sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017
Quando a vida de um 'ciberbully' se transforma numa tragédia
Era uma vez um rapaz, com boas relações sociais, razoável posição social e alguma influência entre os amigos de seu meio. Com um significativo nível de prestígio, porém, o rapaz também é um valentão da Internet. Não gosta de ver gente lhe passando a perna na ascensão social e também odeia discordâncias.
Sua grande mania é, paralelamente aos blogues "corretos" que realiza usando seu nome, desses que cortejam autoridades e estão em boa conta no status social dominante, ele cria páginas anônimas contra suas vítimas.
Ele estava discutindo com um internauta apenas por uma discordância pequena, mas de grande desagrado ao valentão. O valentão "perseguia" a vítima no Orkut, no Facebook, nos fóruns abertos de Internet, até no MSN Messenger. Até que resolveu ser mais agressivo.
Ele invadiu até petições de Internet, chamando uma meia-dúzia de amigos para participar da humilhação coletiva usando todo tipo de fake. Como a petição, organizada pela vítima, foi cancelada, o valentão resolveu fazer um blogue de calúnias e ofensas, sabendo que a vítima produz também suas próprias páginas na Internet.
Dessa forma, o valentão copiava textos, fotos e tudo o mais da vítima, no seu blogue apócrifo. Se divertia com esse lazer doentio e não se intimidava com críticas e advertências. Uma vez um amigo soube da página, e advertiu para o valentão:
- O fato de você e fulano (a vítima) discordarem seriamente de certas coisas não lhe dá direito a fazer um blogue de ofensas, ainda mais usando o material pessoal dele. Pode dar cadeia, rapaz, para com isso.
- Você não precisa me aconselhar, falou? - disse o valentão, arrogante. - Eu sou grandinho e sei me virar sozinho. Pago um advogado e consigo sair bem de qualquer enrascada. Mas eu acho que o cara (a vítima) é tão bunda-mole que não vai me denunciar, tá ligado?
O valentão começou a ser denunciado na Internet. Irritado, ele copiou o conteúdo particular que a vítima publicou depois. Uma foto de família foi usada, e o valentão, usando seu fake, comentava: "infeliz família que tem um cara desses como parente. Devem ter paciência para aturar um mala nojento desses".
Como ele recebeu crítica num fórum de Internet, o valentão, que sabia a procedência da vítima, foi para a cidade desta para intimidá-lo e ameaçá-lo, sob desculpa de tirar fotos para as redes sociais. É como se o valentão dissesse à sua vítima: "Estou na sua cidade, b*****. Cuidado comigo!".
No entanto, ele esperava a vítima e ela nunca aparecia. A vítima tomava conhecimento depois com as fotos atribuídas ao agressor publicadas na cidade de residência da vítima. O valentão, depois, continuou a reproduzir o conteúdo pessoal do ofendido. Até mandou recado para a vítima, sobre o conteúdo do calunioso blogue: "Atualizado! Vá lá: (endereço do blogue)".
Diante de protestos que continuam, quando a vítima escrevia nos fóruns sobre a maléfica iniciativa, o agressor voltava à cidade de residência da vítima. Fotografava os arredores da cidade, e, apesar da discrição, sua aparência agressiva chamava a atenção de alguns topiqueiros ligados a milícias locais que estranharam o jeito discreto mas com ar atrevido do valentão.
- Esse cara é da imprensa ou está tirando tempo para entrar na nossa área?
- Fica de olho nele. Não precisa avançar. Na primeira oportunidade, a gente dá um jeito no cara, convida para dar uma voltinha e dá um fim nele. Mas fica quieto.
A situação se repetiu umas três vezes. O valentão, de repente, viu um rapagão chegando perto dele, com ar aparentemente amigável. Este rapaz, na verdade um miliciano, logo se dirigiu a ele, fazendo uma pergunta aparentemente simples e com jeito descontraído:
- Cara, você deve ser um bom fotógrafo. Deve ser de fora, visita muito este lugar, não é.
- É, visito muito. - diz o valentão, desconfiado. Assim que ele disse, outros três homens se aproximaram do valentão, como se fossem cercá-lo, mas aparentemente tranquilos.
- Essa máquina é de profissional. Conheço ela. Eu quero que você passe ela para a gente analisar.
- Como assim? A máquina é minha, estou tirando fotos para a Internet.
- Calma. A gente quer apenas a maquininha emprestado, só para ver como funciona. A gente lhe dá uma graninha para você.
- Não, eu tenho material para publicar, vocês sabem.
- É bom seguir o conselho do cara. A gente está legal com você. - disse um comparsa do miliciano.
- Tem multidão andando na rua, faça o que a gente diz. - disse o segundo comparsa.
- E o que é que eu ganho com isso? - perguntou o valentão.
- Tu me dá teu e-mail e a gente entra em contato, falou? - disse o primeiro interlocutor. - Toma R$ 20 de adiantamento, falou?
- Na próxima visita, você faz um passeio com a gente, que a gente vai lhe mostrar o lugar, certo? - disse, com uma certa ironia,
Os caras saíram com a máquina. O valentão teve a máquina roubada. Os rapazes ainda olharam para trás para marcar a aparência do cara. Não o mataram naquela vez, mas pensaram em sequestrá-lo e matá-lo assim que o valentão visitasse novamente aquela cidade. O que o valentão fotografou foi perdido, assim como o acervo já gravado antes na máquina, parcialmente divulgado na Internet.
Enquanto isso, o valentão, de volta para casa, percebeu que recebeu uma notificação da Polícia Federal, no Facebook. Ele pensou que era brincadeira, mas a linguagem era formal demais para achar que alguém brincava com ele. O blogue ofensivo foi denunciado no portal SaferNet e investigadores chegaram ao protocolo de Internet relacionado a sua atividade.
O cara ficou irritado e foi desabafar com os amigos. Aquele amigo que lhe advertiu lhe escreveu:
- Eu lhe falei, rapaz. Você pensava que o ciclo seria sempre o mesmo, você ofender, ser criticado e depois ameaçar?
- Eu tive a máquina roubada! Eu não recebi o conteúdo de volta, o que os caras me pagaram não é nem metade do valor da máquina. Coisa de profissional!
- Eu avisei para você não sair por aí se achando o rei da área. Você não ouve aviso. Até quando falei que Jesus lhe daria o mesmo aviso, você disse: "Jesus Cristo só serve para me abençoar e fazer o que eu peço em oração. Eu falei que sei me virar sozinho, já sou muito crescido para isso".
- Aquele dedo duro vai me ver só!
E assim o valentão repetiu a mesma prática. Reproduziu conteúdo da vítima, mais uma vez, desta vez fazendo comentários ainda mais agressivos. Vasculhou uma foto da vítima, encontrou uma da infância e reproduziu com o seguinte comentário: "O maior pecado de você foi ter nascido". Procurando o perfil da vítima no Facebook, mandou uma mensagem muito violenta e ameaçadora: "Tua casa caiu, cara! Vou te visitar e sua boca vai ficar cheia de formiga!".
Voltou à cidade onde mora a vítima e, com outra máquina fotográfica, mais modesta, foi tirar fotos para as redes sociais. Ficou mais tempo no local, porque queria compensar o conteúdo perdido com um monte de fotos, para muitas postagens.
De repente, quando ele se agachava para tirar um ângulo diferente da paisagem, dois dos quatro homens que o interpelaram se aproximaram, e mais dois da outra ocasião e mais um deram uma leve corrida para perto. O miliciano que puxou o papo na outra ocasião lhe falou:
- Calma, cara! Tá nervoso, ficou com medo? A gente adorou suas fotos, tua máquina está em minha casa. - ele não revela que apagou o conteúdo e ficou com o objeto - A gente quer dar um passeio, porque tem um bar muito legal para a gente conversar e tomar um chope.
- É mesmo? - perguntou o valentão, um tanto assustado, mas tentando aparentar calma e simpatia.
- É, pode entrar. A gente te leva de van. Esta tem ar condicionado, clima aconchegante. Vamos entrando.
Alguns homens agiam como se forçassem o rapaz a entrar no veículo. Além dos cinco homens, um sexto foi dirigir o veículo, sussurrando para o líder do grupo - o que puxou o papo - sobre para onde o veículo iria. Em voz baixa, ouviu-se algo como "cê vai pr'aquele terreno que lhe falei".
O valentão, sentado no banco de trás entre dois dos cinco homens, ficou nervoso, mas os membros do grupo lhe diziam para o cara ficar calmo. O líder do grupo insistia em dizer que o valentão deveria ficar tranquilo, ele "fazia parte da família" e o grupo iria papear tomando um chope num bar em cidade vizinha.
De fato o grupo foi para um bar tomar uma rodada de chope, comer alguma comida e jogar conversa fora. Falaram, sobretudo, sobre futebol, o que deixou o valentão até alegre. Todos pareciam rir animadamente. Quem os via, pensava que era um encontro de grandes amigos.
Quando iam embora, o líder do grupo disse que daria uma carona para o valentão, e teriam que passar por um terreno baldio porque o carro estaria estacionado numa rua do outro lado. Mas, assim que chegaram ao terreno baldio, todos pararam e pareciam pensativos, até que um deles e mais outros sacaram o revolver e apontaram para o valentão.
Acusaram o valentão de "invadir a área" controlada pelos milicianos, e o valentão tentou desmentir. Disse que só apareceu na cidade para "zoar" com um "colega", coisa "nada demais", argumento que não convenceu os milicianos, que achavam que ele estava "muito crescido" para tais "criancices". A discussão ficou séria e o valentão levou dois tiros na barriga, morrendo em seguida.
Enquanto isso, o blogue ofensivo saiu do ar, depois de várias denúncias. Até os amigos do valentão acabaram revelando a ocorrência, preocupados com a atitude abusiva do rapaz, que poderia também desmoralizar os demais. A conta do valentão foi bloqueada. Os amigos só souberam da morte do encrenqueiro pela imprensa, e comentavam sobre o que levou ele a se atrever a tanta agressividade.
O que certas valentias podem causar...
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