sábado, 8 de abril de 2017
José Mayer e a "tradição" machista brasileira
Mais um incidente mostra o quanto o Brasil continua com seus valores retrógrados dominantes. Temos um cenário político que se compromete em adotar medidas prejudiciais ao povo brasileiro, enquanto se prepara para enriquecer ainda mais os mais ricos e vender para gigantescas corporações estrangeiras os recursos naturais existentes em nosso país.
Temos um Judiciário totalmente irregular, com um Sérgio Moro se comportando como se fosse um tira de segunda categoria dos filmes de Hollywood e a corte do Supremo Tribunal Federal tomada de pessoas que são uma ameaça para o equilíbrio jurídico das leis, como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, além de um Ministério Público atuando como dublê de delegacia de polícia e uma Polícia Federal tomada de muita prepotência.
Temos um contexto social em que, de repente, preconceitos sociais foram liberados, em nome da catarse coletiva. Pobres de direita ameaçam a si mesmos defendendo, com entusiasmo, uma figura racista e fascista como Jair Bolsonaro. Valentões das redes sociais organizam campanhas de cyberbullying contra quem contestar valores "estabelecidos" e não raro criam páginas ofensivas dedicadas a suas vítimas.
Vivemos um grande pesadelo social. É como se um galinheiro passasse a ser governado de maneira permanente por uma raposa. O ultraconservadorismo sempre foi uma qualidade latente em boa parte da população brasileira, em diferentes graus, mas desde 2016 as pessoas saíram do armário e passaram a defender retrocessos sociais profundos, da maneira mais raivosa possível.
Num contexto em que até o publicitário Nizan Guanaes e o empresário Flávio Rocha (da rede de moda Riachuelo) expressam profundos e cruéis preconceitos elitistas, temos mais um caso de surto "estimulado" pelos tempos atuais: o assédio sexual, beirando a um estupro, cometido por um antes renomado ator de televisão.
O caso anda rendendo muita polêmica, desde quando a figurinista da Rede Globo, Susllem Tanoni, resolveu denunciar o ator José Mayer depois de um episódio de muita humilhação, que quase seria um estupro em praça pública.
Tudo começou no ano passado, quando José Mayer, famoso por papéis de garanhão em novelas da emissora, fazia elogios entusiasmados à jovem Susllem. "Como você é bonita", "como você se veste bem" eram os comentários do ator, galanteios que, à primeira vista, pareciam muito elegantes.
Depois os galanteios se tornaram mais constantes, assustando a figurinista, até que, em fevereiro de 2017, o ator se aproximou da jovem e tocou na genitália dela, diante de outras duas mulheres da equipe técnica da Globo. Susllem ficou constrangida e apavorada, mas as outras, rindo, pareciam gostar da situação. Uma chegou a falar para a figurinista: "Diz que esse é seu desejo antigo, diz!". A atitude do ator estava beirando a um estupro.
Mas a gota d'água veio quando, diante de cerca de 30 pessoas, José Mayer ameaçou o mesmo assédio, e, ao ser contrariado, ainda xingou a figurinista: "Vaca!". Mayer parecia achar que, por ser um ator prestigiado e considerado um dos mais destacados galãs do país, ele deveria ser correspondido em cada galanteio.
O que chama a atenção são três detalhes: José Mayer é casado há 42 anos com a também atriz Vera Fajardo, que atua mais no teatro. Os dois têm uma filha, Júlia Fajardo, com considerável currículo como atriz. E, o que é pior, o assédio de Mayer à figurinista não foi o primeiro que ele havia cometido, traindo sua condição de homem casado.
Com a repercussão negativa, José Mayer teve que ser suspenso por tempo indeterminado. Ele saiu da novela A Lei do Amor e foi cortado do elenco de uma futura novela. Na reprise da novela Senhora do Destino, chegou-se a cogitar o corte das cenas com Mayer mas a Globo desmentiu.
Além de Mayer, houve o caso do ídolo do "sertanejo universitário" Victor Chaves, da dupla Victor & Léo - um dos nomes musicais blindados pelos reacionários das redes sociais - , que foi denunciado por ter agredido a própria esposa, obrigando o cantor a deixar o juri de um reality show musical da mesma Globo.
Mayer tentou se explicar dizendo que sua geração era "machista" e disse "ter se arrependido" do que fez. Mas isso não amenizou a situação e abriu caminho para denúncias de que o assédio sexual é uma prática muito comum nos bastidores da TV brasileira. Se bem que até Hollywood mostra tais práticas infelizes.
O machismo brasileiro é tão arraigado que, mesmo no caso do feminicídio, a sociedade é melindrosa. Não se pode sequer pensar que feminicidas também têm sua tragédia pessoal, pelos próprios efeitos de seus atos. Com tantos brasileiros de valor já falecidos, muitos precocemente, a sociedade tem mais medo de ver Doca Street e Pimenta Neves (ambos, segundo rumores, sofrendo de câncer em estágio avançado) morrendo um dia.
Folha de São Paulo e O Globo, periódicos conservadores, lembraram do caso Ângela Diniz (morta por Doca no final de 1976) sem dizer se seu assassino continua vivo ou não (as últimas informações sobre o paradeiro dele datam de 2006). E Folha ainda se lembrou de uma foto em que, diante de uma delegacia de Cabo Frio, pessoas manifestavam solidariedade ao feminicida, símbolo da "honra machista" dominante na época.
Se há um medo enorme de ver feminicidas citados em algum obituário, como se, na violência machista, a mulher assassinada fosse apenas um troféu que se quebrou e seu assassino, um "deus" que "nunca morre", então o machismo ainda é muito, muito forte, a ponto de Jair Bolsonaro, figura perigosamente emergente na política brasileira, não respeitar sua própria filha e dizer que ela nasceu por "fraquejada".
O machismo também é exaltado no lado lúdico, quando há uma parcela de mulheres siliconadas que só vivem de mostrar o corpo físico exagerado, em imagens forçadamente sexuais. De maneira hipócrita, tais mulheres se proclamam "feministas" só porque não têm namorados ou maridos e se dizem "donas de seu corpo", embora elas expressem abertamente sua condição de mercadorias eróticas para o imaginário de internautas machistas.
Esse quadro mostra o quanto o Brasil está enferrujado em seus valores sociais. As reações ao caso José Mayer como, há um ano atrás, contra o estupro coletivo de uma menina de Jacarepaguá por fãs de "funk carioca", são intensas, mas a situação do machismo no Brasil ainda é favorável, diante de tantos valores retrógrados que, de repente, voltaram à tona.
Essa situação é apenas parte de uma série de fatores que não pode inspirar felicidade nas pessoas, sob a desculpa de que o PT saiu do poder e um novo tempo se abriu para o país. O que vemos desde maio de 2016 é um grande pesadelo social em vários aspectos. Talvez as pessoas só caiam na real quando o preço da cerveja aumentar exorbitantemente e as praças e praias forem privatizadas de vez.
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