se preocupar.

Isso porque, se o Norte e Nordeste, e, junto a estes dois o Centro-Oeste, começam a repensar por conta própria suas situações sócio-culturais e políticas, todo o esforço destas regiões para superar o atraso será sempre perdida, se Rio de Janeiro e São Paulo forem ainda os referenciais de progresso e modernidade que já está deixando de existir nestas regiões.

O Rio de Janeiro, como a São Paulo do malufismo-tucanato de décadas, está sendo comandado por um PMDB local marcado por práticas autoritárias, visões fora da realidade social e um envergonhado mas intransigente desprezo à Constituição Federal e às leis dela derivadas.

O Estado do Rio de Janeiro, que na Economia já preocupa com problemas de abastecimento de produtos no mercado, que contrastam com o fato de suas cidades serem sedes ou estarem próximas às sedes dos principais produtores e fornecedores de produtos, anda realizando projetos para a mobilidade urbana, cultura popular, entretenimento e cidadania fora do interesse público e subordinados às leis do mercado e a valores retrógrados originários da ditadura militar.

Se em São Paulo se ascendeu uma intelectualidade festiva, que seguia uma orientação neoliberal ditada pelos tecnoburocratas da USP - facção de acadêmicos da Universidade de São Paulo que contribuíram para a fundação do PSDB e para a implantação do mercantilista Projeto Folha, da Folha de São Paulo - , responsável pela campanha pela degradação sócio-cultural do país, no Rio de Janeiro a situação tende a ser ainda mais cruel.

Afinal, depois de um grande lobby de antropólogos, sociólogos, cineastas, artistas e jornalistas culturais querer promover a chamada "bregalização da cultura popular", submetendo o folclore às regras do mercado pop internacional, hoje observa-se autoridades querendo mercantilizar até mesmo a emoção humana, criando estruturas urbanas alheias e indiferentes ao verdadeiro interesse público.

As autoridades desalojam moradores de habitações populares para criar centros de comércio turístico. Não que as populações devam ser retiradas, mas o processo sempre é feito de forma desfavorável, com baixa indenização e residências que não atendem às necessidades sociais.

Além do mais, não há projetos, por exemplo, de desfavelização como no redesenho urbano das áreas da Maré e do Alemão, no entorno entre os bairros de Bonsucesso, Olaria, Penha e a área da Ilha do Governador.

Não existem projetos de construção gradual de residências populares que aproveitasse áreas ociosas de prédios e galpões abandonados - há muitos na Av. Brasil - , sem o demagógico lançamento de "casas populares" que só serve para "dar serviço" às empreiteiras que patrocinam as campanhas eleitorais dos políticos (prática que, ao que se sabe, parece caminhar para a extinção através de projeto de lei aprovado no Senado).

Em compensação, houve um plano de fechar um trecho da Av. Rio Branco, entre a Av. Pres. Vargas e o Aterro do Flamengo, para transformá-lo num grande parque familiar, decisão que chegou a ser apoiada por moradores de classes mais abastadas. Mas, vendo o impacto negativo do trânsito já confuso no Centro, a medida foi descartada.

Mesmo assim, projetos de mobilidade urbana por ônibus chegam mesmo a contrariar a própria natureza de mobilidade, com a pintura padronizada que confunde diferentes empresas de ônibus com um mesmo visual e com a mutilação de percursos de linhas visando o modismo de "alimentadoras" que obrigam muitos passageiros a pagar mais de uma passagem e aumentam os riscos de atrasos na chegada ao trabalho ou aos ambientes de estudos.

Medidas arbitrárias como estas já foram empurradas goela abaixo para cidades como Recife, Niterói e Florianópolis, sem que elas representem benefícios reais para a população. Pelo contrário, tais iniciativas, originárias da ditadura militar - período do qual se ascendeu o político e arquiteto paranaense Jaime Lerner - , são em muitos aspectos defasadas e até obsoletas, mas implantadas em muitas cidades como se ainda fossem novidades.

Até mesmo na cultura, em que o "funk carioca" e o "rock de mercado" - este através da FM carioca Rádio Cidade - transformam a juventude em protótipos caricaturais de comportamento e atitudes, respectivamente os jovens pobres e os de classe média, reduzidos a inócuas multidões juvenis que se interessam apenas pelo consumo de bens simbólicos e pela afirmação de valores estereotipados e, não raro, preconceituosos contra si mesmos.

Imagine um funqueiro que se preocupa mais em rebolar numa festa enquanto seu barraco na favela corre risco de deslizamento. Ou uma funqueira que sente orgulho em ver seu corpo siliconado transformado em mercadoria que se ostenta para não se sabe quem, usando o ideal de "mulher-objeto" que mal consegue ser mascarado por um falso feminismo.

Imagine também um roqueiro que, mesmo admitindo que o mundo está caótico, fica conformado com tudo e fica na sua, enquanto gasta caro por qualquer coisa e aceita, sem queixumes, até comer um hambúrguer murcho com pão dormido, carne sintética e tempero cheio de aditivos químicos, batatas-fritas que mais parecem gravetos de madeira com sal e refrigerantes que mais parecem águas com gás, açúcar e algum corante artificial.

Todo esse atraso se deve pelo conflito que muitas dessas iniciativas "ambiciosas" têm com a realidade, com as necessidades naturais da sociedade, já que a "modernidade" adotada em muitos aspectos segue visões isolacionistas e preconceituosas dos próprios tecnocratas e não obstante assume procedimentos e abordagens que só deram certo no período ditatorial.

É preocupante que o "milagre brasileiro" da Era Médici ainda serve como referência de práticas "progressistas" de nossas autoridades. E ver que todas essas transformações no âmbito da cultura, da moradia, da mobilidade urbana, da mídia etc nada têm de modernas, e sim de antiquadas e retrógradas, apenas parecendo "novidade" devido a certos contextos diversos.

E assim o risco do Brasil mergulhar em mais um surto de atraso poderá interromper a recuperação social dos Estados considerados mais atrasados, como os do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por causa dos novos retrocessos causados pelas transformações, para pior, ocorridas do Rio de Janeiro.

Duro é tomar como referências para o país um Estado como o Rio de Janeiro, isolado numa bolha de plástico, acreditando numa "modernidade" que só existe nos escritórios empresariais e publicitários e nos gabinetes de políticos e tecnocratas. O Rio de Janeiro sofre terríveis retrocessos e tende a vendê-los como "modelos a serem seguidos" pelo resto do país. E aí que mora o perigo.

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