quinta-feira, 30 de novembro de 2017

As falácias em torno das "psicografias" 'fake' atribuídas a Humberto de Campos

HUMBERTO DE CAMPOS, HOJE, É O MAIS LESADO E DESMORALIZADO ESCRITOR BRASILEIRO, COM A IMPUNIDADE DADA A SEUS USURPADORES.

O Brasil é um país marcado pelo surrealismo. Num país em que os preconceitos sociais estão praticamente liberados, sobretudo nas redes sociais, e que se pôde caluniar livremente os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, o escritor Humberto de Campos tornou-se o autor mais lesado e usurpado de nossa literatura, e os responsáveis dessa usurpação gozam, mesmo postumamente, da mais absoluta impunidade.

Para piorar, existem muitas falácias que permitem que Humberto seja condenado ao esquecimento, ele que foi um talento subestimado de nossa literatura. Enquanto as obras originais do escritor estão fora de catálogo e apenas alguns títulos estão disponíveis em sebos e páginas de download na Internet, as obras fake tidas como "mediúnicas" - mas que claramente fogem do estilo original do autor maranhense e são até de qualidade inferior - permanecem livremente no mercado.

Mesmo quando até Allan Kardec fornece claramente subsídios para condenar esta fraude, em O Livro dos Médiuns, reprovando o uso de "nomes ilustres" por "médiuns" mistificadores para causar impressão na sociedade, os brasileiros chegam a apelar para a ginástica mental, que é o processo de "teimosia argumentativa", na qual se insistem em usar argumentos falsamente lógicos e cheios de relativismos para justificar pontos de vista sem lógica nem um pingo de coerência.

A usurpação do nome de Humberto de Campos pelo "médium" Francisco Cândido Xavier se respalda numa série de desculpas, que vão além da risível "expressão do homem-espírito" dada pelo ex-presidente da FEB, Wantuil de Freitas, tutor e parceiro de Chico Xavier nas fraudes "mediúnicas".

Elas se apoiam em muitos contextos em que se permite o emburrecimento da sociedade, a prevalência da mediocrização cultural, o fanatismo religioso, a queda de qualidade de vida e até mesmo a permissividade de certas pessoas tidas como "superiores", que ocupam o alto da pirâmide e são dotadas de privilégios que vão do porte de armas ao prestígio religioso, passando pelo dinheiro, pela fama e pelo poder político-empresarial. Neste caso, falamos em prestígio religioso.

Aqui vão algumas falácias que permitem que a aberrante impunidade que lesa gravemente a memória de Humberto de Campos - incluindo o assédio moral travestido de "amor e caridade" que Chico armou em 1957 para o homônimo filho do escritor, para evitar a continuidade das ações judiciais - e que, infelizmente, tende a se tornar permanente, em prejuízo ao legado e à imagem do autor.

"EM VEZ DE SE PREOCUPAR COM PROBLEMAS DE ESTILO, VOCÊ DEVERIA PRESTAR ATENÇÃO ÀS MENSAGENS FRATERNAIS DAS OBRAS E AS GRANDIOSAS LIÇÕES DE VIDA QUE OS LIVROS ESPIRITUAIS APRESENTAM, DE GRANDE VALOR PARA TODOS NÓS".

A falácia parece bonita, mas, em primeiro lugar, vem a personalidade, o estilo pessoal, porque são manifestações de individualidade das pessoas. Não dá como abrir mão disso, mesmo quando se levam em conta "lindas mensagens de grandiosas lições de vida". Da mesma forma que não dá para fingir que as obras originais e as supostas psicografias são semelhantes, porque as diferenças de estilo são muito aberrantes.

É bom prestar atenção da forma como as pessoas apontam semelhanças ou diferenças entre as obras de Humberto de Campos e as de seu suposto espírito. Quem aponta semelhanças geralmente não se encorajam em apresentar provas e apenas dizem a coisa na base do "achismo". Quem aponta diferenças gritantes apresenta provas e argumentos, procurando dar as devidas explicações sobre isso. Observando isso, alguém teria coragem de dar razão a quem não pôde dar explicações?

Quanto à falácia acima, vamos recorrer a Allan Kardec, que muito coerentemente no seu O Livro dos Médiuns, reproduz o relato do espírito Erasto, no qual diz que, em mensagens mistificadoras, podem se encontrar, às vezes, "coisas boas". Em outras passagens do livro, cita-se que espíritos mistificadores podem falar de "amor, caridade e Deus" para comover as pessoas e induzi-las a aceitar ideias estranhas ao Espiritismo original.

Isso significa que as "coisas boas" das obras "espirituais" atribuídas a Humberto têm um duplo objetivo traiçoeiro: empurrar as ideias igrejistas à Doutrina Espírita e se valer do uso do nome de um escritor ilustre, que pelo menos era muito popular até cerca de 1955, para veicular essas ideias.

COMO É QUE VOU PREOCUPAR COM UM ESCRITOR DO TEMPO DE MINHA TATARAVÓ SE EU JÁ TENHO O WHINDERSSON E O FELIPE NETO?

Ah, claro, isso é o chamado egoísmo de geração. Quando se é muito jovem, se isola no seu quintal cronológico e só valoriza as coisas do presente. É como uma pessoa trancada no quarto, com seus brinquedos. Praticamente as pessoas só começam a conhecer o mundo depois que entram na faculdade ou, se não for o caso, se inserem no mercado de trabalho.

Não preocupar com Humberto de Campos, só porque ele é "do tempo da bisavó", não deixa de ser grave, porque ele, em seu tempo, foi um autor moderno, e tinha, há 90 anos, o sucesso similar ao de Whindersson, revelação youtuber. Era um neoparnasiano beirando ao Modernismo, e seus textos eram acessíveis até para o público comum, daí o seu sucesso.

Além disso, Humberto foi uma das primeiras vítimas da literatura fake que, queiram ou não queiram, teve como pioneiro ninguém mais que o tão adorado "médium" Chico Xavier, cujas obras "psicográficas" revelam sérios problemas de estilo em relação aos respectivos autores espirituais alegados.

Não é por acaso que, nas redes sociais, há uma adoração intensa a Chico Xavier, pois esses ambientes são redutos de reacionarismo, mentiras, fanatismo religioso extremo e moralismo ultraconservador. Fala-se até para "deixar para lá", porque o que importa, para muitos, é proteger o prestígio de um ídolo religioso, ainda que sob o preço de ir contra a ética, a coerência, a lógica e o bom senso.

E as próprias redes sociais estão cheias de fakes, sobretudo durante atos de cyberbullying, nos quais os agressores usam os pseudônimos que quiserem para mentiras e ataques pessoais, podendo até usar como pseudônimo o do ativista negro Nelson Mandela para a defesa de valores nazistas. Sério.

VAI VER QUE O SR. HUMBERTO DE CAMPOS MUDOU DE ESTILO LÁ NO MUNDO ESPIRITUAL, E CREIO QUE ELE FOI TÃO TOMADO DE AMOR QUE SE ATRAPALHOU TODO NA HORA DE ESCREVER SEUS LIVROS. ESPERO QUE VOCÊ COMPREENDA ISSO, EM VEZ DE PÔR DÚVIDAS À TOA.

Essa falácia não procede. O estilo pessoal de uma pessoa é o mesmo na vida terrena e no mundo espiritual. As mudanças só ocorrem dentro do contexto e não fora dele. Além disso, num processo desses atribuído à "mediunidade", supõe-se que o espírito esteja sereno e seguro na sua expressão. Não faz sentido ficar inseguro diante de energias que se supõe "boas e elevadas".

Foi a partir dessa reflexão, por exemplo, que se apontou irregularidades na carta atribuída ao espírito da jovem Stéfane Posser Simeoni, como rasuras que haviam sido observadas na suposta assinatura de uma das 242 vítimas fatais do incêndio da Boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013.

Não tem o menor cabimento lógico dizer que Humberto de Campos "mudou de estilo" porque, pelo contexto de sua pessoa e pela forma que essa "mudança" se deu, observam-se sérios problemas, como a queda de qualidade dos livros "mediúnicos" em relação à obra original do autor maranhense.

Mesmo escrevendo pilhérias sob o pseudônimo Conselheiro XX ("conselheiro vinte", diferente do paródico "pseudônimo" Irmão X, "irmão xis", que Chico Xavier criou para o "espírito"), o escritor maranhense nunca iria abrir mão de sua qualidade literária, de sua boa escrita.

No caso da "obra espiritual", só mesmo supondo que "pesou demais a mão" em Humberto para aceitar a veracidade dessas obras fake. O que não faz sentido, porque, no mundo espiritual, "pesar a mão" seria um efeito de limitações materiais e não espirituais, e não faz sentido que um espírito se torne "menos criativo" no além-túmulo, quando, liberto do peso da matéria, ele teria seus talentos ampliados e nunca diminuídos sob qual pretexto que fosse.

VOCÊ ACHA QUE A OBRA ESPIRITUAL DE HUMBERTO DE CAMPOS ESTÁ SOANDO IGUALZINHA À DO ESTILO PESSOAL DE CHICO XAVIER? ISSO É MARAVILHOSO, QUEM É QUE NÃO QUER TER O ESTILO LUMINOSO DO GRANDE MÉDIUM?

Essa é uma falácia de apelo religioso demais. E Chico Xavier não era essa maravilha de escritor ou pensador, sendo um reles prosador medíocre que fazia jogos de palavras e lançava frases de moralismo bastante conservador.

Além disso, essa frase revela o grande mal relacionado aos "médiuns" brasileiros, que é o "culto à personalidade", um problema que ainda se falará muito. E não é bom alguém ter um estilo de outro, porque o bom é ter seu próprio estilo. É esse papo furado de que "é maravilhoso ter o estilo de fulano" que faz com que surjam imitadores de baixa categoria. Se bem que Chico Xavier nunca foi um gênio como figura literária, e como personalidade não está à altura do que seu prestígio sugere.

Quanto às supostas psicografias, temos que nos atentar que é DESRESPEITOSO que as obras atribuidas a Humberto de Campos, Auta de Souza, Meimei e outros reflitam o estilo pessoal do "médium". Isso não pode ser visto como maravilhoso, porque revela, na verdade, uma fraude vergonhosa. As pessoas deveriam pensar duas vezes antes de cometer a asneira de dizer que é "mavavilhoso soar como se fosse o próprio médium Chico Xavier".

O CASO ESTÁ SUPERADO. ATÉ O FILHO QUE PROCESSOU CHICO XAVIER PASSOU A GOSTAR DELE. E QUEM VAI LER AS OBRAS TERRENAS DEIXADAS PELO HUMBERTO DE CAMPOS?

Mais uma falácia. É certo que, juridicamente, o caso prescreveu, não cabendo mais processar a FEB - herdeira jurídica das obras de Chico Xavier sob o nome de Humberto de Campos - por causa de tamanha fraude (responsabilizada por Chico, Wantuil e a equipe editorial da federação), e que a autora intelectual do processo jurídico, Dona Catarina Vergolino de Campos, viúva do escritor, faleceu há mais de 60 anos.

Todavia, os efeitos jurídicos de uma fraude são sempre eternos. E recentemente, diante das denúncias de assédio das mais diversas, inclusive o de âmbito sexual que se tornaram mais famosas pelo caso Harvey Weinstein, pode-se refletir sobre as maneiras de seduzir uma pessoa, ainda que seja um simples assédio moral sem fins sexuais.

No caso de Humberto de Campos Filho, o que Chico Xavier fez com ele foi assédio moral sob aparato de evento religioso. Nele foram usados dois recursos de apelo emocional, o "bombardeio de amor", quando se domina a vítima forçando-lhe a comoção e a confiança cega, e o Assistencialismo, "caridade" tendenciosa que mais promove o "benfeitor" do que beneficia os mais necessitados.

A manobra foi feita em 1957 para dominar o cético Humberto Filho, jogando-o postumamente contra a mãe, Dona Catarina (ou Dona Paquita, como era seu apelido), morta seis anos antes. A ela foi atribuída "culpa" pelo processo contra o "médium" e a FEB, embora, em outros tempos, Humberto Filho fosse menos flexível na dúvida da autenticidade das obras "mediúnicas" atribuídas a seu pai.

O Assistencialismo começa hoje a ser questionado a partir do caso dos quadros "sociais" do Caldeirão do Huck. O próprio Luciano Huck é declarado fã e seguidor de Xavier. Uma "caridade" que pouco ajuda e só promove o "benfeitor", cujo prestígio se sobrepõe até mesmo aos benefícios, medíocres, supostamente atingidos. Na "Caravana do Amor" de Uberaba, fazia-se um passeio ostensivo na cidade mineira só para dar uns parcos donativos que se esgotam em poucos dias.

Com o deslumbramento religioso que dominou as pessoas durante décadas e mediante uma sociedade ultraconservadora que prefere preservar ídolos da fé religiosa, mesmo em prejuízo à ética, à lógica e ao bom senso, custou-se a perceber o quanto Chico Xavier enganou Humberto de Campos Filho. O assédio moral travestido de "amor e caridade" foi mais fácil do que tirar doce de criança.

No que se refere aos livros originais publicados em vida por Humberto de Campos, devemos ter o respeito a uma figura literária, mesmo sendo ela de um passado remoto. Infelizmente, não se tem a ele, morto prematuramente aos 48 anos, o digno respeito à sua pessoa, à sua figura e ao seu legado, e chegou-se ao ponto aberrante de se dar preferência a obras fake, em detrimento da obra original.

Esse desrespeito pode ser explicado na própria obra de Kardec, que condena tanto a mistificação travestida de "mensagens de amor", as fraudes literárias sob pretexto de difundir "lições de vida" e a apropriação de nomes ilustres de mortos para forçar a comoção pública das pessoas pouco esclarecidas ou saudosas do convívio ou da presença, ainda que distanciada pela fama, de alguém que faleceu.

Se fizermos uma análise profunda do caso do escritor Humberto de Campos, vamos concluir, com contundente segurança, o quanto ele foi usurpado por um "médium", e isso comprova, de maneira desagradável para muitos, que Chico Xavier cometeu mais crueldades do que bondades, e que o "médium", deturpador maior da história do Espiritismo, não foi mais do que um arrivista reacionário que queria ser um ídolo religioso.

É hora de buscarmos os meios de resgatar e revalorizar a obra de Humberto de Campos e desvinculá-lo das "psicografias" fake que levam seu nome, e que nunca passaram de obras de mistificação religiosa que fogem completamente do estilo pessoal do autor maranhense.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Posturas diferentes de dois atores, sendo o pior caso o de um "espírita"


Duas posturas bastante diferentes revelam que nem sempre o rótulo de "espírita" merece a imunidade que se atribui a seus palestrantes, celebridades e "médiuns". Depois que Divaldo Franco abriu seu Você e a Paz para o lançamento oficial de um alimento duvidoso, não há como dizer que os "médiuns" não podem ser responsabilizados pelos graves erros, como nenhum outro "espírita" em atitudes do nível.

Vamos comparar dois casos, em que um ator não necessariamente "espírita" dá um exemplo de humanismo e generosidade humana que faltou a outro ator, que, sendo um declarado seguidor do "espiritismo", tendo interpretado uma de suas antigas figuras, adotou posturas de profundo e retrógrado preconceito social e ainda apoiou notícias falsas, ou seja, mentiras, publicadas por outrem.

Semana passada, o ator Pedro Cardoso estava no programa Sem Censura, da TV Brasil - integrante da Empresa Brasileira de Comunicação, ligada ao Governo Federal - , a princípio para lançar seu romance sobre a crise social do Brasil, O Livro dos Títulos, quando se recusou a ser entrevistado pela jornalista Katy Navarro, apresentadora do programa.

Pedro Cardoso disse que não iria dar entrevista alguma para uma empresa com funcionários em greve e acrescentou a isso outra indignação, que é a do presidente da EBC, o jornalista Laerte Rímoli, ter compartilhado de memes (ilustrações com mensagens divulgadas nas redes sociais) debochando de uma declaração da atriz Taís Araújo.

Taís, negra assim como seu marido e também ator Lázaro Ramos e os dois filhos do casal, desabafou, numa palestra, que as pessoas "mudavam de calçada" ao verem ela e seu filho. Uma postagem montava o fundo com Taís e seu filho com a imagem de uma menina branca apavorada, e outra mostrava um executivo de pára-quedas. Em ambas, a mensagem jocosa de que as duas figuras estariam fugindo de Taís e seu filho, como se fossem um "problema".

Pedro fez um discurso no qual lembra as raízes africanas de todo o povo brasileiro e disse respeitar todo o pessoal da EBC, ganhou um comentário solidário de Katy, que manifestou respeito à decisão do ator, e este, ao se retirar, abraçou a apresentadora. Em seguida, Pedro se juntou aos grevistas na entrada da TV Brasil e gravou um vídeo de apoio aos funcionários.

Até o fechamento deste texto, não pegamos informações sobre a religião de Pedro Cardoso, mas observa-se que sua conduta está acima dessas crenças e que, mesmo sendo ele primo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ator, consagrado pelo seriado A Grande Família, da Rede Globo (no qual interpretou o picareta Agostinho Carrara), se aproxima mais das posturas progressistas, e ainda alfinetou a televisão dos tempos de FHC:

"O mundo mudou muito. E uma coisa principal: o Brasil mudou, muito mais que a televisão brasileira. A TV brasileira ainda está igual ao Brasil do FH [Fernando Henrique Cardoso] e nós estamos num Brasil pós-Dilma, embora ela ainda esteja [no governo]. E a gente tem que retratar este Brasil que mudou. Se a gente ficar fazendo a televisão que era da época do Fernando Henrique, o público vai fazer outra coisa", afirmou o ator.

VEREZA INTEGRA ATÉ INSTITUTO MILLENIUM

Enquanto isso, o ator Carlos Vereza, um dos propagandistas do "espiritismo" brasileiro - cada vez mais voltado ao conservadorismo ideológico, sintonizado com Michel Temer, João Dória Jr. e Aécio Neves - , tendo interpretado o médico Adolfo Bezerra de Menezes, tornou-se um dos militantes da chamada "direita hidrófoba" do país.

Um dos integrantes do Instituto Millenium - entidade similar aos antigos IPES-IBAD na combinação de aparato intelectual e ativismo direitista - , Vereza, que participou da novela Velho Chico da Rede Globo, teria indicado seu amigo "médium" João Teixeira de Faria, o João de Deus, à colega Camila Pitanga ir agradecer por ter sido poupada de uma tragédia que matou seu amigo e par romântico na novela, Domingos Montagner.

Tido como "amigo de Lula" (no mesmo sentido de José Sarney, por exemplo), João de Deus apareceu recentemente num clima de muita cumplicidade ao lado do presidente Michel Temer, que, embora tenha declarado "nunca ter ido a um centro espírita", tem seu projeto de governo, ultraconservador, apoiado pelo "movimento espírita".

Vereza apoiou uma fake news divulgada pelo filho do ultradireitista Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, na qual distorce um trabalho escolar, sobre identidade de gênero, promovido pelo colégio carioca Pinheiro Guimarães, como uma medida que forçava alunos rapazes a se vestirem de rosa e usarem batom para ganhar pontos na escola.

Horrorizado ao ver muitos famosos transexuais - como a modelo Lea T e o ator Thammy Miranda, nascidos sob gênero sexual oposto ao atual - , Carlos Vereza havia recorrido, recentemente, ao presidente Michel Temer, pedindo medidas de combate à "ideologia de gênero", demonstrando o nível homofóbico do famoso ator e "espírita" convicto.

"Tem professores tirando o artigo “o” e o artigo “a” e colocando “x”, estão brincando de Deus e mudando toda a biologia. Por mais que eles inventem, homem não tem útero. E mulher não tem pênis", disse o ator, que alegou que a causa LGBT está "traumatizando e erotizando" as crianças.

A verdade, porém, é que o trabalho escolar, uma exposição de sala de aula, não teve qualquer intenção de influenciar os alunos, mas de promover um debate a respeito de mudanças de âmbito sexual e afetivo na sociedade brasileira, sem desconsiderar as relações heterossexuais tradicionais.

Vereza foi um enérgico opositor aos governos de Lula e Dilma Rousseff e acabou aderindo a uma notícia falsa divulgada por um Bolsonaro. É mais uma adesão de um "espírita" a uma figura retrógrada, pela afinidade de sintonias a pessoas que simbolizam algum obscurantismo moralista que voltou à tona no Brasil desde 2016.

Sabe-se que Francisco Cândido Xavier também manifestou sua sutil homofobia, no final dos anos 1960, auge do movimento hippie. Chico Xavier havia dito que o homossexualismo era "compreensível", mas era fruto da "confusão mental" dos espíritos encarnados, que "não teriam definida sua sexualidade".

Recentemente, através de correntes como as de Divaldo Franco, o "espiritismo" brasileiro adotou uma postura supostamente anti-homofóbica. O conservadorismo ideológico precisava ser dissimulado, pois o "espiritismo" igrejeiro e catolicizado não podia exceder no seu moralismo, já medieval demais para carregar, também, posturas homofóbicas que nem mesmo a Rede Globo e a Veja aceitam.

Mesmo assim, o "espiritismo" brasileiro demonstra estar afastado de qualquer intenção e prática humanistas. O "médium" Divaldo Franco perdeu a chance de, no caso da "farinata", adotar uma postura de coragem contra o produto, tal como foi a atitude de coragem de Pedro Cardoso em se recusar a divulgar o próprio livro num programa de TV em protesto contra o racismo e as arbitrariedades do governo Temer, que congelou os salários dos funcionários da EBC.

O conservadorismo do "espiritismo" brasileiro e sua adesão a personalidades políticas decadentes e retrógradas derrubou de vez a imagem de "progressista" oficialmente associada aos "espíritas". O "espiritismo" está até mesmo aquém do Catolicismo, que, mesmo com seus dogmas, consegue se adaptar às mudanças sociais, enquanto os "espíritas" se voltam para as raízes jesuítas do Brasil colonial.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Data-limite para os "espíritas", na verdade, foi outra


PROMESSA DE CHICO XAVIER E DIVALDO FRANCO DE "APRENDER KARDEC" NUNCA FOI CUMPRIDA.

A verdadeira data-limite para o "movimento espírita" cumprir a promessa de recuperar os postulados espíritas originais, fazendo com que os "místicos" passassem a entender o conteúdo apreciado pelos "científicos" e promovendo um equilíbrio entre Fé e Conhecimento, já aconteceu.

Não é a "data-limite" do sonho de Francisco Cândido Xavier depois da expedição de astronautas estadunidenses à Lua em 1969, da qual se fala de um prazo de cinquenta anos para a Terra buscar o caminho da paz.

Até porque esse sonho, que só foi revelado em 1986, é dotado de graves erros de abordagem histórica, geológica e sociológica. E ainda "previu" o crescimento da Petrobras, que até ocorreu, mas graças ao presidente Michel Temer (e seu indicado para a estatal, o tucano Pedro Parente) chegará em 2019 em frangalhos. Se chegar e se as multinacionais do petróleo deixarem.

Fala-se da data-limite dada aos deturpadores de aprenderem as lições racionais do Espiritismo e aprenderem, sobretudo, que não há salvação para a caridade se ela vive ao arrepio da ética e do bom senso. Todas as promessas dadas pelo "movimento espírita" de "aprender melhor Kardec" não foram devidamente cumpridas.

Expor a teoria espírita original até se expôs. Fazer elogios a figuras como José Herculano Pires e Deolindo Amorim, também. Falou-se em fatos e personalidades científicas. Falou-se em Erasto e no Controle Universal do Ensino dos Espíritos. Foram evocados intelectuais dos mais renomados. Conceitos de Física, Biologia e Psicologia, ainda que de maneira um tanto pedante, foram inseridos no "espiritismo" feito no Brasil.

Mas nada disso impediu que o velho igrejismo de matriz roustanguista fosse feito, e, o que é pior, feito com muito mais entusiasmo do que nos tempos em que o sobrenome Roustaing era mais valorizado que o de Kardec. Até porque a "vaticanização" do Espiritismo feita pelos brasileiros tornou-se ainda mais entusiasmada do que nos primórdios da FEB.

RELIGIÃO DE PAPALVOS

A promessa se deu diante de vários fatores. Com a era Wantuil se encerrando, já que o então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, há muito tempo na instituição, anunciou sua aposentadoria, já em 1969, por estar bastante doente. Ele faleceu cinco anos depois. Wantuil foi o descobridor do "médium" Chico Xavier e era quase o seu "empresário", a maneira dos empresários dos astros pop.

Nessa época, começou a estourar a crise na cúpula. Os herdeiros de Wantuil na equipe dirigente da FEB não eram bem vistos pelos demais membros. A FEB era acusada de centralizadora, prejudicando as ações das federações regionais, com exceção da FEESP, a federação paulista, que parecia ter mais privilégios até mesmo que as federações dos Estados do Rio de Janeiro e Guanabara, que não eram mais do que gabinetes da FEB.

Um dos dirigentes, Luciano dos Anjos, foi hostilizado por haver denunciado - surpreendentemente, com razão - o plágio literário feito por Divaldo Franco sobre as obras já duvidosas de Chico Xavier. Os plágios foram publicados no livro de Luciano, A Anti-História das Análises Co-Piadas, e a denúncia causou escândalo e quase provocou a inimizade dos dois "médiuns".

A denúncia ocorreu em 1962 mas ela se refletiu em 1969-1970. Além disso, surgiu a denúncia de que o lucro das vendas dos livros de Chico Xavier era destinado à fortuna dos dirigentes da FEB, um acordo que havia sido acertado secretamente por Wantuil e Chico, apesar da hipótese oficial de que o lucro era "para a caridade".

O escândalo estourou e o esperto Xavier tirou o corpo fora. Diante dessa revelação, o "médium" alegou ter "se sentido muito triste" com este fato, e então deixou de ter seus livros publicados pela FEB, recorrendo a outras editoras. Mas essa decisão se deu porque Xavier se dava bem com Wantuil, mas não se dava com os herdeiros do poder de seu mentor material. Sobretudo Luciano dos Anjos.

Houve também a publicação de uma reportagem da revista O Cruzeiro, mais de 25 anos depois de David Nasser e Jean Manzon terem escrito sobre Xavier. A reportagem revelou que a suposta médium Otília Diogo era uma farsante, tendo sido encontrado o material usado para os rituais de falsa materialização dos falecidos Irmã Josefa e dr. Alberto Veloso, antigo médico da Marinha do Brasil.

Oficialmente, Chico Xavier foi tido como "enganado" pela farsante. Passou ileso até das acusações de ter sido cúmplice e chegou-se a dizer que "cúmplice não é culpado", mas fotos dos bastidores do evento ilusionista mostram o "médium" bastante atento e desenvolto diante dos presentes, e existem registros dele observando os detalhes da armação de Otília, como se já estivesse sabendo e apoiando a fraude.

O escândalo levou ao auge o conflito entre os "místicos", que desviavam o legado kardeciano para as influências católicas, e os "científicos", que queriam a pureza doutrinária do Espiritismo original. Houve ainda a denúncia de que a FEESP iria produzir traduções ainda mais deturpadas e desfiguradas da obra kardeciana, agravando ainda mais a crise.

O escândalo foi denunciado na imprensa e no rádio pelo jornalista e tradutor José Herculano Pires - o tradutor mais fiel da obra kardeciana - , que definiu o "movimento espírita" como "seita de papalvos", e a situação se complicou.

A PROMESSA

A solução diante desse impasse foi que o "movimento espírita" se dividiu, com a cúpula da FEB ligada ao antigo grupo de Wantuil isolada. Mesmo os "místicos" ligados às federações regionais passaram a usar uma estatégia para tentar agradar os "científicos": abandonaram de vez o nome de J. B. Roustaing e passaram a eleger, tendenciosamente, Allan Kardec como seu "mestre maior".

A partir daí vieram as promessas de "não só entender Kardec, mas vivê-lo", entre tantas promessas de recuperação das bases doutrinárias. Criou-se então uma tese de que os "médiuns" Chico e Divaldo foram acusados de "catolicizar o Espiritismo" por "acidente" e "entusiasmo demais com a origem católica", não sendo considerados culpados pela deturpação doutrinária.

A tese não tem a menor coerência, porque os trabalhos de Chico e Divaldo eram longos e de repercussão muito grande para serem considerados "deturpadores sem culpa". E a promessa de "entender melhor" a Doutrina Espírita original foi uma promessa que apenas foi cumprida na aparência, e ainda assim parcialmente.

Esse "cumprimento" se deu apenas no aparato das exposições doutrinárias aparentemente corretas, mesmo quando se usam os livros kardecianos traduzidos pela FEB e IDE, que substituíram "doutrina de Jesus" por "doutrina do Salvador" e "Deus" por "Pai", respectivamente. Mesmo assim, até os alertas de Erasto e o C. U. E. E. eram evocados e, para os "científicos" como Herculano Pires, se dirigiam apenas elogios.

Esse simulacro era feito para garantir o que, aos olhos dos leigos, parecia uma doutrina perfeita. Mas por trás da embalagem "limpa" do "espiritismo" brasileiro, havia muita sujeira. O falso equilíbrio entre "científicos" e "místicos" escondia o privilégio que eles tinham, transformando os primeiros em "reféns" de um igrejismo que colocava a Ciência e a lógica a seus pés.

Essa fase denominamos de "fase dúbia", porque o igrejismo de raiz roustanguista era mantido mesmo quando Roustaing era renegado. E o aparato "científico" que passou a ter o "espiritismo" brasileiro não disfarçou o igrejismo que chegava com muito mais apetite através de romances "espíritas" e de estórias de cunho religioso supostamente ligadas à esperança e superação humanas.

Com isso, vemos que hoje até o próprio Kardec tornou-se refém dos deturpadores. E, agora, as contradições se tornam cada vez mais evidentes, e a gota d'água se deu quando Divaldo ofereceu o Você e a Paz para o lançamento oficial de um estranho composto alimentar promovido pelo prefeito de São Paulo, João Dória Jr..

O evento derrubou a reputação de "melhor discípulo de Kardec" que Divaldo carregava com um aparato mais verossímil possível. O "médium" não teve a firmeza que o pedagogo francês teria em rejeitar o estranho alimento e exigir, com firmeza, exames técnicos e documentos que comprovassem que a "farinata" não era prejudicial.

Divaldo cometeu inúmeros (e gravíssimos) deslizes e comprovou o fracasso da "fase dúbia", a ponto hoje da situação dos "espíritas" se encontrar num grande impasse. A crise só foi minimizada porque o episódio da "farinata" foi superado com a suspensão do produto e Divaldo ter sido beneficiado pelo silêncio da imprensa.

Mas o escândalo que foi abafado é só um precedente diante de tantos outros que virão, mostrando o quanto a contradição que marcou o "espiritismo" brasileiro, misturando deturpação e bases doutrinárias originais, traz problemas para o Espiritismo autêntico. O limite de cumprimento da promessa de "aprender Kardec" se esgotou e não há como prometer de novo o que se deixou de cumprir.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

"Médiuns espíritas" e o culto à personalidade


O que é o culto à personalidade? É uma estratégia de dominação na qual uma única pessoa é atribuída a supostas qualidades excepcionais que lhe garantem uma pretensa superioridade e um poder que inspira uma idolatria cega e submissa de seus seguidores.

O culto à personalidade é comumente relacionado aos tiranos e ditadores, de esquerda ou de direita, que marcaram a história do século XX. Nestes casos, foram marcadas imagens de desfiles pomposos, nos quais a imagem do líder se destacava com uma moldura gigantesca, expressando o seu pleno poder.

Mas será que as pessoas não imaginam que no "espiritismo" brasileiro, tão deturpado, está livre do culto à personalidade? O que se observa nos "médiuns espíritas" brasileiros é que eles se beneficiam justamente dessa prática. A constatação pode magoar muitas pessoas dotadas de coração mais frágil, mas é isso mesmo que vemos na realidade.

Imagine, por exemplo, a Mansão do Caminho e seu paradigma de "caridade" (o Assistencialismo, que apenas alivia as dores da pobreza, embora muitos creditem como Assistência Social, que rompe com a pobreza em definitivo). Qual é a primeira ideia que surge em relação a essa instituição? A imagem pessoal de Divaldo Franco.

Existe até mesmo uma foto com crianças brincando ao redor de Divaldo Franco. Embora os divaldistas fiquem felizes ao ver as crianças tão felizes, quem aparece em primeiro plano é o "médium", ele é que é o protagonista de todo aquele espetáculo. Isso é culto à personalidade, embora travestido de todos os paradigmas de suposta humildade religiosa.

É até risível que é o mesmo Divaldo Franco, organizador do Você e a Paz, que em sua edição paulista o homenageado, o decadente prefeito de São Paulo, João Dória Jr., resolveu lançar um estranho composto alimentar (que o político depois desistiu, após má repercussão).

Isso porque, desta vez, Divaldo apareceu "invisível", fazendo com que a imprensa brasileira, mesmo a de esquerda, tivesse uma "paranormalidade às avessas". Normalmente na paranormalidade, vemos imagens de pessoas mortas andando como se elas estivessem vivas. No caso de Divaldo, foi o inverso, uma pessoa viva que "desapareceu" aos olhos de todos, nem o fato dele ter organizado o evento que lançou a "farinata" despertou a perplexidade dos jornalistas.

Divaldo apareceu até no Twitter do prefeito de São Paulo. O nome dele apareceu na camiseta do governante, quando ele lançou a "farinata". E não era uma foto, mas dezenas, divulgadas amplamente na imprensa. Mesmo assim, Divaldo Franco saiu de fininho e nem a imprensa investigativa perguntou o que fazia um "espírita", tido como "humanista", permitindo o lançamento de um alimento tão desumano como aquele, feito de "comida estragada".

Os "médiuns espíritas" têm um foro privilegiado que nem mesmo os mais blindados políticos têm. Aos "médiuns" só se atribui decisão própria quando os atos são acertados e positivos. Quando não o são, atribui-se aos "médiuns" uma "ação involuntária", como se eles "não" soubessem o que estavam fazendo ou decidindo na vida.

CHICO XAVIER FOI PIONEIRO

No caso da deturpação do "espiritismo", os "médiuns espíritas", a partir de Francisco Cândido Xavier e do já citado Divaldo Pereira Franco, sempre foram alvo da complacência pública, que oficialmente lhes atribuiu "despropósito" na catolicização do Espiritismo.

Segundo essa tese, ainda bastante dominante na sociedade em geral, os dois inseriram conceitos católicos no conteúdo ideológico da Doutrina Espírita porque eram "católicos entusiasmados" e ainda "muito deslumbrados" pela fé de sua religião de origem. A complacência se deu pela falácia de que isso condiz à "afinidade" com os "ensinamentos cristãos" que, em tese, une espíritas e católicos.

Mas isso não procede, afinal a abordagem "cristã" adotada pelo "espiritismo" brasileiro remete à leitura do mito de Jesus Cristo trazida pelo Catolicismo medieval. Além disso, Chico Xavier e Divaldo Franco "catolicizaram" o Espiritismo com plena consciência de seus atos, coisa que nem mesmo a promessa demagógica de "aprender Kardec" os fez romper de forma adequada e sincera com seu igrejismo de matriz roustanguista.

Chico Xavier foi pioneiro no culto à personalidade que hoje, de maneira bastante aberrante, se exerce, mesmo de forma não assumida, aos "médiuns espíritas". A figura do médium, no Brasil, passou a diferir do original francês, porque nos tempos de Kardec os médiuns eram pessoas discretas, quase anônimas e não bancavam dublês de filantropos nem de ativistas sociais ou intelectuais.

Aqui no Brasil, sempre receptivo a qualquer absurdo, é que o sentido de médium foi livremente deturpado. Aqui ele perdeu a função intermediária, tornando-se o centro das atenções. Passou a viver do culto à personalidade, embora o aparato de humildade e simplicidade dissimule essa condição e a faça bastante imperceptível para a maior parte das pessoas.

Mas, analisando bem, note-se que o mito do "médium" mineiro Chico Xavier é o exemplo desse culto à personalidade ao modo do "jeitinho brasileiro". Combinando paradigmas velhos de beatitude religiosa com o apelo sensacionalista da mídia marrom, o mito de Xavier repercutiu como uma celebridade religiosa, mostrando o quanto engenhoso é o marketing da fé no nosso país.

As sessões "mediúnicas" eram um prato cheio para a imprensa marrom. Sensacionalismo paranormal, propaganda religiosa, todo um clima de catarse emotiva que atraiu multidões num país com maioria de pessoas desinformadas e precariamente instruídas.

Chico Xavier também tornou-se alvo de intensa blindagem, antecipando sua "alma-gêmea" Aécio Neves. Saiu-se impune na usurpação de Humberto de Campos, nas denúncias de fraudes na "mediunidade" (apesar de fortes indícios das farsas), da acusação de cumplicidade no caso de Otília Diogo (apesar de fotos comprovarem que ele acompanhou os bastidores da farsa com muita desenvoltura e atenção).

Considerado deturpado do Espiritismo, Xavier ainda foi acolhido por algumas correntes que pediam a recuperação das bases espíritas originais. Xavier ainda seduziu o viúvo da jovem professora mineira Irma de Castro Rocha, a Meimei, o ex-atleta Arnaldo Rocha, enganado pelas falsas psicografias atribuídas à esposa, tornando-se parceiro daquele que se aproveitou da saudade profunda da jovem mulher, e que, apegado a ela, passava a atribuir-lhe supostas psicografias e psicofonias.

A facilidade com que Xavier derrubou obstáculos, menos por sua suposta superioridade moral do que pelas manobras, circunstâncias e conveniências que o favoreceram, mostra o quanto a figura do "médium", no Brasil, deu lugar ao anti-médium, se levarmos em conta que a palavra "médium" vem do latim medium, que quer dizer "meio", "intermediário".

Não procede a falsa modéstia que fez Chico Xavier se autoproclamar "carteiro de Deus" ou "lápis de Deus", até porque isso não deixa de atribuir uma qualidade excepcional dada a pessoas que vivem do culto à personalidade. Mesmo a visão de alguns de seus seguidores em defini-lo não como semi-deus, mas como "homem simples", é uma divinização às avessas, porque não dispensa dos efeitos emotivos do fanatismo e da idolatria mórbidos e extremos.

A realidade do culto à personalidade deve ser observada. Outros "médiuns", como João de Deus, José Medrado e outros também têm, à sua maneira, o culto à personalidade. O personalismo do "médium" é um dos sérios problemas do "espiritismo" brasileiro, mas como a desinformação generalizada em torno até mesmo da doutrina kardeciana original prevalece, fica muito complicado explicar aos leigos qualquer problema relacionado.

Isso não significa que devemos aceitar esses problemas, essas irregularidades, não raro bastante graves, porque "tudo é amor". A síndrome do "deixa disso" fez com que a deturpação do Espiritismo crescesse de tal forma que o legado original de Kardec simplesmente foi arruinado, e o próprio pedagogo francês virou refém dos "médiuns" deturpadores. Daí os efeitos danosos do culto à personalidade, com todo o verniz de humildade e simplicidade que esconde esse processo.

domingo, 26 de novembro de 2017

Cuidado com a retratação "espírita". É resquício da Idade Média


É aquela história conhecida. Pessoas que vivem em profundo ceticismo em relação ao "espiritismo" igrejista brasileiro, várias delas se declarando ateias, algumas de postura inflexível. De repente, elas entram em contato com um evento "espírita" e se convertem, "comovidas" com as "lindas lições de amor" e as "palavras sublimes" que a colocaram no "bom caminho da fé e da fraternidade".

Muita gente caiu nessa armadilha. Muita gente boa. Até o filho de Humberto de Campos. São pessoas que, com todo o ceticismo que possuem, aderiram depois ao "espiritismo" e sucumbiram às lágrimas, aderindo a essa religião de forma submissa. Isso parece lindo, mas é bastante traiçoeiro.

Vamos nos lembrar do Catolicismo da Idade Média. Naquela época, havia os hereges, que professavam crenças alheias e divergentes à religião dominante. Havia métodos mais coercitivos, para não dizer sanguinários, de conversão dos hereges, mas também havia muita persuasão por parte de alguns sacerdotes "bondosos" em convencer as "ovelhas desgarradas" a "abraçar a fé cristã".

Sabe-se que o legado de Allan Kardec reduziu-se a pó no Brasil. O que se viu foram desvios progressivos de doutrina, na qual a racionalidade kardeciana deu lugar a um viscoso igrejismo de matriz roustanguista, adotada com muito entusiasmo por mais que o nome de J. B. Roustaing seja visto como um "palavrão" por uma parcela do "movimento espírita". Mas de que adianta renegar o idealizador se suas ideias foram tão comoda e entusiasmadamente aceitas?

O "espiritismo" brasileiro rumou a uma conduta medieval. A promessa de recuperar as bases kardecianas, dada há pouco mais de 40 anos, foi apenas um papo furado para os "místicos" agradarem os "científicos" diante da crise vivida pela cúpula da FEB, na época da aposentadoria e, depois, do falecimento de seu ex-presidente Antônio Wantuil de Freitas.

O que se recuperou mesmo foram os postulados do Catolicismo jesuíta do Brasil colonial, tanta é a evocação de espíritos de jesuítas feitas pelas instituições "espíritas" em todo o país. Criou-se uma situação insólita em que o Brasil conta com "dois" Catolicismos: um é a Igreja Católica propriamente dita, com suas crenças e fantasias, mas atualizando-se ao longo dos anos, e outro o "espiritismo", que, apesar da roupagem "moderna", pegou o que havia de mais antiquado entre os católicos.

Os "médiuns" acabaram se tornando uma versão repaginada dos antigos sacerdotes medievais que, embora evocassem o legado de Jesus de Nazaré, se equiparavam aos antigos sacerdotes que o próprio ativista nazareno reprovava em seu tempo. Aliás, os "médiuns" brasileiros adotam procedimentos e posturas que o próprio Kardec havia reprovado com muita coerência em O Livro dos Médiuns.

RETRATAÇÃO PERIGOSA

A falta de firmeza das pessoas contribui para o país injusto em que vivemos, em que uma parcela de privilegiados - cujos atributos vão do porte de armas ao prestígio religioso, passando pelos privilégios da fama, do dinheiro e do poder político-empresarial - faz o que quer enquanto quem está de fora só resta aceitar e submeter-se às limitações sociais que lhes são impostas.

Vemos muita gente criticando a deturpação do Espiritismo original e recua no meio do caminho, diante de apelos emocionais trazidos pelos deturpadores que os contestadores não têm coragem de lidar. Ver que, num dado momento, pessoas mostram de coração mole e vigilância débil e se deixam levar por paisagens floridas, céu azul e crianças sorrindo que os deturpadores do Espiritismo exibem, é bastante preocupante.

A retratação é perigosa, porque reforça o poder descomunal que os "médiuns" passaram a exercer no Brasil, com uma blindagem que já supera, de longe, a dos políticos do PSDB. Os "médiuns" já têm uma posição aberrante e surreal, pois romperam com a função intermediária e quase anônima dos médiuns originais para abraçar o estrelato, vivendo do culto à personalidade e se tornando o centro das atenções.

A aberração chega ao ponto dos "médiuns" serem considerados "grife" para pessoas que buscam mensagens de entes queridos falecidos. E, contrariando as recomendações de Kardec e seu Controle Universal do Ensino dos Espíritos, há "médiuns" que se tornam "donos dos mortos", havendo um "médium" específico para cada morto de sua escolha.

A situação se tornou aberrante, junto ao "espiritismo" que se tornou "catolicizado" demais. E aceita-se tudo sem críticas, mas até com gosto. Pior: quando surge alguma crítica, os "espíritas" estão até acostumados com o que eles chamam de "fim da tempestade": segundo eles, "furacões", "terremotos" e "tormentas" trazidas pelos "contestadores de nossa doutrina" poderão vir com muita intensidade, mas tudo passará e o "espiritismo" triunfará em forte calmaria.

Foi sempre essa ladainha. E os "espíritas" esperam, "pacientemente", pela retratação que eles acham sempre serem possível. Os contestadores brasileiros, que facilmente abandonam a firmeza que o próprio Kardec e mensageiros como o espírito Erasto recomendavam e aconselhavam com urgência, contribuem mais para os deturpadores do Espiritismo do que estes próprios.

Daí que o que desarma os contestadores é a "fascinação obsessiva". O "médium" mostra logo uma "mensagem de amor", sob a ilustração de palavras floridas. Pode até ser uma frase seca, grotesca, mas pelo apelo religioso ela já é vista como "amorosa". O "canto de sereia" é desafinado, mas, infelizmente, funciona e leva os resistentes à perdição, assim que eles se rendem a essa cantoria.

A "fascinação obsessiva" se manifesta pelos apelos emocionais do "bombardeio de amor", que travam todo tipo de raciocínio. Nem mesmo o fato de haver um contexto estranho, nas "casas espíritas", de uma hospitalidade "familiar demais" e "excessivamente amorosa" numa sociedade em que nem famílias consanguíneas têm essa afeição, desperta qualquer desconfiança.

Pelo contrário. Pessoas estranhas que se utilizam do "bombardeio de amor" para dominar suas vítimas passam a receber, de graça, uma afetividade que não é real. A falta de preparo dos que combatem a deturpação do Espiritismo, que em dado momento se rendem à influência dos "médiuns" igrejeiros, revela o quanto a retratação é um processo muito perigoso.

A fácil adesão a esse processo faz com que a deturpação do Espiritismo permaneça como está, mesmo com todo o simulacro de "recuperação das bases espíritas originais". A esperteza dos palestrantes, dirigentes e dos "médiuns" em seu intrincado sistema de dominação permite o sucesso da deturpação de matriz roustanguista, que nunca é devidamente combatida.

Isso reflete a provável hipótese de que os "médiuns" brasileiros são reencarnação de sacerdotes medievais. A atribuição de reencarnação é possível pela afinidade de ideias e procedimentos, e isso nos faz ajudar a compreender a antiga rendição dos hereges ao Catolicismo medieval, coisa que se repete quando os céticos, leigos ateus e os críticos da deturpação do Espiritismo passam a se render, seduzidos pelos "apelos amorosos", aos deturpadores da doutrina de Kardec.

A rendição fácil aos deturpadores do Espiritismo, portanto, é um perigo no qual se deve buscar ampla resistência e evitar o máximo, com muita firmeza e atitude enérgica. Isso não é intolerância religiosa nem perseguição a "homens de bem", mas uma atitude que já havia sido recomendada, no século XIX, por Allan Kardec. Quem se rende aos deturpadores não é dotado de razão nem firmeza, mas de coração mole e falta de vigilância contra as armadilhas mais sutis da vida.

sábado, 25 de novembro de 2017

Promessa de "aprender Kardec" dos "espíritas" foi em vão

ROUSTANGUISMO SE TORNOU AINDA MAIS INTENSO A PARTIR DE CHICO XAVIER E DIVALDO FRANCO.

Foram mais de 40 anos de promessa para melhor aprender os ensinamentos de Allan Kardec. Tanto se prometeu a respeito disso, mas o que vimos foi apenas aparatos, fingimentos, simulações. As promessas foram em vão e nunca passaram de promessa para boi dormir, de conversa mole para os "místicos" agradarem os "científicos".

Enquanto isso, o nome de Jean-Baptiste Roustaing - ou J. B. Roustaing - , renegado oficialmente a ponto do referido sobrenome se tornar um "palavrão" entre uma parcela de "espíritas", ou um "estranho desprezível" do qual os "espíritas" menos iniciados nunca ouviram falar, continua ressoando através de seu legado, pois o roustanguismo tornou-se ainda mais forte e intenso entre os "espíritas" que se autoproclamam "rigorosamente fiéis a Kardec".

Há mesmo os "espíritas" que estufam o peito para fazer falsos ataques à "vaticanização", dizendo, com um discurso envaidecido, serem contra os "constantinos" que corrompiam a Doutrina Espírita, sem olhar para si mesmos, "constantinos" convictos até a medula, beatos que pensam que Kardec é o "sacerdote moderninho" que aceitaria qualquer capricho igrejeiro.

Palestrantes que diziam, com ar triunfante, "devemos não só conhecer Kardec, mas vivê-lo no dia a dia" eram os que mais traíam o legado do pedagogo francês, misturando todo o apelo do "Kardec total" com um engodo igrejeiro medieval e até cheio de firulas esotéricas e ocultistas.Em nome do "espiritismo de verdade", evocava-se até o Horóscopo nas palestras, livros e artigos.

Quanta erosão doutrinária se observa nas "casas espíritas" mais diversas, nas publicações do gênero, quanto vazio de ideias camuflado por um simulacro de caridade - Assistencialismo, a "caridade" que mais ajuda o "benfeitor", na projeção pessoal, do que os mais necessitados - , por um espetáculo de palavras bonitinhas, músicas piegas, fora tantas e tantas tolices.

"MÉDIUNS" INTENSIFICARAM O ROUSTANGUISMO

Tudo virou um igrejismo inócuo. Nem mesmo quando há palestrantes e "médiuns" teorizando "corretamente" os ensinamentos kardecianos originais adianta. É aquele ditado: "primeiro o serviço, depois a diversão", e, assim que esses "teóricos" supostamente cumprem a "lição de aula" de expor, em seminários e programas de TV, a verdadeira teoria espírita, eles vão a outros eventos expressar o mais viscoso e exultante igrejismo.

A partir de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, o igrejismo herdado do pioneiro deturpador Roustaing, que prometia ser definitivamente descartado, foi mantido e intensificado mesmo sob o verniz do "espiritismo autêntico". O roustanguismo foi uma postura que já havia prevalecido oficialmente no "movimento espírita", mas sem o apetite redobrado que se obteve após "engavetar" o sobrenome de Roustaing em nome do falso ideal do "Kardec total".

Chico Xavier e Divaldo Franco mantiveram seu igrejismo roustanguista com o máximo de convicção. Mas é como na política de hoje, em que o nome do deputado Eduardo Cunha faz muitos adeptos da "derrubada do PT" de 2016 hoje torcerem o nariz, se esquecendo que ele presidiu a sessão da Câmara dos Deputados que abriu o processo de impeachment que depois tirou a presidenta Dilma Rousseff do poder.

As propostas do governo Michel Temer, como as ditas reforma trabalhista e previdenciária, além de aspectos como a flexibilização nas negociações entre patrões e empregados e a terceirização total (para atividades-fim das empresas, pois a medida antes se limitava para atividades-meio), já faziam parte das pautas-bombas do então presidente da Câmara, atualmente preso. Aliás, essas mesmas propostas são apoiadas pelos "espíritas".

Pois é a mesma coisa. O governo Michel Temer se autoproclama "legalista" e "democrático" e usa as ideias de Eduardo Cunha jogando o nome deste na lata de lixo, aproveitando as ideias e escondendo o idealizador. O "espiritismo" brasileiro, que se diz "progressista", vestiu a camisa de Roustaing sem mostrar a sua grife, jogando o nome do deturpador pioneiro por debaixo do tapete.

Os "médiuns" são os maiores propagandistas deste roustanguismo enrustido. E sabemos por que o nome de Roustaing foi desnecessário: ele foi inteiramente adaptado ao contexto brasileiro pelas obras de Chico Xavier e Divaldo Franco, que agora são representantes oficiais de tais ideias igrejeiras.

A figura do "médium" já se tornou uma grande aberração, revelando um processo de clericalização à paisana, canonização em vida e na base do "achismo" e intenso culto à personalidade. Ela perdeu o sentido intermediário da função original, e o "médium" ainda tem o agravante de produzir obras fake que não condizem aos aspectos pessoais dos autores mortos alegados.

NÃO FOI SEM QUERER

Muitos acreditam que Chico e Divaldo tenham sido "católicos" sem querer. A desculpa usada para seu igrejismo é que eles "estavam empolgados demais" com o Catolicismo que "botaram tempero católico em excesso" no conteúdo da Doutrina Espírita. Oficialmente, aceita-se isso sob o pretexto, em verdade bastante discutível, das afinidades com os ensinamentos de Jesus, ignorando que os "médiuns" adotam uma interpretação medieval do mito do homem de Nazaré.

Mas um simples raciocínio revela que os dois "médiuns" não catolicizaram o Espiritismo sem querer, por acidente ou falta de tempo para estudo. Eles fizeram isso de propósito e com a consciência plena do que estavam fazendo.

Chico Xavier e Divaldo Franco não teriam catolicizado sem querer o Espiritismo porque não faz sentido fazer algo de longa data, grande repercussão e amplo alcance sem propósito ou por um lapso de consciência. Eles veicularam seu igrejismo em obras publicadas durante décadas, que repercutiam num público de grandes dimensões, pelo Brasil e pelo mundo, algo que deve ser entendido como um procedimento feito com a mais evidente intenção de "vaticanizar" a Doutrina Espírita.

Outro dado a considerar é que Chico e Divaldo continuaram igrejistas mesmo após a promessa que os dois haviam feito há mais de 40 anos, para agradar espíritas autênticos diante da crise vivida pela cúpula da FEB após o falecimento do ex-presidente Antônio Wantuil de Freitas (que havia sido descobridor e "empresário" de Chico Xavier), de que os dois "médiuns" iriam "aprender Kardec".

Nem mesmo a pose de humildade, diante dessa promessa de, supostamente, obter um aprendizado melhor da doutrina kardeciana, convence, pois o aprendizado nunca foi devidamente alcançado, em que pesem exposições eventuais de ideias teóricas do Espiritismo original. Até porque, sabemos, é insuficiente expor a teoria kardeciana original num momento, e praticar igrejismo em outro. Não se faz um bom mestre por ele ensinar bem numa ocasião, e depois ensinar mal em outra.

Por isso, vemos que o "espiritismo" brasileiro vive uma crise bastante severa pelas más escolhas que teve. E agora as dívidas da promessa não cumprida se tornam ainda mais fortes, de forma que é impossível que essa promessa seja feita novamente, com o mesmo papo de "viver Kardec de verdade".

O apetite igrejeiro dos "espíritas" só aumentou, superando até mesmo os tempos em que o roustanguismo era mais aberto e mais explícito. Isso porque o que antes parecia uma formalidade acabou sendo a "alma" do "espiritismo" brasileiro, que, por ironia, se tornou ainda mais roustanguista quando o sobrenome Roustaing foi escondido nas gavetas da FEB.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

"Lata Velha", "padronizetes" e o apego a uma medida retrógrada e anti-popular


As denúncias sobre corrupção no sistema de ônibus do Rio de Janeiro - embora casos similares ocorram em cidades como São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre e Brasília, mas eles tentam ser abafados - revela o fracasso do modelo implantado em 2010 e um estranho apego a uma medida aparentemente estética, mas que mostra sua falta de funcionalidade e ilegalidade.

O apego doentio à medida da padronização visual dos ônibus, que faz com que até simples busólogos se comportem de maneira autoritária ou até neurótica - um busólogo da Baixada Fluminense "surtou" e foi praticar cyberbullying nas redes sociais, criar blog de difamação contra desafetos e até viajar para a cidade deles na tentativa de intimidá-los - e autoridades tentem trocar "seis por meia-dúzia" para resolver problemas sem combatê-los de fato, mostra a que ponto chegou o Brasil.

A pintura padronizada, uma atitude oriunda da ditadura militar e implantada pelo arquiteto e então prefeito-biônico de Curitiba, Jaime Lerner, inspirado nos ônibus militares, havia sido relançada no Rio de Janeiro sob as desculpas de "disciplinar" o sistema de ônibus, com um visual único que sugeria, supostamente, que as empresas de ônibus eram monitoradas pela prefeitura municipal.

Grande engano. A medida, que coloca diferentes empresas de ônibus sob uma mesma pintura, sob o aparato de "consórcios", "zonas de bairros" e "tipos de ônibus", confunde os passageiros na hora de ir e vir - por exemplo, torna-se impossível identificar um ônibus ao longe, por mais que se tente colocar em destaque o logotipo da empresa, como se faz em São Gonçalo - e já foi identificada como contrária a leis como a Lei de Licitação e o Código de Defesa do Consumidor.

Entre as infrações legais causadas pela pintura padronizada, estão os artigos 11 (natureza do serviço) e 12, inciso II (funcionalidade e adequação ao interesse público) da Lei de Licitações (Lei 8.666, de 1993) e o artigo 39, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 2.078, de 1990).

No caso da Lei de Licitações, a pintura padronizada, que expressa um visual imposto pelo poder público, contraria a natureza do processo, no caso concessão do serviço de ônibus a empresas particulares. O poder público concede o serviço, mas "fica" com a imagem, proibindo as respectivas empresas, beneficiárias da concessão, de apresentar ao público a própria identidade visual.

Além disso, a medida da pintura padronizada não traz funcionalidade, pois não há vantagem técnica em colocar diferentes empresas de ônibus para exibir a mesma pintura. Nem mesmo o crédito do nome da empresa em letreiros digitais ou em logotipos expostos nos ônibus garante funcionalidade, pois são detalhes que se perdem facilmente à vista de qualquer um.

Outro aspecto é a forma deturpada com que se interpreta a "adequação ao interesse público". De modo cafajeste, autoridades usavam como "adequação" a promessa de adquirir ônibus com ar condicionado ou veículos especializados, no caso BRTs (articulados). São coisas diferentes, não há lógica em usar ônibus refrigerados para justificar a pintura padronizada como "medida de interesse público". É como usar os parques de diversões para promover o reflorestamento de um lugar.

Aliás, isso também remete ao inciso IV do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor. Nele se fala que é vedado prevalecer-se da fraqueza, ignorância ou condição social do consumidor para impor um produto ou serviço. A pintura padronizada foi imposta pelo prefeito Eduardo Paes se aproveitando do desconhecimento da população, portanto cometendo claramente a infração prevista no referido artigo e correspondente inciso.

Ainda sobre o artigo 39, inciso IV, Eduardo Paes usou os ônibus com ar condicionado e os BRTs como "moeda de troca" para forçar o apoio da população aos ônibus padronizados, o mesmo "desvio de foco" que se fala do pretexto da "adequação ao interesse público". São coisas que nada têm a ver, e revelam o cinismo de Paes, que, para defender a pintura padronizada, chegou a ofender imigrantes portugueses, ao definir, pejorativamente, a diversidade visual dos ônibus cariocas antes de 2010 como "embalagem de azeite português".

"LATA VELHA" E "PADRONIZETES"

O caráter autoritário dos defensores da pintura padronizada se mostrou quando a medida foi divulgada, ainda em 2009, pelo então prefeito carioca. Busólogos que defenderam a medida usavam as mesmas alegações de "disciplina" que militares do Exército usam para defender a instalação de uma ditadura no Brasil.

Segundo denúncias de outros busólogos, havia uma articulação de uma minoria de busólogos para formar um "gabinete" da Secretaria Municipal de Transportes, quando o titular era o tecnocrata Alexandre Sansão. Com isso, surgiu, de repente, uma "luta fratricida" nas redes sociais, nas quais busólogos que defendiam a pintura padronizada passaram a agir com arrogância, intolerância e muita agressividade.

Os mais jocosos falavam dos opositores da pintura padronizada como "viúvas de lata de tinta". Diante de tantas discordâncias, os defensores da "PP", como era definida a "pintura padronizada", ainda chamavam os interlocutores de "seu m****".

Pelo menos dois busólogos estavam associados a atitudes típicas de haters e ciberbullies. O mais ambicioso, de uma cidade da Baixada Fluminense, então recém-saído de uma equipe de busólogos local, passou a fazer mensagens ofensivas nas redes sociais, ainda nos tempos do Orkut e dos primórdios do Facebook, com o objetivo de destruir reputações de busólogos emergentes. Também usava pseudônimos - que ele chamava de "fakes do bem", para divulgar ofensas no Fotopages.

Outro busólogo teria sido um rapaz que teria sido menor de idade em 2010 e também participou de mensagens ofensivas nas redes sociais, nos fóruns digitais e outros espaços similares. Este rapaz tinha como tática usar pseudônimos diversos, geralmente de desafetos ou de gente famosa, para paródias relacionadas ao homossexualismo ou à pornografia.

Em seguida, o busólogo mais velho empastelou uma petição digital feita contra a pintura padronizada com divulgação de mensagens jocosas de caráter ofensivo. Chamava outros busólogos, inclusive o encrenqueiro mais novo, para "zoar" na petição, rebaixando o espaço de abaixo-assinado a um falso chat de mensagens ofensivas e violentas. O busólogo mais velho chegou a falar que um desafeto iria "acordar com a boca cheia de formiga" (metáfora para ameaça de morte).

O busólogo da Baixada Fluminense havia também criado um blog de ofensas, o Comentários Críticos, que segundo várias fontes já foi denunciado para o SaferNet (serviço de denúncias sobre crimes digitais de qualquer natureza). Aparentemente o busólogo só copiava, para fins de difamação, textos e imagens de dois busólogos emergentes, mas a ideia dele havia sido esculhambar a busologia como um todo, inclusive aqueles que o busólogo da Baixada fingia ser grande amigo.

O objetivo é criar uma "derrubada de reputações" nas quais só sobrava o busólogo da Baixada, seu amiguinho mais novo e aquele que "aceitar engraxar os sapatos" dos dois. Mais tarde, o busólogo da Baixada foi denunciado pelos amigos, que revelaram a identidade do blogueiro "crítico" (dos Comentários Criticos).

Não bastasse o Comentários Críticos ter sido denunciado pela SaferNet, tornando-se de conhecimento da Polícia Federal, que recebe as denúncias, o busólogo da Baixada, ao fazer constantes visitas a Niterói para intimidar desafetos, chamava a atenção, tanto pela sua aparência robusta quanto pelo olhar "atento demais" na hora de tirar fotos, de milicianos que fazem ponto na área do antigo Carrefour, ao lado do Terminal João Goulart. Ligados à "máfia das vans", os milicianos pensavam que o busólogo era um miliciano rival querendo "dominar a área".

Com as denúncias - que incluem até mesmo ofensas pessoais quanto ao estado civil de alguns busólogos (ser solteiro durante muito tempo, por exemplo, era xingado de "virgem"; se divorciar, mesmo de forma amigável, seria "corno") - , os busólogos valentões saíram desmoralizados e o episódio repercutiu nacionalmente, com busólogos de outras partes do país acreditando que os busólogos do Rio de Janeiro "só vivem brigando".

Com o aumento dos acidentes de ônibus e da corrupção no setor, um triste espetáculo no qual a pintura padronizada serviu de lona, os busólogos que defendiam a "PP" passaram a perder a "moral" que se julgavam ter. Alguns discordantes que haviam sido antes alvos de humilhação passaram a definir os defensores da "PP" como "beatas de carimbo de prefeitura", "padronizetes" e "lambedores de gravatas".

A crise dos ônibus padronizados também se define pelo sucateamento do setor e por muitas irregularidades. Os ônibus padronizados - chamados pejorativamente de "ônibus iguaizinhos" - passaram a ser apelidados de "lata velha", de tão sucateados e sujos. Empresas de ônibus eram extintas, mudavam de nome ou trocavam de linha sem que a população soubesse de imediato. Os cidadãos eram os últimos a saber de tais imprevistos.

Situações assim também acontecem em outras capitais. Em Belo Horizonte, a pintura padronizada que faz uma mesma empresa tivesse mais de cinco pinturas diferentes, os custos de transferência de veículos de um sistema de linhas para outro é maior, o que faz com que, em situações de emergência, ônibus de um consórcio circulassem em linhas de outro com a pintura do consórcio anterior.

Em Brasília, empresas piratas facilmente utilizam as mesmas cores dos ônibus padronizados, se aproveitando da aquisição de carros vendidos pelas empresas oficiais. Em Florianópolis, onde diferentes empresas municipais passaram a ter uma mesma pintura sob o risível nome de "Consórcio Fênix", há denúncias de corrupção similares às do Rio de Janeiro. Em Curitiba, a corrupção é mais antiga, mas os grandes empresários tentam abafar as denúncias pressionando a imprensa a ignorar ou minimizar o assunto.

No Rio de Janeiro, o atual secretário de Transportes e vice-prefeito Fernando MacDowell, também engenheiro urbanista, garantiu que a pintura padronizada será cancelada nos ônibus municipais, o que, se realizado, refletirá no resto do Brasil. Mas a medida está demorando a acontecer devido aos escândalos de corrupção que impedem que o secretário mexa no sistema sem que se resolva a situação dos empresários envolvidos em diversas acusações.

O desgaste da pintura padronizada nos ônibus é notório, apesar da resistência desesperada de várias prefeituras, que andam trocando o design dos ônibus padronizados, como forma de "mudar a embalagem" em prol de uma falsa novidade.

Há também vários busólogos e políticos que andam assustados em ver que os ônibus deixarão de ser conhecidos pelo logotipo de prefeituras ou governos estaduais, num apego completamente desesperado e paranoico. Para eles, pouco importa o direito de ir e vir das pessoas que, com tantas coisas a fazer, precisam prestar atenção em ônibus com pintura igualzinha para não embarcarem no veículo errado. Daí que a pintura padronizada simboliza o egoísmo humano sobre rodas.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

O reacionarismo digital e a ameaça à sociedade


Desde os tempos do Orkut, o reacionarismo social se tornou um problema. Desde quando fascistas digitais se escondiam em comunidades mais populares como "Eu Odeio Acordar Cedo", a mania de humilhar os outros ultrapassou os limites.

Se há dez anos os ataques digitais, combinados por um grupo de pessoas que, num horário acertado, decidem humilhar e fazer ameaças a alguém, se limitavam a internautas anônimos ou semi-anônimos. Depois, eles passaram a ameaçar pessoas famosas e agora partem para ameaças institucionais, principalmente as entidades de ensino.

O perfil da maioria desses reacionários surpreende. Por um lado, jovens de aparência moderna, garotões com pinta de surfista, universitário ou skatista, moças com jeitão de descoladas, pessoas que gostam de noitadas, falam palavrão e que, na vida real, se reúnem em bares para beber muito e conversar e cantar alto. São pessoas "comuns", que aparecem nos eventos festivos (até no Rock In Rio, por exemplo), vestem roupas da moda e se acham "as mais modernas do mundo".

Por outro, pessoas que dizem acreditar em valores cristãos. Pessoas que falam em liberdade de fé, em caridade em Cristo, em amor ao próximo, quando tudo se encontra nos limites ideológicos promovidos pela sua religião. Eles também se misturam aos citados no parágrafo anterior para promover ataques digitais contra quem não corresponde aos pontos de vista de uns e outros.

E por que essas duas camadas opostas se juntam em ataques digitais? Pessoas que se dizem "tudo de bom", que "são da paz" e se acham "show de bola" envolvidos em campanhas de humilhação e até de ameaça de agressão física. Houve caso até de busólogo (pessoa que admira ônibus) envolvido em ataques digitais e até em visitas em cidades de suas vítimas a título de intimidação, o que indica que o ódio que ele expressava no Orkut e Facebook estava caminhando para a violência física.

Nos últimos meses, na Universidade Federal da Bahia, em Salvador, uma professora e um estudante receberam ameaças de morte pelas redes sociais por causa de pesquisas de gênero que estavam em andamento na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, localizada no bairro de São Lázaro, na capital baiana.

Uma professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim) e um aluno que produzia dissertação para o Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC), envolvidos em trabalhos sobre estudo de gênero e negritude, o que envolve, além de negros, questões ligadas à mulher e à causa LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), foram as vítimas dessas ameaças, que teriam sido enviadas por considerável envolvimento de internautas.

INTOLERÂNCIA

Esses ataques se seguem depois de, meses atrás, à filósofa estadunidense LGBT Judith Butler (casada com uma mulher) durante sua visita ao Brasil, e aos ataques feitos a uma performance de um homem nu numa exposição de arte em São Paulo e uma mostra de temas LGBT e heresia a símbolos religiosos em Porto Alegre.

Eles refletem a ascensão de grupos reacionários que, antes, haviam agido discretamente nos tempos do Orkut e até fingido se passar por "progressistas". Entre 2005 e 2007, esses reacionários chegaram a se proclamar de "centro-esquerda" e evitar atacar Lula e outros símbolos da esquerda, pois era a época do auge da popularidade do presidente brasileiro e os reacionários queriam obter apoio de internautas para uma ocasião em que eles pudessem fazer o seu proselitismo de direita.

De 2009 para cá, o reacionarismo passou a ser aberto, e, desde então, grupos passaram a ser formados, dando origem a organizações como Movimento Brasil Livre, Acorda Brasil, Revoltados On Line, Vem Pra Rua etc. Muitos passaram a defender abertamente políticos como Jair Bolsonaro, rompendo com o pseudo-esquerdismo dos tempos do "Eu Odeio Acordar Cedo".

Defendendo abertamente projetos de exclusão social, apoiando as "reformas" de Temer e projetos obscurantistas como Escola Sem Partido, essas pessoas passaram a expressar seus preconceitos sociais sem medo das consequências, animados com o golpe político que tirou a progressista Dilma Rousseff do poder, em 2016.

Esse público simboliza a onda de ódio e intolerância social que se volta contra os antigos beneficiados da fase em que o Partido dos Trabalhadores (PT) esteve no poder federal. Negros, homossexuais, trabalhadores, domésticas etc, tornaram-se alvo não só de projetos político-institucionais excludentes - como a chamada reforma trabalhista - , mas também de aberta campanha difamatória e até homicida de uma parcela de jovens que se expressam nas redes sociais.

Mesmo o busólogo (que reside numa cidade da Baixada Fluminense vizinha ao subúrbio carioca) que praticou intolerância social, criando página de ofensas e visitando as cidades de suas vítimas como forma de intimidar e ameaçar violência física, revela um sentimento segregacionista e discriminatório.

O busólogo, muito conhecido no seu meio, insultava negros, pardos e nordestinos radicados no Rio. Mesmo através da defesa doentia de uma medida antipopular imposta pela Prefeitura do Rio de Janeiro, a pintura padronizada nos ônibus (que prejudica os passageiros na hora de ir e vir devido à confusão de diferentes empresas sob o mesmo visual), ele era a expressão, no hobby da busologia, da intolerância social que infelizmente está em moda hoje em dia.

O reacionarismo ocorre, ironicamente, pela ilusão de liberdade sem limites dos internautas reacionários, para os quais só vale a liberdade deles, mas nunca a liberdade dos outros que diferem do seu status quo. Muitos desses reacionários nem sequer escondem seus nomes, pois eles se consideram "pessoas de coragem" e acham que estão "fazendo o certo" ao humilhar quem, segundo o juízo de valor deles, "não presta na sociedade".

E OS "ESPÍRITAS"?

É certo que os "espíritas" não aprovariam agressões desse tipo, mas sua postura em relação a grupos reacionários em geral chegou a ser de certo apoio, quando eles se envolveram nas passeatas contra Dilma Rousseff em 2016.

O periódico "Correio Espírita" chegou a definir os movimentos do "Fora Dilma" como "despertar político da juventude". Houve, entre os "espíritas", quem identificasse nos manifestantes a existência de "crianças-índigos" ou "crianças-cristais", mesmo em grupos como Revoltados On Line, cujo nome remete a "revolta", expressão definida como "negativa" pelo "movimento espírita".

Nos últimos meses, os "espíritas" se queixam de, supostamente, sofrerem intolerância religiosa, tanto na necessidade de pretensamente vincular ao sofrimento que, realmente, têm as religiões afro-brasileiras (frequentemente confundidas com "espiritismo"), quanto para interpretar de maneira tendenciosa os ataques sofridos a símbolos ou instituições "espíritas".

Há pouco tempo, um mausoléu de Francisco Cândido Xavier foi atacado por um vândalo a pedradas, em Uberaba. O responsável pelo mausoléu e "filho" adotivo de Chico Xavier, Eurípedes Higino, acredita ter sido, "sem dúvida", um "ato de intolerância religiosa".

Mas o contexto do "espiritismo" mostra que a religião não sofre intolerância, por ser uma religião de elite, do contrário que as crenças afro-brasileiras e muçulmanas, associadas a povos socialmente excluídos.

Além disso, o mausoléu de Chico Xavier foi alvo de ataques pelo fato dele ter sido uma celebridade. Até se fosse o mausoléu de Garrincha ou de Hebe Camargo, os ataques seriam rigorosamente os mesmos, vide o caso de uma estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, no Rio de Janeiro.

O "espiritismo" é uma das religiões mais toleradas do Brasil. Religião que se afastou das lições racionais de Kardec - fato comprovado no confrontamento das obras brasileiras com obras originais como O Livro dos Médiuns e O Livro dos Espíritos - , o "espiritismo" nunca teve a deturpação de sua matriz devidamente questionada em trabalhos de grande repercussão.

Pelo contrário, tudo que é relacionado ao "espiritismo" é aceito sem críticas. A participação de Divaldo Franco, no lançamento oficial da "farinata", duvidoso alimento que o prefeito de São Paulo, João Dória Jr., iria distribuir nas escolas e instituições religiosas (recentemente ele oficialmente desistiu da ideia), permitindo que seu nome e o logotipo do Você e a Paz fossem amplamente divulgados, como num vínculo de imagem, pelo governante, é um caso ilustrativo.

Nenhum jornalista sequer perguntou por que a "farinata" foi lançada num evento organizado por um "médium espírita". Ninguém observou o logotipo e o nome de Divaldo Franco claramente expostos durante o lançamento da "ração humana". Aquilo era vínculo de imagem, mas o "médium" saiu de fininho, diante do silêncio total da imprensa, mesmo a de esquerda.

Com isso, Divaldo Franco tem garantida a sua palestra no evento igrejista Você e a Paz prevista para dezembro, em Salvador, enquanto o homenageado da edição paulista, João Dória Jr., briga com colegas do PSDB e tem, a cada dia mais distantes, as chances de se candidatar à Presidência da República em 2018. Tolera-se até mesmo uma má decisão de um "médium espírita".

UFBA - Sobre os ataques, nas redes sociais, a pesquisadores da Universidade Federal da Bahia , a Polícia Federal está acompanhando o caso e investiga as mensagens ameaçadoras, com o objetivo de identificar as origens e os responsáveis.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Até que ponto os "espíritas" fazem lobby no mercado literário brasileiro?


O mercado literário brasileiro, nos últimos anos, é marcado pela mediocridade e por uma certa resistência a obras comprometidas com o conhecimento. É verdade que algumas coisas melhoraram em relação a 2015, quando o mercado viveu sua pior fase, mas mesmo assim a finalidade anestesiante ainda predomina na maioria das obras mais vendidas.

Em 2015, sabe-se, prevaleceu todo tipo de escapismo literário. Havia os habituais livros de auto-ajuda, que mais servem para ajudar os autores a faturarem mais. Além deles, romances de jovens estudantes transformados em vampiros. A reboque, vieram diários de youtubers, dotados do mais puro superficialismo, romances de jogos eletrônicos de Minecraft e até livros para colorir, risivelmente incluídos na categoria de "não-ficção".

Os livros para colorir, embora aparentemente bem intencionados - eles são anunciados como "literatura (sic) anti-estresse" - , eram uma aberração injustificável diante de um contexto em que jornais e revistas deixam de ter versões impressas e passam a ser publicados somente na Internet. Assim como esta mídia, os livros para colorir, ao menos, deveriam ser publicados só na Internet, deixando ao leitor a opção pessoal de imprimir ou não.

Muitos desses livros para colorir acabaram tirando o espaço de muitas obras comprometidas com o conhecimento, fazendo com que 2015 se tornasse um ano surreal da literatura, no qual a finalidade anestesiante de fuga do saber era o objetivo um tanto insólito e contraditório, pois os livros deveriam ser uma atividade que estimulasse a obtenção do saber e não o contrário.


Aí, percebemos fatos surreais como a ausência de obras literárias de grande envergadura, como as do escritor maranhense Humberto de Campos. A última vez que foi lançada a coleção de livros dele, foi em um volume único, em 2014, para celebrar os 80 anos de falecimento do escritor.

As obras do autor maranhense geralmente são disponíveis apenas em sebos e em arquivos para download na Internet. Admite-se que páginas como o portal de sebos Estante Virtual e o de livros digitais Domínio Público fazem sua parte, mas nem todas as obras de Humberto aparecem disponíveis nessas páginas.

Enquanto isso, as obras, reconhecidamente fake, atribuídas ao espírito Humberto de Campos, trazidas pelo "médium" Francisco Cândido Xavier, são livremente publicadas e disponíveis com a facilidade de um cafezinho num circuito de bares.

Essas obras, que qualquer pesquisa mais atenta e uma leitura mais apurada vai reconhecer disparates grosseiros em relação ao estilo original do autor maranhense, circulam livremente, e, não obstante, também têm versões gratuitas para download, na Internet, com a diferença de que são TODAS as obras "mediúnicas", em edições integrais.


Até que ponto a FEB e o "movimento espírita" podem influir no mercado literário brasileiro? Sabemos que a FEB exerce um lobby que inclui a Rede Globo de Televisão e outras instituições relacionadas ao conservadorismo ideológico que garante a blindagem do "espiritismo" brasileiro. Mas não há como entender como os "espíritas" podem influir tanto nesse lobby, que envolve também outras editoras, mesmo fora do âmbito "espírita".

As pessoas sentem falta de uma obra como O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia, de Attila Paes Barreto, que foi lançado em 1944 e se tornou uma raridade. Nem mesmo uma versão em PDF foi disponibilizada deste livro que aponta irregularidades severas em relação à suposta mediunidade do arrivista Chico Xavier, o "Aécio Neves dos espíritas".

Enquanto isso, livros como Não Será em 2012 alimentam uma série de adaptações em documentários e, depois, em livros baseados em documentários, e documentários baseados em livros baseados em documentários e assim por diante. O referido livro, de Marlene Nobre e Geraldo Lemos Neto, já inspirou o desnecessário documentário Data-Limite Segundo Chico Xavier, que por sua vez foi adaptado para um livro homônimo de Juliano Pozzati e Rebecca Casagrande.

O "movimento espírita" se compromete com a atualização, nunca devidamente assumida, da herança do Catolicismo do Brasil-colônia. Embora, em tese, o "espiritismo" brasileiro é uma adaptação local da doutrina de Allan Kardec, essa ideia é falaciosa, porque, o que vemos, em seu conteúdo, é uma forma reciclada do Catolicismo jesuíta do período colonial, com as devidas adaptações de contexto.

Uma dessas adaptações, por exemplo, é a combinação do Catolicismo medieval - vigente no Catolicismo jesuíta português, introduzido no Brasil a partir da catequização dos índios - com elementos de feitiçaria e esoterismo, como se houvesse um acordo entre os católicos medievais e uma parcela de hereges.

Dessa forma, a paranormalidade adotada no "espiritismo" brasileiro pouco tem a ver com a que é sistematizada em O Livro dos Médiuns - livro que adverte sobre muitos aspectos negativos de deturpadores, depois praticados pelas obras dos "médiuns" brasileiros Chico Xavier e Divaldo Franco, entre outros - , estando mais próxima de feiticeiros, bruxas e videntes que atuavam no submundo da sociedade medieval.

Quanto ao pretenso intelectualismo, não é de hoje que a FEB e as lideranças "espíritas" adotam uma postura ilustrada e pedante. No começo do século XX, "espíritas" posavam como se fossem membros da Academia Brasileira de Letras, como se a FEB fosse um arremedo desta instituição. 

Não é surpresa, portanto, que escritores que haviam sido membros da ABL, como Humberto de Campos e Olavo Bilac, ou eram patronos (autores já falecidos homenageados pelas cadeiras da academia na época de sua fundação, 1897), como Casimiro de Abreu e Castro Alves, tenham sido usurpados pelo "movimento espírita" na publicação de supostas obras psicográficas, cujo conteúdo apresenta graves irregularidades de estilo.

Essas obras, por essas irregularidades, se tornaram precursoras da literatura fake depois difundida na Internet. Não por acaso, pela sintonia vibratória de acordo com o nível obscurantista das redes sociais, como Facebook e WhatsApp, o "movimento espírita" encontra cadeira cativa nestes espaços virtuais.

A deturpação presente no "espiritismo" brasileiro, que o fez fugir do legado original de Kardec, apesar de toda bajulação a sua figura, permite essas situações surreais, em que obras fake são tidas como "verdadeiras" pela carteirada religiosa que significam.

O que se pode inferir sobre o lobby dos "espíritas" no mercado literário - que faz com que a FEB tenha instalações na Bienal do Livro, como nas fotos acima da edição de 2016 - é que o poderio do "movimento espírita", que derruba de vez a sua imagem de "humilde" e "despretensiosa", reflete as condições que travam o progresso do nosso país, entregue a essa forma reciclada de obscurantismo religioso que se sustenta sob um verniz "intelectual".

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Charles Manson e o moralismo dos assassinos ilustres


Tirar a vida dos outros levantando bandeiras moralistas, como um certo ódio a movimentos de vanguarda e de esquerda ou a defesa do machismo dá a certos assassinos de classes abastadas uma postura glamourizada, da qual passam a formar até estranhos fãs-clubes.

O falecimento do fracassado músico e ator Charles Manson - que havia feito testes para entrar na banda de rock Monkees e tentou se entrosar com músicos e produtores ligados aos Beach Boys e Byrds - , aos 83 anos, num hospital de Bakersfield, na Califórnia, aos 83 anos.

Ele era líder de uma seita macabra chamada Família Manson, que pretendia liquidar várias celebridades associadas à "decadência da sociedade". O projeto sanguinário começou quando Manson não era valorizado como músico aspirante pelo produtro Terry Melcher, conhecido por trabalhar com os Byrds. Melcher era filho da atriz Doris Day.

Manson então se declarou machista, racista e manifestava seu profundo ódio sobretudo ao movimento hippie e aos famosos que estiveram em evidência nos anos 1960. Ele planejava matar Melcher e Day, mas não conseguiu. E Manson usava canções dos Beatles, como "Helker Skelter", para justificar seus crimes. Por ironia, o perturbado Mark Chapman matou o ex-beatle John Lennon por motivos similares aos que inspiraram a atuação da Família Manson.

A chacina se deu em 09 de agosto de 1969. Membros da Família Manson saíam armados para disparar fogo contra vários alvos, entre eles a atriz Sharon Tate, então conhecida pelo filme O Vale das Bonecas, de 1967, e esposa do cineasta Roman Polanski. Em outra ironia, Charles Manson nasceu em 12 de novembro de 1934, exatos 35 anos antes de Guilherme de Pádua, ex-ator que havia assassinado a atriz Daniella Perez, em 28 de dezembro de 1992.

Vários membros foram presos e receberam prisão perpétua. Charles Manson, digamos, se livrou de três mortes. Uma, porque a pena de morte foi trocada pela prisão perpétua, por causa da revogação de uma lei local. Outra, é que a prisão perpétua o fez viver até 83 anos completos. A terceira, foi a sobrevivência de uma doença grave em janeiro, a mesma que, no entanto, o matou ontem.

Manson, se estivesse fora das grades há um tempo, digamos, em 1976, se valessem as normas brasileiras - que não preveem prisão perpétua, mas 30 anos de prisão, com liberdade condicional por bom comportamento depois de cumprido um sexto da pena - , teria morrido há tempos, pelo seu estilo de vida desregrado (consumia cocaína e era metido em confusões), e estima-se que, se Manson vivesse fora das grades desde então, teria morrido provavelmente entre 1994 e 2002, talvez antes.

Manson é o segundo dos principais membros da Família Manson a morrer. Em 24 de setembro de 2009, Susan Atkins, também envolvida no assassinato de Sharon Tate, faleceu aos 61 anos de câncer. A maioria dos membros da Família Manson está viva, mas alguns poucos também morreram e outros viveram no ostracismo, sem informações conhecidas de paradeiro.

A morte de Manson é a primeira grande morte, sem ocorrência de assassinato ou suicídio, amplamente divulgada de alguém que cometeu um crime. O psicopata também foi beneficiado, num contexto surreal dos EUA, por ter sido um "anti-herói", apoiado pela sociedade ultraconservadora (capaz de apoiar grupos como Klu Klux Klan), contra o movimento hippie e o psicodelismo.

Além disso, Manson chegou a ser considerado "cult" numa fase de "diarreia cultural" do grunge, quando nomes como G. G. Allin e Genitortures puxavam uma estranha onda de escatologia e morbidez comportamentais. Um evento de rock chegou a ser feito para comemorar os 60 anos de Manson, idolatrado como se fosse um psicopata fictício de filmes-B. O Guns N'Roses chegou a gravar uma música do psicopata, "Look at Your Game, Girl".

E NO BRASIL?

Há três assassinos de grande repercussão, famosos e idosos, com históricos de graves doenças. Dois feminicidas e um fazendeiro, associados a bandeiras moralistas que variam da "defesa da honra machista", da "defesa da família conjugal" e do "direito à propriedade de terra", esta uma desculpa para fazendeiros fuzilarem até missionárias que lutem contra o abuso de posses de terra de ricos latifundiários, um problema "clássico" do nosso coronelismo.

O feminicida Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, de importante família aristocrática, a Street, tem um histórico de intenso tabagismo com uso de cocaína no passado. Matou a esposa, a socialite e ex-modelo Ângela Diniz por ciúme doentio, em Búzios, no dia 30 de dezembro de 1976. Nascido no mesmo ano de Manson, Street apareceu pela última vez, aparentemente saudável, em agosto de 2006, divulgando seu livro Mea Culpa, no qual tentava explicar seu crime pelo ponto de vista pessoal.

Mas há rumores, nunca oficialmente divulgados, de que Doca Street estaria sofrendo um câncer há 30 anos. Geralmente machistas não assumem adoecer de câncer e, com um intenso histórico tabagista que preocupava amigos, conforme reportagem de Manchete em janeiro de 1977, é possível que, hoje, o câncer esteja em estágio bastante avançado, para não dizer terminal.

O assassinato de Ângela e a soltura de Doca da prisão, por conta de seu advogado Evandro Lins e Silva (que, numa exceção à sua trajetória progressista, foi defender um machista rico) em 1981, inspirou uma grande série de atos semelhantes, criando uma onda de feminicídios conjugais que até hoje acontecem com surpreendente frequência.

Ironicamente, Doca matou Ângela em Búzios, distrito de Cabo Frio e vizinha de Casimiro de Abreu, terra natal do homônimo poeta ultrarromântico, movimento associado a homens solitários com o perfil oposto ao do empresário paulista que assassinou a mulher. Quando a imprensa noticiou os 40 anos do assassinato, no final de 2016, aparentemente não foi noticiado o atual paradeiro de Doca, depois das entrevistas que ele deu em 2006.

Outro feminicida, Antônio Marcos de Pimenta Neves, hoje com 80 anos, era chefe de redação de O Estado de São Paulo quando assassinou, por ciúme doentio, a colega Sandra Gomide, então com 33 anos em 20 de agosto de 2000. Pimenta Neves tentou suicídio ingerindo uma overdose acidental de remédios.

Segundo o portal IG, Pimenta Neves, nos últimos anos, ficou parcialmente cego por sintomas de diabetes e sofre de câncer na próstata. Há rumores de que ele também estaria sofrendo um processo de falência múltipla dos órgãos por efeito da overdose que havia cometido em 2000.

O fazendeiro Darly Alves é conhecido por ter sido o mandante do assassinato do líder ambientalista Chico Mendes, em 15 de dezembro de 1988, executado por seu filho Darcy Alves. Ambos estão entregues à impunidade. Darly é conhecido pelas constantes internações por causa de problemas sérios de úlcera.

As mortes de homicidas dessa espécie assustam a sociedade conservadora, por certas razões. Uma, pelo fato deles serem vistos como "justiceiros" moralistas diante de certas transformações sociais que as elites consideram incômodas, como a emancipação da mulher, a causa LGBT e a ascensão dos movimentos de trabalhadores rurais. Outro, é pelo medo de que, mortos, eles fossem assombrar a sociedade em virtude da interrupção da vida carnal.

Há até mesmo lendas de feminicidas que, ao morrerem, ficam "presos" às casas onde cometeram crimes. São apenas lendas. Na verdade, segundo a natureza do espírito desencarnado, assassinos, quando morrem, tendem a reencarnar o mais rápido possível, na ânsia de afastar a marca sombria de suas encarnações anteriores.

Diante das pressões sociais em que passam a viver, homicidas em geral tendem a viver de 60% a 80% a expectativa de vida de pessoas comuns. Sendo o homicídio o egoísmo humano levado às últimas consequências, o próprio executor sofre as pressões emocionais e sociais que acabam contribuindo, direta ou indiretamente, para o agravamento de doenças e ocorrência de acidentes trágicos.

Como diz a música "Hey Joe" (cuja original, interpretada por Jimi Hendrix Experience, remete a um recado a um feminicida), na versão do grupo brasileiro O Rappa: "também morre quem atira".