segunda-feira, 10 de abril de 2017

Seletividade jurídica e prestígio religioso

"ANCESTRAIS" DE RODRIGO JANOT E SÉRGIO MORO DEIXARAM PASSAR OS PASTICHES LITERÁRIOS DE CHICO XAVIER E COMPANHIA.

A Justiça brasileira é aberrante? Sua atuação é bastante seletiva, sendo menos rigorosa com aqueles que são dotados de algum prestígio social? A realidade de nossa Justiça, que apenas parece menos cruel, em punições, do que os patrícios do Império Romano, é algo muito, muito antigo.

Já que hoje os "espíritas" comemoram o aniversário do seu ídolo Francisco Cândido Xavier - que teve a sorte de não ter nascido no próprio Dia da Mentira, mas um dia depois - , cita-se o caso de Humberto de Campos, o caso mais deplorável de apropriação indébita de um escritor falecido, e o caso mais assustador de impunidade que permitiu que seu infrator se transformasse, ao longo dos anos, em um quase deus!!

A memória curta apagou a imagem de pastichador de textos de Chico Xavier, lembrando que o anti-médium mineiro não fazia essa tarefa sozinho. Tinha a colaboração de editores, redatores e consultores literários. Em muitos casos, não conseguia imitar o estilo literário de um escritor, e acabou imitando, sem querer, o de outro.

Osório Borba, eminente crítico literário, afirmou certa vez que Chico Xavier confundiu Augusto dos Anjos com Antero de Quental. Detalhe: um poeta brasileiro e um poeta português. Isso diz muito pelo fato de que, se Chico Xavier não podia fazer pastiches sozinho, também seria incapaz de fazer uma obra mediúnica verdadeira se os autores do além "escrevem" e "pensam" igualzinho ao "médium".

O caso de Humberto foi o mais aberrante, embora sejam da mesma foma deploráveis os casos de Olavo Bilac e Auta de Souza, que "perderam seus estilos pessoais" com a pena de Chico Xavier. Um "Olavo Bilac" descuidado de métrica com versos sem musicalidade, uma "Auta de Souza" sem o estilo pessoal feminino e meigo, que nas obras publicadas em vida saltava nos versos.

Mas o caso de Humberto é que foi deplorável. Soa como uma revanche. Afinal, Humberto havia, em vida, feito um comentário bastante irônico sobre o livro Parnaso de Além-Túmulo, de Chico Xavier, pedindo para que os "poetas do além" não concorressem com os vivos na publicação de obras poéticas. Chico que, como todo caipira, queria fazer sucesso nas cidades grandes - Humberto morava no Rio de Janeiro, então capital do Brasil - , entendeu aquilo como reprovação de seu livro.

O suposto Humberto de Campos das obras "espirituais" (inclui aquelas em que se foi colocado o codinome "Irmão X"), em que pesem as semelhanças superficiais que só saltam na primeira e apressada impressão, depois se revelando bem poucas, é na essência completamente diferente do Humberto de Campos que esteve entre nós.

Textos muito pesados de se ler, sem a narrativa ágil que marcou a trajetória do autor maranhense. Mesmo quando se imitam contos curtos de diálogos rápidos, não é a mesma coisa. O "Humberto de Campos" trazido por Chico Xavier é mais melancólico, deprimente, em muitos momentos religiosamente panfletário, que numa leitura atenta não traz o mesmo prazer do que os livros que Humberto publicou em vida, por mais que se esforce em fingir a mesma sensação.

Os brasileiros médios não fazem uma leitura atenta, e ainda são seduzidos pelas paixões religiosas, um problema sério, de extrema gravidade, que ainda será analisado largamente fora da blogosfera que questiona as irregularidades "espíritas", e talvez fora até mesmo deste âmbito religioso, onde os deturpadores da Doutrina Espírita não poderão convencer mostrando slides de crianças pobres sorrindo para afastar qualquer crítica contra quem faz tal deturpação.

Tudo isso é evidente, claro. As obras "mediúnicas" de Chico Xavier sempre trazem explicitamente pontos comprometedores em relação a detalhes pessoais dos autores mortos alegados. Isso põe em xeque a tese de veracidade das mensagens, ou mesmo a tímida e hesitante tese de "não admitir que são verdadeiras, mas também não negar" que certas correntes adotam.

Isso a Justiça dos homens fez vista grossa. No caso do julgamento do processo movido pelos herdeiros de Humberto de Campos, dois erros foram cometidos tanto por quem formulou a petição quanto quem a julgou:

1) Os herdeiros foram pouco firmes no enunciado do processo. Em vez de dizer que Chico Xavier teria feito apropriação indébita de Humberto de Campos (até como "resposta" ao comentário irônico que o autor maranhense lhe fez em vida), o enunciado foi melindroso: pedia aos juristas analisarem se a obra "espiritual" era verdadeira ou não; se caso positivo, FEB e Chico Xavier pagariam direitos autorais aos herdeiros; se caso negativo, haveria multa por indenização.

2) Os juízes só levaram em conta a questão dos direitos autorais sobre obras atribuídas à atividade de um espírito já falecido. Não levaram em conta questões de estilo ou expressão textual, nem outros aspectos pessoais violados pela "mediunidade", algo que era até do conhecimento do advogado dos herdeiros de Humberto, Milton Barbosa, que identificou até grosseiros cacófatos na obra "espiritual". Com isso, os juízes preferiram concluir que a ação judicial era improcedente, causando empate.

A interpretação do caso pelos juízes de 1944, "ancestrais" de Sérgio Moro e de outros magistrados, como procuradores (a exemplo de Rodrigo Janot), juízes etc, não só foi restritiva e, talvez, intimidada pelo prestígio religioso de Chico Xavier, como certas fontes interpretam a questão pela tese de que o "médium" era responsável pelos direitos autorais da suposta obra espiritual.

Bingo! Junta-se essa licenciosidade com o prestígio religioso de Chico Xavier, ainda pequeno naqueles idos de 1944, e o mito se deslanchou de maneira monstruosa. Chico virou o "monstro" do conto de Humberto de Campos, que a Dor e a Morte não puderam criar, mas que a Conveniência criou com surpreendente habilidade.

A seletividade da justiça, capaz de inocentar feminicidas e deixar presos por tempo indeterminado meros ladrões de frutas, tornou-se assunto corrente nos últimos meses pelo desigual tratamento dado a políticos do PT e do PSDB na Operação Lava Jato.

No passado, a Justiça dos homens, movida pelas paixões religiosas diante de alguém que personificava o estereótipo do "caipira inocente", ao dar empate no caso Humberto de Campos, permitiu a esse "bondoso homem" virar praticamente um "dono dos mortos", criando sérios problemas na comunicação entre vivos e mortos - praticamente desmoralizada no Brasil - e corrompendo a atividade de médium que, no nosso país, virou uma grande aberração.

Isso agravou demais a situação do Espiritismo no Brasil, que praticamente se rendeu completamente à deturpação. Uns até criticam a deturpação, falando que o legado de Allan Kardec foi "vaticanizado", mas se poupam os deturpadores de tal forma que os próprios deturpadores reprovam, no discurso, aquilo que eles mesmos fazem na prática.

Criou-se uma desordem religiosa, e fez com que o legado de Kardec sofresse sina muito pior do que o legado de Jesus de Nazaré nas mãos da aristocracia romana que fundou o Catolicismo, na Idade Média. Em que pese o Catolicismo ter se servido de práticas anti-cristãs como as "cruzadas" e as condenações mortais aos hereges, ele não representou a hipocrisia dos "espíritas" que se dizem "esclarecedores" mas promovem tamanho obscurantismo, apenas adaptado ao contexto atual.

Os juízes brasileiros, se já em 1944 tivessem condenado Chico Xavier e a FEB, pela apropriação indébita e oportunista do nome de Humberto de Campos. Basta comparar os textos da obra de Humberto e a suposta psicografia, as irregularidades estão explícitas, em diferenças aberrantes de estilo.

Se isso tivesse sido feito, teríamos evitado a ascensão de um ídolo religioso ultraconservador, que praticamente desmoralizou e bagunçou com o trabalho árduo de um pedagogo francês, e os brasileiros teriam sido prevenidos pelas tentações traiçoeiras e sombrias das paixões religiosas simbolizadas de maneira perigosa por Chico Xavier.

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