domingo, 26 de novembro de 2017
Cuidado com a retratação "espírita". É resquício da Idade Média
É aquela história conhecida. Pessoas que vivem em profundo ceticismo em relação ao "espiritismo" igrejista brasileiro, várias delas se declarando ateias, algumas de postura inflexível. De repente, elas entram em contato com um evento "espírita" e se convertem, "comovidas" com as "lindas lições de amor" e as "palavras sublimes" que a colocaram no "bom caminho da fé e da fraternidade".
Muita gente caiu nessa armadilha. Muita gente boa. Até o filho de Humberto de Campos. São pessoas que, com todo o ceticismo que possuem, aderiram depois ao "espiritismo" e sucumbiram às lágrimas, aderindo a essa religião de forma submissa. Isso parece lindo, mas é bastante traiçoeiro.
Vamos nos lembrar do Catolicismo da Idade Média. Naquela época, havia os hereges, que professavam crenças alheias e divergentes à religião dominante. Havia métodos mais coercitivos, para não dizer sanguinários, de conversão dos hereges, mas também havia muita persuasão por parte de alguns sacerdotes "bondosos" em convencer as "ovelhas desgarradas" a "abraçar a fé cristã".
Sabe-se que o legado de Allan Kardec reduziu-se a pó no Brasil. O que se viu foram desvios progressivos de doutrina, na qual a racionalidade kardeciana deu lugar a um viscoso igrejismo de matriz roustanguista, adotada com muito entusiasmo por mais que o nome de J. B. Roustaing seja visto como um "palavrão" por uma parcela do "movimento espírita". Mas de que adianta renegar o idealizador se suas ideias foram tão comoda e entusiasmadamente aceitas?
O "espiritismo" brasileiro rumou a uma conduta medieval. A promessa de recuperar as bases kardecianas, dada há pouco mais de 40 anos, foi apenas um papo furado para os "místicos" agradarem os "científicos" diante da crise vivida pela cúpula da FEB, na época da aposentadoria e, depois, do falecimento de seu ex-presidente Antônio Wantuil de Freitas.
O que se recuperou mesmo foram os postulados do Catolicismo jesuíta do Brasil colonial, tanta é a evocação de espíritos de jesuítas feitas pelas instituições "espíritas" em todo o país. Criou-se uma situação insólita em que o Brasil conta com "dois" Catolicismos: um é a Igreja Católica propriamente dita, com suas crenças e fantasias, mas atualizando-se ao longo dos anos, e outro o "espiritismo", que, apesar da roupagem "moderna", pegou o que havia de mais antiquado entre os católicos.
Os "médiuns" acabaram se tornando uma versão repaginada dos antigos sacerdotes medievais que, embora evocassem o legado de Jesus de Nazaré, se equiparavam aos antigos sacerdotes que o próprio ativista nazareno reprovava em seu tempo. Aliás, os "médiuns" brasileiros adotam procedimentos e posturas que o próprio Kardec havia reprovado com muita coerência em O Livro dos Médiuns.
RETRATAÇÃO PERIGOSA
A falta de firmeza das pessoas contribui para o país injusto em que vivemos, em que uma parcela de privilegiados - cujos atributos vão do porte de armas ao prestígio religioso, passando pelos privilégios da fama, do dinheiro e do poder político-empresarial - faz o que quer enquanto quem está de fora só resta aceitar e submeter-se às limitações sociais que lhes são impostas.
Vemos muita gente criticando a deturpação do Espiritismo original e recua no meio do caminho, diante de apelos emocionais trazidos pelos deturpadores que os contestadores não têm coragem de lidar. Ver que, num dado momento, pessoas mostram de coração mole e vigilância débil e se deixam levar por paisagens floridas, céu azul e crianças sorrindo que os deturpadores do Espiritismo exibem, é bastante preocupante.
A retratação é perigosa, porque reforça o poder descomunal que os "médiuns" passaram a exercer no Brasil, com uma blindagem que já supera, de longe, a dos políticos do PSDB. Os "médiuns" já têm uma posição aberrante e surreal, pois romperam com a função intermediária e quase anônima dos médiuns originais para abraçar o estrelato, vivendo do culto à personalidade e se tornando o centro das atenções.
A aberração chega ao ponto dos "médiuns" serem considerados "grife" para pessoas que buscam mensagens de entes queridos falecidos. E, contrariando as recomendações de Kardec e seu Controle Universal do Ensino dos Espíritos, há "médiuns" que se tornam "donos dos mortos", havendo um "médium" específico para cada morto de sua escolha.
A situação se tornou aberrante, junto ao "espiritismo" que se tornou "catolicizado" demais. E aceita-se tudo sem críticas, mas até com gosto. Pior: quando surge alguma crítica, os "espíritas" estão até acostumados com o que eles chamam de "fim da tempestade": segundo eles, "furacões", "terremotos" e "tormentas" trazidas pelos "contestadores de nossa doutrina" poderão vir com muita intensidade, mas tudo passará e o "espiritismo" triunfará em forte calmaria.
Foi sempre essa ladainha. E os "espíritas" esperam, "pacientemente", pela retratação que eles acham sempre serem possível. Os contestadores brasileiros, que facilmente abandonam a firmeza que o próprio Kardec e mensageiros como o espírito Erasto recomendavam e aconselhavam com urgência, contribuem mais para os deturpadores do Espiritismo do que estes próprios.
Daí que o que desarma os contestadores é a "fascinação obsessiva". O "médium" mostra logo uma "mensagem de amor", sob a ilustração de palavras floridas. Pode até ser uma frase seca, grotesca, mas pelo apelo religioso ela já é vista como "amorosa". O "canto de sereia" é desafinado, mas, infelizmente, funciona e leva os resistentes à perdição, assim que eles se rendem a essa cantoria.
A "fascinação obsessiva" se manifesta pelos apelos emocionais do "bombardeio de amor", que travam todo tipo de raciocínio. Nem mesmo o fato de haver um contexto estranho, nas "casas espíritas", de uma hospitalidade "familiar demais" e "excessivamente amorosa" numa sociedade em que nem famílias consanguíneas têm essa afeição, desperta qualquer desconfiança.
Pelo contrário. Pessoas estranhas que se utilizam do "bombardeio de amor" para dominar suas vítimas passam a receber, de graça, uma afetividade que não é real. A falta de preparo dos que combatem a deturpação do Espiritismo, que em dado momento se rendem à influência dos "médiuns" igrejeiros, revela o quanto a retratação é um processo muito perigoso.
A fácil adesão a esse processo faz com que a deturpação do Espiritismo permaneça como está, mesmo com todo o simulacro de "recuperação das bases espíritas originais". A esperteza dos palestrantes, dirigentes e dos "médiuns" em seu intrincado sistema de dominação permite o sucesso da deturpação de matriz roustanguista, que nunca é devidamente combatida.
Isso reflete a provável hipótese de que os "médiuns" brasileiros são reencarnação de sacerdotes medievais. A atribuição de reencarnação é possível pela afinidade de ideias e procedimentos, e isso nos faz ajudar a compreender a antiga rendição dos hereges ao Catolicismo medieval, coisa que se repete quando os céticos, leigos ateus e os críticos da deturpação do Espiritismo passam a se render, seduzidos pelos "apelos amorosos", aos deturpadores da doutrina de Kardec.
A rendição fácil aos deturpadores do Espiritismo, portanto, é um perigo no qual se deve buscar ampla resistência e evitar o máximo, com muita firmeza e atitude enérgica. Isso não é intolerância religiosa nem perseguição a "homens de bem", mas uma atitude que já havia sido recomendada, no século XIX, por Allan Kardec. Quem se rende aos deturpadores não é dotado de razão nem firmeza, mas de coração mole e falta de vigilância contra as armadilhas mais sutis da vida.
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