sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Mensagem "espiritual" atribuída a Allan Kardec dá indícios de obra 'fake'


É muito pouco provável que o professor Leon Rivail, conhecido pelo pseudônimo de Allan Kardec, tenha deixado mensagens espirituais. As mensagens que foram divulgadas atribuindo-se a ele soam muito igrejeiras, e, no caso brasileiro, bastante grotescas, sendo a mais famosa, por Frederico Júnior, lançada em 1889, mostrando um suposto Kardec que pedia para valorizarmos a "revelação da revelação" (nome dado à causa do deturpador J. B. Roustaing).

O que se pode inferir, com base na personalidade rigorosamente criteriosa e objetiva de Kardec, é que ele não teria retornado à Terra nem enviado mensagens espirituais. Mesmo deixando seu trabalho incompleto, Kardec teve consciência, na fragilidade de sua doença, de ter deixado uma orientação suficiente para a humanidade apreciar sua teoria e suas ideias.

A mensagem que reproduzimos abaixo é uma "pegadinha". Ela foi publicada na França, destinada à Revista Espírita e publicada nos Anais do Espiritismo daquele país. Isso sugere que a mensagem atribuída a Allan Kardec é "autêntica" e "indiscutível", mas indícios de que a mensagem tem veracidade duvidosa, embora sutis, podem ser identificados.

O texto, no seu conteúdo, apresenta um Kardec estranho, que se proclama um "missionário" e não um professor e muito menos lembra o Kardec original que lançava ideias com o objetivo de estabelecer um debate e mesmo um questionamento, a ponto de dizer que, se a Ciência provar logicamente o equívoco de uma ideia lançada pelo Espiritismo, que se prefira a Ciência do que a Doutrina Espírita.

No texto abaixo, embora o suposto Kardec fale em "ciência", o texto soa bastante igrejeiro. Ele transforma a "ciência espírita" numa religião e Kardec, estranhamente, trata a si mesmo como se fosse um "missionário". Isso parece bonito para as pessoas, mas contraria a natureza pessoal de Kardec, que nunca se comportou como se fosse um militante religioso.

As alegações do suposto Kardec soam místicas e o Espiritismo é visto como uma religião, e o texto triunfalista foge da natureza kardeciana original, embora, sendo uma mensagem veiculada na França e não no Brasil (onde supostas mensagens espirituais não escondem seu caráter fraudulento), pareça um sutil arremedo das mensagens que Kardec veiculou em obras finais como A Gênese e a coletânea Obras Póstumas.

Embora pareça estranho para os leigos, a Revista Espírita (La Revue Spirite), periódico fundado por Kardec, escapou dos propósitos originais do pedagogo de Lyon. O Espiritismo original também foi deturpado na França, a partir de J. B. Roustaing, mas mesmo os seguidores de Kardec suavizaram seu legado ao sabor de crenças católicas, o que comprometeu a essência original da Doutrina Espírita.

Isso significa que mesmo o Espiritismo francês se deixou diluir ao sabor do Catolicismo, não com a voracidade que se observa no Brasil, mas de maneira decisiva, tanto que, no decorrer dos tempos, deturpadores como Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, teriam livros traduzidos para o francês.

Vamos ao texto da mensagem do suposto espírito de Kardec.

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Comunicação de Allan Kardec em 30 de Março de 1924, confiada à - "La Revue Spirite" - pelos Anais do Espiritismo de Rocheford-Sur-Mer (França). N. º de julho de 1924.

"Outrora os espíritas podiam ser contados nos dedos. Escarneciam e praguejavam contra aqueles que se interessavam por essa Ciência; esses tais eram tidos por malucos e evitados com cautela; mas, hoje, vai-se fazendo luz intensa sobre o Espiritismo, porque os sábios o explicam e procuram a realidade dos fatos. Eu não disse na minha vida terrestre, que o Espiritismo havia de ser cientifico ou morreria?

E a ciência vai pouco a pouco homologando os fenômenos espíritas.

Para muita gente, nós o sabemos, esses fenômenos continuam ainda incompreensíveis, porque não se pode explicar e analisar a força que os produz, mas dia virá em que os sábios à descobrirão e provarão que, se a matéria compõe nosso corpo, existe também no ser humano uma coisa mais sutil que anima esse corpo: a alma imortal!

Com grande alegria vejo um raio luminoso aclarando alguns sábios que tendo a princípio repelido os fatos com desdém, observando-os depois com atenção, vão reconhecendo a sua realidade.

Direi, portanto, aos que ainda não compreendem o Espiritismo: estudai, observai, mas não o aceiteis senão com a vossa razão e com a ciência; é por atenção acurada na observação dos fenômenos que chega a concluir: Cela est! ("É isso!", em francês - o tradutor manteve a expressão original)

Aqueles que nos fatos espíritas só vêm ilusão e crendices da parte dos médiuns que nós animamos, estão em erro, podem também estar de má fé.

Se há médiuns mais preocupados de seus interesses que da verdade, também os há, e em maior número, que são sinceros e desinteressados e são na realidade uma força psíquica poderosa, capaz de ajudar os Espíritos a produzir fenômenos; esses são para nós preciosos auxiliares que nos permitirão atingir o triunfo de nossa obra de Luz.

Que Deus abençoe esse trabalho dos Espíritos, que vai crescendo de dia para dia neste planeta, para maior bem da humanidade. Quanto a mim, a minha missão espiritual está cumprida em parte, e dentro de alguns anos tornarei a reencarnar-me entre vós, amigos; e muitas pessoas jovens, que aqui se acham presentes, poderão reconhecer-me então pela minha obra de Espiritismo.

Essa missão terrestre eu a aceitarei com jubilo por amor de meus irmãos da Terra; e para bem a desempenhar meu espírito está se instruindo, está se iluminando nestas maravilhas estupendas e sem limites, onde há tanto que observar.

Eu estou aí haurindo poderosas forças espirituais para voltar ao serviço do progresso da humanidade terrestre, para afirmar a meus irmãos a realidade e a beleza desta vida do espírito no Espaço.

Sim, eu voltarei para trabalhar neste planeta onde lutei e sofri, mas estarei com o espírito mais forte, mais generoso, mais elevado, para aí fazer reinar mais fraternidade, mais justiça, mais paz".

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