segunda-feira, 27 de novembro de 2017

"Médiuns espíritas" e o culto à personalidade


O que é o culto à personalidade? É uma estratégia de dominação na qual uma única pessoa é atribuída a supostas qualidades excepcionais que lhe garantem uma pretensa superioridade e um poder que inspira uma idolatria cega e submissa de seus seguidores.

O culto à personalidade é comumente relacionado aos tiranos e ditadores, de esquerda ou de direita, que marcaram a história do século XX. Nestes casos, foram marcadas imagens de desfiles pomposos, nos quais a imagem do líder se destacava com uma moldura gigantesca, expressando o seu pleno poder.

Mas será que as pessoas não imaginam que no "espiritismo" brasileiro, tão deturpado, está livre do culto à personalidade? O que se observa nos "médiuns espíritas" brasileiros é que eles se beneficiam justamente dessa prática. A constatação pode magoar muitas pessoas dotadas de coração mais frágil, mas é isso mesmo que vemos na realidade.

Imagine, por exemplo, a Mansão do Caminho e seu paradigma de "caridade" (o Assistencialismo, que apenas alivia as dores da pobreza, embora muitos creditem como Assistência Social, que rompe com a pobreza em definitivo). Qual é a primeira ideia que surge em relação a essa instituição? A imagem pessoal de Divaldo Franco.

Existe até mesmo uma foto com crianças brincando ao redor de Divaldo Franco. Embora os divaldistas fiquem felizes ao ver as crianças tão felizes, quem aparece em primeiro plano é o "médium", ele é que é o protagonista de todo aquele espetáculo. Isso é culto à personalidade, embora travestido de todos os paradigmas de suposta humildade religiosa.

É até risível que é o mesmo Divaldo Franco, organizador do Você e a Paz, que em sua edição paulista o homenageado, o decadente prefeito de São Paulo, João Dória Jr., resolveu lançar um estranho composto alimentar (que o político depois desistiu, após má repercussão).

Isso porque, desta vez, Divaldo apareceu "invisível", fazendo com que a imprensa brasileira, mesmo a de esquerda, tivesse uma "paranormalidade às avessas". Normalmente na paranormalidade, vemos imagens de pessoas mortas andando como se elas estivessem vivas. No caso de Divaldo, foi o inverso, uma pessoa viva que "desapareceu" aos olhos de todos, nem o fato dele ter organizado o evento que lançou a "farinata" despertou a perplexidade dos jornalistas.

Divaldo apareceu até no Twitter do prefeito de São Paulo. O nome dele apareceu na camiseta do governante, quando ele lançou a "farinata". E não era uma foto, mas dezenas, divulgadas amplamente na imprensa. Mesmo assim, Divaldo Franco saiu de fininho e nem a imprensa investigativa perguntou o que fazia um "espírita", tido como "humanista", permitindo o lançamento de um alimento tão desumano como aquele, feito de "comida estragada".

Os "médiuns espíritas" têm um foro privilegiado que nem mesmo os mais blindados políticos têm. Aos "médiuns" só se atribui decisão própria quando os atos são acertados e positivos. Quando não o são, atribui-se aos "médiuns" uma "ação involuntária", como se eles "não" soubessem o que estavam fazendo ou decidindo na vida.

CHICO XAVIER FOI PIONEIRO

No caso da deturpação do "espiritismo", os "médiuns espíritas", a partir de Francisco Cândido Xavier e do já citado Divaldo Pereira Franco, sempre foram alvo da complacência pública, que oficialmente lhes atribuiu "despropósito" na catolicização do Espiritismo.

Segundo essa tese, ainda bastante dominante na sociedade em geral, os dois inseriram conceitos católicos no conteúdo ideológico da Doutrina Espírita porque eram "católicos entusiasmados" e ainda "muito deslumbrados" pela fé de sua religião de origem. A complacência se deu pela falácia de que isso condiz à "afinidade" com os "ensinamentos cristãos" que, em tese, une espíritas e católicos.

Mas isso não procede, afinal a abordagem "cristã" adotada pelo "espiritismo" brasileiro remete à leitura do mito de Jesus Cristo trazida pelo Catolicismo medieval. Além disso, Chico Xavier e Divaldo Franco "catolicizaram" o Espiritismo com plena consciência de seus atos, coisa que nem mesmo a promessa demagógica de "aprender Kardec" os fez romper de forma adequada e sincera com seu igrejismo de matriz roustanguista.

Chico Xavier foi pioneiro no culto à personalidade que hoje, de maneira bastante aberrante, se exerce, mesmo de forma não assumida, aos "médiuns espíritas". A figura do médium, no Brasil, passou a diferir do original francês, porque nos tempos de Kardec os médiuns eram pessoas discretas, quase anônimas e não bancavam dublês de filantropos nem de ativistas sociais ou intelectuais.

Aqui no Brasil, sempre receptivo a qualquer absurdo, é que o sentido de médium foi livremente deturpado. Aqui ele perdeu a função intermediária, tornando-se o centro das atenções. Passou a viver do culto à personalidade, embora o aparato de humildade e simplicidade dissimule essa condição e a faça bastante imperceptível para a maior parte das pessoas.

Mas, analisando bem, note-se que o mito do "médium" mineiro Chico Xavier é o exemplo desse culto à personalidade ao modo do "jeitinho brasileiro". Combinando paradigmas velhos de beatitude religiosa com o apelo sensacionalista da mídia marrom, o mito de Xavier repercutiu como uma celebridade religiosa, mostrando o quanto engenhoso é o marketing da fé no nosso país.

As sessões "mediúnicas" eram um prato cheio para a imprensa marrom. Sensacionalismo paranormal, propaganda religiosa, todo um clima de catarse emotiva que atraiu multidões num país com maioria de pessoas desinformadas e precariamente instruídas.

Chico Xavier também tornou-se alvo de intensa blindagem, antecipando sua "alma-gêmea" Aécio Neves. Saiu-se impune na usurpação de Humberto de Campos, nas denúncias de fraudes na "mediunidade" (apesar de fortes indícios das farsas), da acusação de cumplicidade no caso de Otília Diogo (apesar de fotos comprovarem que ele acompanhou os bastidores da farsa com muita desenvoltura e atenção).

Considerado deturpado do Espiritismo, Xavier ainda foi acolhido por algumas correntes que pediam a recuperação das bases espíritas originais. Xavier ainda seduziu o viúvo da jovem professora mineira Irma de Castro Rocha, a Meimei, o ex-atleta Arnaldo Rocha, enganado pelas falsas psicografias atribuídas à esposa, tornando-se parceiro daquele que se aproveitou da saudade profunda da jovem mulher, e que, apegado a ela, passava a atribuir-lhe supostas psicografias e psicofonias.

A facilidade com que Xavier derrubou obstáculos, menos por sua suposta superioridade moral do que pelas manobras, circunstâncias e conveniências que o favoreceram, mostra o quanto a figura do "médium", no Brasil, deu lugar ao anti-médium, se levarmos em conta que a palavra "médium" vem do latim medium, que quer dizer "meio", "intermediário".

Não procede a falsa modéstia que fez Chico Xavier se autoproclamar "carteiro de Deus" ou "lápis de Deus", até porque isso não deixa de atribuir uma qualidade excepcional dada a pessoas que vivem do culto à personalidade. Mesmo a visão de alguns de seus seguidores em defini-lo não como semi-deus, mas como "homem simples", é uma divinização às avessas, porque não dispensa dos efeitos emotivos do fanatismo e da idolatria mórbidos e extremos.

A realidade do culto à personalidade deve ser observada. Outros "médiuns", como João de Deus, José Medrado e outros também têm, à sua maneira, o culto à personalidade. O personalismo do "médium" é um dos sérios problemas do "espiritismo" brasileiro, mas como a desinformação generalizada em torno até mesmo da doutrina kardeciana original prevalece, fica muito complicado explicar aos leigos qualquer problema relacionado.

Isso não significa que devemos aceitar esses problemas, essas irregularidades, não raro bastante graves, porque "tudo é amor". A síndrome do "deixa disso" fez com que a deturpação do Espiritismo crescesse de tal forma que o legado original de Kardec simplesmente foi arruinado, e o próprio pedagogo francês virou refém dos "médiuns" deturpadores. Daí os efeitos danosos do culto à personalidade, com todo o verniz de humildade e simplicidade que esconde esse processo.

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