quarta-feira, 1 de julho de 2015

O empobrecimento cultural do Brasil e a cegueira dos fãs

O FALECIDO CANTOR BREGANEJO, CRISTIANO ARAÚJO.

Deixamos passar pouco mais de uma semana da morte de Cristiano Araújo porque, no calor do acontecimento, não nos parecia apropriado comentar a tragédia sem nos atermos a comentários previsíveis, preferindo esperar algum desdobramento ou polêmica para dedicarmos ao assunto.

Evidentemente, foi um dos fatos mais tristes do ano e, juntamente com a dançarina de "funk carioca" Amanda Bueno, assassinada pelo namorado meses atrás, são as duas maiores tragédias prematuras relacionadas à "cultura" brega brasileira, num meio que não parecia sofrer tantas ocorrências funebres.

Como pessoa, é evidente que Cristiano Araújo comoveu o país com seu falecimento prematuro, num acidente de carro que matou primeiro sua namorada e depois causou a morte do cantor após ser socorrido. Pessoas que simbolizavam alegria e eram muito jovens, e que eram queridas por fãs, amigos e familiares. Neste sentido, a dor é justa e a saudade respeitável.

Artisticamente, porém, Cristiano Araújo reflete a pobreza cultural apontada pelo jornalista Zeca Camargo em um texto recente, que causou repercussão bastante negativa e um "inferno astral" para o apresentador que chegou a trabalhar como chefe de jornalismo da fase áurea da MTV Brasil (1990-1995).

Cristiano era um dos nomes do chamado "sertanejo universitário" que, apesar do nome, não era sertanejo nem universitário. Musicalmente, era uma adaptação do pop dançante com instrumentos acústicos como violão e acordeon. Culturalmente, adaptava ao contexto urbano das cidades do interior, sobretudo os pólos do agronegócio, os conceitos juvenis da chamada "cultura emo".

O "sertanejo universitário" já é uma deturpação levada às últimas consequências da música caipira. Tanto que um de seus expoentes, a dupla Victor & Léo, admite que a música caipira morreu e que o gênero está muito distante das raízes rurais que muitos dizem abraçar.

Mas a decadência da música caipira se deu a partir da geração de Chitãozinho & Xororó, nos anos 80 e 90, que se mostrava mais próxima de Waldick Soriano do que de Cornélio Pires (que os espíritas conhecem como tio de José Herculano Pires).

O "sertanejo", por sua vez, é apenas uma vítima de um processo de degradação musical brasileira, a chamada "pobreza cultural" que Zeca Camargo havia descrito num telejornal. A chamada bregalização cultural fez a música brasileira perder a qualidade para atingir públicos maiores.

COMERCIALISMO VORAZ

Essa queda de qualidade, em nome de um comercialismo voraz, da chamada cultura popular, reflete o que teóricos da Comunicação estrangeiros alertavam, mas que mesmo a intelectualidade cultural brasileira faz vistas grossas, ocupada que está com um certo populismo marqueteiro, simbolizado por nomes como Hermano Vianna e Pedro Alexandre Sanches.

Os grandes artistas estão, aos poucos, perdendo lugar para os chamados entertainers (termo sem equivalente em português), famosos que se tornam fetiches fazendo um espetáculo que envolve coreografia, música e jogo de cena. Não são necessariamente grandes criadores musicais, mas apenas hitmakers, "fazedores de sucessos".

A bregalização musical se dá de tal forma que a mediocridade se expressa até em ídolos musicais considerados "geniais" dentro da máxima "em terra de cego...", seja Odair José, Alexandre Pires, Valesca Popozuda, DJ Marlboro ou a citada dupla Chitãozinho & Xororó.

Fetiches do entretenimento, os "artistas" desse comercialismo que transforma a música brasileira num pop mercantilista, expressam uma canastrice comparável a dos candidatos de reality shows musicais, com todo seu jogo de cena e seu arremedo de suposta genialidade. Na verdade, eles capricham no visual, na técnica e na tecnologia, enquanto artisticamente continuam medíocres e até ruins.

Os próprios fãs não percebem isso e acham que até o MC Créu é "genial". Se irritam com sua cegueira idólatra que faz com que a mediocridade cultural é "sempre genial", porque seus valores estão associados ao sucesso comercial e ao estrelato como qualidades tidas como "superiores", junto a um pretensiosismo hipócrita de ver preciosidade em qualquer ninharia.

FERNANDO BRANT, A OUTRA TRAGÉDIA

Dias antes de Cristiano Araújo falecer, morreu o letrista Fernando Brant, ícone de um tempo em que se considerava verdadeira MPB não as músicas "qualquer nota" que atraem grandes públicos com facilidade, mas músicas que respeitassem o histórico legado cultural brasileiro.

É muito complicado dizer o que é ou não MPB com o poderio midiático, associado a uma intelectualidade mercenária e sensacionalista, empurrando a bregalização até para públicos considerados exigentes. Mas a verdade é que MPB de verdade, de verdade mesmo, passa muito longe dos grandes sucessos radiofônicos que atingem públicos de menor poder aquisitivo.

Fernando Brant era um destacado letrista de MPB, parceiro de muitas canções do cantor Milton Nascimento. Fernando era também um membro do Clube da Esquina, que reúne artistas e compositores mineiros, movimento que foi um dos últimos a apostar na sofisticação melódica da hoje surrada música brasileira.

A morte de Brant causou grande impacto no público, pela visibilidade que ele atraiu para si através de sucessos como "Canção da América", "Travessia" e "Encontros e Despedidas", e por sua poesia de temáticas fraternais e ecológicas que, pasmem, era usurpada por ídolos "sertanejos" em suas aventuras falsamente emepebistas.

No entanto, a repercussão da morte de Brant, ainda que maior que a de outras mortes emepebistas - como Paulinho Tapajós, compositor de tanto valor quanto Brant - , que quase nunca veem o horizonte do sucesso estrondoso, foi muito menor que a repercussão da tragédia de Cristiano Araújo, da qual há quem dissesse que "foi uma perda irreparável para a música brasileira".

No país do pretensiosismo, todo mundo quer parecer preciosista, democrático, moderno, avançado e evoluído. Mas nem todos são assim e os medíocres e incompetentes e muito desse pretensiosismo não passa de artifício para alimentar vaidades pessoais e agradar outras pessoas.

Daí que, quando a realidade chega e diz que fulano não é aquilo que pensava ser, o público de fanáticos se irrita, faz ameaças e chantagens e é aí que muito da irritabilidade que vemos até em "espíritas" se demonstra, com sua cegueira idólatra, que corrompe as emoções dos fãs, que deixam de se ocuparem com seus próprios ídolos para perseguirem quem os critica.

No auge do sucesso de Zezé di Camargo & Luciano, através do filme Os Dois Filhos de Francisco, houve quem, entre os fãs do grupo, fizessem "patrulhamento" contra quem manifestasse oposição ao sucesso da dupla, procurando discordantes para despejar mensagens caluniadoras e difamatórias.

E olha que esse "patrulhamento" ocorria mesmo quando a oposição não atingia os espaços de adoração da dupla, mas somente os espaços de oposição. É mais ou menos como direitistas patronais não permitissem a reunião de operários para questionar os abusos do patronato. Uma grande manifestação de intolerância social e ideológica.

É muito pretensiosismo, muita "patrulha", diante de um cenário de mediocridade, de "pobreza cultural" citada por Zeca Camargo. E mostra o quanto o Brasil é um país confuso e dissimulador, que tenta ser aquilo que não é, para se passar por "bonzinho", "avançado", "precioso" ou "moderno".

Mais do que haver a crise cultural, é toda a maquiagem, mesmo às custas de ofensas na Internet, para dar a falsa impressão de que essa crise não existe. E mais do que haver a mediocridade da pobreza cultural, esta se reflete também pela arrogância ética de internautas marcados pelo fanatismo e pela intolerância, que só reforçam a supremacia quase monopolista dessa mesma mediocridade.

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