sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
"Espiritismo" brasileiro e a visão mórbida da tragédia humana
O "espiritismo" brasileiro, que denominamos Espiritolicismo, sente um certo glamour pela tragédia. Se aproveitam da certeza da sobrevida espiritual para enxergar, de forma conformista, glamourizada e quase sensual, as tragédias que ceifam sobretudo muitas vidas jovens.
Isso cria, nos chamados "espíritas", um sentimento estranho que, na prática, contraria os sentimentos de solidariedade aos sofrimentos familiares. As "lágrimas de crocodilos" que os "espíritas" brasileiros fazem diante de tragédias diversas acabam sendo até uma forma piorada de espiritualidade, porque acham que tragédia na vida dos outros é refresco.
Há uma glamourização nessas tragédias, e por vezes uma certa crueldade. "Cidadão bom é cidadão morto", pregam essas pessoas, vendo que as tragédias humanas acabam sendo vistas até como maneira de higienismo social, de um lado, ou de "prevenção" contra a longevidade de mentes evoluídas, de outro.
É notável que o moralismo "espírita" despeje falsos elogios gloriosos a jovens bonitos que morrem muito cedo, numa adoração quase sensual que, na prática, profana a memória desses jovens que os acidentes da vida fizeram abreviar suas existências.
Para piorar, surgem mediunidades duvidosas, ou talvez pseudo-mediunidades - quando o ato nem chega a ser mediúnico, mas fruto de uma imaginação fértil do escritor - que evocam supostas mensagens desses entes queridos, num tom piegas e por vezes deixando vazar alguma caraterística que contradiz ao que eram os entes supostamente atribuídos a essas mensagens.
Quando são jovens de boa aparência e boa posição social, a glamourização da tragédia torna-se um pouco mais carinhosa, mas nem por isso menos cruel. Se a mocinha linda morre aos 25 anos num acidente de carro ao lado de amigos igualmente jovens e igualmente mortos, todos são vistos com simpatia, mas também tidos como "culpados" de faltas passadas.
Se há assassinos, eles é que são "inocentes", sejam culposos ou dolosos, mas sempre "justiceiros" a serviço das "leis espirituais", como pregam, com tirânico moralismo, os ideólogos do Espiritolicismo. Quem tira a vida do outro, por mais que seja tomado pelo rancor pessoal, é reduzido "generosamente" a agente do "cumprimento de ajustes de outras vidas".
Quando se tratam de pessoas pobres, então a fúria se torna mais evidente. Os "espíritas" acabam acusando tais pessoas de serem antigos sanguinários, e suas tragédias servem de "pagamento" para faltas passadas.
A crueldade atinge até mesmo médiuns emergentes ou mesmo badalados. Woyne Figner Sacchetin, médico de São José do Rio Preto, foi processado por usar o nome de Santos Dumont para acusar de "romanos sanguinários" as vítimas de um acidente ocorrido no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em 2007, incluindo todos os ocupantes de um avião da TAM.
Pior fez Chico Xavier, o médium que muitos têm muito medo de fazer a menor crítica, quando fez a mesma acusação contra as vítimas da tragédia do circo em Niterói em 1961. Assim como Woyne, Chico usou o nome de Humberto de Campos (sob o codinome Irmão X) para "acusar" os humildes espectadores do que seria um alegre espetáculo de terem sido "romanos sanguinários".
Só que Chico fez isso em 1966, com uma reputação que a Federação "Espírita" Brasileira há muito construiu, criando nele um mito que pudesse ser o mais inabalável e inatacável possível, por mais erros que cometesse, inserindo no médium mineiro um paradigma de pretensa humildade que, no recurso discursivo do contraste, forja uma suposta superioridade espiritual.
Daí Chico nem sequer foi processado por isso. Até porque, em 1944, o mineiro já ganhou as ações judiciais dos herdeiros de Humberto de Campos, que pelas obscuras questões do então ascendente Espiritolicismo, não conseguiram provar a hoje reconhecida inautenticidade da atribuição a Humberto a obras "psicografadas" inferiores ao que o escritor produziu em vida.
A glamourização da tragédia humana, pelo "espiritismo" brasileiro, torna-se um processo cruel de higienização social, da qual os homicidas são poupados por simbolizarem o "atenuante" dos "ajustes de vidas passadas". Como se qualquer um que cometesse um assassinato fosse, na verdade, um "justiceiro" a serviço das "vontades da espiritualidade".
Pouco importa se os homicidas vivem seus complexos e eles mesmos enfrentam pesadas tragédias, por conta das pressões emocionais que sofrem pelos seus atos e que os fazem abreviar suas vidas em uma média de vinte anos. Os espiritólicos os veem com "menos revolta" na medida em que eles são "facínoras úteis" para garantir a estabilidade dos padrões sociais conservadores.
Já as vítimas, elas são as "culpadas". Se são jovens e de alguma classe mais abastada, podendo ser até classe média, e de uma aparência mais agradável, são apenas carinhosamente apreciados pela morbidez "espírita", num culto quase sensual, num contraditório processo de adoração doentia àqueles que "tiveram que ir porque lhes chegou a hora (sic)".
Se são do povo ou são de alguém sem afeição direta pelos "espíritas", a raiva torna-se mais clara. Ódios adormecidos se voltam contra pessoas abastadas ou contra populares de lugares distantes, acusados de terem sido "plateias entusiasmadas de espetáculos sanguinários", tidos como "assassinos de cristãos" que "tiveram mesmo" que enfrentar tais tragédias.
Com isso, cai a máscara do "espiritismo" brasileiro como uma "doutrina de amor e caridade", diante de tão baixas vibrações diante dos mortos admiráveis adorados com morbidez mais fútil, e por mortos distantes odiados como se simbolizassem neles ódios mal-resolvidos e ocultos. Isso não é amor e muito menos caridade.
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