quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Religião, apelo à emoção e estrelato

MICHAEL JACKSON, SÍMBOLO DA MITIFICAÇÃO HUMANA NA MÚSICA POP.

As pessoas ainda precisam aprender a respeito de sua emotividade e das noções idealizadas de "bondade", voltadas mais a uma estória de fadas do que de um processo concreto de ajuda ao próximo. Precisam ver que, por exemplo, não é só a cultura pop que pega emprestada da religião o ato de adorar os ídolos, mas o caminho inverso.

Não é preciso aqui detalhar paralelos de Michael Jackson com astros da religiosidade como Madre Teresa de Calcutá e Francisco Cândido Xavier. Eles também são construídos como astros pop, mas uma série de ilusões garantidas pelo mito da religiosidade omitem esse processo e fazem com que tudo pareça espontâneo e natural.

No "espiritismo" brasileiro, então, nem se fala. Além da ilusão de religiosidade que garante, aos olhos da Terra, o Paraíso a determinadas figuras "sagradas" - que no retorno ao mundo espiritual levam um choque ao saber que tal "oportunidade", tida como certa, não se deu - , há ainda outra ilusão resultante do hábito do brasileiro de dissimular as coisas: a ilusão de uma "racionalidade" e "objetividade" que não existem.

Isso garante uma dupla ilusão. A ilusão da religiosidade, que garante aos deslumbrados da Terra a "garantia" de que seus ídolos irão para um "mundo perfeito", após o fim da vida. E a ilusão da racionalidade, que dá um verniz de "objetividade" e "lógica" nas paixões da fé religiosa que o "espiritismo" copia da Igreja Católica.

SUPERFICIALISMO

A revista Seleções, edição brasileira da conservadora revista estadunidense Reader's Digest, em sua edição de janeiro de 2017 publicou um artigo de Sanghamirta Chakraborty, intitulado "Toque de Mãe", sobre uma visita feita a Madre Teresa de Calcutá à residência dela, na cidade indiana do seu famoso codinome, em 1989. A visita teria sido feita por ela para acompanhar uma amiga que precisava entrevistá-la para uma reportagem.

O artigo não traz novidades e apenas reforça a mitificação em torno de Madre Teresa. É algum daqueles relatos que, se envolvessem, em vez de ídolos religiosos, astros da cultura pop, como atores e cantores, seriam apenas reportagens ou artigos comuns, a ocupar as biografias dos idolatrados. Mas como se tratam de ídolos religiosos, cada relato desses é visto como atestado de pretensa superioridade espiritual destas personalidades.

Um trecho do artigo segue aquela visão deslumbrada de justificar as coisas com nada. É o deslumbramento religioso que faz as pessoas afirmarem alguma grande virtude sem trazer informações objetivas nem precisas, dando declarações que não vão além do "achismo" e, lembrando o caso do promotor brasileiro Deltan Dallagnol, da "força-tarefa" da Operação Lava Jato, é feito "sem provas, mas com muita convicção". Vejamos:

"(...) Sempre morei nesta cidade em que Madre Teresa adotou como sua, na qual construiu uma instituição que salvou milhões, lhes deu uma vida decente ou dignidade da morte. Éste é o lugar de onde ela inspirou milhões de pessoas a serem voluntárias e fazerem doações à sua causa. Eis aqui uma mocinha americana que viajou milhares de quilômetros para vê-la, E eu, eu estou aqui o tempo todo.

É claro que Madre Teresa também já teve seu quinhão de críticas, geralmente de quem vê um 'plano' por trás da ajuda aos pobres. Mas não foi por isso que não tentei. Li sobre seu trabalho e vi na televisão. Mas nunca me passou pela cabeça vir visitá-la".

Note-se que, tanto em aspectos positivos (a suposta caridade de Madre Teresa através da Congregação das Missionárias da Caridade) nem em aspectos negativos (como o tal "'plano' por trás da ajuda aos pobres") há dados precisos e objetivos. Não se fala como é a "vida decente ou dignidade da morte", revelando omissão de dados, mas também há o desprezo pela acusação de impor condições sub-humanas aos alojados pela "santa". Ambas as coisas são descritas de maneira vaga.

A narração da visita apenas parecia uma conversa amistosa que se encerrou com as tais "bênçãos". E um relato semelhante se observa através das respostas de internautas a um risível artigo de "Filosofia Imortal" sobre uma improcedente "confirmação" de "previsões" de Chico Xavier em 1969, sobre visitas de extra-terrestres em bases estadunidenses ocorridas antes, em 1964 e 1967:

"Eu tive a honra de conhecer pessoalmente o Chico Xavier, um homem simples, sábio e caridoso, talvez o mais caridoso que já conheci em todas as historias de pessoas em nossa era, faturou milhões com sua obra e doou cada centavo. Tenho visto simpatias, previsões e muitos outros relatos falsos que são atribuídos ao Chico,contrariando exatamente um dos pilares da doutrina que é a desmistificação e a fé com raciocínio. Muitos falam de Chico sem nenhum embasamento da realidade do que ele foi e representa para nossa evolução de caráter, fraternidade e humildade. Não é atoa que ele se considerava apenas um cisco no processo de evolução necessária para chegar a Jesus. Quer entender Chico? Então esqueça os fenômenos e apegue-se a caridade!".

O deslumbrado chiquista fala que tenta dar um verniz "realista" ao relato do contato pessoal com o anti-médium mineiro, criando falsas argumentações, pois trata Chico, comprovado deturpador da Doutrina Espírita, como se fosse "espírita autêntico" e, confuso, o internauta se apega a mitos, se recusando a questionar ou analisar fenômeno.

Esse é um tipo de sujeito que põe o mito acima do ser humano. Mas tenta fazer rodeios para que sua visão seja a mais "realista" e "consistente". Diferente dos católicos comuns, que ao menos assumem estarem tomados de emoção, os "espíritas" tentam parecer "racionais", "objetivos" e "coerentes". Fazem todo um engodo de argumentos "objetivos" para tudo terminar numa reles emotividade religiosa.

Imaginamos se esse contato pessoal com ídolos religiosos também não mostra as mesmas ilusões que o contato com um astro da música pop ou do cinema de Hollywood. Nestes casos, há um distanciamento entre a imagem idealizada da celebridade e a sua vida pessoal, e, embora as fantasias dos fãs sejam grandes, há uma consciência, por menor que seja, desse distanciamento, já que o admirador não faz parte da vida pessoal da celebridade, sendo quase sempre um estranho.

No contado com ídolos religiosos, porém, o devoto religioso tem a ilusão de que "furou o cerco" do mito e "penetrou na profundidade da realidade". O devoto acredita que, conhecendo pessoalmente o ídolo religioso, "penetra na sua intimidade" e se torna "beneficiado" pelo que entende como a "realidade do bem", ignorando que ele entrou em contato não com uma "figura humana", mas como um mito, com todo o seu distanciamento que não pode ser subestimado.

Temos que analisar os escaninhos da emotividade religiosa, dos apelos à emoção e das pós-verdades. E também a forma como se vê a "bondade" e a "caridade", quando se exalta, até com certo exagero, atividades que apenas ajudam muito pouco, dando ao "benfeitor" um cartaz e uma glorificação que estão aquém aos resultados de sua pálida filantropia.

A roupagem "realista" do "espiritismo" brasileiro mais parece um segundo verniz para o da devoção religiosa. Se esta já não estabelece diferença entre mito e realidade, aquela, concordando com a primeira, vai mais além, não estabelecendo diferença entre emoção e razão.

O deslumbramento dos católicos já é um problema que o apelo à emoção, ou o Argumentum Ad Passiones, se torna uma falácia bem sucedida. Entre os "espíritas" é um problema mais grave ainda, pois se protege sob a máscara da "fé raciocinada", desculpa para que mitos sejam sustentados por argumentos falsamente objetivos. É esse deslumbramento, que se apoia no pretexto da "bondade", que protege os deturpadores que corromperam o trabalhoso legado de Allan Kardec.

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