sexta-feira, 26 de maio de 2017

"Questionamento espírita" se destina ao leitor de celulares


Polêmico, mas didático, um blogue foi lançado, derivado da Equipe Dossiê Espírita, visando o leitor de celular e o frequentador das redes sociais como o WhatsApp. No ar desde dezembro de 2016, "Questionamento Espírita" procura, em curtas frases, ampliar o debate em torno da deturpação do Espiritismo, destinando-se ao leitor de celular que prefere ler textos relativamente rápidos e curtos.

Publicamos aqui uma rápida entrevista, que nos foi enviada na Internet por um missivista, Valter Nogueira Santos, com Demétrio Correia, autor dos textos que compõem o blogue Questionamento Espírita (http://questionamentoespirita.blogspot.com.br/):

Como surgiu o Questionamento Espírita?

Demétrio - O blogue Questionamento Espírita surgiu de uma necessidade de apresentar, em rápidas frases, questões ligadas à deturpação do Espiritismo, um problema complexo que faz com que o legado de Allan Kardec seja eternamente mal compreendido diante de práticas que só se permitem diante dos valores moralistas e igrejeiros que os brasileiros mantém.

Qual é mesmo o problema do Espiritismo no Brasil?

Demétrio - É o problema típico da hipocrisia brasileira. A opção original do Espiritismo brasileiro foi com a tendência "mística", voltada à religião, em detrimento da "científica", mais próxima do pensamento original de Allan Kardec. Mas pressões de diversos lados e arranjos de arrivismos e conveniências em torno de líderes e ídolos religiosos fizeram com que se adotasse a posição hipócrita da "fase dúbia", que é fingir que se recuperam as bases doutrinárias originais enquanto se pratica o igrejismo.

O que é mesmo a "fase dúbia" do Espiritismo no Brasil?

Demétrio - Ela é fruto de conveniências que surgiram quando se agravou a crise da Federação Espírita Brasileira, que tinha um poder extremamente centralizado, e as federações regionais. Foi uma crise surgida depois que o então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, se aposentou e, mais tarde, morreu doente. A "fase dúbia" consiste numa postura dupla, numa espécie de "roustanguismo com Kardec", por diversas razões.

E que razões foram estas?

Demétrio - Para começar, sem o carisma de Wantuil na FEB, seus herdeiros passaram a entrar em conflitos de interesses com as federações regionais, que nunca tiveram voz nas reuniões da federação nacional. Os "médiuns" que se projetaram nacionalmente, como Chico Xavier e Divaldo Franco, se tornaram solidários às federações regionais, até porque eles eram regionais, de Minas Gerais e da Bahia, respectivamente, e portanto não representavam os interesses centrais da FEB, fundada no Rio de Janeiro e depois sediada em Brasília, e da FEESP, federação paulista, que era a única federação regional que tinha voz plena no "movimento espírita".

Há também um outro aspecto, que é a reação dos "científicos", como Carlos Imbassahy, o pai, e mais José Herculano Pires e Deolindo Amorim. Principalmente o Herculano, que denunciava a igrejificação do Espiritismo na imprensa e nos programas de rádio. Diante dessa pressão, é evidente que Chico e Divaldo, em favor das conveniências, tinham que parecer solidários aos "científicos" mediante vantagens pessoais.

E como se deu essa postura dos dois "médiuns" que, sabemos, tiveram formação ideológica nas ideias do igrejeiro Jean-Baptiste Roustaing?

Demétrio - Chico e Divaldo nunca deixaram de lado seu igrejismo, cuja fonte é, com certeza, o livro Os Quatro Evangelhos de Roustaing. Isso não é invenção de algum detrator, pois se observarmos bem, o que está escrito no livro de Roustaing, supostamente atribuído aos quatro evangelistas do Novo Testamento, foi rigorosamente adaptado, mas respeitando o contexto brasileiro, pelos dois "médiuns". O que se deu é que eles fingiram uma "aproximação maior" a Kardec, uma mera formalidade da qual eles só fizeram alguns artifícios, seja em depoimentos, palestras ou em obras literárias.

Eles então se tornaram os guias dessa postura "dúbia" no "movimento espírita"?

Demétrio - Com toda a certeza. Principalmente Divaldo Franco, que se ascendeu de forma meteórica nesta fase. Chico, que veio de uma fase anterior, porque foi na verdade o popstar do Espiritismo brasileiro trabalhado por Wantuil, teve que ter seu mito reinventado mediante alguns motivos.

E quais foram estes motivos?

Demétrio - Primeiro, para evitar as confusões causadas por antigas atividades de Chico Xavier, cujo ponto extremo foi o caso Otília Diogo, uma picareta que forjou um espetáculo de falsa materialização, bem aos moldes da mágica circense. A escandalosa aventura resultou no rompimento de Chico Xavier e seu pupilo Waldo Vieira, que pulou fora e foi criar a Conscienciologia, espécie de similar mais hippie da Cientologia. Isso foi a gota d'água de uma forma de promover o mito de Chico Xavier que já o fez colocar no banco dos réus, vide o episódio do processo de Humberto de Campos nos anos 40. Algo tinha que ser feito para recriar o mito de Chico, uma espécie de "rei Midas" da FEB.

E como o mito de Chico Xavier foi reinventado?

Demétrio - Chico já não tinha mais a sua tutela o Wantuil, a essas alturas já morto. Também não podia ser apenas o astro da FEB, que se fechou num roustanguismo radical. Então, um consórcio de federações regionais fez com que, em parceria com a Rede Globo, se reinventasse o mito de Chico Xavier, desta vez mais "limpo", sem enfatizar demais sua aparente paranormalidade, deixando um pouco de lado a apropriação de literatos mortos e focalizando mais as "cartas dos anônimos mortos", além de um modelo de filantropia desenvolvido por um jornalista inglês.

Como então esse mito de "filantropia" dado a Chico Xavier se desenvolveu?

Demétrio - A Globo passou a blindar Chico Xavier, depois que as Organizações Globo eliminaram a antiga animosidade contra o "médium". Sabe-se que, primeiro, a empresa de Roberto Marinho começou a tratar Chico como um exótico paranormal, publicando até aquelas fotos em que o "médium" mostrava um semblante bastante pesado. Deu em O Globo, em 1935. Aí, como O Globo passou a contar com colaboradores católicos, como Alceu Amoroso Lima e Gustavo Corção, passou a hostilizar Chico Xavier e publicar até nota de que ele foi desmascarado pelo sobrinho Amauri, que morreu de uma maneira estranha e até suspeita. Mas, dos anos 1970 para cá, o que vemos é um casamento feliz entre a família Marinho e Chico Xavier, tanto que a Globo é que bancou os filmes baseados na vida e obra do "médium".

Sobre o mito de "filantropo", a Globo pegou emprestado um documentário do inglês Malcolm Muggeridge, Algo Bonito para Deus, de 1969, sobre Madre Teresa de Calcutá, mais tarde denunciada por maus tratos aos alojados em suas casas assistenciais. Malcolm conseguiu adocicar a imagem de Madre Teresa, uma senhora ranzinza e reacionária. Hoje ela é o "símbolo da caridade plena", oficialmente falando. E a ideia é transformar Chico Xavier num equivalente brasileiro de Madre Teresa de Calcutá, e todo o roteiro de Muggeridge, que era católico e de direita, foi devidamente adaptado pelo jornalismo da Globo, embora este roteiro mais pareça coisa de novela.

Muitos acreditam que a caridade de Chico Xavier foi plena. Por que, todavia, ela é questionada?

Demétrio - Ela é questionada porque essa ideia de "caridade" e "bondade" são apenas ideias vagas e apelos superficiais trazidos por valores que em si exaltam o paternalismo e o moralismo religioso. A "bondade" que menos traz resultados benéficos, mas traz a marca de uma seita religiosa, seja qual for, e a sociedade prefere mais essa "bondade" que ajuda poucos, mas traz a marca da religião e o prestígio do ídolo religioso, seu aparente benfeitor, do que aquela "bondade" que não se apega a instituições e favorece as classes populares ameaçando os privilégios das elites.

É uma situação gozada no Brasil. Quem é glorificado não é aquele que ajuda multidões em detrimento dos privilégios de uns poucos. Quem é glorificado é aquele que se apoia numa marca religiosa e ajuda um número limitado de pessoas, sem ameaçar as elites que vivem nadando em dinheiro. Assim dá até a falsa impressão de simplicidade, as instituições ajudando pouco alegando falta de condições... Já quem ajuda multidões com um projeto ambicioso de combate às injustiças sociais é tido não só como um "comunista", mas em certas regiões chega a receber ameaça de morte e tudo.

Então a ideia de "bondade" é defendida quando ela é apenas uma franquia de uma religião?

Demétrio - Sim. Porque a sociedade quer ser naturalmente sórdida e perversa, porém dissimulada. Quer a "bondade" apenas ligada à religião, até porque esse tipo de sociedade só pensa as coisas de forma institucionalizada, burocrática, publicitária. Há o discurso de que a "bondade" religiosa "ajuda muita gente" e as pessoas chegam a superestimar quantidades de beneficiados que parecem enormes, mas são ínfimas. A gafe cometida pelo Fantástico, que definiu Divaldo Franco como "maior filantropo do Brasil" por ajudar, em seis décadas, apenas cerca de 160 mil pessoas, que não dá sequer um por cento da população só de Salvador, é bem ilustrativo.

Isso lembra o desastrado governo Michel Temer, com suas promessas de investir milhões de reais de setores que necessitam de trilhões, ou da Operação Lava Jato, que repatria uns poucos milhões mas dá prejuízo aos trabalhos de infraestrutura com a paralização de empresas sob a desculpa de combater a corrupção. Alguém fala em aplicar uns milhares de reais, e fica se achando com isso, mas aplica em setores que precisam muito mais, para uma demanda que necessita bem mais.

E quanto a Questionamento Espírita? O blogue pretende ampliar o debate da deturpação espírita?

Demétrio - Lógico que sim. São textos simples, que puxam para a reflexão, e isso, como todo questionamento feito neste sentido de criticar a deturpação, incomoda muita gente. Até hoje, o Espiritismo deturpado, com todos os seus equívocos, gozava de uma estabilidade e uma imunidade plenas, que muitos acreditam ser uma doutrina de "iluminados", de gente que já tem em mãos o passaporte para o Céu. Ou, pelo menos, o caminho mais curto para obter esse passaporte.

Por que o Espiritismo deturpado brasileiro tem sempre essa reputação angelical?

Demétrio - Foi um discurso bem construído. Meticulosamente articulado. O Espiritismo que temos hoje é praticamente um genérico do Catolicismo, uma espécie de reciclagem de velhos paradigmas medievais aliada a uma estrutura mais modesta, sem as formalidades da Igreja Católica. Se prestarmos atenção, o nome de Allan Kardec é só uma formalidade, nada do que ele transmitiu e ensinou foi devidamente assimilado.

No entanto, os chamados "espíritas" puderam criar um discurso muito sofisticado, que evoca as mesmas paixões religiosas que guiaram o Catolicismo da Idade Média, com um imaginário comparável ao de contos de fadas. A Rede Globo emprestou a dramaticidade de suas novelas para promover a adoração a Chico Xavier por sua suposta caridade, e hoje o que vemos é um vazio ideológico embebido de belas palavras, palestras, artigos e textos que capricham na exibição de desenhos de coraçõezinhos vermelhos, sem coisa alguma de proveitoso.

Você fala que os "médiuns" brasileiros viraram uma aberração, os "anti-médiuns". Por quê?

Demétrio - Nos tempos vividos por Kardec na França, os médiuns que estavam a seu serviço eram pessoas anônimas, conhecidas praticamente pelo sobrenome, e só faziam o trabalho intermediário, daí o nome "médium", sem bancar os dublês de ativistas ou de pensadores. Aqui o "médium" virou o centro das atenções, ele não fala mais pelos mortos, os "mortos" é que falam pelos "médiuns", que viraram os animadores de plateias, os falsos filósofos, os pretensos filantropos, recebendo o culto à personalidade. O anti-médium quer dizer ser o anti-intermediário, porque hoje "médium" é o centro, não o meio, de uma mensagem dita espírita.

O Espiritismo praticado no Brasil envergonharia Allan Kardec? E Jesus Cristo, também?

Demétrio - Com certeza. O Espiritismo que se faz no Brasil remete a tudo aquilo que Allan Kardec reprovou em seu tempo. É só ler O Livro dos Médiuns e os alertas sobre os inimigos da Doutrina Espírita fariam muita gente cair da cadeira, porque os aspectos enumerados por Kardec e os espíritos mensageiros se encaixam perfeitamente no que Chico e Divaldo fizeram.

Jesus, então, nem se fala. Ele condenava a pretensa erudição dos sacerdotes e escribas, dotados de muita pompa, pretensiosismo, arrogância e falsa modéstia. Se observar esses ilustrados tão reprovados por Jesus e comparar com a obra de Divaldo, os brasileiros cairão da cama, depois de voarem em altas nuvens nas suas fantasias douradas com os "médiuns" de contos de fadas.

As redes sociais também blindam Chico e Divaldo. O que você acha disso?

Demétrio - Isso é muito grave, mas nota-se o nível do que estão os internautas nas redes como o Facebook, Instagram, YouTube e WhatsApp. Há muito reacionarismo e muito conservadorismo, o que reflete tanto no ódio aos movimentos sociais, na expressão de preconceitos raciais e sexuais e na transmissão do fanatismo religioso.

Nota-se que Chico Xavier e Divaldo Franco possuem centenas de vídeos no YouTube. Há memes com frases de Chico Xavier no Facebook e Twitter, e também no WhatsApp. Memes com ilustrações de jardins floridos, céu azul, com o rosto de Chico Xavier envolto em formato de coração. É constrangedor. E ainda há muitos vídeos de bobagens como os derivados da suposta "profecia da data-limite" no YouTube, reduto também das palestras palavreadoras de Divaldo Franco.

A ideia de Questionamento Espírita é atingir esse público?

Demétrio - Sim, com certeza absoluta. A ideia é romper esse cerco e enfrentar esse conservadorismo agressivo com pontos de vista que saem de coisas estabelecidas e que, mesmo sendo decadentes e obsoletas, são defendidas com violento radicalismo pelos internautas nas redes sociais.

É difícil escrever textos bem curtos, procuro apenas jogar frases curtas e pôr ideias concisas. É preciso levar adiante os questionamentos em torno da deturpação do Espiritismo e prevenir as pessoas de que não se pode retratar e fazer ressalva alguma dos "médiuns".

O perigo de contestar a deturpação do Espiritismo é alguém der de cara com uma montagem misturando Chico Xavier com coraçõezinhos, flores e crianças pobres e a pessoa abrir mão de questionar a deturpação que ele fez, que é da mais extrema gravidade. Como é de extrema gravidade a que foi feita por Divaldo, que espalhou conceitos errados de Doutrina Espírita ao redor do mundo.

A página que faço se destina então a tais questionamentos, prevenindo as pessoas de tais armadilhas. Isso não pode ser visto como uma "depreciação do bem", mas uma crítica às distorções feitas pelo movimento espírita. Não há benefício algum transformar o "médium" em ídolo religioso, fazer culto à personalidade, promover o Assistencialismo, que é aquela caridade frouxa que não ajuda... E ainda por cima pregar o igrejismo e valores moralistas antigos. A ideia é tirar o mofo das mentes das pessoas que transmitem ideias emboloradas nas redes sociais.

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