terça-feira, 30 de maio de 2017
"Espiritismo" e o poder descomunal da Rede Globo
Existe uma frase irônica que diz que o Brasil é uma concessão da Rede Globo. O poder descomunal e sem limites da rede televisiva, surgida em 1965, se expressa na determinação de comportamentos, costumes, gírias, visões de mundo, vestuários e até gosto musical, com um poder manipulador sem precedentes na História do Brasil. A Globo até escolhe e derruba presidentes da República de acordo com seus interesses estratégicos, se comportando como se fosse um partido político.
Se você fala "balada" para definir a "vida noturna" ou "galera" para definir todo tipo de grupo social, acha o ex-presidente Lula "o maior corrupto do Brasil de todos os tempos", adora ver futebol nos fins de noite de quartas-feiras, enxerga a realidade como se fosse uma novela e acha que tratar bem as crianças é fazer festinha todo fim de semana, isso significa que não há escapatória: você de alguma forma é influenciado pela Rede Globo, por mais que odeie a emissora.
Muitas pessoas também falam "cliente" em vez de "freguês", a ponto de alguns imaginarem por que Eduardo Paes, afeito a tantas tolices, não determinou a mudança de nome de dois bairros homônimos cariocas, na Ilha do Governador e em Jacarepaguá, de Freguesia para Clientela. Também é influência da Globo, que chegou ao ponto de definir como será o vocabulário a ser falado pela população.
Os "espíritas" também não sabem que a imagem de "filantropo" associada a Francisco Cândido Xavier, tão tida como "espontânea" e "natural", também é fruto da manipulação da Rede Globo, que precisava de um ídolo religioso "ecumênico" para tentar neutralizar a ascensão de pastores neopentecostais que arrendavam horário em emissoras concorrentes, como Edir Macedo, mais tarde dono da Rede Record.
Chico Xavier já era um ídolo religioso inventado pela habilidade publicitária do então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, para impulsionar a venda de livros. Reunindo estereótipos de devoção católica, ingenuidade caipira e o apelo sensacionalista da suposta paranormalidade, Chico Xavier tornou-se um mito arrivista, mais próximo de um velocino de ouro do que de um equivalente brasileiro de Jesus de Nazaré, personalidade já bastante deturpada por católicos e evangélicos.
O mito de Chico Xavier, no entanto, era bastante confuso nas mãos do agressivo Wantuil. E a alegação, depois mentirosa, de que Chico "recebia" mensagens de literatos mortos, só causou problemas e foi essa malandragem que acabou trazendo ao "espiritismo" brasileiro as energias malévolas que acabaram permanecendo neste movimento religioso, por mais que seus líderes e adeptos reneguem tal realidade.
Chico Xavier era blindado pela Rede Tupi, o que mostra o quanto o poder televisivo adora mitos que misturem paranormalidade e beatitude católica. Um "católico sem ser católico" é o que o "espírita" acabou se tornando, virando uma marquize de fé para católicos não-praticantes com preguiça de encarar a ginástica do senta-e-levanta das missas dominicais.
Mas, morto Wantuil, Chico Xavier passou a ter o mito "redesenhado" pela Rede Globo de Televisão. Eliminaram-se os aspectos confusos e, da "mediunidade", destacou-se menos a suposta comunicação com os intelectuais do além-túmulo e se enfatizou mais as "cartas" dos "anônimos falecidos".
Fora esse detalhe, o mito de Chico Xavier obedeceu rigorosamente o roteiro que o inglês Malcolm Muggeridge bolou para outro mito religioso duvidoso, Madre Teresa de Calcutá. Tida como "símbolo de caridade", Madre Teresa, que por ironia se assemelhava fisicamente à Bruxa do Mar (Sea Hag, em inglês), vilã das estórias do Popeye, foi mais tarde denunciada pelo jornalista Christopher Hitchens por ter mantido doentes e miseráveis em condições sub-humanas em suas "casas de assistência".
Chico Xavier, que defendeu o golpe militar de 1964 e apoiou a ditadura, com suas próprias palavras, num programa de TV de grande audiência - e, hoje, também muito visto no YouTube - , seguiu o mesmo roteiro de Muggeridge: chegava a uma "casa de caridade", era recebido pela multidão, carregava bebê no colo, saudava populares, cumprimentava miseráveis nas ruas, entrava na casa, via doentes na cama e meninos pobres tomando sopa e depois ia à mesa no salão dar depoimentos que vão virar frases de efeito, supostos "pensamentos de sabedoria".
A Rede Globo, portanto, recriou Chico Xavier de uma forma "limpa", adaptando para o contexto brasileiro o roteiro de Malcolm Muggeridge no documentário sobre Madre Teresa e aplicou a fórmula em seus programas jornalísticos, a partir de uma edição do Globo Repórter, mas depois seguida pelo Fantástico e pelo Jornal Nacional.
As pessoas que levam naturalmente a abordagem televisiva como se fizesse parte de suas vidas pessoais passou a assimilar o mito de Chico Xavier naturalmente. Sem a batina católica, o "médium", promovido a um pretenso filantropo - praticando o mesmo Assistencialismo que serve para a promoção pessoal do apresentador Luciano Huck - , servia tanto para alimentar as fortunas dos dirigentes da FEB e federações regionais quanto para reforçar o poder da Rede Globo.
No primeiro caso, considerando que o poder centralizador da FEB deu lugar a um poder relativo frente às federações regionais, já que estas comandavam a "fase dúbia" do "movimento espírita" (um igrejismo fantasiado de "recuperação das bases kardecianas"), o mito de Chico Xavier, sem as confusões pitorescas da Era Wantuil, criava a esperada estabilidade de um ídolo religioso que fazia o "milagre" de vender livros e outros produtos que enriquecessem os cofres dos dirigentes "espíritas", sob o pretexto do "pão dos pobres".
No segundo caso, se permitia a popularização de um "católico sem batina" cujo apelo poderia ser "ecnumênico", atingindo, se possível, até os ateus. É um grande truque publicitário, que faria com que um ídolo religioso fosse adorado "sem pretensões" e "sem vínculos institucionais", ou seja, um ídolo religioso que ultrapassasse barreiras da própria religião "espírita", de forma a barrar a influência dos pastores eletrônicos das seitas neopentecostais, derivadas da pioneira Igreja Nova Vida.
Com isso, empurrava-se a adoração do moderno "velocino de ouro" que sempre foi Chico Xavier, alvo de doentias paixões religiosas (tão perigosas quanto as paixões do sexo e da fortuna) até para setores das esquerdas, em que pese o "médium" ter esculhambado os movimentos sociais, como camponeses e operários, na TV, e ter defendido a ditadura militar, pedindo para o povo orar em favor de generais (e, por conseguinte, torturadores) que "construiriam o reino de amor do futuro".
A "bondade" de Chico Xavier é tão fictícia quanto uma novela da Globo, pois vemos que sua "caridade" quase nada ajudou. Era muita ostentação para atos frouxos de mero Assistencialismo, parecidos com os que Luciano Huck faz ultimamente, que trazem muito pouca ajuda, não transformam a sociedade e só servem para a promoção pessoal do "benfeitor", idolatrado em excesso pelo muito pouco que fez.
Foi uma campanha tão bem construída que criou uma falsa unanimidade, o que mostra o quanto os efeitos da fábrica de consenso podem ser produzidos. A Globo determina que gíria deve ser falada ou que ídolo religioso deve simbolizar um paradigma de "bondade" que garanta o sossego dos privilegiados extremos, "resolvendo" a pobreza sem ameaçar as fortunas dos ricos e poderosos, e criando uma figura que se torna alvo de idolatria cega típica das mais mórbidas paixões religiosas.
As pessoas acabam achando tudo natural, assimilando o que a TV determina como se fosse a voz de suas próprias consciências. Isso é muito perigoso e mostra o quanto a mente de um executivo da Rede Globo pode, depois, se converter numa suposta vontade popular a ponto de ser endossada até mesmo por aqueles que aparentemente odeiam a emissora. Se a Rede Globo consegue exercer sua influência até nos seus detratores, isso significa um perigoso privilégio de poder. Um poder descomunal.
domingo, 28 de maio de 2017
Nos acostumamos mal com o "espiritismo" deturpado
O Brasil vive uma situação vergonhosa. Se acostuma fácil com absurdos e realidades surreais, convivendo com eles durante décadas, a ponto de reagir, não só com estranheza, mas com certa indignação, quando se revela a verdadeira natureza de tais absurdos.
Há pelo menos 73 anos, convivemos com um "espiritismo" que fingimos estar de acordo com as ideias de Allan Kardec. De fato, o "espiritismo" brasileiro era deturpado até uma década antes da fundação da Federação "Espírita" Brasileira, mas ele se consagrou quando a Justiça se recusou a punir a farsa "psicográfica" de Francisco Cândido Xavier e seu "Humberto de Campos" que falava mais como um melancólico padre católico do que o altivo intelectual que era o autor maranhense.
Coisas absurdas, quando se consagram, ganham um aspecto de falsa estabilidade. É como num cálculo complexo de Matemática, que envolve várias operações, das quais a primeira é feita de maneira errada, enquanto as outras aplicadas corretamente. O resultado será sempre errado, mas o aparato dos bons cálculos depois do primeiro malfeito dá a falsa impressão de ser um cálculo corretíssimo do começo ao fim.
As pessoas não percebem o fedor de certos ambientes, as armadilhas sob a relva, o excesso de "açúcar" em palavras e narrativas aparentemente belas, e permanecem nas zonas de conforto de tal forma que acreditam até em maneiras erradas de sair da zona de conforto.
Vivemos num país cheio de erros gravíssimos e achamos natural. Muitos tentam até manter essa situação, porque lhes parece agradável, misturando pompa excessiva, pieguice e falsa modéstia aqui e ali. Como numa operação matemática começada errada, as pessoas tentam criar uma falsa estabilidade num contexto social brasileiro que deixa o resto do mundo de cabelos em pé.
Ser medíocre, sórdido e dissimulado, no Brasil, é erroneamente considerado como originalidade, e isso nunca fez o país sair da situação viciada em que se atola, se apegando a paradigmas de atraso diante de várias desculpas, como a falsa promessa do atraso "se modernizar" e do sórdido se "limpar", além de sempre apelarmos para o "velho" para conduzir o "novo" no nosso país.
Para conduzir a Doutrina Espírita, por exemplo, apelamos para um caipira ultraconservador, com uma mentalidade ainda apegada ao Segundo Império e que era um católico ortodoxo, de inclinação medieval. E o pior é que as pessoas se apegam a ele por uma idolatria cega e excessivamente piegas, que também é uma demonstração de um sentimentalismo velho, que cheira a mofo tóxico misturado com poeira forte acumulada há muitos e muitos anos.
Sim, estamos falando exatamente de Francisco Cândido Xavier, do Chico Xavier que ainda é alvo de extrema idolatria de seus fanáticos seguidores ou de simpatizantes que, agindo por boa-fé, se deixam levar pelo estereótipo do "velhinho frágil" de "sorriso choroso" que representa velhos paradigmas de devoção religiosa e virtudes morais ideologicamente conservadoras.
O Brasil é extramente conservador e frequentemente nos chocamos quando vemos pessoas que pareciam modernas se revelarem tão obscurantistas. Não se trata apenas de um rebelde Lobão, roqueiro que se revelou ultrarreacionário, nem de jovens com aparência de surfistas que nas redes sociais defendem a intervenção militar e se declaram fãs de Jair Bolsonaro.
Mesmo pessoas tidas como progressistas, como artistas performáticos, ativistas feministas, pessoas de comportamento provocativo etc, se revelam conservadoras. O Brasil acumulou tanto seu conservadorismo que aqui o feminismo precisa negociar duplamente com o machismo para ter vez na sociedade brasileira.
Nesta negociação, ou a mulher trabalha seu feminismo sob a "proteção" de um marido poderoso - seja ele empresário, político, executivo ou profissional liberal - , ou ela se submete ao machismo recreativo fazendo o papel de "objeto sexual".
Nos últimos tempos, diante da crise da hipersexualização brasileira, a cantora de "funk" Valesca Popozuda tornou-se remanescente entre aquelas que ainda se projetam não só com a imagem de "objetos sexuais" mas como arremedos sutilmente depreciativos da imagem da "feminista solteira", que no Primeiro Mundo nada tem a ver com "funk" nem com hipersexualização.
O que se vê é que o Brasil acumulou mofo em seus valores sociais. Mesmo quando havia os governos progressistas de Lula, o ultraconservadorismo social era latente, em muitos casos escancarado (como na campanha de veículos midiáticos como Rede Globo e Veja), em outros dissimulado (quando pessoas reacionárias em valores culturais fingiam um falso progressismo político visando obter vantagens e promoção pessoal).
Até a chamada "cultura popular" foi alvo de uma campanha que visava mais manter os padrões simbólicos da pobreza social - como o alcoolismo, a prostituição e o comércio de produtos velhos, piratas ou clandestinos - do que desejar melhorias ao povo pobre, que só poderia ser "assistido" pelo paternalismo da intelectualidade complacente, uma espécie de Assistencialismo cultural.
E aqui entra um grave problema que se torna a desculpa usada para defender os deturpadores do Espiritismo e garantir a reputação deles. É o Assistencialismo que, em muitos casos, é feito sob o rótulo de "Assistência Social".
Sabe-se que Assistência Social é uma filantropia que transforma profundamente, não raro ameaçando os privilégios dos ricos, enquanto o Assistencialismo é apenas uma filantropia pontual e parcial, que beneficia muito pouco e expõe mais o benfeitor, que se promove demais com tão pouca ajuda.
Não bastasse o "médium espírita" ser uma monstruosa aberração no Brasil, devido ao "culto à personalidade" que os ditos "médiuns" recebem por virarem dublês de pensadores a espalhar a deturpação espírita, eles, com seu arremedo de filantropia, representação típica do Assistencialismo que hoje é questionado através do exemplo midiático de Luciano Huck.
Poucos percebem o quanto é vergonhoso haver, no caso das caravanas "filantrópicas" de Chico Xavier, tanto espetáculo, tanta ostentação e tanta euforia, além de tanto aparato de fileiras de carros desfilando pelas cidades, só para uma mera doação de mantimentos e roupas velhas. Os mantimentos, entregues a famílias numerosas ou a muitos indivíduos pobres, se esgotam em duas semanas, mas o "carnaval" feito pelo Assistencialismo dura, no mínimo, um ano.
Poucos também percebem o quanto o suposto "maior filantropo do Brasil", Divaldo Franco, é tão festejado por sua Mansão do Caminho que não ajuda 1% da população brasileira, enquanto o suposto médium faz pomposas turnês pelas maiores cidades da Europa e dos EUA, fazendo palestras para ricos, recebendo medalhas e títulos e só trazendo migalhas para os assistidos, enquanto o bairro de Pau da Lima é entregue à criminalidade ocorrida até à luz do dia.
É até risível que os brasileiros endeusem demais quem ajuda pouco, achando que basta ter um rótulo religioso para ser considerado "filantrópico" (uma noção tipicamente medieval, submeter a bondade a um subproduto da religião). Isso quando os mesmos brasileiros são convidados a desmoralizar com muito ódio o ex-presidente Lula, que buscava resolver as mais aprofundadas desigualdades sociais com seu projeto político progressista de valorização do emprego e qualidade de vida.
Constatações assim chocam as pessoas, que, diante de um Brasil emporcalhado com valores retrógrados e injustiças sociais aprofundadas, se acostumam com essa realidade cruel e absurda, em muitos e muitos aspectos. Quando pensam em sair da "zona de conforto", jogam fora o que mais precisam, enquanto se apegam ao supérfluo, ao fútil e até ao nocivo.
sexta-feira, 26 de maio de 2017
"Questionamento espírita" se destina ao leitor de celulares
Polêmico, mas didático, um blogue foi lançado, derivado da Equipe Dossiê Espírita, visando o leitor de celular e o frequentador das redes sociais como o WhatsApp. No ar desde dezembro de 2016, "Questionamento Espírita" procura, em curtas frases, ampliar o debate em torno da deturpação do Espiritismo, destinando-se ao leitor de celular que prefere ler textos relativamente rápidos e curtos.
Publicamos aqui uma rápida entrevista, que nos foi enviada na Internet por um missivista, Valter Nogueira Santos, com Demétrio Correia, autor dos textos que compõem o blogue Questionamento Espírita (http://questionamentoespirita.blogspot.com.br/):
Como surgiu o Questionamento Espírita?
Demétrio - O blogue Questionamento Espírita surgiu de uma necessidade de apresentar, em rápidas frases, questões ligadas à deturpação do Espiritismo, um problema complexo que faz com que o legado de Allan Kardec seja eternamente mal compreendido diante de práticas que só se permitem diante dos valores moralistas e igrejeiros que os brasileiros mantém.
Qual é mesmo o problema do Espiritismo no Brasil?
Demétrio - É o problema típico da hipocrisia brasileira. A opção original do Espiritismo brasileiro foi com a tendência "mística", voltada à religião, em detrimento da "científica", mais próxima do pensamento original de Allan Kardec. Mas pressões de diversos lados e arranjos de arrivismos e conveniências em torno de líderes e ídolos religiosos fizeram com que se adotasse a posição hipócrita da "fase dúbia", que é fingir que se recuperam as bases doutrinárias originais enquanto se pratica o igrejismo.
O que é mesmo a "fase dúbia" do Espiritismo no Brasil?
Demétrio - Ela é fruto de conveniências que surgiram quando se agravou a crise da Federação Espírita Brasileira, que tinha um poder extremamente centralizado, e as federações regionais. Foi uma crise surgida depois que o então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, se aposentou e, mais tarde, morreu doente. A "fase dúbia" consiste numa postura dupla, numa espécie de "roustanguismo com Kardec", por diversas razões.
E que razões foram estas?
Demétrio - Para começar, sem o carisma de Wantuil na FEB, seus herdeiros passaram a entrar em conflitos de interesses com as federações regionais, que nunca tiveram voz nas reuniões da federação nacional. Os "médiuns" que se projetaram nacionalmente, como Chico Xavier e Divaldo Franco, se tornaram solidários às federações regionais, até porque eles eram regionais, de Minas Gerais e da Bahia, respectivamente, e portanto não representavam os interesses centrais da FEB, fundada no Rio de Janeiro e depois sediada em Brasília, e da FEESP, federação paulista, que era a única federação regional que tinha voz plena no "movimento espírita".
Há também um outro aspecto, que é a reação dos "científicos", como Carlos Imbassahy, o pai, e mais José Herculano Pires e Deolindo Amorim. Principalmente o Herculano, que denunciava a igrejificação do Espiritismo na imprensa e nos programas de rádio. Diante dessa pressão, é evidente que Chico e Divaldo, em favor das conveniências, tinham que parecer solidários aos "científicos" mediante vantagens pessoais.
E como se deu essa postura dos dois "médiuns" que, sabemos, tiveram formação ideológica nas ideias do igrejeiro Jean-Baptiste Roustaing?
Demétrio - Chico e Divaldo nunca deixaram de lado seu igrejismo, cuja fonte é, com certeza, o livro Os Quatro Evangelhos de Roustaing. Isso não é invenção de algum detrator, pois se observarmos bem, o que está escrito no livro de Roustaing, supostamente atribuído aos quatro evangelistas do Novo Testamento, foi rigorosamente adaptado, mas respeitando o contexto brasileiro, pelos dois "médiuns". O que se deu é que eles fingiram uma "aproximação maior" a Kardec, uma mera formalidade da qual eles só fizeram alguns artifícios, seja em depoimentos, palestras ou em obras literárias.
Eles então se tornaram os guias dessa postura "dúbia" no "movimento espírita"?
Demétrio - Com toda a certeza. Principalmente Divaldo Franco, que se ascendeu de forma meteórica nesta fase. Chico, que veio de uma fase anterior, porque foi na verdade o popstar do Espiritismo brasileiro trabalhado por Wantuil, teve que ter seu mito reinventado mediante alguns motivos.
E quais foram estes motivos?
Demétrio - Primeiro, para evitar as confusões causadas por antigas atividades de Chico Xavier, cujo ponto extremo foi o caso Otília Diogo, uma picareta que forjou um espetáculo de falsa materialização, bem aos moldes da mágica circense. A escandalosa aventura resultou no rompimento de Chico Xavier e seu pupilo Waldo Vieira, que pulou fora e foi criar a Conscienciologia, espécie de similar mais hippie da Cientologia. Isso foi a gota d'água de uma forma de promover o mito de Chico Xavier que já o fez colocar no banco dos réus, vide o episódio do processo de Humberto de Campos nos anos 40. Algo tinha que ser feito para recriar o mito de Chico, uma espécie de "rei Midas" da FEB.
E como o mito de Chico Xavier foi reinventado?
Demétrio - Chico já não tinha mais a sua tutela o Wantuil, a essas alturas já morto. Também não podia ser apenas o astro da FEB, que se fechou num roustanguismo radical. Então, um consórcio de federações regionais fez com que, em parceria com a Rede Globo, se reinventasse o mito de Chico Xavier, desta vez mais "limpo", sem enfatizar demais sua aparente paranormalidade, deixando um pouco de lado a apropriação de literatos mortos e focalizando mais as "cartas dos anônimos mortos", além de um modelo de filantropia desenvolvido por um jornalista inglês.
Como então esse mito de "filantropia" dado a Chico Xavier se desenvolveu?
Demétrio - A Globo passou a blindar Chico Xavier, depois que as Organizações Globo eliminaram a antiga animosidade contra o "médium". Sabe-se que, primeiro, a empresa de Roberto Marinho começou a tratar Chico como um exótico paranormal, publicando até aquelas fotos em que o "médium" mostrava um semblante bastante pesado. Deu em O Globo, em 1935. Aí, como O Globo passou a contar com colaboradores católicos, como Alceu Amoroso Lima e Gustavo Corção, passou a hostilizar Chico Xavier e publicar até nota de que ele foi desmascarado pelo sobrinho Amauri, que morreu de uma maneira estranha e até suspeita. Mas, dos anos 1970 para cá, o que vemos é um casamento feliz entre a família Marinho e Chico Xavier, tanto que a Globo é que bancou os filmes baseados na vida e obra do "médium".
Sobre o mito de "filantropo", a Globo pegou emprestado um documentário do inglês Malcolm Muggeridge, Algo Bonito para Deus, de 1969, sobre Madre Teresa de Calcutá, mais tarde denunciada por maus tratos aos alojados em suas casas assistenciais. Malcolm conseguiu adocicar a imagem de Madre Teresa, uma senhora ranzinza e reacionária. Hoje ela é o "símbolo da caridade plena", oficialmente falando. E a ideia é transformar Chico Xavier num equivalente brasileiro de Madre Teresa de Calcutá, e todo o roteiro de Muggeridge, que era católico e de direita, foi devidamente adaptado pelo jornalismo da Globo, embora este roteiro mais pareça coisa de novela.
Muitos acreditam que a caridade de Chico Xavier foi plena. Por que, todavia, ela é questionada?
Demétrio - Ela é questionada porque essa ideia de "caridade" e "bondade" são apenas ideias vagas e apelos superficiais trazidos por valores que em si exaltam o paternalismo e o moralismo religioso. A "bondade" que menos traz resultados benéficos, mas traz a marca de uma seita religiosa, seja qual for, e a sociedade prefere mais essa "bondade" que ajuda poucos, mas traz a marca da religião e o prestígio do ídolo religioso, seu aparente benfeitor, do que aquela "bondade" que não se apega a instituições e favorece as classes populares ameaçando os privilégios das elites.
É uma situação gozada no Brasil. Quem é glorificado não é aquele que ajuda multidões em detrimento dos privilégios de uns poucos. Quem é glorificado é aquele que se apoia numa marca religiosa e ajuda um número limitado de pessoas, sem ameaçar as elites que vivem nadando em dinheiro. Assim dá até a falsa impressão de simplicidade, as instituições ajudando pouco alegando falta de condições... Já quem ajuda multidões com um projeto ambicioso de combate às injustiças sociais é tido não só como um "comunista", mas em certas regiões chega a receber ameaça de morte e tudo.
Então a ideia de "bondade" é defendida quando ela é apenas uma franquia de uma religião?
Demétrio - Sim. Porque a sociedade quer ser naturalmente sórdida e perversa, porém dissimulada. Quer a "bondade" apenas ligada à religião, até porque esse tipo de sociedade só pensa as coisas de forma institucionalizada, burocrática, publicitária. Há o discurso de que a "bondade" religiosa "ajuda muita gente" e as pessoas chegam a superestimar quantidades de beneficiados que parecem enormes, mas são ínfimas. A gafe cometida pelo Fantástico, que definiu Divaldo Franco como "maior filantropo do Brasil" por ajudar, em seis décadas, apenas cerca de 160 mil pessoas, que não dá sequer um por cento da população só de Salvador, é bem ilustrativo.
Isso lembra o desastrado governo Michel Temer, com suas promessas de investir milhões de reais de setores que necessitam de trilhões, ou da Operação Lava Jato, que repatria uns poucos milhões mas dá prejuízo aos trabalhos de infraestrutura com a paralização de empresas sob a desculpa de combater a corrupção. Alguém fala em aplicar uns milhares de reais, e fica se achando com isso, mas aplica em setores que precisam muito mais, para uma demanda que necessita bem mais.
E quanto a Questionamento Espírita? O blogue pretende ampliar o debate da deturpação espírita?
Demétrio - Lógico que sim. São textos simples, que puxam para a reflexão, e isso, como todo questionamento feito neste sentido de criticar a deturpação, incomoda muita gente. Até hoje, o Espiritismo deturpado, com todos os seus equívocos, gozava de uma estabilidade e uma imunidade plenas, que muitos acreditam ser uma doutrina de "iluminados", de gente que já tem em mãos o passaporte para o Céu. Ou, pelo menos, o caminho mais curto para obter esse passaporte.
Por que o Espiritismo deturpado brasileiro tem sempre essa reputação angelical?
Demétrio - Foi um discurso bem construído. Meticulosamente articulado. O Espiritismo que temos hoje é praticamente um genérico do Catolicismo, uma espécie de reciclagem de velhos paradigmas medievais aliada a uma estrutura mais modesta, sem as formalidades da Igreja Católica. Se prestarmos atenção, o nome de Allan Kardec é só uma formalidade, nada do que ele transmitiu e ensinou foi devidamente assimilado.
No entanto, os chamados "espíritas" puderam criar um discurso muito sofisticado, que evoca as mesmas paixões religiosas que guiaram o Catolicismo da Idade Média, com um imaginário comparável ao de contos de fadas. A Rede Globo emprestou a dramaticidade de suas novelas para promover a adoração a Chico Xavier por sua suposta caridade, e hoje o que vemos é um vazio ideológico embebido de belas palavras, palestras, artigos e textos que capricham na exibição de desenhos de coraçõezinhos vermelhos, sem coisa alguma de proveitoso.
Você fala que os "médiuns" brasileiros viraram uma aberração, os "anti-médiuns". Por quê?
Demétrio - Nos tempos vividos por Kardec na França, os médiuns que estavam a seu serviço eram pessoas anônimas, conhecidas praticamente pelo sobrenome, e só faziam o trabalho intermediário, daí o nome "médium", sem bancar os dublês de ativistas ou de pensadores. Aqui o "médium" virou o centro das atenções, ele não fala mais pelos mortos, os "mortos" é que falam pelos "médiuns", que viraram os animadores de plateias, os falsos filósofos, os pretensos filantropos, recebendo o culto à personalidade. O anti-médium quer dizer ser o anti-intermediário, porque hoje "médium" é o centro, não o meio, de uma mensagem dita espírita.
O Espiritismo praticado no Brasil envergonharia Allan Kardec? E Jesus Cristo, também?
Demétrio - Com certeza. O Espiritismo que se faz no Brasil remete a tudo aquilo que Allan Kardec reprovou em seu tempo. É só ler O Livro dos Médiuns e os alertas sobre os inimigos da Doutrina Espírita fariam muita gente cair da cadeira, porque os aspectos enumerados por Kardec e os espíritos mensageiros se encaixam perfeitamente no que Chico e Divaldo fizeram.
Jesus, então, nem se fala. Ele condenava a pretensa erudição dos sacerdotes e escribas, dotados de muita pompa, pretensiosismo, arrogância e falsa modéstia. Se observar esses ilustrados tão reprovados por Jesus e comparar com a obra de Divaldo, os brasileiros cairão da cama, depois de voarem em altas nuvens nas suas fantasias douradas com os "médiuns" de contos de fadas.
As redes sociais também blindam Chico e Divaldo. O que você acha disso?
Demétrio - Isso é muito grave, mas nota-se o nível do que estão os internautas nas redes como o Facebook, Instagram, YouTube e WhatsApp. Há muito reacionarismo e muito conservadorismo, o que reflete tanto no ódio aos movimentos sociais, na expressão de preconceitos raciais e sexuais e na transmissão do fanatismo religioso.
Nota-se que Chico Xavier e Divaldo Franco possuem centenas de vídeos no YouTube. Há memes com frases de Chico Xavier no Facebook e Twitter, e também no WhatsApp. Memes com ilustrações de jardins floridos, céu azul, com o rosto de Chico Xavier envolto em formato de coração. É constrangedor. E ainda há muitos vídeos de bobagens como os derivados da suposta "profecia da data-limite" no YouTube, reduto também das palestras palavreadoras de Divaldo Franco.
A ideia de Questionamento Espírita é atingir esse público?
Demétrio - Sim, com certeza absoluta. A ideia é romper esse cerco e enfrentar esse conservadorismo agressivo com pontos de vista que saem de coisas estabelecidas e que, mesmo sendo decadentes e obsoletas, são defendidas com violento radicalismo pelos internautas nas redes sociais.
É difícil escrever textos bem curtos, procuro apenas jogar frases curtas e pôr ideias concisas. É preciso levar adiante os questionamentos em torno da deturpação do Espiritismo e prevenir as pessoas de que não se pode retratar e fazer ressalva alguma dos "médiuns".
O perigo de contestar a deturpação do Espiritismo é alguém der de cara com uma montagem misturando Chico Xavier com coraçõezinhos, flores e crianças pobres e a pessoa abrir mão de questionar a deturpação que ele fez, que é da mais extrema gravidade. Como é de extrema gravidade a que foi feita por Divaldo, que espalhou conceitos errados de Doutrina Espírita ao redor do mundo.
A página que faço se destina então a tais questionamentos, prevenindo as pessoas de tais armadilhas. Isso não pode ser visto como uma "depreciação do bem", mas uma crítica às distorções feitas pelo movimento espírita. Não há benefício algum transformar o "médium" em ídolo religioso, fazer culto à personalidade, promover o Assistencialismo, que é aquela caridade frouxa que não ajuda... E ainda por cima pregar o igrejismo e valores moralistas antigos. A ideia é tirar o mofo das mentes das pessoas que transmitem ideias emboloradas nas redes sociais.
quarta-feira, 24 de maio de 2017
"Caridade" só serve de "cortina de fumaça" para proteger deturpadores do Espiritismo
Diz o espírito Erasto de que os "inimigos internos" do Espiritismo irão falar de "coisas boas" e apelar para ideias como "amor, Deus e caridade" para iludir as pessoas e depois convencê-las a acreditar em ideias desprovidas de lógica e bom senso.
Não demos ouvidos a esse aviso, dado nos tempos de Allan Kardec, há mais de um século e meio. Em vez disso, aceitamos, sem críticas e até com um deslumbramento bastante cego e acomodado, os deturpadores da Doutrina Espírita por causa de supostas qualidades tidas como "sublimes".
Nas redes sociais, se observa que muitos tentam abafar as críticas à deturpação do Espiritismo com alegações de que "pelo menos os deturpadores fazem caridade e ajudam muita (sic) gente". A ideia é proteger os deturpadores, muitos deles "médiuns" que vivem o culto à personalidade.
A "caridade" se torna, então, uma espécie de "cortina de fumaça" feita para proteger os deturpadores, garantindo assim que suas pregações igrejistas sobrevivam a qualquer esforço de recuperação das bases doutrinárias originais. Relativiza-se a deturpação, como em um crime sem criminoso, enquanto os deturpadores, poupados, fingem que vão "aprender melhor Kardec".
O endeusamento a Chico Xavier, Divaldo Franco e outros, que segue níveis do mais mórbido fanatismo, se apoia nesta "cortina de fumaça". A "caridade" é uma forma de jogar debaixo do tapete os erros da mais extrema gravidade que os "médiuns", em seu culto à personalidade, fizeram contra a Doutrina Espírita, desmoralizando o árduo trabalho do pedagogo francês.
A "caridade" serve, então, para dissimular a desonestidade doutrinária, embora não escondesse também certos disparates. Afinal, sabe-se que o sofrido Kardec, para realizar pesquisas, pagava com seu próprio dinheiro as viagens, sem patrocínios e sem o respaldo esperado, a não ser de sua esposa, para ir a lugares distantes estudar os fenômenos espíritas, autênticos ou não.
Isso é muito diferente de Divaldo Franco viajar com patrocínio de não se sabe quem, em aviões de primeira classe, hospedado nos melhores hotéis, para fazer palestras para ricos e poderosos expondo umas palavrinhas rebuscadas de mensagens açucaradas, em muitos casos trazendo conceitos que deixariam o pedagogo francês bastante envergonhado e aflito.
Enquanto milhões de reais são investidos para os "médiuns" ou os palestrantes "espíritas" em geral excursionarem pelo Brasil ou pelo mundo, em viagens e hospedagens muito confortáveis, em troca de títulos e prêmios e posando ao lado de personalidades VIP, apenas uns poucos milhares de reais são investidos para a "transformadora caridade" de que tanto falam os "espíritas".
Portanto, nem a "caridade" se torna uma justificativa nobre para aceitarmos a deturpação. E, numa época em que se denunciam doações de empresas e políticos corruptos, indaga-se se o "movimento espírita" também não foi beneficiado com eventuais "lavagens" financeiras ou recebe alguma blindagem das elites poderosas.
A Rede Globo apoia Chico Xavier desde os anos 1970. E Chico Xavier não doou seu dinheiro para a caridade, mas para os cofres da FEB, assim como Madre Teresa de Calcutá doou a grana que pedia dos ricos e poderosos para os cofres do Vaticano. Ambos simbolizam um estranho paradigma de "bondade plena" feitos por um bem estipulado discurso midiático.
Quem patrocina as turnês dos palavreadores "espíritas"? Quem financia esse espetáculo de coreografias vocabulares, de textos rebuscados ou de arremedos ruins das já duvidosas palestras de auto-ajuda? Quem paga para ver supostos discípulos de Kardec despejarem ideias que deixariam o pedagogo francês pasmo e preocupado de tanta deturpação e distorção de ideias?
As pessoas têm que abrir mão de paixões religiosas. Isso é um imperativo, uma urgência, porque são elas que impedem as pessoas de raciocinar melhor sobre certas armadilhas mistificadoras que só trazem complicações, apesar da "água com açúcar" das belas palavras e imagens. A diabetes religiosa também é nociva, e a gente observa isso quando pessoas chegam a se irritar para defender com mão de ferro os "médiuns" e "pensadores" que deturpam o legado kardeciano.
segunda-feira, 22 de maio de 2017
Chris Cornell e o suicídio "por acidente"
A BANDA DE ROCK DE SEATTLE, EUA, SOUNDGARDEN - Chris Cornell é o terceiro da esquerda para a direita, sem jaqueta.
Há poucos dias, faleceu o cantor e guitarrista Chris Cornell. Tendo feito sua carreira com eventuais trabalhos solo e à frente de bandas como Soundgarden, Audioslave e Temple of the Dog, o músico era um dos nomes do grunge que marcou a cidade de Seattle, no noroeste dos EUA, na década de 1990.
O grunge foi um movimento marcado pela tragédia, desde quando ainda não fazia sucesso. Em 1990, bem antes do sucesso do Nirvana, o vocalista de outra banda, Andrew Wood, do Mother Love Bone, foi encontrado morto. Meses depois, os remanescentes do grupo formaram o Pearl Jam com outro vocalista, Eddie Vedder, que, pelo jeito, deve ser um dos principais sobreviventes do gênero.
Em 1994, foi a vez de Kurt Cobain, o controverso líder da banda Nirvana, que maior sucesso teve no grunge. Em 2002, o vocalista do Alice In Chains, Layne Staley, faleceu. Até o "forasteiro" do gênero, o grupo Stone Temple Pilots (que não veio de Seattle, mas de San Diego, Califórnia), teve sua tragédia: o vocalista original e fundador da banda, Scott Weiland, faleceu por overdose aos 48 anos, em 2015.
A maioria dessas mortes se deu por overdose, mas Chris Cornell seguia tratamento contra as drogas. Ele tinha que tomar um remédio para ansiedade, Ativan, cujos efeitos colaterais seriam uma angústia e um estresse extremos, que provocam desejos suicidas.
Segundo sua viúva, Vicky Cornell, o marido parecia bem. Além de seguir naturalmente sua carreira musical, ele parecia um marido e um pai exemplar. Fora esses efeitos causados pelo remédio, que além do mal-estar o faziam ficar com a mania de balbuciar palavras, ele levava uma vida normal e se relacionava bem com os familiares e amigos. Musicalmente, parecia mais experiente e consolidado como músico e compositor.
Chris Cornell morreu por enforcamento, aos 52 anos. O falecimento comoveu o cenário roqueiro e até o veterano Jimmy Page, famoso pela banda Led Zeppelin, elogiou o músico. A perda do líder do Soundgarden chegou a ser considerada como o fim de um cenário que já havia sido mutilado por tantas tragédias, e que parece ter nas bandas Pearl Jam e Mudhoney seus últimos remanescentes.
O "espiritismo" brasileiro costuma ter uma má vontade com suicidas. A doutrina igrejeira brasileira considera o suicídio um "crime hediondo", enquanto considera o homicídio um "crime culposo", expressando um moralismo estranho, que culpabiliza a vítima e transforma o algoz num "agente involuntário" de uma suposta justiça moral.
NINGUÉM SE SUICIDA POR DIVERSÃO
Cada vez mais voltado à Teologia do Sofrimento, já que o "espiritismo" brasileiro regrediu a ponto de, hoje, estar reduzido a uma versão repaginada do velho Catolicismo jesuíta do Brasil-colônia (é constrangedor ver o legado de Kardec reduzido, no Brasil, a um "outro Catolicismo", apenas sem as formalidades da Igreja Católica propriamente dita), o "espiritismo" não consegue compreender que ninguém se suicida por diversão.
Mesmo o entretenimento macabro do Jogo da Baleia Azul reflete neuroses ocultas por trás. O idealizador do jogo declarou que queria fazer uma "limpeza social" na humanidade, ao incluir o suicídio como "etapa final". Mas quem se suicida é porque têm em sua mente dificuldades e angústias que consideram incapazes de superar.
Os "espíritas" é que, em seu moralismo, acabam incentivando o suicídio. Confundem desgraça com desafio, sofrimento com aprendizado, e ainda ficam felizes quando pessoas acumulam desgraças aqui e ali, dizendo, com um mal-disfarçado sadismo, para as pessoas fazerem mais preces para superar as suas dificuldades extremas.
O moralismo "espírita" fala até em "amar o sofrimento" e apelam à pessoa a "combater sua pior inimiga, que é ela mesma". Diante desse apelo, os "espíritas" deveriam tomar muito cuidado com as palavras, porque esse papo de "vencer a si mesmo" é, na prática, um apelo acidental ao suicídio. E como o angustiado extremo não vê diferença entre sofrer na vida ou no além-túmulo, ela vai se destruir mais ainda ao ouvir que ela é "inimiga de si mesma".
O "espiritismo" não consegue ver as razões do suicídio. Reprova o suicídio até com raivosa energia, mas não consegue ver as condições que levam a pessoa a se matar. Nem todos têm os mesmos interesses e vontades, e as pessoas não só são empurradas para enfrentar barreiras de difícil superação, mas também oportunidades erradas, pressões de conveniências e um quadro de injustiças e desigualdades que só permitem que as pessoas compactuem para "vencerem na vida".
O Brasil é um país desestruturado, marcado pelo profundo atraso social, com forças diversas querendo que haja retrocessos que "devolvam" a sociedade brasileira a cenários lamentáveis em que apenas uns poucos detém vantagens exorbitantes, enquanto outros estabelecem a negociação do cheiro de mofo com o ar puro, com vantagem maior ao primeiro.
É essa volta forçada a 1974, época de uma "democracia" castrada, que hoje causa a crise política em níveis extremos, uma crise que não é muito diferente ao "espiritismo" de postura "dúbia" que se tornou incapaz de disfarçar sua intenção em ser tão somente um "outro Catolicismo", mais informal porém muito mais conservador.
E é esse conservadorismo que faz com que os "espíritas" condenem o suicídio, mas de maneira contraditória apelam para as pessoas aguentarem as muitas desgraças acumuladas na vida e enfrentem obstáculos difíceis de serem superados. E é gozado que, para uma religião que defende a servidão e a submissão, seus membros ainda pedem para os sofredores fazerem mais preces. Com tanto trabalho que os infortunados têm na vida, que tempo eles terão para se recolherem para orar?
Há poucos dias, faleceu o cantor e guitarrista Chris Cornell. Tendo feito sua carreira com eventuais trabalhos solo e à frente de bandas como Soundgarden, Audioslave e Temple of the Dog, o músico era um dos nomes do grunge que marcou a cidade de Seattle, no noroeste dos EUA, na década de 1990.
O grunge foi um movimento marcado pela tragédia, desde quando ainda não fazia sucesso. Em 1990, bem antes do sucesso do Nirvana, o vocalista de outra banda, Andrew Wood, do Mother Love Bone, foi encontrado morto. Meses depois, os remanescentes do grupo formaram o Pearl Jam com outro vocalista, Eddie Vedder, que, pelo jeito, deve ser um dos principais sobreviventes do gênero.
Em 1994, foi a vez de Kurt Cobain, o controverso líder da banda Nirvana, que maior sucesso teve no grunge. Em 2002, o vocalista do Alice In Chains, Layne Staley, faleceu. Até o "forasteiro" do gênero, o grupo Stone Temple Pilots (que não veio de Seattle, mas de San Diego, Califórnia), teve sua tragédia: o vocalista original e fundador da banda, Scott Weiland, faleceu por overdose aos 48 anos, em 2015.
A maioria dessas mortes se deu por overdose, mas Chris Cornell seguia tratamento contra as drogas. Ele tinha que tomar um remédio para ansiedade, Ativan, cujos efeitos colaterais seriam uma angústia e um estresse extremos, que provocam desejos suicidas.
Segundo sua viúva, Vicky Cornell, o marido parecia bem. Além de seguir naturalmente sua carreira musical, ele parecia um marido e um pai exemplar. Fora esses efeitos causados pelo remédio, que além do mal-estar o faziam ficar com a mania de balbuciar palavras, ele levava uma vida normal e se relacionava bem com os familiares e amigos. Musicalmente, parecia mais experiente e consolidado como músico e compositor.
Chris Cornell morreu por enforcamento, aos 52 anos. O falecimento comoveu o cenário roqueiro e até o veterano Jimmy Page, famoso pela banda Led Zeppelin, elogiou o músico. A perda do líder do Soundgarden chegou a ser considerada como o fim de um cenário que já havia sido mutilado por tantas tragédias, e que parece ter nas bandas Pearl Jam e Mudhoney seus últimos remanescentes.
O "espiritismo" brasileiro costuma ter uma má vontade com suicidas. A doutrina igrejeira brasileira considera o suicídio um "crime hediondo", enquanto considera o homicídio um "crime culposo", expressando um moralismo estranho, que culpabiliza a vítima e transforma o algoz num "agente involuntário" de uma suposta justiça moral.
NINGUÉM SE SUICIDA POR DIVERSÃO
Cada vez mais voltado à Teologia do Sofrimento, já que o "espiritismo" brasileiro regrediu a ponto de, hoje, estar reduzido a uma versão repaginada do velho Catolicismo jesuíta do Brasil-colônia (é constrangedor ver o legado de Kardec reduzido, no Brasil, a um "outro Catolicismo", apenas sem as formalidades da Igreja Católica propriamente dita), o "espiritismo" não consegue compreender que ninguém se suicida por diversão.
Mesmo o entretenimento macabro do Jogo da Baleia Azul reflete neuroses ocultas por trás. O idealizador do jogo declarou que queria fazer uma "limpeza social" na humanidade, ao incluir o suicídio como "etapa final". Mas quem se suicida é porque têm em sua mente dificuldades e angústias que consideram incapazes de superar.
Os "espíritas" é que, em seu moralismo, acabam incentivando o suicídio. Confundem desgraça com desafio, sofrimento com aprendizado, e ainda ficam felizes quando pessoas acumulam desgraças aqui e ali, dizendo, com um mal-disfarçado sadismo, para as pessoas fazerem mais preces para superar as suas dificuldades extremas.
O moralismo "espírita" fala até em "amar o sofrimento" e apelam à pessoa a "combater sua pior inimiga, que é ela mesma". Diante desse apelo, os "espíritas" deveriam tomar muito cuidado com as palavras, porque esse papo de "vencer a si mesmo" é, na prática, um apelo acidental ao suicídio. E como o angustiado extremo não vê diferença entre sofrer na vida ou no além-túmulo, ela vai se destruir mais ainda ao ouvir que ela é "inimiga de si mesma".
O "espiritismo" não consegue ver as razões do suicídio. Reprova o suicídio até com raivosa energia, mas não consegue ver as condições que levam a pessoa a se matar. Nem todos têm os mesmos interesses e vontades, e as pessoas não só são empurradas para enfrentar barreiras de difícil superação, mas também oportunidades erradas, pressões de conveniências e um quadro de injustiças e desigualdades que só permitem que as pessoas compactuem para "vencerem na vida".
O Brasil é um país desestruturado, marcado pelo profundo atraso social, com forças diversas querendo que haja retrocessos que "devolvam" a sociedade brasileira a cenários lamentáveis em que apenas uns poucos detém vantagens exorbitantes, enquanto outros estabelecem a negociação do cheiro de mofo com o ar puro, com vantagem maior ao primeiro.
É essa volta forçada a 1974, época de uma "democracia" castrada, que hoje causa a crise política em níveis extremos, uma crise que não é muito diferente ao "espiritismo" de postura "dúbia" que se tornou incapaz de disfarçar sua intenção em ser tão somente um "outro Catolicismo", mais informal porém muito mais conservador.
E é esse conservadorismo que faz com que os "espíritas" condenem o suicídio, mas de maneira contraditória apelam para as pessoas aguentarem as muitas desgraças acumuladas na vida e enfrentem obstáculos difíceis de serem superados. E é gozado que, para uma religião que defende a servidão e a submissão, seus membros ainda pedem para os sofredores fazerem mais preces. Com tanto trabalho que os infortunados têm na vida, que tempo eles terão para se recolherem para orar?
sábado, 20 de maio de 2017
Quando o sofredor torna-se escravo das ilusões dos outros
Em muitos casos, o problema, no sofrimento humano, não é a desilusão nem a desgraça em si. Se ocorrerem na dose moderada, como um remédio tarja preta para uma doença grave, a pessoa pode até aprender certos impasses e armadilhas e conhecer seus próprios limites.
O grande problema é que, além das desilusões e desgraças serem excessivas e, em muitos casos, há mais prejuízos do que desafios - como a pessoa que, querendo promover um debate na Internet, é vítima de cyberbullying e ganha até blogue de difamação de um desafeto mais afoito - , os sofredores ainda têm que ser escravos das ilusões dos outros.
Isso cria um enorme quadro de injustiças. Afinal, existem pessoas que sofrem demais, acumulando sobressaltos, traumas, decepções pesadas e estresses que mais as desanimam do que revigoram, e outras que naufragam no mar da ilusão sem fim.
E como a realidade não é tão simples como se imagina, vemos o quanto pessoas que se dizem ter jogo de cintura e capacidade de darem a volta por cima são impotentes. Há até casos, nas famílias, muito comuns, de pais quererem que seus filhos fossem não somente obedientes e servis a eles, mas também representassem as ilusões juvenis que os pais já não têm mais condições de viver.
Sim, os filhos se transformam em instrumentos dos desejos frustrados dos pais, vivendo a "juventude" que os pais não viveram! E isso é apenas um aspecto, num contexto em que o mercado de trabalho acolhe mais humoristas do que pessoas capazes de algum ofício, com patrões se gabando porque torcem por um time de futebol enquanto seus melhores empregados torcem por outro.
Como a Teologia do Sofrimento representa muita ilusão para seus detentores. Quantos pregadores da apologia ao sofrimento alheio, adeptos da frase "quanto pior, melhor", que pouco se importam em ver os desafortunados não apenas aguentarem suas limitações, sua perda de controle sobre o próprio destino, mas também se sujeitarem à se servirem das ilusões dos outros.
É o rapaz que quer namorar uma mulher de caráter, mas atrai para si uma mulher fútil e sexualmente impulsiva. Ou a mulher que quer namorar um homem de caráter, mas atrai para si um homem fútil que só pensa em dinheiro. Mas isso é apenas o que há de manjado na subordinação à ilusão alheia.
Quantas ilusões as pessoas dotadas de maior status quo, que se acham resolvidas na vida, contraem para si. E o fato do sofredor "ter jogo de cintura" para "vencer na vida", não só aguentando desgraças, perdendo o controle de seu próprio destino, mas também se sujeitando a servir à ilusão alheia, nem de longe traz alguma evolução ou proveito, antes criando apenas um tipo de "escravo social".
ESCRAVIDÃO SOCIAL
Certa vez, no programa Encontro com Fátima Bernardes, o surfista Adriano de Souza, o Mineirinho, havia descrito uma ideia bem típica das que compõem a Teologia do Sofrimento: "se você encarar as dificuldades, você vence fácil".
Descontando a asneira da frase - é claro que, se alguém encara uma dificuldade, nunca irá vencer fácil, porque, mesmo que a vitória seja garantida, ela é sempre difícil - , o que se observa é que o fato de "vencer na vida" oculta situações de conveniências, jogos de interesses, abandono até de vocações, que mais mutilam o aprendizado humano do que realmente o aprimoram.
Que "vitória na vida" não pode esconder jogos de interesses, que reduzem o sofredor a uma "mentira humana", pegando a primeira oportunidade que obtém, nem sempre a mais proveitosa, nem sempre a mais vantajosa? Que acordos podem ser feitos diante da desgraça alheia, "amputando" talentos, "decapitando" vocações, para a pessoa apenas obter dinheiro e algum prestígio social?
Muitos brasileiros ainda se apegam às ilusões do sofrimento extremo do outro ou da caridade paliativa. No caso da "caridade", muitos se esquecem do quanto de propaganda há, que promove demais o "benfeitor" diante do pouquíssimo benefício que traz. Ou o quanto de lavagem de dinheiro, de desvios de verbas públicas, de superfaturamentos que estão por trás de ações "filantrópicas".
E com que dinheiro Divaldo Franco usou para viajar tanto para o exterior espalhar a deturpação do Espiritismo? Ou será que ele viaja carregado pela luz que parte de sua mente serena e seu balé de palavras dóceis?
E o sofrimento humano? Ele apenas cria gênios e figuras humanistas? Não. Em muitos casos, o sofrimento além da conta cria suicidas, tiranos, assassinos, corruptos, ladrões, porque a falta de controle do próprio destino esmaga muitas almas, semeando não o amor e a perseverança, mas o ódio, a depressão, o medo, a vingança, a malícia e a cupidez.
E a escravidão social, que faz da pessoa que tanto necessita de uma evolução moral e humana, se reduzir a uma mentira de si mesmo, servindo às ilusões de outrem, não garante o progresso espiritual, antes sendo apenas uma forma de sobrevivência "dentro do possível" que desperdiça um prazo estimado em 80 anos com uma vida "qualquer nota". Tantos sorrisos fingidos por nada, apenas para agradar aos outros, auxiliar arrivistas e agradar privilegiados.
quinta-feira, 18 de maio de 2017
O mal maior dos "médiuns" brasileiros: o culto à personalidade
Poucos percebem, mas a função do médium, discretíssima e quase anônima nos tempos de Allan Kardec, se tornou uma aberração monstruosa no Brasil. O médium perdeu a sua função intermediária, se tornando o centro das atenções, sua atividade mediúnica é de valor duvidoso e apresenta irregularidades e ainda há o pedantismo intelectual como uma de suas qualidades.
Os médiuns que serviram a Kardec eram discretíssimos. Eram conhecidos apenas pelo sobrenome. Seu serviço era eventual, e não viviam dessa atividade. Também não queriam ser o centro das atenções e passaram para a posteridade num semi-anonimato.
Já no Brasil, os "médiuns" têm nome, nome do meio e sobrenome. São os centros das atenções de tal forma que o papel intermediário foi reservado aos espíritos dos mortos, reduzidos a "garotos de recado" dos "médiuns" que supostamente os recebem.
Sim, porque, no caso de Francisco Cândido Xavier, o "morto" pensa igual ao "médium". Pensa e escreve igual, até sua caligrafia se torna a do "médium". O "morto" se reduz a um propagandista religioso, que vagamente diz que "está tudo bem" com ele enquanto há o apelo para todos "se unirem na fraternidade em Cristo", eufemismo para propaganda igrejista.
As pessoas são muito tomadas de emotividade cega, e constroem sua realidade a partir de tais devaneios. Qualquer um que se promova com imagens de crianças pobres sorridentes é atribuído como um predestinado ao Céu, sendo também um coreógrafo das palavras, sem que haja um questionamento sobre as ideias que transmite ou as contradições de seu belo discurso.
Os "espíritas" já estão preocupados com a onda de críticas feitas à sua doutrina igrejeira. Ficam incomodados, dizem que seus questionadores sentem "falta de perdão, fé e oração" e suplicam para que haja misericórdia. A impressão que se tem é que eles se acham paladinos da Justiça ao promoverem a fraternidade do Bom Senso com o Contrassenso.
Eles deveriam se olhar no espelho, antes de esboçar qualquer reação. O "espiritismo" que eles defendem tem raízes no igrejismo de Jean-Baptiste Roustaing, mas revelar isso lhes causa horror, assim como dizer que eles estão inclinados à Teologia do Sofrimento e que o próprio Chico Xavier introduziu essa corrente católica medieval na Doutrina Espírita praticada no Brasil.
É muito fácil atacar, e os ataques não partem de quem questiona as contradições do "movimento espírita". Os ataques partem daqueles que se acostumaram apenas com elogios, enquanto difundem ideias contraditórias entre si, evocando Erasto num momento e exaltando Emmanuel em outro. Eles deixaram de serem aceitos em suas ideias que se chocam com os postulados espíritas originais e, por isso, não gostam de serem criticados.
A desmitificação dos "médiuns" também lhes incomoda. Tão acostumados com a mitificação, a níveis de contos de fadas, do "médium" que traz "lindas mensagens" e faz "boas ações", os brasileiros não conseguem admitir a aberração de um "médium" que se torna o centro das atenções e que é beneficiado por uma atitude não lá muito positiva: o CULTO À PERSONALIDADE.
O culto à personalidade (ou culto de personalidade) não existe apenas nos líderes políticos presunçosos e ambiciosos com seu próprio poder. Ele envolve também empresários, famosos, e até mesmo supostos ativistas. Consiste numa estratégia em que a pessoa é exaltada em suas supostas virtudes, como se o valor das virtudes fosse subordinado à figura de alguém tido como "muito importante".
Na Rádio Metrópole FM, em Salvador (Bahia), que por sinal tem como contratado o "médium espírita" José Medrado (ele mesmo o astro das palestras de plateias lotadas todas as noites de terças-feiras na "Cidade da Luz", no bairro de Pituaçu), é conhecida pelo culto à personalidade dado ao seu proprietário, Mário Kertèsz (que começou a carreira como político da ditadura militar), ele mesmo um pretenso radiojornalista e autoproclamado maior astro da emissora.
O culto à personalidade coloca o indivíduo acima de sua própria atividade. Até antes dessa atividade ser exercida, o indivíduo já recebe os louros. Em muitos casos, é o pretenso vencedor de uma competição que nem começou. É o favorito acima de qualquer causa. E, no "espiritismo" brasileiro, o "médium" que recebe o culto à personalidade faz o tipo de pessoa na qual não é o benfeitor que se sujeita à caridade, mas é a caridade que se sujeita ao benfeitor.
Uma das amostras do culto à personalidade estava nas caravanas de Chico Xavier em Uberaba. Um espetáculo de pura ostentação, com fileiras de carros, com muito barulho, festas e farta propaganda na mídia, com coberturas festivas na imprensa. Muito barulho por quase nada: trata-se de uma mera atividade de doação de mantimentos para famílias pobres e numerosas, um ato que equivale ao que as pessoas mais esclarecidas entendem como Assistencialismo.
O Assistencialismo se define como uma atitude de ajuda ao próximo nos limites meramente pontuais. Não se resolve definitivamente o problema. Ou, quando muito, só se "resolve" pontualmente, como projetos educacionais inócuos, que apenas ensinam a pessoa a "sobreviver", com aparente dignidade, mas de maneira medíocre e pouco satisfatória.
Há uma diferença entre Assistencialismo e Assistência Social, que realmente transforma. O Método Paulo Freire de Educação é um exemplo de Assistência Social. Muitos "espíritas" dizem que a "caridade" que fazem é Assistência Social, mas o que fazem, na verdade, é Assistencialismo.
Ações que só teriam caráter de urgência em calamidades públicas, como a concessão de sopas e donativos, são feitas em período declarado de paz. Tendo condições para se fazer mais, os "espíritas" fazem pouco, preocupados mais em promover o "benfeitor". Os benefícios vêm em segundo plano.
Tudo acaba promovendo o "bom mocismo" de "médiuns" que, em certos casos, fazem turnê pelo mundo para fazer palestras para ricos e poderosos, como Divaldo Franco, ou ficam nos seus locais de origem, como Chico Xavier e João de Deus, para dar um verniz de "humildade plena".
Nota-se o culto à personalidade quando se fala em Mansão do Caminho, Você e a Paz, em várias casas e projetos de "caridade" nos quais os "médiuns" aparecem em primeiro plano. Mesmo cercados de crianças saltitantes e adultos pobres, são os "médiuns" os destaques, são os primeiros a serem identificados em tão "modestas" imagens.
Os "médiuns" brasileiros já são considerados anti-médiuns porque perderam o papel intermediário que deveriam assumir. Tornam-se figuras exóticas, pitorescas, alimentando o sensacionalismo da grande mídia, que adora fenômenos que misturem devoção religiosa e aspectos pitorescos. As paixões religiosas revelam esse apego ao sensacionalismo e à pieguice que faz dos "médiuns" brasileiros uma grande vergonha para a humanidade.
Afinal, os médiuns autênticos que serviram a Allan Kardec eram, em maioria, aristocratas que tinham atitudes bastante discretas, não queriam o estrelato e nem posavam de dublês de pensadores e ativistas. Se eles faziam ativismo social, era no quase anonimato. Mas o pior é que, sendo aristocratas, eram esses médiuns bem mais humildes do que os "médiuns" brasileiros que vivem do culto à suas personalidades.
terça-feira, 16 de maio de 2017
Como o "espiritismo" brasileiro se deixou levar por energias maléficas
Admite-se que foi um trabalho irrefletido, mas o "espiritismo" brasileiro, pelas responsabilidades que prometeu assumir mas não cumpriu o prometido, acabou atraindo para si as energias maléficas, de espíritos inferiores que encontraram mil possibilidades diante do conteúdo deturpado e de práticas irregulares.
A constatação nada tem a ver com inveja, calúnia ou ofensa. Pelo contrário, estamos preocupados com essa situação. O legado de Allan Kardec foi desfigurado e distorcido de tal forma e as influências de J. B. Roustaing foram tão exercidas quanto nunca assumidas que as energias tinham mesmo que ser das piores, por causa da Lei de Atração.
Espíritos inferiores são atraídos pela dissimulação, pela desonestidade doutrinária, pelas traições, simulações, fingimentos, ambições e tantos descaminhos que, isolados, podem representar erros pontuais, mas, somados, permitiram não apenas a abertura de caminho para espíritos atrasados, mas o descontrole de seus atos e suas influências.
A trajetória do "espiritismo" brasileiro envolveu uma série de fingimentos, fraudes, dissimulações. A opção roustanguista cometeu como primeira fraude pretensas psicografias ou psicofonias com um falso Allan Kardec pedindo para as pessoas conhecerem "a revelação da revelação" (como era definido o ideal igrejista de Jean-Baptiste Roustaing). Uma coisa que, com certeza, Kardec nunca iria defender.
A trajetória cheia de confusões do suposto médium Francisco Cândido Xavier, um bizarro católico ortodoxo de supostas práticas paranormais, manipulada por todo um propagandismo do ambicioso presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, também revela todo um serviço de desonestidade doutrinária aliada ao arrivismo, à mística religiosa e, acima de tudo, ao sensacionalismo movido por interesses comerciais.
Em primeiro momento, Chico Xavier virou um pretenso porta-voz dos mortos como um apelo sensacionalista para vender muitos livros, sem qualquer estudo sério e responsável de Ciência Espírita, afinal o "médium" se ascendeu num compromisso de levar adiante e até longe demais a deturpação da Doutrina Espírita.
Em segundo momento, quando Chico quase foi desmascarado pela participação da farsa de Otília Diogo, seu mito teve que ser repensado e recuperado, para garantir os lucros da FEB. Morto Wantuil, é hora do "movimento espírita" iniciar uma nova estratégia, rompendo com os herdeiros do finado e adotando posturas falsamente kardecianas para agradar figuras como Herculano Pires e Deolindo Amorim.
Daí surgiu a "fase dúbia", que só trouxe as piores energias. A desonestidade doutrinária se tornou muito e muito mais grave, que até definir como gravíssima é ainda pouco. A deturpação do Espiritismo se tornou ainda mais deplorável, porque se praticava o mesmo roustanguismo, mas havia uma falsa postura de "respeito rigoroso" aos postulados kardecianos.
Criou-se, então, uma confusão doutrinária, no qual se misturavam eventos igrejeiros com apelo sensacionalista, como as sessões "mediúnicas" de Chico Xavier, a verborragia aduladora das elites nas turnês pomposas de Divaldo Franco, o pedantismo que leva professores e acadêmicos frustrados a virar "palestrantes espíritas", os maus romancistas que se escondem na "psicografia" de romances "espíritas". E por aí vai.
E o conteúdo ideológico? Sob a desculpa da "vida futura", os "espíritas" acabam concebendo sentimentos egoístas e um moralismo severo sem saber. Passam a ter um sentimento inverso de ânsia ou pressentimento de ver pessoas queridas morrerem, enquanto passam a ter apego doentio a pessoas perversas e assassinas que "nunca podem morrer" e, quando morrem, têm seu óbito ocultado, como se estivessem, em vez de morrendo, se "ascendido ao Senhor".
Os mortos precoces passam a ser alvo de exotismo mórbido e quase sensual. O sofrimento humano passa a ser defendido com firmeza, a ponto de apelos como "amar as próprias desgraças" e "vencer a si mesmo" serem dados, revelando um moralismo retrógrado que, no Brasil, recebe o selo tendencioso da "Doutrina Espírita".
A opção roustanguista, na medida em que foi mantida sob a aparente renegação do nome do igrejeiro J. B. Roustaing, revela uma desonestidade e uma deslealdade dupla. Deslealdade formal, porque se pratica o roustanguismo mas trata o nome de Roustaing como se fosse um palavrão. Deslealdade conceitual, que bajula o nome de Allan Kardec e tudo o que ele representou, como se fosse respeitar rigorosamente seu legado, mas esse legado é traído severa e cruelmente o tempo todo.
O mito de Chico Xavier foi refeito com a ajuda de ninguém menos que Roberto Marinho, das Organizações Globo que deixaram de lado a ojeriza ao anti-médium mineiro. Com o duplo objetivo de domesticar a população com um pretenso símbolo de "ativista" que agrade ao poderio civil-militar da ditadura militar (que Xavier apoiou) e não ameace os privilégios das elites, e de frear a ascensão dos pastores eletrônicos de seitas pentecostais, a Globo é responsável direta pela imagem de "filantropo" que Chico carrega, mesmo postumamente, em nossos dias.
O aparato de "palavras de amor" e outras imagens emocionalmente apelativas também não é garantia de boas energias. Pelo contrário, ela serve de fachada para energias ainda piores. Não somos nós que dissemos, mas o espírito de Erasto, discípulo de Paulo de Tarso (o "São Paulo" dos católicos), que advertiu que mensagens de "amor e caridade" podem representar uma armadilha para forçar as pessoas a aceitar ideias levianas e fora de lógica, coerência e bom senso.
Quantas famílias contraem mau agouro, depois de assistirem a um espetáculo de belas palavras e lindas imagens, melodias melífluas, vozes angelicais, se comovendo à toa por coisa nenhuma, ouvindo estórias aparentemente belas de gente que sofreu para vencer na vida, sem saber que estão se divertindo às custas da desgraça alheia, tratando o prejuízo alheio como "caminho para o sucesso"!
O "espiritismo" brasileiro não precisaria ser comandado espiritualmente pelas almas do mais alto grau de evolução, mas o que se viu foi que a doutrina igrejeira brasileira foi tomada por espíritos maléficos, zombeteiros, traiçoeiros, ardilosos e ambiciosos.
Como "religião-porteira", já que influi menos por ser popular e mais pelo aparente carisma e blindagem social, jurídica, acadêmica e midiática que recebe, o "espiritismo" abre caminho para que espíritos trevosos dos mais diversos tipos "arrombem todas as barreiras" e estabeleçam controle no âmbito da Cultura, das Artes, da Moral, da Política, das Leis, do Emprego e de tudo que vier.
Por isso deturpar o Espiritismo foi uma das coisas mais graves que ocorreu com o legado de Kardec. Não basta fingir que aprendeu as lições e depois enfeitar textos e mais textos com palavras doces e imagens bonitas, porque isso só camufla as coisas.
Será preciso a sociedade assumir o problema, em vez de jogar os deturpadores debaixo do tapete. Ver que ações como o Assistencialismo (caridade que pouco ajuda e só promovem o "benfeitor") e o Ad Passiones (apelo emocional que evoca "imagens" e "textos" belos ou emocionalmente "fortes") são duas das armadilhas que os deturpadores, sobretudo os "médiuns" em seu culto à personalidade, usam para se manterem em pé.
Abrir mão das paixões religiosas, se desapegar dos ídolos da fé e admitir que se faça uma devassa em todo o "movimento espírita" tal como se faz, nos EUA, com a Cientologia, são formas que desagradam a muitos, mas são necessárias para entender os gravíssimos erros de uma religião que evoca o nome de Kardec mas que, na verdade, resgata valores e práticas do Catolicismo medieval.
domingo, 14 de maio de 2017
Muito se fala no Jogo da Baleia Azul; e o jogo "espírita" de "Vencer a Si Mesmo"?
O "Correio Espírita" deste mês publicou uma matéria que define o Jogo da Baleia Azul como um "jogo assassino", preocupado com a onda de suicídios provocada pelo sombrio regulamento dessa brincadeira perigosa.
Sim, é inegável que o Jogo da Baleia Azul, um modismo nas redes sociais, esteja causando tantos suicídios pela forma com que é feito seu regulamento e pelo caráter macabro das tarefas a serem feitas. Mas isso é um assunto que vai além de moralismos religiosos e que não pode ser resolvido com a censura na Internet que grupos retrógrados pregam como uma falsa solução, que na verdade protege interesses ultraconservadores mais estratégicos.
O grande problema, porém, é que o próprio "espiritismo" brasileiro também mostra seu "Jogo da Baleia Azul", através de seus valores, cada vez mais identificados com a Teologia do Sofrimento.
Cada vez mais distante de Allan Kardec - nunca devidamente compreendido pelos seus proclamados seguidores oficiais no Brasil - , o "espiritismo" brasileiro, de raiz roustanguista, transmite energias macabras por conta de suas próprias contradições e pela sua desonestidade doutrinária.
A desonestidade doutrinária consiste em transmitir ideias roustanguistas sob o pretexto de "atualização" do legado kardeciano. A hipocrisia que isso significa faz com que "espíritas" deem o mesmo apreço a Erasto, que alertou para a deturpação no Espiritismo, e a Emmanuel, um dos propagadores da deturpação.
Só isso faz com que, em vez da espiritualidade mais evoluída, que foge, constrangida, dos aduladores religiosos da Terra, cheguem aos "espíritas" as almas mais traiçoeiras e levianas, os chamados espíritos inferiores.
As fotos antigas de Francisco Cândido Xavier revelam uma energia maligna. O semblante malicioso e o olhar agressivo explicam por que muitos devotos de Chico Xavier acabam perdendo seus filhos, como em uma maldição.
O anti-médium e beato de Pedro Leopoldo e Uberaba tinha fetiches por mortos prematuros, por achar exótico morrer jovem. A maioria dos espíritos usurpados pela suposta mediunidade de Xavier é de gente morta prematuramente: Castro Alves, Casimiro de Abreu, Humberto de Campos, Auta de Souza, Irma de Castro Rocha, Augusto dos Anjos, Cruz e Souza.
No fundo, Chico Xavier foi um católico de crenças bastante ortodoxas que preferiu fazer o Espiritismo andar para trás enquanto o Catolicismo, de gente como Alceu Amoroso Lima e Dom Hélder Câmara, caminhava para a frente.
Chico Xavier era adepto da Teologia do Sofrimento, corrente medieval católica que fazia apologia da desgraça humana como "atalho para Deus", e também fez o Espiritismo, no Brasil, se rebaixar a uma versão repaginada do Catolicismo jesuíta do Brasil colonial.
Daí os apelos para "amar o sofrimento", "abrir mão das próprias necessidades", "ficar feliz apenas por ter o ar que respira" (o que, em lugares como Rio de Janeiro e São Paulo, é difícil, pois nem isso se tem, sobretudo no Rio de fumantes arrogantemente inveterados), sobretudo a falácia de que "o pior inimigo é a própria pessoa", que soa como um punhal para o deserdado da sorte.
O próprio moralismo "espírita", com muitos conceitos estranhos ao legado de Allan Kardec, revela o quanto a doutrina igrejeira brasileira trocou o pedagogo francês pelo imperador romano e fundador do Catolicismo, Constantino.
A apologia ao sofrimento humano, que traz vibrações perigosas para quem faz tratamentos espirituais para resolver problemas e contrai outros ainda piores, faz com que o "espiritismo" tenha também seu "Jogo da Baleia Azul", o "Jogo do Vencer a Si Mesmo".
Como o "espiritismo" brasileiro, pelo seu DNA roustanguista, não aprecia a individualidade humana (confundida com egocentrismo), tanto faz apelar para a pessoa abrir mão de suas qualidades pessoais, e levar uma vida "qualquer nota", reduzindo-se a "boneco das circunstâncias" e "brinquedo das adversidades".
Alguns "espíritas" até tentam um malabarismo discursivo: "Não, nós apreciamos a individualidade, as vocações pessoais, os talentos próprios, mas existem mil formas de trabalhá-las. Sabe aquela empresa corrupta cujo patrão é prepotente? Mostre sua criatividade e promova a fraternidade cristã que todos vão gostar e o coração do seu chefe irá derreter". Como se fosse fácil fazer isso, tal como pedir para a guilhotina em queda não cortar o pescoço do condenado.
Os "espíritas", da mesma forma que confundem individualidade com individualismo, confundem desgraça com desafio. Isso revela um moralismo bastante severo, que acaba aceitando as condições que levam as pessoas ao suicídio, demonstrando a hipocrisia da doutrina igrejeira que, sob a desculpa da "vida futura", consente e até defende que pessoas fiquem acumulando desgraças e percam o controle de seu próprio destino.
A péssima psicologia que se encontra no apelo de "vencer a si mesmo" é até um discurso perigoso. Afinal, as apologias ao "carregamento da cruz cristã" e outros valores próprios da Teologia do Sofrimento só conseguem inspirar, no sofredor em aflição, o desejo de se exterminar. Ainda mais porque ele, no seu desespero, é informado de que é "seu pior inimigo" e aí ele, já com baixa autoestima, encontra mais estímulo para tirar sua própria vida.
Daí a contradição em que os "espíritas" se metem diante da criminalização do suicídio, quando seu moralismo apela para aceitar justamente os fatores que levam as pessoas a tirarem suas vidas. E ainda mais quando os mais aflitos, ao buscarem socorro para suas dificuldades extremas, contraem ainda mais e mais desgraças. Usar a "vida futura" para aceitar o sofrimento não resolve, até porque isso cria uma ânsia nos desesperados que cada vez mais são estimulados ao triste ato extremo.
sexta-feira, 12 de maio de 2017
Grande mídia, religião e construção de mitos
NELSON XAVIER E ARY FONTOURA - Grandiosos talentos interpretando personagens tendenciosamente abordados pela Globo.
A grande mídia, a depender da influência que faz aos brasileiros, parece estar dotada de poderes divinos. A fabricação de consenso chega mesmo a dar a impressão às pessoas de que tudo é natural, e que a grande mídia não faz mais do que representar o inconsciente coletivo do povo brasileiro.
Não é a mídia que se submete ao inconsciente do povo. É o inverso. E, anteontem, quando o ator Nelson Xavier, que interpretou o "médium" Francisco Cândido Xavier, faleceu de câncer, aos 75 anos, no mesmo dia do depoimento do ex-presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, à Operação Lava Jato, estão em jogo dois mitos inversamente trabalhados pelo poder midiático da Rede Globo, que parece querer substituir as consciências das pessoas.
Assim como Nelson Xavier foi marcado por interpretar Chico Xavier - a ponto de ter divulgado um desejo de que, quando fosse enterrado, usasse o paletó que o "médium" deu de presente ao ator - , temos o ator Ary Fontoura, no filme Polícia Federal - A Lei é Para Todos, sobre a Operação Lava Jato, fazendo papel do ex-presidente Lula. O filme tem lançamento previsto para julho deste ano.
Os brasileiros médios, que assistem constantemente à televisão e possuem formação ideológica mais ou menos conservadora, estão acostumados à imagem oficial de certos mitos, de forma que eles gozam de aparente unanimidade, mesmo quando apresentam irregularidades nas qualidades a eles atribuídas.
Isso é assim tanto com Chico Xavier, "santificado" ao extremo, como uma Madre Teresa de Calcutá brasileira - um mito construído de maneira semelhante lá fora - , como Lula, "demonizado" ao extremo. Mitos construídos pelo persuasivo discurso midiático que força a prevalência de abordagens que nem sempre correspondem à realidade.
Aparentemente, quase ninguém percebe que Chico Xavier foi um deturpador muito grave da Doutrina Espírita, desfigurando e distorcendo o legado trabalhosamente desenvolvido por Allan Kardec ao sabor de devaneios igrejistas, moralistas e até materialistas (a concepção das "colônias espirituais" é um claro exemplo disso).
Ao "médium" também pesam denúncias de que suas supostas psicografias não passam de obras fake - pioneiros dos textos apócrifos que se produzem na Internet - e que outras práticas, como supostos rituais de materialização, teriam sido fraudulentas e contavam com o acompanhamento ativo do próprio Chico Xavier, que ainda assinava "autenticando" tais embustes.
Sobre os fakes supostamente psicográficos, observam-se irregularidades graves nas obras atribuídas a espíritos do além, famosos ou não. Humberto de Campos, Auta de Souza, Casimiro de Abreu, Olavo Bilac e Jair Presente, entre tantos e tantos outros, apresentam problemas sérios de estilo pessoal e frequentemente seus textos demonstram o pensamento e o estilo pessoal do "médium".
As pessoas se esqueceram disso e a visão mais persistente é que Chico Xavier é um "santo" e um homem que "fez muita caridade". Tais qualidades são muito duvidosas, até porque, se a "caridade" de Xavier tivesse sido verdadeira, com a projeção e o carisma que ele acumulou nos últimos anos, o Brasil teria alcançado um padrão escandinavo de vida. No ano do centenário de Chico Xavier, sua querida Uberaba foi rebaixada de 104° para 210° lugar em Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas.
O mito de Chico Xavier como "símbolo máximo da caridade" é falso e foi criado pela Rede Globo de Televisão no final dos anos 1970 para concorrer com a ascensão dos "pastores midiáticos" R. R. Soares e Edir Macedo. É certo que o mito de "filantropo" atribuído a Chico Xavier é bem antigo, mas foi a Globo que trabalhou o mito de forma mais organizada, sem as confusões e o apelo sensacionalista de Antônio Wantuil de Freitas, antigo presidente da FEB e descobridor do "médium".
Quem prestar melhor atenção sabe que o mito de Chico Xavier contém ingredientes apelativos que analistas conceituados do Primeiro Mundo já definem como tendenciosos e manipuladores da opinião pública: o Ad Passiones (apelo à emoção) e o Assistencialismo (caridade paliativa).
Os dois apelos discursivos ainda são vistos, pela maior parte dos brasileiros, como atitudes "positivas" e dotadas de "valor moral elevado". Mas não é isso que análises diversas demonstram, lá fora, sobretudo alertando que o mundo capitalista nunca trouxe benefícios explorando intensamente essas duas estratégias de convencimento.
O Ad Passiones, discurso que apela para a exploração excessiva da emoção (como, no caso do "espiritismo", abusar das evocações de "amor" e "caridade" e mostrar imagens de crianças sorrindo ou desenhos de corações), é definido como um tipo de falácia, que é a veiculação de uma ideia falsa como se fosse uma "verdade indiscutível".
O Ad Passiones virou moda com o fenômeno da pós-verdade, que, de maneira inesperada e motivada mais pelos apelos emocionais do que pela realidade objetiva, causou vitórias surreais em vários países. Nos EUA, a inesperada vitória de Donald Trump e, no Reino Unido, da proposta de saída da monarquia europeia da União Europeia, revelam o triunfo da pós-verdade, que também influiu no Brasil, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
O Assistencialismo, por sua vez, é uma caridade parcial, que apenas atende casos pontuais, sem romper profundamente com as injustiças sociais e sem representar a emancipação plena das populações carentes. Diferente da Assistência Social (que encara injustiças sociais de frente, não raro ameaçando os privilégios das elites), o Assistencialismo traz poucos benefícios e serve mais para expor o "benfeitor" em prol de sua promoção pessoal.
O "espiritismo" brasileiro diz fazer Assistência Social e alega que sua "caridade" é "transformadora". Mas a prática não revela isso, até porque, pela importância que se dá a esta religião, o Brasil teria se tornado um país melhor e não pior como está hoje, com a degradação do mercado de trabalho e outros retrocessos virando leis, estrangulando recursos públicos e empobrecendo e desgastando as forças das classes trabalhadoras.
A Mansão do Caminho é um exemplo disso. E com o apoio do poder midiático da Globo. Em reportagem do Fantástico, festejou-se demais a "caridade" de Divaldo Franco, tido como "maior filantropo do Brasil" por ajudar, tão somente, menos de 1% da população da cidade de Salvador. Em índices nacionais, o dado se torna até risível. É festa demais para pouca caridade, mostrando o quanto o Assistencialismo serve mais para a promoção pessoal dos "médiuns" brasileiros.
Tanto o Ad Passiones quanto o Assistencialismo são apelos tendenciosos que promovem o "espiritismo" para pôr a deturpação debaixo do tapete. O excesso de alusões ao amor, em palestras, visitas, mensagens, textos etc, confortam e tranquilizam muitos, mas se trata de um apelo perigoso, traiçoeiro, que garante a aceitação dos deturpadores que "vaticanizaram" o Espiritismo até quando se cogita a recuperação das bases doutrinárias.
Se o "espiritismo" representa o Ad Passiones nas excessivas citações de "amor" e "fraternidade", essa representação, quanto ao Assistencialismo, se dá nas supostas evocações de "caridade" e "bondade". São apelos que, no discurso, parecem belos e fascinantes, mas cujos efeitos são extremamente inexpressivos e não legitimam de forma alguma o "espiritismo" brasileiro, que continua devendo responsabilidade pelas traições que fez aos postulados de Allan Kardec.
E todas essas armadilhas as pessoas não percebem porque as "boas emoções" são a camuflagem perfeita para qualquer apelo religioso. A Rede Globo tem consultores de Psicologia dos mais habilidosos e a parceria com a ex-inimiga FEB tornou-se um casamento feliz, fazendo o povo se distrair com a visão adocicada do deturpador Chico Xavier, enquanto lincha figuras que realmente ajudaram o próximo como Lula.
As pessoas são manipuladas pelo moralismo conservador, pelo reacionarismo político e pelas paixões religiosas. Constroem para si uma realidade que se revela, na verdade, irreal e sem lógica, e, no caso do "espiritismo" brasileiro, deixaram crescer a reputação de um gravíssimo deturpador da Doutrina Espírita, um mineiro que arruinou o legado kardeciano e criou obras fake de supostos espíritos do além, para depois virar o "santo absoluto" devido às seduções maliciosas das paixões religiosas.
A grande mídia, a depender da influência que faz aos brasileiros, parece estar dotada de poderes divinos. A fabricação de consenso chega mesmo a dar a impressão às pessoas de que tudo é natural, e que a grande mídia não faz mais do que representar o inconsciente coletivo do povo brasileiro.
Não é a mídia que se submete ao inconsciente do povo. É o inverso. E, anteontem, quando o ator Nelson Xavier, que interpretou o "médium" Francisco Cândido Xavier, faleceu de câncer, aos 75 anos, no mesmo dia do depoimento do ex-presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, à Operação Lava Jato, estão em jogo dois mitos inversamente trabalhados pelo poder midiático da Rede Globo, que parece querer substituir as consciências das pessoas.
Assim como Nelson Xavier foi marcado por interpretar Chico Xavier - a ponto de ter divulgado um desejo de que, quando fosse enterrado, usasse o paletó que o "médium" deu de presente ao ator - , temos o ator Ary Fontoura, no filme Polícia Federal - A Lei é Para Todos, sobre a Operação Lava Jato, fazendo papel do ex-presidente Lula. O filme tem lançamento previsto para julho deste ano.
Os brasileiros médios, que assistem constantemente à televisão e possuem formação ideológica mais ou menos conservadora, estão acostumados à imagem oficial de certos mitos, de forma que eles gozam de aparente unanimidade, mesmo quando apresentam irregularidades nas qualidades a eles atribuídas.
Isso é assim tanto com Chico Xavier, "santificado" ao extremo, como uma Madre Teresa de Calcutá brasileira - um mito construído de maneira semelhante lá fora - , como Lula, "demonizado" ao extremo. Mitos construídos pelo persuasivo discurso midiático que força a prevalência de abordagens que nem sempre correspondem à realidade.
Aparentemente, quase ninguém percebe que Chico Xavier foi um deturpador muito grave da Doutrina Espírita, desfigurando e distorcendo o legado trabalhosamente desenvolvido por Allan Kardec ao sabor de devaneios igrejistas, moralistas e até materialistas (a concepção das "colônias espirituais" é um claro exemplo disso).
Ao "médium" também pesam denúncias de que suas supostas psicografias não passam de obras fake - pioneiros dos textos apócrifos que se produzem na Internet - e que outras práticas, como supostos rituais de materialização, teriam sido fraudulentas e contavam com o acompanhamento ativo do próprio Chico Xavier, que ainda assinava "autenticando" tais embustes.
Sobre os fakes supostamente psicográficos, observam-se irregularidades graves nas obras atribuídas a espíritos do além, famosos ou não. Humberto de Campos, Auta de Souza, Casimiro de Abreu, Olavo Bilac e Jair Presente, entre tantos e tantos outros, apresentam problemas sérios de estilo pessoal e frequentemente seus textos demonstram o pensamento e o estilo pessoal do "médium".
As pessoas se esqueceram disso e a visão mais persistente é que Chico Xavier é um "santo" e um homem que "fez muita caridade". Tais qualidades são muito duvidosas, até porque, se a "caridade" de Xavier tivesse sido verdadeira, com a projeção e o carisma que ele acumulou nos últimos anos, o Brasil teria alcançado um padrão escandinavo de vida. No ano do centenário de Chico Xavier, sua querida Uberaba foi rebaixada de 104° para 210° lugar em Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas.
O mito de Chico Xavier como "símbolo máximo da caridade" é falso e foi criado pela Rede Globo de Televisão no final dos anos 1970 para concorrer com a ascensão dos "pastores midiáticos" R. R. Soares e Edir Macedo. É certo que o mito de "filantropo" atribuído a Chico Xavier é bem antigo, mas foi a Globo que trabalhou o mito de forma mais organizada, sem as confusões e o apelo sensacionalista de Antônio Wantuil de Freitas, antigo presidente da FEB e descobridor do "médium".
Quem prestar melhor atenção sabe que o mito de Chico Xavier contém ingredientes apelativos que analistas conceituados do Primeiro Mundo já definem como tendenciosos e manipuladores da opinião pública: o Ad Passiones (apelo à emoção) e o Assistencialismo (caridade paliativa).
Os dois apelos discursivos ainda são vistos, pela maior parte dos brasileiros, como atitudes "positivas" e dotadas de "valor moral elevado". Mas não é isso que análises diversas demonstram, lá fora, sobretudo alertando que o mundo capitalista nunca trouxe benefícios explorando intensamente essas duas estratégias de convencimento.
O Ad Passiones, discurso que apela para a exploração excessiva da emoção (como, no caso do "espiritismo", abusar das evocações de "amor" e "caridade" e mostrar imagens de crianças sorrindo ou desenhos de corações), é definido como um tipo de falácia, que é a veiculação de uma ideia falsa como se fosse uma "verdade indiscutível".
O Ad Passiones virou moda com o fenômeno da pós-verdade, que, de maneira inesperada e motivada mais pelos apelos emocionais do que pela realidade objetiva, causou vitórias surreais em vários países. Nos EUA, a inesperada vitória de Donald Trump e, no Reino Unido, da proposta de saída da monarquia europeia da União Europeia, revelam o triunfo da pós-verdade, que também influiu no Brasil, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
O Assistencialismo, por sua vez, é uma caridade parcial, que apenas atende casos pontuais, sem romper profundamente com as injustiças sociais e sem representar a emancipação plena das populações carentes. Diferente da Assistência Social (que encara injustiças sociais de frente, não raro ameaçando os privilégios das elites), o Assistencialismo traz poucos benefícios e serve mais para expor o "benfeitor" em prol de sua promoção pessoal.
O "espiritismo" brasileiro diz fazer Assistência Social e alega que sua "caridade" é "transformadora". Mas a prática não revela isso, até porque, pela importância que se dá a esta religião, o Brasil teria se tornado um país melhor e não pior como está hoje, com a degradação do mercado de trabalho e outros retrocessos virando leis, estrangulando recursos públicos e empobrecendo e desgastando as forças das classes trabalhadoras.
A Mansão do Caminho é um exemplo disso. E com o apoio do poder midiático da Globo. Em reportagem do Fantástico, festejou-se demais a "caridade" de Divaldo Franco, tido como "maior filantropo do Brasil" por ajudar, tão somente, menos de 1% da população da cidade de Salvador. Em índices nacionais, o dado se torna até risível. É festa demais para pouca caridade, mostrando o quanto o Assistencialismo serve mais para a promoção pessoal dos "médiuns" brasileiros.
Tanto o Ad Passiones quanto o Assistencialismo são apelos tendenciosos que promovem o "espiritismo" para pôr a deturpação debaixo do tapete. O excesso de alusões ao amor, em palestras, visitas, mensagens, textos etc, confortam e tranquilizam muitos, mas se trata de um apelo perigoso, traiçoeiro, que garante a aceitação dos deturpadores que "vaticanizaram" o Espiritismo até quando se cogita a recuperação das bases doutrinárias.
Se o "espiritismo" representa o Ad Passiones nas excessivas citações de "amor" e "fraternidade", essa representação, quanto ao Assistencialismo, se dá nas supostas evocações de "caridade" e "bondade". São apelos que, no discurso, parecem belos e fascinantes, mas cujos efeitos são extremamente inexpressivos e não legitimam de forma alguma o "espiritismo" brasileiro, que continua devendo responsabilidade pelas traições que fez aos postulados de Allan Kardec.
E todas essas armadilhas as pessoas não percebem porque as "boas emoções" são a camuflagem perfeita para qualquer apelo religioso. A Rede Globo tem consultores de Psicologia dos mais habilidosos e a parceria com a ex-inimiga FEB tornou-se um casamento feliz, fazendo o povo se distrair com a visão adocicada do deturpador Chico Xavier, enquanto lincha figuras que realmente ajudaram o próximo como Lula.
As pessoas são manipuladas pelo moralismo conservador, pelo reacionarismo político e pelas paixões religiosas. Constroem para si uma realidade que se revela, na verdade, irreal e sem lógica, e, no caso do "espiritismo" brasileiro, deixaram crescer a reputação de um gravíssimo deturpador da Doutrina Espírita, um mineiro que arruinou o legado kardeciano e criou obras fake de supostos espíritos do além, para depois virar o "santo absoluto" devido às seduções maliciosas das paixões religiosas.
quarta-feira, 10 de maio de 2017
O bitolamento dos cariocas e fluminenses
O FANATISMO POR FUTEBOL REVELA O CARÁTER BITOLADO OBTIDO PELOS CARIOCAS NOS ÚLTIMOS 25 ANOS.
Fanatismo por futebol, gosto musical restrito aos hits, obsessão por noitadas, eventual vício do cigarro, indisposição de reabastecer produtos nos mercados, visão conservadora da política. Tudo isso rebaixa o Rio de Janeiro e os demais Estados do Sul e Sudeste, antes redutos de modernidade e progresso, a antros do mais puro reacionarismo e até bitolamento sócio-cultural.
A decadência social, que faz com que o eixo Rio-São Paulo seja cenário de atos de truculência social e vandalismo, e redutos potenciais de candidatos do nível de Jair Bolsonaro, que se comprova dotado de profundos e perigosos preconceitos sociais, é uma realidade que muitos se recusam a admitir mas que se demonstra cada vez mais explícita e escancarada.
Nos últimos 25 anos, o Sul e Sudeste abriram mão de seus progressos sócio-culturais e sucumbiram a uma confusa guinada de atraso, em que se combinam a falsa simplicidade da bregalização cultural e a truculência obsessiva do reacionarismo ideológico. Funkeiros e "coxinhas" viram subprodutos, marcados por uma sociedade ao mesmo tempo permissiva demais e punitiva demais, sendo uma ou outra coisa de acordo com as conveniências do momento.
A decadência do Rio de Janeiro foi motivada por uma "cultura" pragmatista - de não querer o melhor, mas o "básico", como alguém que vai ao restaurante para pedir somente "arroz, feijão e carne" - que fez serem eleitos os piores políticos, trazendo uma péssima herança para o Brasil. Foi esse "pragmatismo" que fez o Rio se deteriorar não só na política, na segurança e nas finanças, mas também na cultura, sobretudo musical, no rádio e TV, na vida social e outros âmbitos.
O governo Michel Temer, por exemplo, se originou no Rio de Janeiro, apesar do presidente ser paulista. Ele se originou na eleição de Eduardo Cunha, que acompanhou a vitória eleitoral de políticos "pragmáticos" e falsamente modernos, como Eduardo Paes e Sérgio Cabral Filho. Foi Cunha que sabotou o governo Dilma Rousseff e se empenhou para tirá-la do poder.
Para piorar, o Rio elegeu também Flávio Bolsonaro, que tem no pai, o reacionário e preconceituoso Jair Bolsonaro, uma das maiores apostas do Estado para disputar a Presidência da República, representando mais uma ameaça que o "pragmatismo carioca" irá trazer para o país.
Culturalmente, o Rio de Janeiro que mostrou ao mundo a Bossa Nova e se tornou cenário de importantes movimentos da MPB e do Rock Brasil, sucumbiu à degradação do "funk carioca" (espécie de "Plano Temer" da música brasileira), surgida na Era Collor. O "funk" teve sua ascensão patrocinada, ao longo dos tempos, pelo próprio Eduardo Cunha (quando presidia a Telerj, dona de alguns clubes que abrigavam "bailes funk") e pelas Organizações Globo.
No rock, a "cultura pragmática" fez extinguir a Fluminense FM e sua programação de qualidade para abrir caminho a uma sub-clone da Jovem Pan com "vitrolão roqueiro": a Rádio Cidade, que teve que ser extinta, atingida por seus próprios erros, quando passou a divulgar um estereótipo idiotizado de fã roqueiro: aquele que bota língua para fora, faz sinal de demônio com as mãos, toca air guitar e só ouve uma música de cada banda de rock que diz curtir.
Em muitos casos, a coisa vai longe demais, como a Rádio Cidade, o ex-deputado Eduardo Cunha, Eduardo Paes, Sérgio Cabral Filho e os ônibus padronizados (a pintura padronizada já teve sua "sentença de morte" anunciada pelo atual secretário de Transportes, Fernando MacDowell, para este ano).
No último caso, o fato de diferentes empresas de ônibus terem a mesma pintura, confundindo os passageiros, só causou sérios problemas, que o discurso tecnocrático tentou abafar. A medida era repudiada pela população, o que fazia com que os pouquíssimos defensores dos "ônibus iguaizinhos", como uma minoria de busólogos, fizessem uma campanha de cyberbullying e uma página de ofensas ("Comentários Críticos") que reduziriam a busologia carioca num gabinete do então secretário de Transportes, Alexandre Sansão.
O Rio de Janeiro sofre uma série de graves problemas, que ultrapassam limites normais de imperfeição urbana. Importantes corredores viários são "bloqueados" por gigantescos complexos de favelas onde impera a criminalidade extrema (Complexos Alemão-Maré, no trecho Galeão-Centro, e Rocinha, no trecho Leblon-Barra), desafiando técnicos de urbanismo, segurança e qualidade de vida diante de tantos problemas de ordem policial, sócio-econômica, urbanística e habitacional.
Mas o mais grave disso tudo é que a chamada "boa sociedade" carioca - parcela que inclui a classe média, as elites e os chamados "pobres de direita" - está acomodada diante desse cenário desolador. A aparente felicidade que muitos cariocas e fluminenses em geral demonstram diante desse momento calamitoso é preocupante, tanto que as pessoas de fora do RJ já definem tal sensação como "despreocupação preocupante".
Isso porque as pessoas parece que pensam que, retrocedendo o Rio de Janeiro e o Brasil, se voltará para os tempos dourados de 1958. É essa a ilusão que move o cenário político e social do país hoje em dia, como se o Brasil colonial tivesse sido a fonte de felicidade para uma parcela de brasileiros, sobretudo do Sul e Sudeste.
A "cultura pragmática" ainda deixou o lazer dos cariocas e fluminenses mais restrito. A diversidade cultural deixou os cariocas limitados até nas opções de lazer, aceitando facilmente apenas os "bens culturais" impostos pela grande mídia (note-se o poder descomunal da Rede Globo), como o hit-parade musical (só as tais "músicas de sucesso") e poucas opções de lazer, superestimando o futebol.
Aliás, o fanatismo pelo futebol, que tanto orgulha os cariocas e fluminenses e faz com que torcedores gritem à noite incomodando o sono de quem quer acordar para trabalhar, é considerado uma chatice por quem vive fora do país, não bastasse a gritaria por um gol de um time carioca ser perigosa para o rendimento de quem teve o sono interrompido com tal poluição sonora, comum principalmente nas noites de quarta ou quinta-feira, vésperas de dias de trabalho, neste contexto de degradação do emprego.
O fanatismo pelo futebol, que regula as relações sociais no Estado do Rio de Janeiro, é considerado chato por quem vive fora pelo fato de ser um assunto monocórdico. É um problema comparável ao do personagem Howard, do seriado de TV Big Bang Theory, que queria falar para todo mundo e o tempo todo sobre suas façanhas como astronauta.
O carioca, quando vem falando sobre futebol o tempo todo, só é ouvido por outro carioca (ou por alguém de Niterói, São Gonçalo ou Baixada Fluminense, "papagaio de pirata" do carioquismo). Mas é só alguém de fora sair reclamando "Pô, você só fala nisso" ou "Hoje nem é dia de jogo e você já vem com esse papo?" para o carioca, se achando o "dono da verdade", sair irritado, provavelmente com vontade de fazer um blog ofensivo dedicado a seu desafeto.
Mas o carioca não é dono da verdade e o fanatismo pelo futebol chega mesmo a provocar assédio moral nos ambientes de trabalho e sociais. Aliás, assédio moral é uma constante no Grande Rio, em que houve até casos de universitários forçando um colega que não curte bebida alcoólica a "provar" um copo de cerveja.
Outro problema é o fumo. O fato de vários famosos, entre atores, músicos e jornalistas, morrerem relativamente cedo por consequência do fumo não convence muitos cariocas, que demonstram arrogância fazendo pose com o cigarro na mão, chegando a "fumar com os dedos" andando três quarteirões sem dar uma tragada, como se estivessem irritando os não-fumantes. Se conseguem andar três quarteirões sem tragar um cigarro, por que não decidem parar de fumar de uma vez?
O "pragmatismo" também impede que muitos produtos sejam reabastecidos em supermercados com eficácia, "sumindo" das prateleiras durante, pelo menos, duas ou três semanas. Ou o exigente mercado de trabalho cujo modelo de trabalhador a ser contratado é tão fantasioso que se molda em galãs como Malvino Salvador ou em humoristas como Danilo Gentili. E ainda tem o tal fanatismo pelo futebol!
Na vida amorosa, não há ambientes democráticos, havendo o monopólio das boates, o que significa tanto preços caros para alguém arrumar um amor e falta de segurança na volta para casa. Não há alternativas, como praças públicas, bibliotecas e nem há a sensibilidade necessária para casais se formarem por afinidade e sem precisar da máscara virtual das redes sociais, que muitas vezes revelam intrigas e malícias perigosas por trás de supostos contatos amorosos.
O Rio de Janeiro está desumano e precisa aprender, por exemplo, com a cidade de Salvador, que também passou por impasses semelhantes e, mesmo assim, nem tão decadentes como a Cidade Maravilhosa e seu respectivo Estado.
As pessoas deveriam sair do WhatsApp e do Facebook para estimular o contato pessoal além dos limites noturnos das boates da moda. Os cariocas e fluminenses deveriam ser menos agressivos, menos grosseiros, e repensar a vida pessoal e social, abrindo mão do Complexo de Superioridade que deixa o Rio de Janeiro naufragando em relação ao Brasil em geral.
A profunda crise que atinge o Rio de Janeiro é algo para pensar e não será resolvida por uma hipotética volta a 1958, mas na revisão profunda de valores e procedimentos que se encontram viciados e em solução de continuidade. Isso é ruim, porque já se tem a crise financeira que durará dez anos, e o risco é de haver uma crise sócio-cultural de mais de 20 anos, se nada for feito para conter isso.
Fanatismo por futebol, gosto musical restrito aos hits, obsessão por noitadas, eventual vício do cigarro, indisposição de reabastecer produtos nos mercados, visão conservadora da política. Tudo isso rebaixa o Rio de Janeiro e os demais Estados do Sul e Sudeste, antes redutos de modernidade e progresso, a antros do mais puro reacionarismo e até bitolamento sócio-cultural.
A decadência social, que faz com que o eixo Rio-São Paulo seja cenário de atos de truculência social e vandalismo, e redutos potenciais de candidatos do nível de Jair Bolsonaro, que se comprova dotado de profundos e perigosos preconceitos sociais, é uma realidade que muitos se recusam a admitir mas que se demonstra cada vez mais explícita e escancarada.
Nos últimos 25 anos, o Sul e Sudeste abriram mão de seus progressos sócio-culturais e sucumbiram a uma confusa guinada de atraso, em que se combinam a falsa simplicidade da bregalização cultural e a truculência obsessiva do reacionarismo ideológico. Funkeiros e "coxinhas" viram subprodutos, marcados por uma sociedade ao mesmo tempo permissiva demais e punitiva demais, sendo uma ou outra coisa de acordo com as conveniências do momento.
A decadência do Rio de Janeiro foi motivada por uma "cultura" pragmatista - de não querer o melhor, mas o "básico", como alguém que vai ao restaurante para pedir somente "arroz, feijão e carne" - que fez serem eleitos os piores políticos, trazendo uma péssima herança para o Brasil. Foi esse "pragmatismo" que fez o Rio se deteriorar não só na política, na segurança e nas finanças, mas também na cultura, sobretudo musical, no rádio e TV, na vida social e outros âmbitos.
O governo Michel Temer, por exemplo, se originou no Rio de Janeiro, apesar do presidente ser paulista. Ele se originou na eleição de Eduardo Cunha, que acompanhou a vitória eleitoral de políticos "pragmáticos" e falsamente modernos, como Eduardo Paes e Sérgio Cabral Filho. Foi Cunha que sabotou o governo Dilma Rousseff e se empenhou para tirá-la do poder.
Para piorar, o Rio elegeu também Flávio Bolsonaro, que tem no pai, o reacionário e preconceituoso Jair Bolsonaro, uma das maiores apostas do Estado para disputar a Presidência da República, representando mais uma ameaça que o "pragmatismo carioca" irá trazer para o país.
Culturalmente, o Rio de Janeiro que mostrou ao mundo a Bossa Nova e se tornou cenário de importantes movimentos da MPB e do Rock Brasil, sucumbiu à degradação do "funk carioca" (espécie de "Plano Temer" da música brasileira), surgida na Era Collor. O "funk" teve sua ascensão patrocinada, ao longo dos tempos, pelo próprio Eduardo Cunha (quando presidia a Telerj, dona de alguns clubes que abrigavam "bailes funk") e pelas Organizações Globo.
No rock, a "cultura pragmática" fez extinguir a Fluminense FM e sua programação de qualidade para abrir caminho a uma sub-clone da Jovem Pan com "vitrolão roqueiro": a Rádio Cidade, que teve que ser extinta, atingida por seus próprios erros, quando passou a divulgar um estereótipo idiotizado de fã roqueiro: aquele que bota língua para fora, faz sinal de demônio com as mãos, toca air guitar e só ouve uma música de cada banda de rock que diz curtir.
Em muitos casos, a coisa vai longe demais, como a Rádio Cidade, o ex-deputado Eduardo Cunha, Eduardo Paes, Sérgio Cabral Filho e os ônibus padronizados (a pintura padronizada já teve sua "sentença de morte" anunciada pelo atual secretário de Transportes, Fernando MacDowell, para este ano).
No último caso, o fato de diferentes empresas de ônibus terem a mesma pintura, confundindo os passageiros, só causou sérios problemas, que o discurso tecnocrático tentou abafar. A medida era repudiada pela população, o que fazia com que os pouquíssimos defensores dos "ônibus iguaizinhos", como uma minoria de busólogos, fizessem uma campanha de cyberbullying e uma página de ofensas ("Comentários Críticos") que reduziriam a busologia carioca num gabinete do então secretário de Transportes, Alexandre Sansão.
O Rio de Janeiro sofre uma série de graves problemas, que ultrapassam limites normais de imperfeição urbana. Importantes corredores viários são "bloqueados" por gigantescos complexos de favelas onde impera a criminalidade extrema (Complexos Alemão-Maré, no trecho Galeão-Centro, e Rocinha, no trecho Leblon-Barra), desafiando técnicos de urbanismo, segurança e qualidade de vida diante de tantos problemas de ordem policial, sócio-econômica, urbanística e habitacional.
Mas o mais grave disso tudo é que a chamada "boa sociedade" carioca - parcela que inclui a classe média, as elites e os chamados "pobres de direita" - está acomodada diante desse cenário desolador. A aparente felicidade que muitos cariocas e fluminenses em geral demonstram diante desse momento calamitoso é preocupante, tanto que as pessoas de fora do RJ já definem tal sensação como "despreocupação preocupante".
Isso porque as pessoas parece que pensam que, retrocedendo o Rio de Janeiro e o Brasil, se voltará para os tempos dourados de 1958. É essa a ilusão que move o cenário político e social do país hoje em dia, como se o Brasil colonial tivesse sido a fonte de felicidade para uma parcela de brasileiros, sobretudo do Sul e Sudeste.
A "cultura pragmática" ainda deixou o lazer dos cariocas e fluminenses mais restrito. A diversidade cultural deixou os cariocas limitados até nas opções de lazer, aceitando facilmente apenas os "bens culturais" impostos pela grande mídia (note-se o poder descomunal da Rede Globo), como o hit-parade musical (só as tais "músicas de sucesso") e poucas opções de lazer, superestimando o futebol.
Aliás, o fanatismo pelo futebol, que tanto orgulha os cariocas e fluminenses e faz com que torcedores gritem à noite incomodando o sono de quem quer acordar para trabalhar, é considerado uma chatice por quem vive fora do país, não bastasse a gritaria por um gol de um time carioca ser perigosa para o rendimento de quem teve o sono interrompido com tal poluição sonora, comum principalmente nas noites de quarta ou quinta-feira, vésperas de dias de trabalho, neste contexto de degradação do emprego.
O fanatismo pelo futebol, que regula as relações sociais no Estado do Rio de Janeiro, é considerado chato por quem vive fora pelo fato de ser um assunto monocórdico. É um problema comparável ao do personagem Howard, do seriado de TV Big Bang Theory, que queria falar para todo mundo e o tempo todo sobre suas façanhas como astronauta.
O carioca, quando vem falando sobre futebol o tempo todo, só é ouvido por outro carioca (ou por alguém de Niterói, São Gonçalo ou Baixada Fluminense, "papagaio de pirata" do carioquismo). Mas é só alguém de fora sair reclamando "Pô, você só fala nisso" ou "Hoje nem é dia de jogo e você já vem com esse papo?" para o carioca, se achando o "dono da verdade", sair irritado, provavelmente com vontade de fazer um blog ofensivo dedicado a seu desafeto.
Mas o carioca não é dono da verdade e o fanatismo pelo futebol chega mesmo a provocar assédio moral nos ambientes de trabalho e sociais. Aliás, assédio moral é uma constante no Grande Rio, em que houve até casos de universitários forçando um colega que não curte bebida alcoólica a "provar" um copo de cerveja.
Outro problema é o fumo. O fato de vários famosos, entre atores, músicos e jornalistas, morrerem relativamente cedo por consequência do fumo não convence muitos cariocas, que demonstram arrogância fazendo pose com o cigarro na mão, chegando a "fumar com os dedos" andando três quarteirões sem dar uma tragada, como se estivessem irritando os não-fumantes. Se conseguem andar três quarteirões sem tragar um cigarro, por que não decidem parar de fumar de uma vez?
O "pragmatismo" também impede que muitos produtos sejam reabastecidos em supermercados com eficácia, "sumindo" das prateleiras durante, pelo menos, duas ou três semanas. Ou o exigente mercado de trabalho cujo modelo de trabalhador a ser contratado é tão fantasioso que se molda em galãs como Malvino Salvador ou em humoristas como Danilo Gentili. E ainda tem o tal fanatismo pelo futebol!
Na vida amorosa, não há ambientes democráticos, havendo o monopólio das boates, o que significa tanto preços caros para alguém arrumar um amor e falta de segurança na volta para casa. Não há alternativas, como praças públicas, bibliotecas e nem há a sensibilidade necessária para casais se formarem por afinidade e sem precisar da máscara virtual das redes sociais, que muitas vezes revelam intrigas e malícias perigosas por trás de supostos contatos amorosos.
O Rio de Janeiro está desumano e precisa aprender, por exemplo, com a cidade de Salvador, que também passou por impasses semelhantes e, mesmo assim, nem tão decadentes como a Cidade Maravilhosa e seu respectivo Estado.
As pessoas deveriam sair do WhatsApp e do Facebook para estimular o contato pessoal além dos limites noturnos das boates da moda. Os cariocas e fluminenses deveriam ser menos agressivos, menos grosseiros, e repensar a vida pessoal e social, abrindo mão do Complexo de Superioridade que deixa o Rio de Janeiro naufragando em relação ao Brasil em geral.
A profunda crise que atinge o Rio de Janeiro é algo para pensar e não será resolvida por uma hipotética volta a 1958, mas na revisão profunda de valores e procedimentos que se encontram viciados e em solução de continuidade. Isso é ruim, porque já se tem a crise financeira que durará dez anos, e o risco é de haver uma crise sócio-cultural de mais de 20 anos, se nada for feito para conter isso.
segunda-feira, 8 de maio de 2017
Chico Xavier, Teologia do Sofrimento e Império Romano
ABERRANTE ILUSTRAÇÃO COM PESSOAS CARREGANDO A CRUZ.
A ilustração acima mostra pessoas jovens carregando uma cruz. A aberrante imagem parece bonita aos olhos do discurso religioso, no qual seus ideólogos tentam fazer crer que é uma "simpática (?!) metáfora". Mas a verdade é que ela trás um significado muito mais sombrio do que se imagina.
Muita gente não percebe a influência, forte e dominante, na Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica, no "espiritismo", que acaba sobressaindo até mesmo aos postulados kardecianos, cada vez mais deturpados ou desprezados. A Teologia do Sofrimento não se limita a ser uma corrente menor do Catolicismo, estando presente em quase todo o "movimento espírita" no Brasil e em iniciativas vinculadas a este em outros países.
É chocante dizer, mas a verdade é que Francisco Cândido Xavier tornou-se o maior ideólogo da Teologia do Sofrimento de toda a história brasileira, mais do que muito católico assumido. Nem João Mohana, considerado um dos principais divulgadores católicos, teve esse destaque nas ideias que fazem apologia ao sofrimento humano.
A Teologia do Sofrimento está explícita na obra de Chico Xavier e em seus depoimentos. Antes que os seguidores de Xavier, revoltados, apelem para dizer "ele nunca falou que defendia a Teologia do Sofrimento", é bom prestar atenção em suas ideias, e no pensamento pessoal do "médium" expresso em supostas psicografias atribuídas a Humberto de Campos, Casimiro de Abreu, Auta de Souza e outros.
Chico falava que as pessoas deveriam "sofrer sem mostrar sofrimento", e chegou a comparar as desgraças humanas a um exercício de escola. Isso é abertamente o conteúdo da Teologia do Sofrimento, que sempre apela para a aceitação das desgraças pessoais como um "atalho para Deus".
E a Teologia do Sofrimento, considerada uma "teoria cristã", na verdade é fruto de uma visão medieval que resultou num grave erro de interpretação. Defende-se o martírio de Jesus de Nazaré como se fosse uma "coisa boa", e seus pregadores falam em "carregar a cruz" com uma certa alegria e estranho otimismo.
Só que, se observarmos a coisa no âmbito da Teoria da Comunicação, o ponto de vista desta teoria é bem macabro. Como se considera o martírio de Jesus de Nazaré algo "positivo", como um "ingresso para o Paraíso", então a posição não é a favor de Jesus ou ao lado dele, mas ao lado dos tiranos do Império Romano que o mandaram ser crucificado, sem o julgamento de Pôncio Pilatos, que foi mera ficção: pelo raciocínio das autoridades romanas, condenar alguém é "pá-pum".
Pois se o foco é defender o sofrimento de Jesus, então é preciso uma análise mais lógica e coerente, antes de se apelar para o sado-masoquismo desse moralismo religioso que tanto prevalece no inconsciente das pessoas.
Pensamos bem. Vamos em partes:
1) A condenação de Jesus de Nazaré à cruz parte de autoridades do Império Romano, grupos de aristocratas poderosos que se incomodaram com as livres pregações que a vítima fazia, nas suas visitas de casa em casa.
2) Portanto, a decisão de crucificar Jesus é uma atitude de interesse das autoridades do Império Romano, que decidiram isso prontamente (o "julgamento" nunca existiu, pois não há documento histórico que indicasse tal ocorrência, e, no contexto sociológico e político da época, as condenações eram sumárias, como indicam os mais coerentes historiadores do período).
3) Apoiar a condenação de Jesus não é estar ao lado da vítima, mas, pelo contrário, ir contra Jesus. A Teologia do Sofrimento, portanto, é uma corrente anti-cristã, por ela defender uma medida adotada por tiranos contra alguém, e não se pode aceitar essa condenação sob o pretexto de "ser um caminho para Deus".
4) Apoiar a condenação de Jesus como um "atalho para Deus" ou um "passaporte para o Céu" é uma atitude que, com certeza, legitima a decisão de autoridades romanas, concordando com a tirania e suas medidas, e não o contrário.
Diante disso, temos que raciocinar mais adiante:
1) Chico Xavier, por suas frases, de maneira mais do que explícita fez apologia ao sofrimento humano, em várias vezes pregando para aceitar o sofrimento na "esperança de obter bênçãos eternas". Isso é defender a Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica.
2) Através de Chico Xavier, o "espiritismo" brasileiro assumiu a causa da Teologia do Sofrimento, se não no discurso, ao menos na prática.
3) A Teologia do Sofrimento faz apologia da condenação de Jesus de Nazaré como "exemplo" para as pessoas "sofrerem para atingir o Céu".
4) Como se defende o martírio de Jesus de Nazaré, se aplaude quem decidiu por isso, no caso as tirânicas autoridades do Império Romano.
Logo, o "espiritismo" deturpado acaba, mesmo sem aparente propósito, se tornando anti-cristão. Defendendo o sofrimento humano a partir do "exemplo de Jesus", o "espiritismo" prega a Teologia do Sofrimento, se identificando com o Catolicismo da Idade Média e, portanto, tornando legítimos os interesses de dominação trazidos pelas autoridades do Império Romano.
Esse raciocínio exato e lógico faz com que se veja a coisa de forma realista, fora da imagem glamourizada do martírio sofrido por alguém. Na medida em que se defende esse martírio, as pessoas acabam apoiando a desgraça alheia. E, com isso, acabam, sim, legitimando o poder do Império Romano, trazendo a perspectiva de que o projeto "espírita" do Coração do Mundo tende a ser uma teocracia imperialista.
Desta forma, a "profecia da Data-Limite" de Chico Xavier traz algo ainda mais sombrio: o "espiritismo", que não é mais do que o Catolicismo jesuíta medieval redivivo, deseja ser uma religião dominante e construir um império, através da nação brasileira, sob o lema "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", uma expressão "bonita", mas que esconde um projeto totalitário de uma nação com poderes nela concentrados sob o pretexto de predestinação divina.
O projeto, portanto, que emula perspectivas já presentes no livro Os Quatro Evangelhos de Jean-Baptiste Roustaing, combina tanto o poder do Império Romano quanto a supremacia do Catolicismo da Idade Média.
O problema não são os relatos bonitos dos enunciados da "Pátria do Evangelho". O problema é o "obstáculo a ser combatido". O Catolicismo medieval também falava em "união pelo Cristo" e em nome dela cometeu atrocidades sanguinárias contra quem não compartilhava de seus propósitos. E o "espiritismo" tem uma desculpa pronta no caso de cometer genocídios: "reajustes espirituais" e "resgates coletivos".
Daí para o "espiritismo" defender Jair Bolsonaro é um pulo. Daí ser um grande perigo esse coquetel de ideias moralistas, fanatismo religioso e outras fantasias, mitos e catarses que escondem uma sociedade desumana e cruel por trás de tantas belezas retóricas da fé extrema.
A ilustração acima mostra pessoas jovens carregando uma cruz. A aberrante imagem parece bonita aos olhos do discurso religioso, no qual seus ideólogos tentam fazer crer que é uma "simpática (?!) metáfora". Mas a verdade é que ela trás um significado muito mais sombrio do que se imagina.
Muita gente não percebe a influência, forte e dominante, na Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica, no "espiritismo", que acaba sobressaindo até mesmo aos postulados kardecianos, cada vez mais deturpados ou desprezados. A Teologia do Sofrimento não se limita a ser uma corrente menor do Catolicismo, estando presente em quase todo o "movimento espírita" no Brasil e em iniciativas vinculadas a este em outros países.
É chocante dizer, mas a verdade é que Francisco Cândido Xavier tornou-se o maior ideólogo da Teologia do Sofrimento de toda a história brasileira, mais do que muito católico assumido. Nem João Mohana, considerado um dos principais divulgadores católicos, teve esse destaque nas ideias que fazem apologia ao sofrimento humano.
A Teologia do Sofrimento está explícita na obra de Chico Xavier e em seus depoimentos. Antes que os seguidores de Xavier, revoltados, apelem para dizer "ele nunca falou que defendia a Teologia do Sofrimento", é bom prestar atenção em suas ideias, e no pensamento pessoal do "médium" expresso em supostas psicografias atribuídas a Humberto de Campos, Casimiro de Abreu, Auta de Souza e outros.
Chico falava que as pessoas deveriam "sofrer sem mostrar sofrimento", e chegou a comparar as desgraças humanas a um exercício de escola. Isso é abertamente o conteúdo da Teologia do Sofrimento, que sempre apela para a aceitação das desgraças pessoais como um "atalho para Deus".
E a Teologia do Sofrimento, considerada uma "teoria cristã", na verdade é fruto de uma visão medieval que resultou num grave erro de interpretação. Defende-se o martírio de Jesus de Nazaré como se fosse uma "coisa boa", e seus pregadores falam em "carregar a cruz" com uma certa alegria e estranho otimismo.
Só que, se observarmos a coisa no âmbito da Teoria da Comunicação, o ponto de vista desta teoria é bem macabro. Como se considera o martírio de Jesus de Nazaré algo "positivo", como um "ingresso para o Paraíso", então a posição não é a favor de Jesus ou ao lado dele, mas ao lado dos tiranos do Império Romano que o mandaram ser crucificado, sem o julgamento de Pôncio Pilatos, que foi mera ficção: pelo raciocínio das autoridades romanas, condenar alguém é "pá-pum".
Pois se o foco é defender o sofrimento de Jesus, então é preciso uma análise mais lógica e coerente, antes de se apelar para o sado-masoquismo desse moralismo religioso que tanto prevalece no inconsciente das pessoas.
Pensamos bem. Vamos em partes:
1) A condenação de Jesus de Nazaré à cruz parte de autoridades do Império Romano, grupos de aristocratas poderosos que se incomodaram com as livres pregações que a vítima fazia, nas suas visitas de casa em casa.
2) Portanto, a decisão de crucificar Jesus é uma atitude de interesse das autoridades do Império Romano, que decidiram isso prontamente (o "julgamento" nunca existiu, pois não há documento histórico que indicasse tal ocorrência, e, no contexto sociológico e político da época, as condenações eram sumárias, como indicam os mais coerentes historiadores do período).
3) Apoiar a condenação de Jesus não é estar ao lado da vítima, mas, pelo contrário, ir contra Jesus. A Teologia do Sofrimento, portanto, é uma corrente anti-cristã, por ela defender uma medida adotada por tiranos contra alguém, e não se pode aceitar essa condenação sob o pretexto de "ser um caminho para Deus".
4) Apoiar a condenação de Jesus como um "atalho para Deus" ou um "passaporte para o Céu" é uma atitude que, com certeza, legitima a decisão de autoridades romanas, concordando com a tirania e suas medidas, e não o contrário.
Diante disso, temos que raciocinar mais adiante:
1) Chico Xavier, por suas frases, de maneira mais do que explícita fez apologia ao sofrimento humano, em várias vezes pregando para aceitar o sofrimento na "esperança de obter bênçãos eternas". Isso é defender a Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica.
2) Através de Chico Xavier, o "espiritismo" brasileiro assumiu a causa da Teologia do Sofrimento, se não no discurso, ao menos na prática.
3) A Teologia do Sofrimento faz apologia da condenação de Jesus de Nazaré como "exemplo" para as pessoas "sofrerem para atingir o Céu".
4) Como se defende o martírio de Jesus de Nazaré, se aplaude quem decidiu por isso, no caso as tirânicas autoridades do Império Romano.
Logo, o "espiritismo" deturpado acaba, mesmo sem aparente propósito, se tornando anti-cristão. Defendendo o sofrimento humano a partir do "exemplo de Jesus", o "espiritismo" prega a Teologia do Sofrimento, se identificando com o Catolicismo da Idade Média e, portanto, tornando legítimos os interesses de dominação trazidos pelas autoridades do Império Romano.
Esse raciocínio exato e lógico faz com que se veja a coisa de forma realista, fora da imagem glamourizada do martírio sofrido por alguém. Na medida em que se defende esse martírio, as pessoas acabam apoiando a desgraça alheia. E, com isso, acabam, sim, legitimando o poder do Império Romano, trazendo a perspectiva de que o projeto "espírita" do Coração do Mundo tende a ser uma teocracia imperialista.
Desta forma, a "profecia da Data-Limite" de Chico Xavier traz algo ainda mais sombrio: o "espiritismo", que não é mais do que o Catolicismo jesuíta medieval redivivo, deseja ser uma religião dominante e construir um império, através da nação brasileira, sob o lema "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", uma expressão "bonita", mas que esconde um projeto totalitário de uma nação com poderes nela concentrados sob o pretexto de predestinação divina.
O projeto, portanto, que emula perspectivas já presentes no livro Os Quatro Evangelhos de Jean-Baptiste Roustaing, combina tanto o poder do Império Romano quanto a supremacia do Catolicismo da Idade Média.
O problema não são os relatos bonitos dos enunciados da "Pátria do Evangelho". O problema é o "obstáculo a ser combatido". O Catolicismo medieval também falava em "união pelo Cristo" e em nome dela cometeu atrocidades sanguinárias contra quem não compartilhava de seus propósitos. E o "espiritismo" tem uma desculpa pronta no caso de cometer genocídios: "reajustes espirituais" e "resgates coletivos".
Daí para o "espiritismo" defender Jair Bolsonaro é um pulo. Daí ser um grande perigo esse coquetel de ideias moralistas, fanatismo religioso e outras fantasias, mitos e catarses que escondem uma sociedade desumana e cruel por trás de tantas belezas retóricas da fé extrema.