terça-feira, 21 de março de 2017

O apego doentio aos entulhos sociais

O ANO QUE NÃO ACABOU, NO BRASIL.

O Brasil teima em não sair de 1974. Os retrocessos que pretendem recuperar, pelo menos, os padrões de democracia controlada e conservadorismo ideológico que vigoraram na transição dos governos dos generais Emílio Médici e Ernesto Geisel, que as elites julgam ser um período "equilibrado", estão à tona.

O apego aos entulhos sociais, aos valores retrógrados, ao ultraconservadorismo e a um misto de moralismo com truculência, revela o quanto o Brasil força uma marcha-a-ré existencial desesperada e sem freio, como se fosse um carro desgovernado andando para trás e descendo uma ladeira.

O cenário político de Michel Temer, que consiste numa gororoba que, mesmo num verniz "democrático", mistura vários momentos da ditadura militar, seja a implantação de projetos econômicos excludentes como os do governo Castelo Branco, seja a crise dos tempos do governo João Figueiredo, ilustra muito isso.

A decadência de vários setores associados a um privilégio social, do dinheiro à fama, do porte de armas ao prestígio religioso, revela o quanto velhos paradigmas estão prestes a cair e isso apavora muita gente. A zona de conforto de uma sociedade que acha que podia tudo está prestes a ruir, mas a ilusão de que a decadência pode ser contornada prevalece.

As redes sociais estão tomadas de profundo reacionarismo social. A vida política, combinando esquemas de corrupção e implantação de medidas impopulares. Na religião, o moralismo severo, a caridade paliativa que traz mais cartaz ao "benfeitor" do que benefícios aos necessitados.

As elites privilegiadas acham que podem tudo, que podem contornar as crises, que estão acima dos obstáculos. E isso é assustador, porque o "espírito do tempo" do Brasil hoje é uma espécie de "frente ampla" para o retrocesso, havendo a chamada "revolta do bolor".

É um apego doentio a paradigmas de moralismo, licensiosidade, impunidade, truculência, sempre garantindo os privilégios de uma sociedade conservadora que demonstra seus interesses injustos e movidos por conveniências.

Isso não é novo e faz com que ideias e movimentos novos aplicados no Brasil sempre sejam filtrados por algum aspecto das ideias e movimentos que deveriam ser obsoletos. É como se o "novo" negociasse com o "velho" para vigorar no Brasil, fazendo com que novidades acolham aspectos obsoletos, como edifícios novos construídos em andaimes velhos.

Um exemplo é o próprio feminismo, que precisa ser duplamente negociado com o machismo. Se a mulher não quer ser um objeto sexual, terá que se "emancipar" sob o patrocínio conjugal de um marido poderoso. Se ela topa ser um objeto sexual, ela fica dispensada da companhia de um marido ou namorado. É um artifício no qual o machismo sempre arruma jeito para sobreviver num cenário de aparente emancipação da mulher.

De um lado, a pornografia das musas "populares". Do outro, o obscurantismo religioso. De um lado, a repressão da Justiça a atividades em prol de informações sobre temas mais delicados. De outro, a impunidade de páginas ofensivas na Internet.

No "espiritismo", o que se vê é a radicalização de algo que já existia desde antes da fundação da FEB, o roustanguismo que era entusiasmado e ultimamente anda velado numa postura falsamente kardeciana.

Provando se aproximar cada vez mais do Catolicismo medieval por conta da defesa da Teologia do Sofrimento, o "espiritismo" parece apelar para o neo-roustanguismo, embora mantenha as evocações oportunistas e tendenciosas do nome de Allan Kardec.

Mantendo, no entanto, as contradições tão conhecidas nos últimos 40 anos, quando o "movimento espírita" tenta vender uma falsa imagem de "autenticamente kardeciana", é de praxe que os "espíritas", hoje tão criticados, esperem mais uma vez por uma retratação.

Isso porque o próprio "espiritismo" reflete a situação em que se vive, quando o Brasil, que sempre foi conservador, radicalizou essa postura nas últimas décadas, porém de forma mais explícita de 2016 para cá.

Temos que nos alertar porque a onda de ultraconservadorismo no Brasil é tanta que há quem ache 1974 uma época futurista demais, fazendo com que muitos pensem até em revogação da Lei Áurea, do Sete de Setembro ou até anular os progressos da vinda da família real portuguesa. Há quem queira ver o Brasil nas velhas condições coloniais e provincianas, diferindo apenas em contextos mais gerais.

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