domingo, 30 de outubro de 2016
O "mundo" da plutocracia está ruindo no Brasil
A rebelião de antigas supremacias sociais em reconquistar o poder, por enquanto, recuperou seus privilégios e, mesmo diante de tantas confusões, tenta se manter de pé mesmo à mercê de tantos escândalos graves.
É claro que isso traz um risco de um novo cenário fascista que pode trazer sérios holocaustos para o Brasil, já que a "revolta do bolor" traz de volta a hegemonia de setores retrógrados ou conservadores diversos, forçando o Brasil a andar para trás e apresentando a Idade Média ao nosso país.
O Brasil só fez aumentar sua crise quando afastou Dilma Rousseff do poder. Gente bem mais corrupta conquistou o cenário político atual, mas a prevalência de forças conservadoras e reacionárias faz com que seus seguidores permitissem todo tipo de irregularidade em nome do status quo.
Até parece que tudo começou com Francisco Cândido Xavier, um realizador de pastiches e plágios literários grotescos que sofreu a mais absoluta impunidade devido ao prestígio religioso que alcançou. Um dos piores arrivistas do país, Chico Xavier era um Aécio Neves do seu tempo, no sentido de praticar gravíssimas irregularidades e não receber punição alguma da Justiça.
O "espírito do tempo" de hoje é a recuperação desesperada do status quo. O Brasil virou um país de uma sociedade plutocrática e psicopata. Vários aspectos podem ser enumerados como posturas típicas da sociedade representada, de forma direta ou indireta, pelo poder retrógrado do governo de Michel Temer:
1) Pessoas já estabelecem critérios seletivos de justiça, radicalizando a já sutil impunidade da Justiça brasileira que condena os pobres e libera os ricos. Uma sociedade que se sente no direito de desejar a morte de petistas, mas se ofende quando se fala que feminicidas ricos têm câncer ou algum sério risco de falecer de infarto;
2) Pessoas masoquistas que, apoiando barbaridades como a PEC 241 do governo Temer, aceitam reduzir os salários dos trabalhadores, a venda das empresas brasileiras aos estrangeiros e a censura de conteúdo letivo na Escola Sem Partido sob a desculpa de "resolver a crise" e "trazer o progresso para o país";
3) Personalidades de extrema-direita como Jair Bolsonaro e seus filhos acabam tendo reputação expressivamente positiva entre a população, mesmo quando eles são denunciados (com provas documentais) por corrupção;
4) As pessoas estão desprezando princípios éticos e admitindo casos de corrupção, rupturas legais, interpretações legislativas tendenciosas e parciais, desde que se mantenha a reputação de pessoas dotadas de algum status quo maior: idade, dinheiro, fama, diploma, religião, poder político etc;
5) Surtos reacionários que revelam preconceitos de classe, raça, gênero e ideologia revelam uma assustadora liberdade de uma parcela da sociedade de transmitir visões segregacionistas que, em certos casos, são consideradas crime pela Lei;
6) Há uma cega adoração a pessoas que possuem algum status quo maior, seja atribuída à experiência de vida, experiência profissional, acúmulo de dinheiro, acúmulo de fama, projeção religiosa, prestígio político etc, a ponto de muitas pessoas se irritarem quando alguém diz que essas elites estão erradas.
Até nas famílias comuns os pais de família, iludidos com a idade e um simples acúmulo de décadas de vida, procuram sempre ficar com a palavra final para tudo, se aborrecendo quando contrariados, numa atitude diferente dos filhos, que normalmente estão preparados para desilusões e renúncias. É surpreendente que muitos pais têm medo de ouvir um "não" dos filhos, mais do que os filhos de ouvirem um "não" dos pais.
É assustador esse resgate de valores conservadores diversos, que variam do prestígio religioso a movimentos fascistas. Depois da libertinagem trazida pela bregalização cultural patrocinada pela grande mídia, ocorre o extremo oposto, com o resgate desesperado do que há de mais conservador na sociedade brasileira, sob os mais diversos aspectos.
No "espiritismo", nota-se a ascensão de ideias ultraconservadoras, como se os "espíritas" saíssem do armário mais uma vez e, depois de uma fase dúbia em que, desde os anos 1970, passaram a praticar igrejismo dissimulado com bajulações a Allan Kardec, aos poucos a doutrina brasileira da FEB e similares se torna praticamente a seita da Teologia do Sofrimento.
Sim, muitos textos publicados na Internet ou trazidos em "centros espíritas" e publicações escritas apelam para a aceitação do sofrimento e das desgraças, usando os mesmos argumentos dessa teoria católica-medieval, que defende o sofrimento humano como "aprendizado para a alma", o mesmo argumento já trazido no Catolicismo medieval e por seus seguidores da Teologia do Sofrimento.
Há até mesmo a literatura reacionária de Robson Pinheiro, o mais novo astro das supostas psicografias, e que escreveu livros usando alegações de "influências espirituais" para suas teses anti-petistas que cairiam muito bem nas páginas da revista Veja.
Mas o problema é que esse resgate de forças reacionárias que toma conta do país acontece com o consentimento de irregularidades diversas, como a "corrupção do bem" - no "espiritismo", por exemplo, a falsidade ideológica é até estimulada em nome das "mensagens de amor" - , a corrupção política, o desrespeito às leis e a prática de crimes, como o homicídio, sobretudo mediante bandeiras moralistas como "defesa da honra masculina" ou "direito à propriedade".
É uma sociedade que não mede escrúpulos em ser agressiva, estúpida, violenta, intransigente e intolerante, ou mesmo egoísta, impondo um "mundo cão" no qual é impossível lutar por melhorias. As pessoas do lado de baixo da pirâmide social é que têm que se adaptar para enfrentar um contexto social tão trevoso, e sobre estas se fazem as cobranças mais desmedidas e injustas, enquanto as oportunidades oferecidas são muito escassas e de difícil conquista.
Azar da plutocracia. O que ela faz é uma provisória retomada do poder, mesmo que seja para arrombar as portas da ética, da justiça social e do respeito humano. Isso porque, se a vida está instável e imprevisível para quem está no lado de baixo da pirâmide, quem está em cima não está menos invulnerável nesse cenário imprevisível e extremamente caótico.
De desentendimentos sérios entre os plutocratas até mesmo o risco de latrocínios, já que a exclusão social a ser implantada no governo de Michel Temer obrigará as elites a fazerem manobras rápidas para entrar nas garagens para evitar o assédio mortal dos assaltantes mais violentos, a sociedade "de cima" é que está vendo o mundo ruir e, por isso, tenta uma salvação desesperada reconquistando antigos privilégios.
Diante desse quadro, em que mesmo o governo Temer não tem garantias de completar o mandato, as elites correm o risco de enterrar os seus filhos, diante de uma explosão de um caos sem controle, já que a arrogância e a agressividade dos agentes sociais que tiraram Dilma do poder cobra um preço caro para os privilegiados que, diante de uma festa empolgante, terão uma ressaca extremamente dura e trágica, pelos naturais efeitos das injustiças sociais cometidas até com certo radicalismo.
sexta-feira, 28 de outubro de 2016
Globo pode ter usado atriz em competição religiosa contra Record
CAMILA PITANGA E A FUNCIONÁRIA DA CASA ONDE O "MÉDIUM" JOÃO DE DEUS ATUA, EM ABADIÂNIA, GOIÁS.
Para quem está apegado às paixões religiosas é tudo natural e saudável. Mas causa estranheza o fato de Camila Pitanga ter ido a um "centro espírita" para apenas agradecer o fato de não ter sofrido o mesmo acidente que matou seu amigo e colega Domingos Montagner, seu par romântico na novela Velho Chico, que se encerrou há algumas semanas.
Ateia e esquerdista, Camila não precisava recorrer ao "médium" João Teixeira de Faria, o João de Deus, para agradecer. E ainda assim gastar dinheiro com viagem, ela e o pai, o veterano ator Antônio Pitanga. para ir à Abadiânia Goiás, só para isso.
A atriz poderia ter ficado em casa, agradecido no íntimo de sua vida particular, sem qualquer tipo de alarde. Teria sido muito mais saudável e, acima de tudo, louvável. E a escolha de recorrer a João de Deus pode ter vindo de outro alguém porque Camila, por si só, não iria espontaneamente recorrer para onde recorreu.
A novela Velho Chico teve um ator "espírita", Carlos Vereza, que entrou para fazer um outro padre, depois que o ator Umberto Magnani, que fazia um padre, faleceu vítima de acidente vascular cerebral. Vereza é conhecido por ter feito o médico "espírita" Adolfo Bezerra de Menezes no cinema.
Para quem está apegado às paixões religiosas é tudo natural e saudável. Mas causa estranheza o fato de Camila Pitanga ter ido a um "centro espírita" para apenas agradecer o fato de não ter sofrido o mesmo acidente que matou seu amigo e colega Domingos Montagner, seu par romântico na novela Velho Chico, que se encerrou há algumas semanas.
Ateia e esquerdista, Camila não precisava recorrer ao "médium" João Teixeira de Faria, o João de Deus, para agradecer. E ainda assim gastar dinheiro com viagem, ela e o pai, o veterano ator Antônio Pitanga. para ir à Abadiânia Goiás, só para isso.
A atriz poderia ter ficado em casa, agradecido no íntimo de sua vida particular, sem qualquer tipo de alarde. Teria sido muito mais saudável e, acima de tudo, louvável. E a escolha de recorrer a João de Deus pode ter vindo de outro alguém porque Camila, por si só, não iria espontaneamente recorrer para onde recorreu.
A novela Velho Chico teve um ator "espírita", Carlos Vereza, que entrou para fazer um outro padre, depois que o ator Umberto Magnani, que fazia um padre, faleceu vítima de acidente vascular cerebral. Vereza é conhecido por ter feito o médico "espírita" Adolfo Bezerra de Menezes no cinema.
ALIADA DA REDE GLOBO, A REVISTA VEJA TAMBÉM PARTICIPA DA COMPETIÇÃO RELIGIOSA ENTRE "MOVIMENTO ESPÍRITA" E A IGREJA UNIVERSAL.
Isso poderia ser coincidência, mas Carlos Vereza também está a serviço do poder midiático. De tendência ideológica oposta a de Camila - esta é enteada de uma parlamentar do Partido dos Trabalhadores, enquanto Vereza é anti-petista radical - , o ator também é membro do Instituto Millenium, instituição que aglutina o que há de mais retrógrado na mídia brasileira.
O Instituto Millenium, surgido há cerca de 15 anos, revelou figuras como Rodrigo Constantino e Guilherme Fiúza, que estão entre alguns dos mais reacionários escritores do país. Outros reacionários, como Reinaldo Azevedo, o dono da Folha de São Paulo, Otávio Frias Filho, e Carlos Alberto di Franco (membro da mesma neo-medieval Opus Dei, que tem o governador paulista, o tucano Geraldo Alckmin, como filiado), também integram o "instituto".
Não é segredo algum que o "espiritismo" virou a religião da Rede Globo. De formação católica, a Globo vê no "espiritismo" uma espécie de "catolicismo à paisana", aproveitando as deturpações que a doutrina da FEB, de raiz roustanguista, desenvolveu ao longo do tempo.
Sabe-se que a atual postura dúbia do "movimento espírita", a de bajular Allan Kardec e simular cientificismo mas praticar o igrejismo mais entusiasmado, um "roustanguismo sem Roustaing e com Kardec", fez a religião popularizada por Francisco Cândido Xavier se tornar, praticamente, um catolicismo ao mesmo tempo ultraconservador e discreto, uma religião que pode se passar por um movimento espiritualista "sem compromissos".
Isso é ótimo para a competição midiático-religiosa que a Rede Globo trava contra os movimentos neopentecostais desde o final da década de 1970. Para enfrentar R. R. Soares - que arrendou programas em diversos canais, sobretudo a TV Bandeirantes - e, principalmente, Edir Macedo (que no alvorecer dos anos 90 adquiriu a Rede Record), a Globo ajudou a reciclar o mito de Chico Xavier.
Foi aí que o mito de Chico Xavier, antes trabalhado de forma confusa e "crua" pela FEB, o que não impedia a ocorrência de escândalos como as famosas polêmicas com críticos literários, passou a ser explorado de maneira limpa, como uma propaganda publicitária bastante habilidosa e muitíssimo bem planejada.
A Globo tomou como fonte de inspiração o documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), que o jornalista católico britânico Malcolm Muggeridge produziu, escreveu e apresentou sobre Madre Teresa de Calcutá. O documentário criou os paradigmas hoje consagrados de mito religioso e dos estereótipos de caridade que mais deslumbram do que ajudam. Uma caridade que serve mais como conto-de-fadas do que para o progresso da humanidade.
Daí o mesmo roteiro encenado por Madre Teresa e Chico Xavier: acolhidos pela multidão ao chegar a uma "casa de caridade", abraçando pessoas pobres, acolhendo velhinhos doentes, carregando bebês no colo, ver crianças humildes tomando sopinha e dando entrevistas usando frases de efeito sobre os valores da Teologia do Sofrimento, corrente católica medieval que fazia apologia das desgraças humanas como "caminho mais rápido" de "purificação espiritual".
Era ótimo, para a Globo, usar um "espírita", e não um católico assumido, para enfrentar os "bispos" neopentecostais porque a competição religiosa se torna mais implícita. Há quem não considere o "movimento espírita" brasileiro como uma religião, mas como um "movimento espiritualista" ou mesmo como "filosofia" e "ciência" e isso cria um verniz "descompromissado" para a Globo passar a perna nos pastores eletrônicos da concorrente.
O "espiritismo" brasileiro é uma religião conservadora, uma reciclagem de dissidências católicas jesuítas que foram passadas para trás pela própria Igreja Católica. Embora os "espíritas" façam de tudo para manter o falso vínculo com Allan Kardec, o "espiritismo" brasileiro deixa claras as suas raízes jesuítas medievais, enquanto o pedagogo francês desenvolveu o Espiritismo original impulsionado por ideais iluministas.
A grande mídia, ultraconservadora, que retomou o poder depois da campanha difamatória que ajudou a tirar Dilma Rousseff do poder, apoia o "espiritismo", que também tem exemplos de reacionarismo explícito, como a entrevista do programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo, em 1971, em que Chico Xavier diz, com todas as suas palavras, que defendia a ditadura militar (que vivia então sua pior fase) e esculhambava pessoas humildades, como operários e camponeses.
Recentemente, o "médium" Robson Pinheiro criou uma série de livros que não fariam feio se fossem publicados aos poucos, como os velhos folhetins, na revista Veja, famosa pelo seu reacionarismo extremamente doentio. Obras como O Partido: Projeto Criminoso de Poder e A Quadrilha: O Foro de São Paulo, representam a "urubologia do além-túmulo" na medida em que tentam justificar interpretações anti-esquerdistas a supostos planos espirituais.
O próprio João de Deus foi blindado pela revista Veja, já que o tratamento de câncer do suposto médium curandeirista foi capa de uma de suas edições. A escolha de João por usar médicos da Terra para o tratamento foi criticada duramente, mas o "médium" tentou argumentar fazendo a seguinte pergunta: "Barbeiro corta o próprio cabelo?".
Só que a História registra que, em situações bem mais graves, o jovem médico russo Leonid Rogozov, que atuava na Antártica, sofrendo de uma grave apendicite, teve que realizar, nos anos 60, sua própria cirurgia, já que não poderia chamar uma equipe médica que demoraria a chegar ao Polo Sul e também não poderia viajar, porque as variações climáticas poderiam fazer o apêndice se explodir e matar o enfermo.
Então Rogozov só precisou de alguns assistentes de sua equipe para lhe passarem os equipamentos, mas toda a cirurgia foi feita pelo próprio enfermo, numa situação difícil e delicada. A operação foi um grande sucesso e o médico se recuperou em duas semanas, voltando a trabalhar normalmente em seguida. Rogozov só faleceu décadas mais tarde, pelos efeitos naturais da velhice.
Vergonha para João de Deus, que tinha situações mais cômodas para fazer uma auto-cirurgia. Mesmo assim, a desculpa colou. E a Globo usou uma atriz de grande carisma e alta visibilidade, como Camila Pitanga, para fazer a propaganda do "espiritismo" como um meio de neutralizar a influência da Igreja Universal do Reino de Deus.
Daí a comparação de duas capas da mídia associada, como a revista Veja que fornece "pautas" para o Jornal Nacional, numa comunhão de interesses entre as Organizações Globo e o Grupo Abril. Tanto Globo e Abril estão preocupados com a vitória eleitoral do "bispo" Marcelo Crivella para a prefeitura do Rio de Janeiro e resolveram explorar o factoide de 1990, quando Crivella apenas se envolveu numa confusão menor diante das obras de uma igreja da IURD no Rio de Janeiro.
A capa de Veja sugere que Crivella teria cometido um "crime", com aquelas fotos típicas de identificação criminal. e dava como manchete apenas as fotos que o "bispo" havia "escondido há 26 anos" sem dar detalhes sobre o episódio muito mal esclarecido. Pouco tempo atrás, a revista dramatizava o câncer de João de Deus, para evitar desconfianças sobre sua "mediunidade" ao recorrer à medicina terrestre para curar de uma grave doença.
Embora em muitos aspectos "espíritas" e neopentecostais se afinem em interesses, como a condenação ao aborto até em casos de estupro ou doença da gestante e a Escola Sem Partido - cujo programa ideológico aparece nas obras de Emmanuel e é adotado até na Mansão do Caminho de Divaldo Franco - , as duas facções religiosas estabelecem uma competição acirrada para ver quem derruba a Igreja Católica na supremacia da fé no Brasil.
Embora a Rede Record tenha feito crescer a influência dos evangélicos no Brasil, o "espiritismo" é que conta com maior blindagem nos meios jurídicos, entre as celebridades e nos setores de classe média alta da sociedade brasileira.
Os evangélicos detém maior número de fiéis, mas não conseguem esconder vários escândalos. Já os "espíritas", mesmo com baixa popularidade de dois por cento da população brasileira, conseguem se livrar de escândalos e gozam de uma reputação aparentemente inabalável.
O fato dos "espíritas" tentarem cooptar os ateus - vistos como "virgens da crença em Deus" - é uma forma de aglutinar fiéis e concorrer com os neopentecostais na busca pela supremacia religiosa. E Camila Pitanga, pelo seu carisma e popularidade, tornou-se, sem querer, uma garota-propaganda do "espiritismo da Globo" para enfrentar a Igreja Universal e suas novelas bíblicas.
quarta-feira, 26 de outubro de 2016
Quando a teoria, no "movimento espírita", é mais fácil
(De Norberto Machado, por e-mail)
Prezados amigos, o texto de que se extraíram os itens abaixo parece, à primeira vista, ter sido feito com a melhor das intenções, vide a profunda crise em que se situa o tal do movimento espírita. Mas o conhecido cidadão que escreveu seu texto faz parte de uma tendência igrejista do Espiritismo e devemos observar esses itens com cautela e um certo senso crítico.
Isso porque o autor desse texto já havia elogiado dois portadores de muitos desses defeitos, os arrivistas Chico Xavier e Divaldo Franco, e suas crenças em muitos momentos se afinam com muitos dos tais "desvios". Para ajudar a leitura desses textos, com um pé atrás, vamos interpretar cada item com um comentário conciso apontando os principais problemas.
a. Desviamos o foco quando colocamos em plano secundário o estudo espírita que orienta e esclarece o frequentador, ajudando-o na superação das dificuldades próprias e formando trabalhadores para o bem geral;
O problema é que o "bom espiritismo", do qual o autor tanto exalta, já põe o estudo espírita em plano secundário, preocupado mais com o aspecto igrejista, religioso, em que a fé religiosa se torna um fim em si mesmo. Era esse desvio de foco que marcou a trajetória de Chico Xavier, é bom deixar claro.
Além disso, o próprio Espiritismo feito no Brasil se constituiu numa Teologia do Sofrimento, como vários de seus críticos alertam, uma verdadeira apologia às dificuldades humanas para as quais só uma devoção cega pode, ainda que parcialmente, resolver. Em outras palavras, você tem que ser escravo da fé religiosa, ou seja, um beato, para ter um mínimo de benefícios da vida, ante os prejuízos que terá que aguentar de uma forma ou de outra.
b. Desviamos o foco quando introduzimos práticas estranhas ao Espiritismo, prejudicando o andamento e fluir natural do conhecimento que constrói adeptos esclarecidos que estudam e se esforçam por agir conforme se esclarecem;
O prezado autor desconhece os estragos que o sr. Chico Xavier e seu pupilo Divaldo Franco deixaram na Doutrina Espírita, eles os inimigos internos de Kardec que Erasto havia prevenido com muita antecedência.
Vejam os livros de Xavier e seus seguidores (Divaldo inclusive), de um igrejismo pegajoso, perdido em narrativas piegas, crenças místicas medievais e moralismo conservador que, explicitamente, fugiram da natureza da obra kardeciana. Essa constatação não é fruto de inveja contra os "médiuns", mas da leitura atenta e desprovida de paixões religiosas, por sinal bastante perigosas.
A ideia ficcional das "cidades espirituais", às quais Kardec alertou nunca haver noção plausível sob a luz da Lógica, e a aberração chamada "crianças-índigo", que criou um sensacionalismo tão bárbaro que causou até divórcio de um casal que lançou essa tese, pela ganância financeira, são dois delírios que fazem Chico e Divaldo estarem em situação bastante deplorável.
c. Desviamos o foco quando transformamos a tribuna em locais de projeção pessoal ou para defesa de ideias pessoais incompatíveis com a Doutrina Espírita;
O autor do texto comete aqui mais uma incompreensão. No Brasil, a própria maneira como se desenvolveu a figura do médium tornou-se uma aberração assustadora. Na França de Kardec, o médium era uma pessoa discreta, quase oculta, semi-anônima e que apenas divulgava a mensagem de um espírito e ponto final.
Aqui, porém, o médium virou um astro, uma celebridade, não é mais o canal de contato entre o espírito do além e os entes queridos, em muitos casos o espírito nem "fala", o médium inventa e vira cartaz com isso. O mais grave é que, não bastasse o culto da personalidade que todo médium se destina a ter, de propósito e sob a conivência da sociedade e até da Lei, os supostos médiuns espíritas ainda têm a mania de bancar os dublês de filósofos, se tornando pretensos sábios.
Quanto às ideias pessoais incompatíveis com a Doutrina Espírita, o autor do texto se esquece que seus ídolos Chico Xavier e Emmanuel foram os que justamente lançaram ideias de tal espécie, praticamente contaminando de forma devastadora o legado tão trabalhosamente deixado por Kardec.
d. Desviamos o foco quando o personalismo nos domine e nos tornamos tiranos na condução das instituições sob nossa responsabilidade, considerando-nos exclusivos detentores da razão e pretensos dominadores da liberdade alheia;
Esquece o autor que o personalismo e a tirania foi ou é praticado justamente pelos seus ídolos, seja até mesmo os supostos humildes Chico Xavier e Divaldo Franco, e seus seguidores mais "admiráveis", que até não dizem, no discurso, que são "detentores da verdade", mas sempre se esforçam para ficar com a palavra final, fazendo prevalecer suas visões igrejistas, por mais que tentassem fingir que Allan Kardec estivesse com a razão.
O personalismo do médium é algo que muita gente não percebe no Espiritismo feito no Brasil, porque a pessoa já recebe a aberração pronta, o que já surge deturpado se passa por autêntico, diante da desinformação generalizada muito comum no Brasil.
O médium que não quer ser intermediário, quer ser o centro das atenções, por mais que se esconda sob o aparato da "bondade pura", está praticando o personalismo, que se torna pior ainda quando há todo um aparato desesperadamente armado de "humildade" e "caridade". Quantas vaidades traiçoeiras se escondem sob a propaganda acidental de multidões de humildes ou sob desenhos ilustrativos de corações vermelhos e fofinhos?
e. Desviamos o foco quando transformamos nossas instituições em cópias perfeitas de outras práticas religiosas – embora o respeito que mereçam – por meio de músicas, rituais, gestos, roupas e condicionamentos que tornam os adeptos dependentes de práticas distantes da clareza e naturalidade prática espírita;
O autor não olhou em sua volta. O Espiritismo que ele defende tem forte acento católico, vide o caso escancarado de Chico Xavier. Além disso, elementos diversos de outras religiões são introduzidos, como arremedos de crenças hindus (como Ramatis, adorado por Divaldo), práticas evangélicas (a defesa da meritocracia e o rompimento com a ritualística e vestuário católicos) e pastiches de crenças orientais (como a pseudofilosofia esotérica), são identificados neste "bom espiritismo".
O padrinho de Chico Xavier, o ex-presidente da FEB Antônio Wantuil de Freitas, já havia se interessado por umbanda, coisa que recentemente foi objeto de interesse de Robson Pinheiro, o médium-estrela do momento. Tudo isso confunde quem quer se interessar em conhecer melhor o Espiritismo e a culpa toda partiu de Chico Xavier, e não adianta chorar.
f. Desviamos o foco quando condicionamos a prática espírita em práticas esdrúxulas de rituais, roupas especiais, apetrechos ou utensílios totalmente dispensáveis;
A única ruptura real que o Espiritismo feito no Brasil fez com o Catolicismo é o uso de rituais e vestuários pomposos, além de outros adereços e enfeites. Até porque precisa oferecer um diferencial para impressionar as pessoas, uma suposta simplicidade, uma falsa modéstia desta doutrina que se denomina kardecista sem jamais ter nada de Kardec.
Foi pensando nisso que, para competir com a ascensão dos pastores eletrônicos R. R. Soares e Edir Macedo, nos anos 70, a Globo copiou o que a BBC fez com Madre Teresa de Calcutá e promoveu Chico Xavier como "símbolo de caridade plena", uma farsa publicitária feita para deslumbrar os fanáticos religiosos sem que o pessoal desconfie que se trata de uma concorrência religiosa explícita, daí ser ótimo os espíritas brasileiros usarem de falsa modéstia para evitar comparações com católicos.
g. Desviamos o foco quando afirmamos que o estudo é dispensável ou que já sabemos tudo e somente valorizamos o passe ou a reunião mediúnica como, distanciando-nos de outras atividades;
Os espíritas brasileiros é que fogem do legado kardeciano, embora finjam segui-lo ou aderem a traduções deturpadas (Guillon Ribeiro e Salvador Gentile), que, ao transformar Kardec num padre e não num pedagogo, já sonegam em boa parte o estudo da obra do professor de Lyon, e não adianta ir além do passe ou da reunião mediúnica se o conteúdo do "estudo espírita" já é deturpado. Estudar mais e mal não é buscar o bom entendimento.
h. Desviamos o foco quando não valorizamos o movimento espírita e achamos que apenas a “nossa casa” é importante, desvalorizando esforços alheios e permanecendo indiferente com o que outros confrades e instituições realizam;
Essa desunião das chamadas "casas espíritas" é efeito natural da deturpação e dos jogos de interesses envolvidos. Desde que Roustaing ganhou preferência sobre Kardec, até hoje, mas Roustaing foi deixado para trás como o hoje detento Eduardo Cunha na política atual, os nossos espíritas não se valorizam.
Dentro dos seguidores de Chico Xavier, há até os que se desentendem com a fantasia da data-limite, sendo de um lado Ariston Teles que diz incorporar o médium e de outro Geraldo Lemos Neto (e pupilos como Juliano Pozati), o primeiro não acreditando na tal profecia e o segundo defendendo.
Mas o verdadeiro movimento que não é valorizado é o do próprio Allan Kardec, que pagou com seu próprio dinheiro as viagens de pesquisas e outras atividades, que tinha um projeto educacional que estimulava o senso crítico (contrário a religiosamente correta Escola Sem Partido defendida até por Divaldo Franco) e teve seu legado violentamente deturpado por aqueles que se dizem "os mais fiéis seguidores" no Brasil.
i. Desviamos o foco quando nos portamos dependentes das comunicações espirituais, creditando a supostos mentores aquilo que nos compete realizar;
O que dizer da apreciação da obra retrógrada de Emmanuel, que com seu ultraconservadorismo com sutis passagens racistas, machistas e moralistas, que os espíritas brasileiros que se dizem autênticos, sem perceber a aberrante contradição do mentor de Chico Xavier com a obra kardeciana, entendem como uma bússola para o entendimento da vida?
j. Desviamos o foco quando a vaidade ou a prepotência nos domine;
A atividade mediúnica, muitas vezes apenas uma brincadeira de faz-de-conta, já a partir de Chico Xavier constituiu num culto à personalidade dos mais levianos, um personalismo que se agrava quando médium passa a ser também sinônimo de "sábio", como se observa nos fenômenos do próprio Chico e de Divaldo Franco.
Recentemente, o curandeiro João de Deus, latifundiário nas horas vagas, deve ter se explodido de vaidade quando uma atriz ateia e de esquerda, Camila Pitanga, recorreu a ele para agradecer a uma sobrevida a um acidente. Camila agiu por indicação de alguém na Globo e caiu na armadilha, sem saber que ela poderia ter feito meditação em sua casa ou bastasse apenas a gratidão ao ator Domingos Montagner, vítima do acidente fatal, que impediu a colega de mergulhar com ele.
Não adianta revestir as atividades dos pretensos médiuns com filantropia, porque isso é como uma falsa modéstia a ocultar a fogueira das vaidades de médiuns que nada fazem senão serem os centros das atenções, e maior é a vaidade que, com medo das consequências, foge para o primeiro aparato de simplicidade que lhe serve de abrigo, na tentativa de disfarçar os gozos da propaganda pessoal.
k. Desviamos o foco se não prestarmos atenção se o que estamos fazendo, seja em apresentações artísticas, pela música ou teatro, por exemplo, não observamos a coerência doutrinária, que nos pede prudência e respeito pelos próprios postulados do Espiritismo para não cairmos nos caminhos da vulgaridade ou do fanatismo;
Não se pode falar em coerência doutrinária numa doutrina que, já exaltando o exemplo de Chico Xavier, assina um atestado de incoerência ao legitimar um suposto médium que publicou 400 livros que trazem contradições preocupantes em relação ao legado de Kardec e mostram um conteúdo confuso, prolixo, rebuscado e de valor bastante duvidoso.
l. Desviamos o foco nas disputas e em discussões absolutamente dispensáveis;
O que dizer de palestras incansáveis e caríssimas sobre "felicidade"? Muitas delas são despejadas em seminários caríssimos como os feitos por Divaldo Franco, com sua verborragia habitual. Ou nas doutrinárias dos chamados centros espíritas que falam trivialidades familiares, criando análises e discussões muitas vezes vãs, se perdendo no lindo desfile de palavras que, por mais que não traga insinuações maldosas explícitas, também não traz contribuição alguma para o conhecimento humano.
O que dizer também de tantas análises sobre o "amor", teorizando demais a caridade, a fraternidade e o amor ao próximo, criando entulhos retóricos e discursivos que nem de longe contribuem para melhorar as práticas humanas?
Quanto às disputas, de que adianta condenar os conflitos que, por exemplo, ocorrem com a discordância da visão dominante do movimento espírita, que é a dos místicos, contra os científicos, estes ligados ao pensamento original de Allan Kardec, e defender uma união "de cima", uma falsa fraternidade em torno da causa dominante, nem sempre a mais coerente e benéfica a todos?
m. Desviamos o foco quando nossos esforços se concentram mais na obtenção de recursos do que na divulgação, no estudo e na própria vivência espírita.
A própria blindagem do mito de Chico Xavier, quando muitos esquecem, ignoram ou se recusam a admitir que ele nunca passou de uma combinação de um realizador de pastiches literários e missivistas com a de um beato e moralista religioso dos mais conservadores, já tem o objetivo de ganhar dinheiro e obter recursos para o movimento espírita brasileiro.
Essa blindagem já mostra isso porque, pelo menos, Chico Xavier era bom em sensacionalismo. Daí a complacência com seus erros preocupantes, com a confusão que ele causou no meio intelectual, com as deturpações gravíssimas em relação ao legado kardeciano, com a defesa aberta à ditadura militar, com tantos outros aspectos sombrios da figura do suposto médium.
Isso não tem como objetivo "promover a bondade", mas a defesa radical de um ídolo religioso que rende muito dinheiro à FEB e a quem for associado, principalmente a Rede Globo de Televisão. Ídolos religiosos são verdadeiros midas que enchem os cofres dos ricos com dinheiro sob o disfarce da humildade e da bondade.
Daí que Chico Xavier é o único a realizar erros gravíssimos, como usurpar em causa própria autores falecidos consagrados, como Humberto de Campos, "catolicizar" a Doutrina Espírita, expor excessivamente as tragédias familiares e ainda defender a ditadura na pior fase, quando boa parte dos que a apoiaram estavam na oposição, e sair imune a tudo, não porque é um "bondoso frágil" que contornou qualquer obstáculo, mas porque é um ídolo religioso que rende muito dinheiro.
Isso é tão certo que os defensores de Chico Xavier, que se autoproclamam dotados de energias ditas elevadas, são os que mais se enfurecem quando são contrariados. E mostra a contradição que sempre simbolizou Chico Xavier, seja na vida, seja na posteridade, pois o suposto médium que dizia defender o desapego e a desobsessão virou objeto de apego e obsessão por parte de seus seguidores, atingindo níveis preocupantes.
A conclusão que se tem é que o esforçado palestrante do movimento espírita que falou do tal "desvio de foco" deveria olhar para o seu lado. Tão zeloso pelos ensinamentos de Jesus, o autor se esquece de uma frase famosa do mestre andarilho: ver o argueiro no olho do outro e não ver a trave no seu.
É no Espiritismo tão defendido pelo tal palestrante que ocorrem os piores e mais preocupantes desvios de foco, com a mediunidade totalmente constituída de tantos personalismos, tão levianamente acobertados pelo aparato da humildade e do simulacro de bondade. Na teoria, pedir "coerência" no movimento espírita é fácil, mas a prática isso fica bem mais difícil.
segunda-feira, 24 de outubro de 2016
Por que o 'marketing' da superação é tão perverso?
"Quanto pior for a desgraça, é neste momento que as bênçãos de Deus pousam em sua alma". "É no silêncio que o sofredor fará ser ouvido por Deus". "Suporte o sofrimento, sem se queixar, aguente tudo com fé e alegria".
São frases que parecem bonitas, da forma como são organizadas, e é esse lindo desfile de palavras que se torna uma armadilha para as pessoas, que veem nisso lições supremas de amor, caridade, perseverança e superação.
Isso é um grande engano. O sentido destas frases é extremamente perverso, seguindo a tradição de perversidade do Catolicismo medieval. É isso que corresponde ao ideário da Teologia do Sofrimento, aquela que atribui o sofrimento à suposta purificação espiritual tida como necessária para garantir o ingresso do sofredor ao "reino dos Céus" ou coisa parecida.
É uma espécie de interpretação um tanto paternalista do sofrimento de Jesus de Nazaré, sob o ponto de vista de imperadores romanos e, depois, pelos sacerdotes do Vaticano. É uma visão perversa porque vem do ponto de vista de quem condena e não do ponto de vista de quem está sofrendo alguma desgraça.
O Brasil é marcado por uma tradição moralista que ilude muitos. Até porque as decisões e os destinos sempre estão nas mãos dos privilegiados, o "novo" sempre necessita de acordo com o "velho", evitando as naturais rupturas. Usa-se o fungicida nos limites em que se deva preservar o mofo na medida do possível.
É isso que faz com que injustiças sociais sejam sempre mantidas ou, quando muito, amenizadas. A filantropia, no sentido de uma atividade subsidiária dos movimentos religiosos, deve ser feita no sentido de não prejudicar o sistema de privilégios existentes. Tanto é assim que os religiosos de vários tipos, inclusive "espíritas", sempre apelam para nunca nos inquietarmos contra algozes, tiranos e outros abusadores de privilégios de qualquer tipo.
É uma estranha misericórdia vertical, Ser piedoso não para quem está no lado de baixo da pirâmide social, mas para quem está em cima e abusa. O sofredor sofre desgraças porque "tem razões para isso" enquanto o privilegiado cometeu erros graves pela "pressão das circunstâncias".
E só resta ao sofredor sobreviver a uma avalanche de desgraças, ter um "jogo de cintura" e aguentar em silêncio qualquer cilada. E aí, se sobreviver, ganha o prêmio da vida próspera, como se a vida fosse uma gincana militar, com provas extremamente duras e impiedosas para os participantes.
Mas o mais deplorável é que o chamado "marketing da superação", que tanto encanta muita gente, se revela não mais do que uma forma sutil de sentir prazer com o sofrimento alheio. Uma coisa é sorrir quando vemos cegos e paraplégicos vencerem uma competição nas Paraolimpíadas, e ver nisso um ponto positivo de pessoas que mostram que são capazes.
No entanto, há aquele sentimento religioso que diz, com aparente doçura mas com um cinismo cruel, que o sofrimento "dignificou" tal pessoa, que a desgraça é um "benefício" e, por isso, são os piores infortúnios que "trazem os benefícios" para as pessoas, daí a "vitória pela derrota".
Isso tudo está presente em muitos pensamentos religiosos. Infelizmente, isso fez a fama de Francisco Cândido Xavier, o ídolo religioso protegido pelos barões da grande mídia. Pois Chico Xavier sempre dizia, se utilizando do tentador aparato de palavras bonitas, que o sofrimento era o "caminho do progresso", palavras que adoçam corações, confortam emoções mas envenenam vidas.
A mancenilheira de palavras de Chico Xavier é um exemplo de como o marketing da superação só serve para alimentar vaidades e o orgulho dos corações duros dos pregadores religiosos, insensíveis com a desgraça alheia, até porque é através dos sofrimentos dos outros que as religiões expandem suas instituições, criando uma "indústria do sofrimento" para forjar o "altruísmo de resultados".
Daí o caráter perverso das instituições religiosas, que se envaidecem quando pessoas desgraçadas se superam, sem saber o duro que as pessoas tiveram para isso. Os palestrantes religiosos acham ótimo que as pessoas tenham sofrido desgraças muito graves para chegar à posição próspera que atingiram, e isso é muita crueldade, embora muitas pessoas entendam esse sentimento como "bondade".
Erasto havia alertado, em mensagem publicada em O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, sobre a suposta bondade dos deturpadores "espíritas": "Conheces todos os segredos de tua alma?". O caso de Chico Xavier, pastichador e plagiador de livros, demonstra o quanto ele se serviu da Teologia do Sofrimento para tirar vantagem e promover seu arrivismo como ídolo religioso.
Ele sempre pedia para ninguém questionar nem reclamar nem contestar para que ele não fosse desmascarado por suas fraudes. E ele usava a Teologia do Sofrimento, com seu jogo discursivo de derrotas e vitórias, em causa própria. Quando era duramente criticado, era só Chico Xavier reagir em silêncio ou bancar o coitadinho para depois levar vantagem com seu triunfalismo.
Daí a perversidade que a Teologia do Sofrimento e o marketing da superação representam para os ídolos e palestrantes religiosos, alimentando vaidades pessoais às custas do sofrimento alheio e se promovendo através de ideias moralistas que parecem bondosas mas expressam um conservadorismo austero e perverso. Até porque não são os ídolos religiosos que sofrem as desgraças maiores da vida.
sábado, 22 de outubro de 2016
"Meter a cara" e a vaidade moralista
No moralismo religioso, existe uma tendência de exaltar aqueles que realizam conquistas às custas de muitos sacrifícios. Mas isso cria uma ilusão perigosa, em que o mérito sempre é medido pelo grau da dificuldade vivida.
A ideia de "meter a cara", "ter garra", de sacrificar acima das próprias forças e tentar superar dificuldades intransponíveis, é sempre um discurso que o marketing da superação enfatiza, alimentando a vaidade dos confortáveis, que aplaudem exemplos de quem "ralou demais" para chegar "onde chegou".
Temos que desconstruir esse discurso que alegra muita gente, que cria comoções delirantes de gente que parece teleguiada com certos exemplos de "superação", e que só serve para ídolos religiosos se autopromoverem e ganharem medalhas e condecorações com palestras hipócritas.
Enfrentar dificuldades pesadas não é bom. Não é confortável ouvir de outrem o conselho para "meter a cara" e "abrir mão de tudo" a ponto de "sentir desprezo de si" para "vencer na vida", e sair à luta diante de iniciativas quase sempre fracassadas.
Não é digno de alegria ver que pessoas demoram para obter alguma conquista, encontram barreiras graves, sérias, quase impossíveis, são humilhadas no meio do caminho, sofrem horrores, e só depois de muita luta conseguem atingir seus objetivos de subir na vida.
Os "exemplos de superação" são servidos para o entretenimento de pessoas supostamente solidárias aos princípios de ajuda ao próximo, O "belo exemplo" acaba servindo para alimentar as vaidades das pessoas que, mesmo sem querer, acabam se servindo a uma publicidade hipócrita, a uma crueldade travestida de bondade.
Nem todos passam pelas mesmas dificuldades que os vitoriosos das dificuldades extremas sofreram. E, mesmo assim, recomendam que sempre sofram demais para obter alguma vantagem na vida. E é aí que os juízos de valor demonstram sua severidade dolorosa.
A ideia de que fulano "tem que meter a cara, ralar mesmo", com argumentos do tipo "deixar tudo para lá", "renunciar a si mesmo", abandoando a individualidade e deixando as necessidades pessoais mais essenciais para lá - se der para respirar, já é bom, mas num Rio de Janeiro cheio de fumantes até isso tem que ser abandonado - para "vencer na vida".
Quem fala assim leva mais em conta as dificuldades do que a finalidade. Pouco importa o objetivo, importa é que a forma de atingi-lo tenha que ser a mais dolorosa, a mais difícil e a mais demorada para se obter.
Daí a crueldade: para se dar bem na vida, tem que se dar mal. E isso, num país marcado pela Teologia do Sofrimento "espírita" e pelo fundamentalismo neopentecostal, que fazem com que o Brasil mergulhe num resgate desesperado de valores ultraconservadores de um moralismo envaidecido.
É muito cruel acreditar que a pessoa seja obrigada a passar pelo caminho da dor para obter algum benefício, diante de uma ideologia que só valoriza um beneficiado se ele passou por sérios prejuízos. Ver a superação desta forma nada tem a ver com amor ao próximo.
quinta-feira, 20 de outubro de 2016
Brasil está culturalmente péssimo
LUAN SANTANA E WESLEY SAFADÃO - Música ruim para gerar muito dinheiro.
O Brasil está culturalmente ruim. Bregalização musical, subcelebridades, imprensa marrom, tudo isso monopoliza o imaginário popular e invade os campi universitários e os grandes condomínios. Uma "cultura" sem dignidade, feita apenas para atrair o grande público, mas que é planejada nos escritórios empresariais e são apoiados pelos executivos da grande mídia.
Que esperar de uma suposta supremacia social do Brasil, seja como "coração do mundo", seja como "potência mundial" etc, com uma "cultura" que traz um aspecto claro de ser subordinada a interesses comerciais, baseados em padrões ditados pelo capitalismo dos EUA e combinados com interesses regionais de oligarquias latifundiárias - que "desenham" o imaginário do "povão" que prevalece em suas regiões - , é algo que não dá mesmo para entender.
Só na música o comercialismo se torna intenso e tão intenso que até mesmo a antiga imponente MPB (não a "verdadeira MPB" dos bregas que lotam plateias "facim, facim", mas dos que fazem música brasileira de qualidade, independente do comprovante de renda) passou a compactuar com esse cenário desolador, criando apenas um "terreno restrito" para sua expressão.
Da MPB que brilhava nos festivais de música e nos programas de televisão de 50 anos atrás, nada restou senão de intermináveis tributos que assustam muitos ouvintes por soarem despedidas e terem um ranço saudosista, pela falta de novidades que isso representa. Fora isso, o que se tem é, praticamente, uma sub-Jovem Guarda de apelo pós-Tropicalista, ou um Rock Brasil de sexta categoria.
Para tornar a situação mais grave, certas correntes de analistas consideram "MPB" as gerações de bregas que dominaram as rádios nos anos 80 e 90 com uma falsa sofisticação musical. São cantores românticos, seja da geração Sullivan & Massadas, sejam os "pagodeiros" e "sertanejos" que simbolizaram o que as rádios tocaram na Era Collor.
O preocupante é que a "MPB" que todos eles passaram a fazer não é muito diferente que a fase pasteurizada da própria MPB dos anos 80, ditada pelos interesses da indústria fonográfica, e que, nas mãos dos bregas dos anos 80 e 90, tornou-se ainda mais piorada, piegas, superficial e pedante.
Cria-se, na verdade, uma divisão, um apartheid musical que torna risíveis os apelos de uma intelectualidade pró-brega, que blindava o que era "sucesso popular" nas rádios e TVs mas fingia um desvínculo midiático - o que os fazia investir no proselitismo até na imprensa de esquerda, divergente aos interesses desses intelectuais - , que descrevia a "aceitação do brega" como um "combate" ao separatismo musical. Na prática, a aceitação sugere o contrário.
Afinal, enquanto a música brasileira de qualidade - antes possível em pessoas vindas das classes populares, como Cartola e Jackson do Pandeiro e, num passado menos remoto, aos hoje veteranos Elza Soares e Martinho da Vila - se isola nas elites ainda mais aristocratizadas e especializadas, as músicas mais popularescas alcançam redutos de classe média alta, se aproximando de ricas elites mais "populistas".
E hoje, quando o comercialismo musical passa a ser mais explícito através de Anitta, Luan Santana, Nego do Borel e Wesley Safadão, fora as inúmeras e cada vez mais iguais duplas de "sertanejo universitário", a coisa é de se preocupar. Sinal de que o patrimônio cultural brasileiro está próximo de virar coisa de museu, enquanto a "cultura" se subordina a uma mentalidade economicista.
A confusão de arte ou cultura com entretenimento - termo que corresponde ao sentido consumista de um simples lazer ou diversão - , que deslumbra os chamados "midiotas" das redes sociais, permite isso, da mesma forma que existe a ignorância da crise cultural que o país vive, que não pode ser menosprezada por conta de tantos fenômenos "bem sucedidos".
Não é a profusão de mulheres-frutas, subcelebridades, atores de novela que odeiam ler livros porque "dói na vista" mas adoram ler letrinhas miúdas no WhatsApp do smartphone, apresentadores policialescos que bancam os "justiceiros eletrônicos" e os enchedores de plateias da música brega, todos sob a complacência de acadêmicos e jornalistas culturais que acham que o povo pobre só gosta de pornografia, gente pitoresca e patética e fenômenos aberrantes.
A crise cultural chega aos palcos teatrais, quando há muito mais franquias de desenhos animados e contos-de-fadas, e às páginas literárias, quando a categoria de não-ficção inclui, da forma mais ridícula possível, livros para colorir, é sinal que o cenário cultural brasileiro está calamitoso, apesar dos sorrisos felizes da população que pensa que apreciar cultura é consumir cultura.
Há muita diferença entre consumo e apreciação. A apreciação cultural envolve motivações sociais, relações entre pessoas e compartilhamento de valores humanos. Já o consumismo cultural é apenas um processo de consumo, como um lanche, em que pessoas apenas se juntam em torno de uma mercadoria, sem saber o seu real significado e movidas por uma propaganda midiática no qual esse produto "vale a pena".
E isso não é levado em conta. Afinal, as pessoas que confundem cultura com entretenimento também acreditam cegamente em juristas tendenciosos e medíocres como Sérgio Moro, e ficam felizes diante desse tenebroso governo de Michel Temer que ameaça cortar benefícios sociais dos mais caros à população, embora o presidente tente desmentir aquilo que, com certeza, fará na surdina.
O Brasil precisa ser revisto e abrir mão de muita coisa que está no topo da pirâmide social, sejam religiões, veículos midiáticos, tecnocratas etc. Gente que demonstra ter um desempenho desastroso e cujos erros graves não podem ser relativizados pela desculpa de que "todo mundo erra".
Isso porque os erros que a grande mídia patronal, religiões moralistas, intelectuais da "cultura" brega, ideólogos da pintura padronizada nos ônibus, rentistas e políticos fisiológicos de direita são muitíssimo sérios e preocupantes para serem minimizados. É hora de estabelecer um repúdio mais firme e enérgico a tudo isso, antes que essa gente "muito importante" destrua o Brasil.
O Brasil está culturalmente ruim. Bregalização musical, subcelebridades, imprensa marrom, tudo isso monopoliza o imaginário popular e invade os campi universitários e os grandes condomínios. Uma "cultura" sem dignidade, feita apenas para atrair o grande público, mas que é planejada nos escritórios empresariais e são apoiados pelos executivos da grande mídia.
Que esperar de uma suposta supremacia social do Brasil, seja como "coração do mundo", seja como "potência mundial" etc, com uma "cultura" que traz um aspecto claro de ser subordinada a interesses comerciais, baseados em padrões ditados pelo capitalismo dos EUA e combinados com interesses regionais de oligarquias latifundiárias - que "desenham" o imaginário do "povão" que prevalece em suas regiões - , é algo que não dá mesmo para entender.
Só na música o comercialismo se torna intenso e tão intenso que até mesmo a antiga imponente MPB (não a "verdadeira MPB" dos bregas que lotam plateias "facim, facim", mas dos que fazem música brasileira de qualidade, independente do comprovante de renda) passou a compactuar com esse cenário desolador, criando apenas um "terreno restrito" para sua expressão.
Da MPB que brilhava nos festivais de música e nos programas de televisão de 50 anos atrás, nada restou senão de intermináveis tributos que assustam muitos ouvintes por soarem despedidas e terem um ranço saudosista, pela falta de novidades que isso representa. Fora isso, o que se tem é, praticamente, uma sub-Jovem Guarda de apelo pós-Tropicalista, ou um Rock Brasil de sexta categoria.
Para tornar a situação mais grave, certas correntes de analistas consideram "MPB" as gerações de bregas que dominaram as rádios nos anos 80 e 90 com uma falsa sofisticação musical. São cantores românticos, seja da geração Sullivan & Massadas, sejam os "pagodeiros" e "sertanejos" que simbolizaram o que as rádios tocaram na Era Collor.
O preocupante é que a "MPB" que todos eles passaram a fazer não é muito diferente que a fase pasteurizada da própria MPB dos anos 80, ditada pelos interesses da indústria fonográfica, e que, nas mãos dos bregas dos anos 80 e 90, tornou-se ainda mais piorada, piegas, superficial e pedante.
Cria-se, na verdade, uma divisão, um apartheid musical que torna risíveis os apelos de uma intelectualidade pró-brega, que blindava o que era "sucesso popular" nas rádios e TVs mas fingia um desvínculo midiático - o que os fazia investir no proselitismo até na imprensa de esquerda, divergente aos interesses desses intelectuais - , que descrevia a "aceitação do brega" como um "combate" ao separatismo musical. Na prática, a aceitação sugere o contrário.
Afinal, enquanto a música brasileira de qualidade - antes possível em pessoas vindas das classes populares, como Cartola e Jackson do Pandeiro e, num passado menos remoto, aos hoje veteranos Elza Soares e Martinho da Vila - se isola nas elites ainda mais aristocratizadas e especializadas, as músicas mais popularescas alcançam redutos de classe média alta, se aproximando de ricas elites mais "populistas".
E hoje, quando o comercialismo musical passa a ser mais explícito através de Anitta, Luan Santana, Nego do Borel e Wesley Safadão, fora as inúmeras e cada vez mais iguais duplas de "sertanejo universitário", a coisa é de se preocupar. Sinal de que o patrimônio cultural brasileiro está próximo de virar coisa de museu, enquanto a "cultura" se subordina a uma mentalidade economicista.
A confusão de arte ou cultura com entretenimento - termo que corresponde ao sentido consumista de um simples lazer ou diversão - , que deslumbra os chamados "midiotas" das redes sociais, permite isso, da mesma forma que existe a ignorância da crise cultural que o país vive, que não pode ser menosprezada por conta de tantos fenômenos "bem sucedidos".
Não é a profusão de mulheres-frutas, subcelebridades, atores de novela que odeiam ler livros porque "dói na vista" mas adoram ler letrinhas miúdas no WhatsApp do smartphone, apresentadores policialescos que bancam os "justiceiros eletrônicos" e os enchedores de plateias da música brega, todos sob a complacência de acadêmicos e jornalistas culturais que acham que o povo pobre só gosta de pornografia, gente pitoresca e patética e fenômenos aberrantes.
A crise cultural chega aos palcos teatrais, quando há muito mais franquias de desenhos animados e contos-de-fadas, e às páginas literárias, quando a categoria de não-ficção inclui, da forma mais ridícula possível, livros para colorir, é sinal que o cenário cultural brasileiro está calamitoso, apesar dos sorrisos felizes da população que pensa que apreciar cultura é consumir cultura.
Há muita diferença entre consumo e apreciação. A apreciação cultural envolve motivações sociais, relações entre pessoas e compartilhamento de valores humanos. Já o consumismo cultural é apenas um processo de consumo, como um lanche, em que pessoas apenas se juntam em torno de uma mercadoria, sem saber o seu real significado e movidas por uma propaganda midiática no qual esse produto "vale a pena".
E isso não é levado em conta. Afinal, as pessoas que confundem cultura com entretenimento também acreditam cegamente em juristas tendenciosos e medíocres como Sérgio Moro, e ficam felizes diante desse tenebroso governo de Michel Temer que ameaça cortar benefícios sociais dos mais caros à população, embora o presidente tente desmentir aquilo que, com certeza, fará na surdina.
O Brasil precisa ser revisto e abrir mão de muita coisa que está no topo da pirâmide social, sejam religiões, veículos midiáticos, tecnocratas etc. Gente que demonstra ter um desempenho desastroso e cujos erros graves não podem ser relativizados pela desculpa de que "todo mundo erra".
Isso porque os erros que a grande mídia patronal, religiões moralistas, intelectuais da "cultura" brega, ideólogos da pintura padronizada nos ônibus, rentistas e políticos fisiológicos de direita são muitíssimo sérios e preocupantes para serem minimizados. É hora de estabelecer um repúdio mais firme e enérgico a tudo isso, antes que essa gente "muito importante" destrua o Brasil.
terça-feira, 18 de outubro de 2016
Mercado literário prossegue na sua decadência
O mercado literário brasileiro segue em sua decadência. O compromisso de valorizar a literatura como meio de transmissão de conhecimento é desprezado, numa sociedade pretensamente moderna cujas pessoas têm a suposição de que "já sabem muito", ilusão trabalhada pela overdose de informação trazida pela grande mídia e pelo mainstream da Internet.
Ainda temos "livros para colorir" nas listas dos títulos mais vendidos de "não-ficção", o que é muito estranho porque são praticamente meros livros para colorir, muito mais próximos da ficção do que da não-ficção.
Já alertamos sobre o cenário desolador que está a cultura no Brasil, uma decadência silenciosa que a chamada "espiral do silêncio" da sociedade se recusa a admitir. Feito gados felizes, as pessoas tomam como "sua" a "cultura" trazida pelos filtros da grande mídia, que já comprovou seu apetite reacionário, e são levadas a acreditar que Arte e Cultura são sinônimo de Entretenimento e Consumismo.
Um dos aspectos surreais envolve o próprio "movimento espírita", com a renovação de estoques, nas livrarias, do livro Data-Limite Segundo Chico Xavier, um engodo esotérico e pseudo-científico que nem é corroborado por todos os seguidores do anti-médium mineiro. Correntes de seguidores de Francisco Cândido Xavier acham a "profecia da data-limite" uma farsa, só aumentando as confusões que cercam o mito do "médium" católico de Pedro Leopoldo e Uberaba.
A sociedade vive um período de declínio que não consegue perceber. Em muitos aspectos, esse declínio é visto como se fosse o melhor dos progressos. Tanto que, quando textos alertando sobre essa decadência são publicados, a reação é de pura estranheza, e a primeira impressão é de rejeição a essa denúncia, vista equivocadamente como um exagero.
É porque as pessoas, acomodadas em suas zonas de conforto, não conseguem admitir o amargor da realidade oculta pela imprensa comercial e pelas mensagens publicitárias. Acham que, só por viver nos seus alegres privilégios e na rotina cotidiana feliz, a gravidade dos problemas não passa de exageros de gente raivosa, os problemas "existem" mas são até "fáceis de suportar".
Por isso é que a sociedade está a cada vez mais experimentando fatos trágicos e até aberrantes, numa triste pedagogia do outro lado, diferente da feliz rotina do consumismo familiar, da curtição entre amigos, do futebol que sempre vence e dos ídolos musicais que são geniais apenas porque lotam plateias em poucos minutos.
Daí ninguém perceber que existe decadência, sobretudo no Rio de Janeiro marcado por um declínio avassalador. Quem é que imagina que o Rio de Janeiro iria sofrer uma decadência desse tamanho, de forma vertiginosa desde 2010? Fácil a pessoa no seu conforto privilegiado negar decadência e dizer, em sentido metafórico, que o Inferno é apenas a churrascaria do Paraíso.
Vemos o teatro rebaixado a um cenário que alterna comédias americanizadas e franquias de desenhos animados da Disney e Warner Bros. E a literatura num rol de publicações que sempre têm que fugir da finalidade de transmitir conhecimento, num mercado que complica, se não a publicação, mas o êxito de escritores emergentes que querem trazer questionamentos à realidade estabelecida e injusta.
Vemos a multiplicação de livros de youtubers que perdem o tempo refletindo sobre frivolidades. e uma enxurrada de livros de auto-ajuda que só ajudam seus autores, ou de livros religiosos que mais parecem de "contos-de-fadas" de adultos, que servem de trampolim para autores inexpressivos surgirem do nada e virarem ascendentes através de tolices místicas e piegas.
É desagradável, muitas vezes, dizer isso, mostrar aspectos duros da realidade brasileira, mas a chamada "boa sociedade", em sua forçada felicidade, não pode apenas dizer que aceita ou admite a existência de problemas e deixar a sujeira escondida debaixo do tapete.
Muitos descasos, muita permissividade de um lado e repressão de outro, muitas cobranças a quem não tem e muitas concessões a quem já tem demais são feitas, e isso reflete em tudo. Até num mercado literário que, supervalorizando os livros religiosos, faz muita gente perguntar se o portal de autores independentes Clube de Autores não deveria se chamar "Clube de Pastores".
Valores se transformam e o que os brasileiros fazem é recusar essa realidade. Os que mais condenam os questionamentos mais duros são justamente as pessoas mais intolerantes, intransigentes e imprudentes que se escondem em situações confortáveis para evitar a responsabilidade dos problemas mais graves que a realidade decadente mostra para o nosso país.
O espírito de descaso, de assumir que os problemas existem mas subestimá-los sob desculpas que vão ao "quem nunca erra?" ao "não é bem assim", passando pelo habitual "ninguém é perfeito", só faz manter as estruturas injustas e desiguais que existem e só fazem o Brasil se afundar na tragédia.
E quando escritores que transmitem conhecimento genuíno, mas não têm a visibilidade de gente já consagrada como Fernando Morais, encontram o fracasso das vendas, como um silêncio da sociedade surda para certos questionamentos profundos, é sinal que o mercado literário brasileiro abandonou a sua mais prioritária finalidade: promover e estimular o saber.
domingo, 16 de outubro de 2016
Globo indicou João de Deus para Camila Pitanga?
CAMILA PITANGA PERDEU O AMIGO E COLEGA DE CENA DOMINGOS MONTAGNER, QUE MORREU AFOGADO DURANTE UM MERGULHO.
Estranhos fatos ocorrem. Uma atriz que havia declarado seu ateísmo e parecia não seguir religião alguma, depois que sofreu uma tragédia foi agradecer justamente a uma seita igrejista, o oposto de sua natureza, por ter sobrevivido a um acidente.
Sabe-se que Camila Pitanga, durante um intervalo de filmagem da novela Velho Chico, da Rede Globo, conversava com o amigo e colega de cena Domingos Montagner que, apesar de veterano aos 54 anos, estava em plena ascensão e com uma comédia cinematográfica em lançamento.
Foi Domingos dar um mergulho e um forte movimento das águas o fez se afogar, morrendo pouco depois, Camila ia nadar, também, mas Domingos a impediu, salvando sua vida. A morte de Domingos Montagner causou comoção nacional e o ator não viveu para gravar suas últimas cenas, que a produção da novela resolveu substituir por uma câmera subjetiva.
Lamentamos com profunda sinceridade a tragédia, já que foi um desfecho triste para um ator como Domingos Montagner, que se revelou uma grande figura humana e um excelente profissional da atuação. Tanto que a impressão de sisudez de seus personagens de novela se comprova falsa, pela constatação de que ele teve origem como palhaço de circo, tinha grande desenvoltura como ator de teatro e era muito descontraído e jovial nos bastidores.
Mesmo assim, é muito estranho Camila Pitanga, ateia e sem religião, recorrer justamente a um "centro espírita" de Abadiânia, Goiás, para falar justamente com o "médium" João de Deus, um latifundiário, um igrejista, com atividades "mediúnicas" tão duvidosas que, quando ele esteve gravemente doente, não fez cirurgia espiritual de si mesmo, mas recorreu a um hospital de elite.
"O barbeiro corta o próprio cabelo?", alega João de Deus, se esquecendo de que existem casos surpreendentes de auto-cirurgia, e mostram o quanto o "espiritismo" que se diz tão forte sempre arruma desculpa quando se fraqueja de forma vergonhosa. Há uma lista de 10 mais incríveis casos de auto-cirurgias feitas por "barbeiros" que não têm medo de "cortar o próprio cabelo".
Um dos famosos casos foi o do médico russo Leonid Rogozov, lotado em uma base na Antártica, descobriu que estava sofrendo, em 1964, de uma apendicite aguda. Ele não podia viajar para um hospital porque a apendicite poderia se romper, causando a morte, devido a variações climáticas.
Ele resolveu então fazer uma cirurgia de risco, com ajuda de um meteorologista, o motorista da equipe e os próprios assistentes do médico. A cirurgia foi bem sucedida e o médico teve duas semanas de recuperação, que foi completa a ponto do médico ter condições de trabalhar depois de então.
Camila se dirigiu à Casa Dom Ignacio de Loyola, acompanhada do pai, o ator e cineasta Antônio Pitanga. Antônio é a segunda personalidade que teve sua comemoração de uma efeméride profissional um tanto abalada pelas circunstâncias tristes de entes queridos.
Este ano, o ator e dublador Nizo Neto, filho de Chico Anysio, não pode celebrar os 30 anos do filme Curtindo a Vida Adoidado, no qual dublou o personagem-título, Ferris Bueller (interpretado por Matthew Broderick), porque perdeu o filho Ryan Brito, afogado depois de uma ingestão de ayahuasca. A ex-mulher de Nizo, a atriz Márcia Brito, recorreu a um "médium" que mandou uma suposta mensagem de Ryan, com aquele mesmo apelo religioso de sempre.
Antônio Pitanga está a comemorar, sobretudo com documentário sobre sua vida e carreira, os 55 anos de lançamento do filme Barravento, de Glauber Rocha, lançado no final de 1961 e que tinha o pai de Camila Pitanga como protagonista. Neste caso, a tragédia não foi direta, mas a filha se sentiu abalada com a morte de Domingos, com a qual estabeleceu uma relação comparável a de amigos de infância.
É estranho, portanto, que Camila tenha recorrido a um "centro espírita" e um suposto médium de trajetória irregular para agradecer o fato de ter sobrevivido. Nem precisava gastar dinheiro para tal viagem, poderia agradecer numa meditação, sem um destinatário definido. Até visitar uma igreja católica seria menos arriscado do que recorrer a uma doutrina irregular e cheia de contradições graves, que é o "espiritismo".
O grande problema é que os "centros espíritas" acabam se beneficiando com a adesão de famosos cuja visita acaba se tornando uma propaganda para a seita igrejista que adula Allan Kardec. Dentro da competição religiosa, é ótimo, para o envaidecimento dos "espíritas", acolher ateus que acabam se subordinando a uma "conversão espírita", um processo que existe, embora os "espíritas", meio "sem querer querendo", digam que nunca obrigam os outros à aderir a esta religião.
NOVELA TERIA SIDO AMALDIÇOADA?
A própria novela Velho Chico já surgiu cheia de problemas e incidentes sérios. Segundo a jornalista Fabíola Reipert, do portal R7, a novela era para ser exibida às 18 horas, com orçamento baixo, mas foi para as 21 horas por insistência do autor Benedito Ruy Barbosa. Com orçamento baixo, a exibição das 18 horas teria cortado boa parte das viagens arriscadas a lugares nas margens do Rio São Francisco.
Tanta coisa poderia ser evitada. A novela já teve seu argumento apresentado aos executivos da Globo em 2009, mas ficou engavetada. O casal protagonista nem iria ser Domingos e Camila, mas Eriberto Leão e Letícia Sabatella, que recusaram os papéis. Escolhida para substituir Letícia, Camila teve dificuldades para se acostumar ao papel na novela.
Houve desentendimentos entre o diretor Luiz Fernando Carvalho e Benedito Ruy Barbosa. O autor chegou a fazer comentários homofóbicos, dizendo que sua obra não era "novela de bicha", teve uma filha demitida da equipe por brigar com Luiz Fernando e este, vendo que a novela estava com baixíssima audiência, ainda recusou as sugestões de mudanças propostas por Sílvio de Abreu, diretor do núcleo responsável pela novela.
O estresse das gravações foi tanto que a morte de Domingos Montagner não foi a primeira perda trágica na novela. O ator Umberto Magnani, ultimamente em plena ativa e que, na novela, fez um padre, sofreu um acidente vascular cerebral e morreu pouco depois. Sua ausência foi compensada por outro personagem, outro padre interpretado por Carlos Vereza, "espírita" que havia feito o médico Adolfo Bezerra de Menezes no cinema.
O próprio trocadilho com Francisco Cândido Xavier, embora parecesse uma mera coincidência, também deve ser ao menos cogitado. Chico Xavier é muito cultuado por produtores de TV e, sobretudo, de novelas, e os próprios folhetins televisivos oferecem o padrão de narrativa usado por romances supostamente mediúnicos.
Quanto à escolha de Camila Pitanga de recorrer ao "médium" João de Deus para um simples agradecimento, é possível que tenha sido uma indicação de alguém da Globo. Uma moça que havia assumido seu ateísmo não teria feito por conta própria uma escolha de ir a um "centro espírita" em lugar distante, vendo que o "espiritismo" tem um ranço igrejeiro e deísta acentuados.
Estranhos fatos ocorrem. Uma atriz que havia declarado seu ateísmo e parecia não seguir religião alguma, depois que sofreu uma tragédia foi agradecer justamente a uma seita igrejista, o oposto de sua natureza, por ter sobrevivido a um acidente.
Sabe-se que Camila Pitanga, durante um intervalo de filmagem da novela Velho Chico, da Rede Globo, conversava com o amigo e colega de cena Domingos Montagner que, apesar de veterano aos 54 anos, estava em plena ascensão e com uma comédia cinematográfica em lançamento.
Foi Domingos dar um mergulho e um forte movimento das águas o fez se afogar, morrendo pouco depois, Camila ia nadar, também, mas Domingos a impediu, salvando sua vida. A morte de Domingos Montagner causou comoção nacional e o ator não viveu para gravar suas últimas cenas, que a produção da novela resolveu substituir por uma câmera subjetiva.
Lamentamos com profunda sinceridade a tragédia, já que foi um desfecho triste para um ator como Domingos Montagner, que se revelou uma grande figura humana e um excelente profissional da atuação. Tanto que a impressão de sisudez de seus personagens de novela se comprova falsa, pela constatação de que ele teve origem como palhaço de circo, tinha grande desenvoltura como ator de teatro e era muito descontraído e jovial nos bastidores.
Mesmo assim, é muito estranho Camila Pitanga, ateia e sem religião, recorrer justamente a um "centro espírita" de Abadiânia, Goiás, para falar justamente com o "médium" João de Deus, um latifundiário, um igrejista, com atividades "mediúnicas" tão duvidosas que, quando ele esteve gravemente doente, não fez cirurgia espiritual de si mesmo, mas recorreu a um hospital de elite.
"O barbeiro corta o próprio cabelo?", alega João de Deus, se esquecendo de que existem casos surpreendentes de auto-cirurgia, e mostram o quanto o "espiritismo" que se diz tão forte sempre arruma desculpa quando se fraqueja de forma vergonhosa. Há uma lista de 10 mais incríveis casos de auto-cirurgias feitas por "barbeiros" que não têm medo de "cortar o próprio cabelo".
Um dos famosos casos foi o do médico russo Leonid Rogozov, lotado em uma base na Antártica, descobriu que estava sofrendo, em 1964, de uma apendicite aguda. Ele não podia viajar para um hospital porque a apendicite poderia se romper, causando a morte, devido a variações climáticas.
Ele resolveu então fazer uma cirurgia de risco, com ajuda de um meteorologista, o motorista da equipe e os próprios assistentes do médico. A cirurgia foi bem sucedida e o médico teve duas semanas de recuperação, que foi completa a ponto do médico ter condições de trabalhar depois de então.
Camila se dirigiu à Casa Dom Ignacio de Loyola, acompanhada do pai, o ator e cineasta Antônio Pitanga. Antônio é a segunda personalidade que teve sua comemoração de uma efeméride profissional um tanto abalada pelas circunstâncias tristes de entes queridos.
Este ano, o ator e dublador Nizo Neto, filho de Chico Anysio, não pode celebrar os 30 anos do filme Curtindo a Vida Adoidado, no qual dublou o personagem-título, Ferris Bueller (interpretado por Matthew Broderick), porque perdeu o filho Ryan Brito, afogado depois de uma ingestão de ayahuasca. A ex-mulher de Nizo, a atriz Márcia Brito, recorreu a um "médium" que mandou uma suposta mensagem de Ryan, com aquele mesmo apelo religioso de sempre.
Antônio Pitanga está a comemorar, sobretudo com documentário sobre sua vida e carreira, os 55 anos de lançamento do filme Barravento, de Glauber Rocha, lançado no final de 1961 e que tinha o pai de Camila Pitanga como protagonista. Neste caso, a tragédia não foi direta, mas a filha se sentiu abalada com a morte de Domingos, com a qual estabeleceu uma relação comparável a de amigos de infância.
É estranho, portanto, que Camila tenha recorrido a um "centro espírita" e um suposto médium de trajetória irregular para agradecer o fato de ter sobrevivido. Nem precisava gastar dinheiro para tal viagem, poderia agradecer numa meditação, sem um destinatário definido. Até visitar uma igreja católica seria menos arriscado do que recorrer a uma doutrina irregular e cheia de contradições graves, que é o "espiritismo".
O grande problema é que os "centros espíritas" acabam se beneficiando com a adesão de famosos cuja visita acaba se tornando uma propaganda para a seita igrejista que adula Allan Kardec. Dentro da competição religiosa, é ótimo, para o envaidecimento dos "espíritas", acolher ateus que acabam se subordinando a uma "conversão espírita", um processo que existe, embora os "espíritas", meio "sem querer querendo", digam que nunca obrigam os outros à aderir a esta religião.
NOVELA TERIA SIDO AMALDIÇOADA?
A própria novela Velho Chico já surgiu cheia de problemas e incidentes sérios. Segundo a jornalista Fabíola Reipert, do portal R7, a novela era para ser exibida às 18 horas, com orçamento baixo, mas foi para as 21 horas por insistência do autor Benedito Ruy Barbosa. Com orçamento baixo, a exibição das 18 horas teria cortado boa parte das viagens arriscadas a lugares nas margens do Rio São Francisco.
Tanta coisa poderia ser evitada. A novela já teve seu argumento apresentado aos executivos da Globo em 2009, mas ficou engavetada. O casal protagonista nem iria ser Domingos e Camila, mas Eriberto Leão e Letícia Sabatella, que recusaram os papéis. Escolhida para substituir Letícia, Camila teve dificuldades para se acostumar ao papel na novela.
Houve desentendimentos entre o diretor Luiz Fernando Carvalho e Benedito Ruy Barbosa. O autor chegou a fazer comentários homofóbicos, dizendo que sua obra não era "novela de bicha", teve uma filha demitida da equipe por brigar com Luiz Fernando e este, vendo que a novela estava com baixíssima audiência, ainda recusou as sugestões de mudanças propostas por Sílvio de Abreu, diretor do núcleo responsável pela novela.
O estresse das gravações foi tanto que a morte de Domingos Montagner não foi a primeira perda trágica na novela. O ator Umberto Magnani, ultimamente em plena ativa e que, na novela, fez um padre, sofreu um acidente vascular cerebral e morreu pouco depois. Sua ausência foi compensada por outro personagem, outro padre interpretado por Carlos Vereza, "espírita" que havia feito o médico Adolfo Bezerra de Menezes no cinema.
O próprio trocadilho com Francisco Cândido Xavier, embora parecesse uma mera coincidência, também deve ser ao menos cogitado. Chico Xavier é muito cultuado por produtores de TV e, sobretudo, de novelas, e os próprios folhetins televisivos oferecem o padrão de narrativa usado por romances supostamente mediúnicos.
Quanto à escolha de Camila Pitanga de recorrer ao "médium" João de Deus para um simples agradecimento, é possível que tenha sido uma indicação de alguém da Globo. Uma moça que havia assumido seu ateísmo não teria feito por conta própria uma escolha de ir a um "centro espírita" em lugar distante, vendo que o "espiritismo" tem um ranço igrejeiro e deísta acentuados.
sexta-feira, 14 de outubro de 2016
O que é ser um suposto espírita no Brasil?
O que é ser espírita no Brasil? Dentro da supremacia da roustanguista FEB, oficialmente é "a melhor das coisas", admitindo o mundo espiritual, a vida após a morte e as lições de fraternidade cristã com maior transparência e espontaneidade. É o que muitos entendem, mas a realidade desmente tudo isso.
Ser um suposto espírita no Brasil, um "espírita" catolicizado, é na verdade ser pedante em tudo. Pois o que vemos no "movimento espírita" não são apenas católicos envergonhados, com mais medo de batinas e igrejas revestidas de ouro do que da morte, mas um ajuntamento de incompetentes de toda espécie.
Pelo que se observa, o "espiritismo" brasileiro não é a "religião da bondade" - devemos nos lembrar que bondade não tem religião, não pode ser subproduto da prática religiosa - , mas a "religião da mediocridade". Ela reúne pessoas medíocres em suas habilidades, que querem ter um lampejo de genialidade se apoiando numa seita religiosa que trouxesse, em tese, um caminho curto para o céu.
São cientistas de terceira categoria que se apoiam no "espiritismo" para nele inserir teses esotéricas, misturar um cientificismo bastante confuso, irregular e equivocado, uma compreensão malfeita de conceitos de Física e Química misturadas com devaneios astrológicos e uma Psicologia de clínicas clandestinas, criando um engodo que promete a salvação plena da humanidade.
No mesmo caminho vão os filósofos frustrados, com medo de analisar profundamente os problemas metafísicos, mas habilidosos em criar um malabarismo retórico, de palavras muito bem arrumadas, também misturando cientificismo confuso e misticismo esotérico, mas criando uma verborragia pseudofilosófica que mais parece ter sido tirado de algum stand up comedy que parodiasse a Filosofia.
Há também professores frustrados, incapazes de trazer um ensinamento aprofundado, que se valem de uma oratória hábil e envolvente, bela no aparato de palavras, na beleza dos vocábulos apresentados, no desfile de ideias agradabilíssimas, no nivelar das entonações dramáticas, no simulacro de saber enciclopédico. Temos exemplo disso, Divaldo Franco, com sua retórica organizada a embelezar um vazio de ideias.
Há católicos frustrados, beatos de crenças ortodoxas e até medievais, que parecem ser os primeiros a experimentar os rituais católicos dos tempos do imperador Constantino, mas que de repente passaram a se entediar com o senta-e-levanta das missas em latim e com o luxo extremo das batinas dos padres e sacerdotes e ainda tem hábitos estranhos como a paranormalidade.
Esse também temos exemplo: Francisco Cândido Xavier. Sim, o Chico Xavier tão associado erroneamente ao espiritismo autêntico - na ingenuidade de muitos quererem recuperar as bases kardecianas mantendo Chico e Divaldo no pedestal - , sempre foi um católico de crenças ortodoxas e medievais, que apenas foi excomungado porque afirmou se comunicar com a mãe e com o espírito de um padre jesuíta muito conhecido em nossa História.
Mas há também romancistas e novelistas frustrados, cujo caminho para a Academia Brasileira de Letras é praticamente uma ilusão impossível de ser realizada, com romances medíocres e, em muitos casos, confusos e com erros historiográficos risíveis. O próprio Chico Xavier teria sido um pioneiro nessa baixa literatura, apenas esforçada no desfile de palavras pomposas.
Mas não faz mal. Com uma disposição para a caminhada, pode-se andar em direção à Cinelândia, percorrer o Largo da Carioca e daí se dirigir por uma rua, também chamada de Carioca, indo para a Praça Tiradentes em direção ao Teatro João Caetano e daí seguir o mesmo lado da calçada, pela Avenida Passos, em direção à Federação "Espírita" Brasileira, de braços abertos para acolher escritores frustrados, que só precisam de uns procedimentos muito simples.
O procedimento é o uso de um pseudônimo, inventado ou retirado de algum famoso falecido (tomando cuidado para não arranjar problemas com herdeiros), e a temática pode girar em romances cotidianos quaisquer, mas desde que terminassem com alguma lição moralista voltada para princípios religiosos.
Ser "espírita", portanto, é ser um nada querendo ser tudo. É levar zero em Física e Química na escola ou na faculdade e ser "cientista" com essas compreensões erradas nos artigos escritos em publicações "espíritas".
É levar pau em Redação e em Oficina Literária e "brilhar" na literatura "espírita". É ser um péssimo filósofo e falar em "Filosofia" em palestras "espíritas", criando um engodo verborrágico que nada tem de busca pela verdade de tão confuso, contraditório e fantasioso que é. É ter medo de ser padre católico e desempenhar este mesmo trabalho na condição de "médium espírita", aproveitando seu pedantismo intelectual para bancar o dublê de pensador e conselheiro moral.
Não por acaso os juízes, pelo jeito "ancestrais" de Sérgio Moro e Gilmar Mendes, que por omissão deixaram passar, em 1944, a farsa do falso Humberto de Campos dos livros publicados por Chico Xavier, sentiram a "sintonia energética", eles que tiveram sua incompreensão com a questão jurídica mais óbvia, a de que a obra "espiritual" destoa severamente do estilo do autor maranhense, cabendo invalidá-la e processar os responsáveis (Chico e a FEB) por falsidade ideológica.
O "espiritismo" brasileiro, portanto, é um reflexo da mania de uma boa parcela de brasileiros de mascarar ideias velhas com rótulos novos, no caso o Catolicismo medieval e jesuíta, descartado por correntes modernas da Igreja Católica após o fim do Segundo Império, mascarado pela Doutrina Espírita. Sempre uma novidade lapidada para não ofender um conjunto de ideias obsoletas que, em vez de serem rompidas, são adaptadas ao contexto da aparente novidade.
Do mesmo modo, o "espiritismo" brasileiro também reflete o pretensiosismo de parte dos brasileiros, em dissimular ideias conservadoras em geral, em querer ficar com a última palavra, em abraçar ideais moralistas, em se julgar especialista naquilo que não compreende bem, é dissimular seu pedantismo usurpando e deturpando os melhores conceitos, é se autopromover às custas do que os verdadeiros pensadores dizem e distorcer o sentido de suas mensagens.
O "espiritismo", portanto, é produto desse modelo velho e desgastado de sociedade brasileira, que aposta seu último apelo através do governo de Michel Temer, que oferece uma agenda reacionária que expressa o último recurso de velhas elites recuperarem ou manterem seus privilégios e tradições em processo de perecimento.
Com toda a certeza, o "espiritismo", por simbolizar esse Brasil velho e viciado, comprovou ser incapaz de ser uma doutrina espiritualista de vanguarda, por não esconder aspectos de religiosidade antiquados dignos dos tempos do Brasil colonial.
quarta-feira, 12 de outubro de 2016
Começa a caça aos "valentões" da Internet
Os "valentões" da Internet, que disseminavam ódio e desrespeito humano através de trolagens ou cyberbullings, podem estar com os dias de impunidade sendo contados. Com a péssima repercussão de seus atos, que vitimavam não somente internautas comuns que discordavam de valores dominantes, mas famosos dotados de prestígio e visibilidade, eles começam a sentir a batata assar.
Nos últimos dez anos, havia crescido a onda de internautas grosseiros que, em ataques grupais, humilhavam e ridicularizavam, em fóruns na Internet ou nas redes sociais, quem não concordasse com valores estabelecidos na sociedade ultraconservadora, podendo ser desde arbitrariedades políticas, mesmo em prol da mobilidade urbana (como a pintura padronizada nos ônibus do Rio de Janeiro) até preconceitos de padrão machista ou racista.
A coisa começava assim. Um internauta discordava de algum valor pré-estabelecido em vigência ou moda. Pode ser um modismo, uma gíria, ou uma posição sócio-cultural dominante. Em seguida, sua caixa de mensagens é invadida por uma série de comentários estranhos, não muito amistosos.
No primeiro momento, esses comentários parecem ironias e gracejos. Na medida em que o internauta reage, mesmo que seja em silêncio, apagando as mensagens, os comentários se tornam mais agressivos. De repente a vítima começa a pedir para que parassem e aí surgem ofensas mais agressivas e ameaças.
Em momentos extremos, alguns desses internautas produzem blogues ofensivos, ou pesquisam o local de residência da vítima para visitar a cidade para intimidar. Um busólogo que se sentiu ofendido com as críticas à pintura padronizada nos ônibus e à política de Eduardo Paes, prefeito carioca hoje em fim de mandato, chegou a fazer visitas a Niterói, mas parou diante de rumores de que a "máfia das vans" fazia ponto perto do Terminal João Goulart e fazia marcação a qualquer fotógrafo "de fora".
Mas a turma dos "valentões" espera outras encrencas. Com a notícia de que Letícia Sabatella irá processar o Facebook e o Twitter por permitir a publicação de comentários ofensivos contra ela, depois que a atriz passou a protestar contra o impeachment de Dilma Rousseff, a situação pode complicar.
O Facebook já está agindo para apagar comentários ofensivos e bloquear contas de agressores. Os servidores das redes sociais, vendo os processos pesarem sobre suas costas, começa a agir contra os próprios internautas agressores, já que os portais em si não querem pagar as consequências nefastas dos processos movidos contra eles.
Aí sobra para os "valentões" que estavam acostumados com a tranquila rotina feliz de, no isolamento autista de seus quartos, brincar de gato e rato com suas vítimas, despejando ofensas pesadas e achando que a rua é um paraíso no qual eles poderiam agredir suas vítimas e nada acontecer com estes agressores.
Um dia, eles entram na conta e veem que ela foi bloqueada. Isso quando o Anonymous não hackeou a conta do "valentão" depois que ele disparou um "KKKKKKK" na imagem da máscara do Guy Fawkes. Ou quando o "valentão" vai para a cidade da vítima, para tentar intimidá-la, e é baleado no peito por um motoqueiro que pensou que o encrenqueiro digital era um "x-9" (alcaguete). Será difícil fazer "KKKKKKK" no leito de hospital ou na cela de uma prisão.
segunda-feira, 10 de outubro de 2016
A "psicografia coxinha" de Robson Pinheiro
Mais um livro é lançado com a revolta anti-petista dissolvida numa sutil narrativa "espiritual". Depois de O Partido - Projeto Criminoso de Poder, Robson Pinheiro, sob a suposta colaboração do "espírito Ângelo Inácio", agora se tem A Quadrilha, sob a suposta corrupção que teria sido intuída por "inteligências sombrias do mundo espiritual".
Há dados estranhos em O Partido, como definir as ridículas passeatas de 13 de Março de 2016 como "início de regeneração" e atribui-las à "intuição de espíritos superiores". Só faltava mesmo dizer que o Pato da FIESP era a reencarnação da Pomba da Paz que anunciou a "virgem" Maria o "nascimento do Messias".
Há, também, um "mocinho" no livro anterior, chamado Miguel. o "representante máximo da Justiça Divina", um "arcanjo" que seria responsável pela "regeneração" do Brasil. O nome coincide com o do presidente, Michel Temer, não só pela similaridade de Miguel e Michel, mas pelo fato de que o próprio presidente se chama Michel Miguel.
Que "regeneração" se pode esperar com a pauta indigesta que reduzirá empregos, diminuirá a renda dos trabalhadores, acabará com os serviços públicos, entregará as riquezas brasileiras para empresas estrangeiras - que nem estão aí para o povo brasileiro - e vem de um governo cercado de muitos réus criminais, envolvidos com os escândalos da Lava Jato, é o que não dá para entender.
O Brasil passa por tantos retrocessos que o caos só fez aumentar depois que Dilma Rousseff saiu do poder. E ainda se tem livros "espíritas" que atribuem o cenário trevoso em que vivemos a um "projeto da espiritualidade superior" em resolver a crise, às custas do aumento da miséria e da exclusão social que os vários programas do Plano Temer irão fazer, a partir da devastadora PEC 241, que reduzirá investimentos na Educação, Saúde e Assistência Social.
Além disso, nota-se uma sutil campanha anti-PT nos livros de Robson Pinheiro. E que contradizem suas escolhas supostamente mediúnicas, das quais um dos poucos nomes famosos realmente reacionários é o de Madre Teresa de Calcutá, que no entanto nunca teria escrito nem ditado o livro A Força Eterna do Amor porque ela se sentia arrasada no além, depois que foi desmascarada, ainda no final da vida, por um documentário de Christopher Hitchens, Anjo do Inferno.
Cazuza, se vivo estivesse, teria defendido Dilma Rousseff, em que pese a postura contrária do amigo Lobão. Getúlio Vargas, pela identificação com os projetos progressistas de Lula e Dilma, também teria tido a mesma postura. Não se sabe sobre Tancredo Neves, mas ele estaria decepcionado com o cafajestismo político de seu neto, Aécio Neves, enrolado em várias denúncias de corrupção.
É até hipocrisia que Robson queira, em seu portal, dizer que seu compromisso é com a "ciência" e o "conhecimento", quando sabemos que sua atividade é marcada pelo mais profundo obscurantismo místico, sem qualquer compromisso com a verdade, sendo apenas a última palavra em roustanguismo depois dos espetáculos da FEB e seus ídolos mais famosos.
Portanto, a "psicografia coxinha" de Robson Pinheiro é apenas mais um episódio do sensacionalismo barato que envolve a literatura "espírita", num mercado cada vez mais decadente, que é o de livros, cujas publicações mais festejadas são justamente aquelas a que fogem do âmbito do conhecimento. O Brasil virou um ninho de estupidez e sensatez.
sábado, 8 de outubro de 2016
Endeusamento de Chico Xavier e Madre Teresa de Calcutá tem fins financeiros
A religião é um repositório de ilusões e paixões humanas nas quais se combinam sensações de emotividade extrema, juntando pieguice, fantasias e falsa modéstia. É um fenômeno no qual as mesmas paixões da fortuna e do luxo se voltam para valores simbólicos e não-materiais, mas sujeitas ao mesmo envaidecimento e a um triunfalismo pior do que o dos ricos da matéria.
O religioso não admite que pode errar. Ele se julga protegido por uma aura de superioridade que se considera imune a qualquer questionamento ou impasse. Religiões nunca entram em falência. Os religiosos sempre se consideram com a posse da palavra final e com a certeza de que, se não têm ainda o passaporte para o Céu, estão num caminho relativamente curto para isso.
A religião não é um mal em si, se ela se manifestar dentro dos seus limites, sem forçar proselitismo, sem se achar acima da realidade. Mas quando a religião se julga acima da realidade, se impõe para a aceitação por outrem e determina os limites para o raciocínio questionador e científico, ela se torna, portanto, um mal.
É o que se vê, por exemplo, na chamada "bancada da Bíblia", predominantemente de seitas evangélicas do tipo "neopentecostal", derivadas ou dissidentes da veterana Igreja Nova Vida, mas também com o sutil e eventual apoio de católicos e "espíritas".
Pois é essa bancada, no Congresso Nacional, que está promovendo uma marcha-a-ré histórica, apoiando a instalação ilegal e ilegítima de Michel Temer, e através dele implantando uma pauta de medidas retrógradas que envolvem a redução sutil de direitos trabalhistas e o freio aos avanços sociais conquistados.
Embora Michel Temer tenha que cometer recuos aqui e ali - ele voltou atrás da extinção do Ministério da Cultura e do aumento para doze horas na carga horária de trabalho - , a influência da "bancada da Bíblia" já sinaliza que novos retrocessos estão a caminho, o que faz muitos especialistas compararem o cenário político brasileiro de hoje à Idade Média ou à Alemanha nazista.
A religião, portanto, vive de suas ilusões e de seus mecanismos arrivistas. E a competição acirrada que envolve sobretudo neopentecostais e "espíritas", que disputam a superação da hegemonia católica e a supremacia religiosa no Brasil, revela todo um processo ganancioso que se apoia sob o verniz da fé e sob o pretexto da fraternidade.
E aí se observa, sobretudo, os interesses comerciais em jogo. No caso dos neopentecostais, é bastante óbvio, ante a máquina midiática que foi construída, através da aquisição, nos anos 90, da veterana Rede Record (a TV Record paulista é a mais antiga emissora de TV em atividade no Brasil), a partir dos dízimos, uma espécie de estelionato religioso no qual os pastores persuadem seus fiéis a doar uma relativa soma de dinheiro, sob a promessa da "salvação divina".
No caso do Catolicismo e do "espiritismo", se observa sobretudo quando se tenta promover determinados ídolos religiosos como "espíritos perfeitos", visando interesses financeiros estratégicos, envolvendo produtos relacionados e até mesmo finalidades turísticas.
Madre Teresa de Calcutá não foi canonizada pelo Vaticano por ser a perfeição que oficialmente lhe é atribuída, até porque ela foi denunciada, ainda no fim da vida, por ter deixado seus alojados nas "casas de caridade" em condições terrivelmente desumanas. Ela foi canonizada porque é considerada uma grande fonte de renda para a Igreja Católica.
Livros sobre o "belo exemplo" de Madre Teresa, exemplares da "milagrosa medalha" - um artefato inócuo, como comprovou o caso Monica Besra, na Índia, e mostra fortes indícios na intoxicação alimentar creditada como "câncer terminal" do engenheiro Marcílio Andrino - e gravuras da "santa" podem ser comercializados com o dinheiro sendo enviado para a "caridade" (leiam-se as contas bancárias dos sacerdotes, já beneficiados em vida pelos desvios financeiros de Madre Teresa).
No "espiritismo", observa-se o mesmo com Francisco Cândido Xavier. Depois de uma propaganda confusa e sujeita a escândalos, através da FEB, entre 1932 e 1970 (da farsa literária do Parnaso de Além-Túmulo ao desfecho do caso Otília Diogo), Chico Xavier passou a ser, aos poucos, promovido nos mesmos moldes publicitários que promoveram Madre Teresa através do documentário inglês Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), de Malcolm Muggeridge, lançado em 1969.
Com os mesmos elementos do documentário de Muggeridge, Chico Xavier foi relançado como um "grande filantropo", copiando os mesmos truques publicitários: chegada a uma casa de caridade acolhido pela multidão, segurar criança no colo, passar a mão nas cabeças dos doentes, conversar com velhinhos pobres, dar depoimentos pseudo-filosóficos etc. Se toda propaganda política fosse assim, até os "ficha-suja" poderiam ser santificados com uma campanha assim.
Se Madre Teresa virou "santa" para o bem do comércio de artigos católicos a ela relacionados, Chico Xavier é declarado "espírito de luz" sob o mesmo propósito: vender, vender e vender livros, assim como produzir materiais derivados que levam seu nome, cheios de estórias "lindas", "lições de vida", "mensagens de amor" e tudo o mais, fora os livros "científicos" da "profecia da data-limite", que fazem do nome Chico Xavier uma máquina de fazer dinheiro.
O aparato de "caridade" e a eventual "gratuidade" de produtos e eventos "espíritas" não desmente o arrivismo financeiro. Afinal, já existem outros meios de captar recursos, sem falar que muitas das doações de roupas e outros objetos servem para serem revendidos. Na "Cidade da Luz", em Salvador, José Medrado também apela para "dízimos" à maneira de seus vizinhos da Igreja Universal do Reino de Deus.
Há workshops, filmes de dramaturgia ou documentários, há lançamentos de novos livros que, em grandes quantidades, compensam a inserção de filmes e livros "espíritas" para o carregamento gratuito nas redes sociais. A "gratuidade" é apenas um aparato, uma isca para atrair fiéis, porque o comercialismo tem outros meios de arrecadação, que fazem com que "médiuns" profissionalmente modestos possam ter um conforto além do normal.
Isso mostra o quanto a religião "espírita" não é muito diferente de outros exploradores da fé, apenas se diferindo no status ainda intocável de mercadores das belas palavras, beneficiados pela blindagem midiática, jurídica e política que os faz imunes mesmo diante de denúncias sérias e graves. Ser "santo" no Brasil tem duas condições favoráveis: ser do PSDB e ser "espírita". Podem errar a vontade que ninguém mexe.
quinta-feira, 6 de outubro de 2016
Dinheiro, leis e influência: o que os conservadores precisam para se manterem
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REDE GLOBO E FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI) - Tudo o que os conservadores precisam para prevalecer na sociedade.
Por que os valores conservadores prevalecem? Por que a plutocracia não conhece infortúnios nem limitações pesadas, o que permite que religiosos que expressam os interesses elitistas sempre recomendem aos sofredores sofrerem mais e aos algozes o fiado moral que só trará sua conta em outras encarnações? Por que as elites retrógradas tentam resistir ao tempo e, quando perdem o poder, o retomam à força, mas favorecidas pelas circunstâncias?
O Brasil vive uma retomada conservadora que era impensável cinco anos atrás. Uma volta ao obscurantismo, que nas eleições para prefeito e vereador no Brasil se destacam com a vitória, no primeiro turno, do empresário João Dória Jr. para a Prefeitura de São Paulo, e de Carlos Bolsonaro, filho do ultradireitista Jair Bolsonaro, para vereador no Rio de Janeiro.
É um processo muito perigoso, porque os retrocessos sociais já estão em jogo, num país que ainda não teve as antigas feridas da ditadura militar cicatrizadas. Um país que até aceitou um cenário político mais progressista, em 2003, mas condicionado com alianças conservadoras, repetindo o hábito de acolher parcialmente o novo sem que haja ruptura com o que é velho e obsoleto.
É um terrível cacoete que existe no Brasil. Sempre que existe uma coisa inovadora, seja ela vinda de fora ou aqui implantada por gente idealista, essa novidade é deturpada de forma que se adeque aos padrões decadentes e obsoletos da tendência mais antiga. Essa tendência não é totalmente superada, sua essência está toda inserida, não necessariamente de maneira explícita, na novidade que é acolhida.
Sempre houve o acordo entre o mofo e o fungicida. O fungicida tem que agir de preferência fora do local do mofo. O cheiro de mofo tem que permanecer, ainda que de forma mais sutil. É um hábito que forças retrógradas de algum setor sempre imponham condições para uma novidade ser introduzida, sacrificando sua essência e seu poder de impacto.
No "espiritismo", isso ocorreu. A novidade de Allan Kardec foi praticamente reduzida a uma mera formalidade, quando a deturpação de Jean Baptiste Roustaing recebeu a preferência no "movimento espírita", já que as ideias de Os Quatro Evangelhos condiziam mais com a formação católica dos fundadores "espíritas" brasileiros, que se fundamentou no Catolicismo medieval trazido pelos jesuítas portugueses.
Em outras palavras, o "espiritismo" que se construiu no Brasil quase nada tem da formação iluminista do pedagogo de Lyon e seu cientificismo aberto para debates. Em vez disso, o "espiritismo" brasileiro se limitou a acolher dissidências católicas assim que o Catolicismo mundial adaptou-se às mudanças do tempo, como o crescimento das zonas urbanas e as descobertas tecnológicas.
As mudanças desagradaram os católicos que permaneceram nas suas concepções medievais, sob influência do velho Catolicismo português que foi introduzido no Brasil através da Companhia de Jesus, cujos missionários incluíram a figura do padre Manuel da Nóbrega, que o "movimento espírita" adotou, através de Francisco Cândido Xavier, sob o codinome de Emmanuel.
A frustração em relação ao cancelamento das missões da Companhia de Jesus no Brasil foi compensada quando o "espiritismo", inicialmente com um roustanguismo mais explícito - hoje ele é dissimulado - , passou a acolher espíritos de jesuítas, através do exemplo do "mentor" de Chico Xavier.
Como é de praxe, o "novo" que se condiciona pelos postulados velhos e obsoletos (mas estranhamente considerados "de muita serventia") sempre se impõe como sendo "novo", como uma casa de fachada nova que, escondendo uma construção velha e quase ruinosa, tem que se impor sempre como uma "casa nova".
E isso é que sustentou o "espiritismo", que, mesmo na sua fase recente, a tendência dúbia, que tenta caprichar no aparato de "espiritismo autêntico", bajulando Allan Kardec, usurpando Erasto e adulando personalidades científicas, pratica um igrejismo medieval entusiasmado, em muitos momentos piegas e com um misticismo acima da medida.
E por que o "espiritismo", como outras tendências conservadoras travestidas de "novas", sempre prevalecem e tentam resistir a questionamentos e oposições diversas? Com certeza, não é por méritos naturais, mas por condições que o Brasil tem de fazer prevalecer valores antiquados que, depois de uma fase progressista, voltam com apetite redobrado através do governo retrógrado de Michel Temer.
O que existe são os três pilares que a sociedade conservadora, no Brasil, possui para manter a prevalência de seus mitos, dogmas e práticas. São três recursos que fazem com que mesmo valores aberrantes e práticas escandalosas, quando associados a setores dominantes, são socialmente aceitos. Eles são:
1) DINHEIRO - Com o dinheiro, o poder das classes dominantes se recicla e consegue contornar crises e impasses, sobretudo porque uma boa grana garante prestígio e supremacia, além de garantir a atenuação das condenações criminais diversas. É também sinônimo de sucesso e mérito, bem mais do que as virtudes morais.
2) LEIS - O artifício legal socializa os abusos cometidos pelas classes dominantes, e não apenas as leis do papel, a roupagem legislativa e jurídica que conhecemos, mas também as normas sociais, mesmo as mais implícitas. Ela regula os costumes que fazem com que até quem está no lado de baixo da pirâmide social procure agir da melhor forma possível para favorecer os interesses dominantes e os valores mais conservadores.
3) INFLUÊNCIA - Muitas das "leis" sociais são propagadas, consolidadas e mantidas pela mídia, de forma sutil e até mesmo inconsciente. Isso vem pela própria prática cotidiana, pelo modo conservador de ver o mundo que cria "tradições" que veículos dominantes de comunicação transmitem para o público. É a grande mídia que lança dogmas e totens que a sociedade deve apoiar, e protege ídolos que podem não ter talento nem outros méritos naturais, mas que servem aos interesses estratégicos de entretenimento, política e outros setores das atividades humanas.
Diante disso, foi até fácil a retomada do poder pelas forças conservadoras. No âmbito do dinheiro, as classes dominantes financiaram um ativismo de fachada, feito por grupos pateticamente reacionários como Movimento Brasil Livre e Revoltados On Line, líderes do que o "movimento espírita", de forma constrangedora, definiu como "começo da regeneração da humanidade" e "início do caminho de libertação do Brasil".
No âmbito das leis, a corrupção de setores do Supremo Tribunal Federal e do Ministério Público fazem com que o uso da legislação se torne parcial, tendencioso e feito ao sabor das conveniências, nem sempre favorecendo o interesse público e levando ao grau extremo a impunidade que os criminosos de colarinho branco já recebiam nos tempos da ditadura militar.
No âmbito da mídia, a Rede Globo e outros veículos, como Folha de São Paulo e a panfletária revista Veja, servem para influenciar a população no seu reacionarismo, embora até programas policialescos como Cidade Alerta (Record) e Brasil Urgente (Band) incitam o ódio com a glamourização da violência e tabloides como o carioca Meia Hora ofereçam ao público doses de sensacionalismo barato e de todo tipo de valor grotesco e aberrante.
São esses três elementos que sustentam a sociedade conservadora que se enriquece às custas do subdesenvolvimento do Brasil. É essa pequena parcela da população brasileira, beneficiada pelos ventos políticos dos últimos cinco meses, que se sente privilegiada com a postura subalterna e ainda miserável que o Brasil se mantém na comunidade das nações, com graves injustiças sociais que o "sistema" não quer que sejam combatidas de verdade. As elites ganham muito com elas.
Por que os valores conservadores prevalecem? Por que a plutocracia não conhece infortúnios nem limitações pesadas, o que permite que religiosos que expressam os interesses elitistas sempre recomendem aos sofredores sofrerem mais e aos algozes o fiado moral que só trará sua conta em outras encarnações? Por que as elites retrógradas tentam resistir ao tempo e, quando perdem o poder, o retomam à força, mas favorecidas pelas circunstâncias?
O Brasil vive uma retomada conservadora que era impensável cinco anos atrás. Uma volta ao obscurantismo, que nas eleições para prefeito e vereador no Brasil se destacam com a vitória, no primeiro turno, do empresário João Dória Jr. para a Prefeitura de São Paulo, e de Carlos Bolsonaro, filho do ultradireitista Jair Bolsonaro, para vereador no Rio de Janeiro.
É um processo muito perigoso, porque os retrocessos sociais já estão em jogo, num país que ainda não teve as antigas feridas da ditadura militar cicatrizadas. Um país que até aceitou um cenário político mais progressista, em 2003, mas condicionado com alianças conservadoras, repetindo o hábito de acolher parcialmente o novo sem que haja ruptura com o que é velho e obsoleto.
É um terrível cacoete que existe no Brasil. Sempre que existe uma coisa inovadora, seja ela vinda de fora ou aqui implantada por gente idealista, essa novidade é deturpada de forma que se adeque aos padrões decadentes e obsoletos da tendência mais antiga. Essa tendência não é totalmente superada, sua essência está toda inserida, não necessariamente de maneira explícita, na novidade que é acolhida.
Sempre houve o acordo entre o mofo e o fungicida. O fungicida tem que agir de preferência fora do local do mofo. O cheiro de mofo tem que permanecer, ainda que de forma mais sutil. É um hábito que forças retrógradas de algum setor sempre imponham condições para uma novidade ser introduzida, sacrificando sua essência e seu poder de impacto.
No "espiritismo", isso ocorreu. A novidade de Allan Kardec foi praticamente reduzida a uma mera formalidade, quando a deturpação de Jean Baptiste Roustaing recebeu a preferência no "movimento espírita", já que as ideias de Os Quatro Evangelhos condiziam mais com a formação católica dos fundadores "espíritas" brasileiros, que se fundamentou no Catolicismo medieval trazido pelos jesuítas portugueses.
Em outras palavras, o "espiritismo" que se construiu no Brasil quase nada tem da formação iluminista do pedagogo de Lyon e seu cientificismo aberto para debates. Em vez disso, o "espiritismo" brasileiro se limitou a acolher dissidências católicas assim que o Catolicismo mundial adaptou-se às mudanças do tempo, como o crescimento das zonas urbanas e as descobertas tecnológicas.
As mudanças desagradaram os católicos que permaneceram nas suas concepções medievais, sob influência do velho Catolicismo português que foi introduzido no Brasil através da Companhia de Jesus, cujos missionários incluíram a figura do padre Manuel da Nóbrega, que o "movimento espírita" adotou, através de Francisco Cândido Xavier, sob o codinome de Emmanuel.
A frustração em relação ao cancelamento das missões da Companhia de Jesus no Brasil foi compensada quando o "espiritismo", inicialmente com um roustanguismo mais explícito - hoje ele é dissimulado - , passou a acolher espíritos de jesuítas, através do exemplo do "mentor" de Chico Xavier.
Como é de praxe, o "novo" que se condiciona pelos postulados velhos e obsoletos (mas estranhamente considerados "de muita serventia") sempre se impõe como sendo "novo", como uma casa de fachada nova que, escondendo uma construção velha e quase ruinosa, tem que se impor sempre como uma "casa nova".
E isso é que sustentou o "espiritismo", que, mesmo na sua fase recente, a tendência dúbia, que tenta caprichar no aparato de "espiritismo autêntico", bajulando Allan Kardec, usurpando Erasto e adulando personalidades científicas, pratica um igrejismo medieval entusiasmado, em muitos momentos piegas e com um misticismo acima da medida.
E por que o "espiritismo", como outras tendências conservadoras travestidas de "novas", sempre prevalecem e tentam resistir a questionamentos e oposições diversas? Com certeza, não é por méritos naturais, mas por condições que o Brasil tem de fazer prevalecer valores antiquados que, depois de uma fase progressista, voltam com apetite redobrado através do governo retrógrado de Michel Temer.
O que existe são os três pilares que a sociedade conservadora, no Brasil, possui para manter a prevalência de seus mitos, dogmas e práticas. São três recursos que fazem com que mesmo valores aberrantes e práticas escandalosas, quando associados a setores dominantes, são socialmente aceitos. Eles são:
1) DINHEIRO - Com o dinheiro, o poder das classes dominantes se recicla e consegue contornar crises e impasses, sobretudo porque uma boa grana garante prestígio e supremacia, além de garantir a atenuação das condenações criminais diversas. É também sinônimo de sucesso e mérito, bem mais do que as virtudes morais.
2) LEIS - O artifício legal socializa os abusos cometidos pelas classes dominantes, e não apenas as leis do papel, a roupagem legislativa e jurídica que conhecemos, mas também as normas sociais, mesmo as mais implícitas. Ela regula os costumes que fazem com que até quem está no lado de baixo da pirâmide social procure agir da melhor forma possível para favorecer os interesses dominantes e os valores mais conservadores.
3) INFLUÊNCIA - Muitas das "leis" sociais são propagadas, consolidadas e mantidas pela mídia, de forma sutil e até mesmo inconsciente. Isso vem pela própria prática cotidiana, pelo modo conservador de ver o mundo que cria "tradições" que veículos dominantes de comunicação transmitem para o público. É a grande mídia que lança dogmas e totens que a sociedade deve apoiar, e protege ídolos que podem não ter talento nem outros méritos naturais, mas que servem aos interesses estratégicos de entretenimento, política e outros setores das atividades humanas.
Diante disso, foi até fácil a retomada do poder pelas forças conservadoras. No âmbito do dinheiro, as classes dominantes financiaram um ativismo de fachada, feito por grupos pateticamente reacionários como Movimento Brasil Livre e Revoltados On Line, líderes do que o "movimento espírita", de forma constrangedora, definiu como "começo da regeneração da humanidade" e "início do caminho de libertação do Brasil".
No âmbito das leis, a corrupção de setores do Supremo Tribunal Federal e do Ministério Público fazem com que o uso da legislação se torne parcial, tendencioso e feito ao sabor das conveniências, nem sempre favorecendo o interesse público e levando ao grau extremo a impunidade que os criminosos de colarinho branco já recebiam nos tempos da ditadura militar.
No âmbito da mídia, a Rede Globo e outros veículos, como Folha de São Paulo e a panfletária revista Veja, servem para influenciar a população no seu reacionarismo, embora até programas policialescos como Cidade Alerta (Record) e Brasil Urgente (Band) incitam o ódio com a glamourização da violência e tabloides como o carioca Meia Hora ofereçam ao público doses de sensacionalismo barato e de todo tipo de valor grotesco e aberrante.
São esses três elementos que sustentam a sociedade conservadora que se enriquece às custas do subdesenvolvimento do Brasil. É essa pequena parcela da população brasileira, beneficiada pelos ventos políticos dos últimos cinco meses, que se sente privilegiada com a postura subalterna e ainda miserável que o Brasil se mantém na comunidade das nações, com graves injustiças sociais que o "sistema" não quer que sejam combatidas de verdade. As elites ganham muito com elas.