terça-feira, 18 de outubro de 2016
Mercado literário prossegue na sua decadência
O mercado literário brasileiro segue em sua decadência. O compromisso de valorizar a literatura como meio de transmissão de conhecimento é desprezado, numa sociedade pretensamente moderna cujas pessoas têm a suposição de que "já sabem muito", ilusão trabalhada pela overdose de informação trazida pela grande mídia e pelo mainstream da Internet.
Ainda temos "livros para colorir" nas listas dos títulos mais vendidos de "não-ficção", o que é muito estranho porque são praticamente meros livros para colorir, muito mais próximos da ficção do que da não-ficção.
Já alertamos sobre o cenário desolador que está a cultura no Brasil, uma decadência silenciosa que a chamada "espiral do silêncio" da sociedade se recusa a admitir. Feito gados felizes, as pessoas tomam como "sua" a "cultura" trazida pelos filtros da grande mídia, que já comprovou seu apetite reacionário, e são levadas a acreditar que Arte e Cultura são sinônimo de Entretenimento e Consumismo.
Um dos aspectos surreais envolve o próprio "movimento espírita", com a renovação de estoques, nas livrarias, do livro Data-Limite Segundo Chico Xavier, um engodo esotérico e pseudo-científico que nem é corroborado por todos os seguidores do anti-médium mineiro. Correntes de seguidores de Francisco Cândido Xavier acham a "profecia da data-limite" uma farsa, só aumentando as confusões que cercam o mito do "médium" católico de Pedro Leopoldo e Uberaba.
A sociedade vive um período de declínio que não consegue perceber. Em muitos aspectos, esse declínio é visto como se fosse o melhor dos progressos. Tanto que, quando textos alertando sobre essa decadência são publicados, a reação é de pura estranheza, e a primeira impressão é de rejeição a essa denúncia, vista equivocadamente como um exagero.
É porque as pessoas, acomodadas em suas zonas de conforto, não conseguem admitir o amargor da realidade oculta pela imprensa comercial e pelas mensagens publicitárias. Acham que, só por viver nos seus alegres privilégios e na rotina cotidiana feliz, a gravidade dos problemas não passa de exageros de gente raivosa, os problemas "existem" mas são até "fáceis de suportar".
Por isso é que a sociedade está a cada vez mais experimentando fatos trágicos e até aberrantes, numa triste pedagogia do outro lado, diferente da feliz rotina do consumismo familiar, da curtição entre amigos, do futebol que sempre vence e dos ídolos musicais que são geniais apenas porque lotam plateias em poucos minutos.
Daí ninguém perceber que existe decadência, sobretudo no Rio de Janeiro marcado por um declínio avassalador. Quem é que imagina que o Rio de Janeiro iria sofrer uma decadência desse tamanho, de forma vertiginosa desde 2010? Fácil a pessoa no seu conforto privilegiado negar decadência e dizer, em sentido metafórico, que o Inferno é apenas a churrascaria do Paraíso.
Vemos o teatro rebaixado a um cenário que alterna comédias americanizadas e franquias de desenhos animados da Disney e Warner Bros. E a literatura num rol de publicações que sempre têm que fugir da finalidade de transmitir conhecimento, num mercado que complica, se não a publicação, mas o êxito de escritores emergentes que querem trazer questionamentos à realidade estabelecida e injusta.
Vemos a multiplicação de livros de youtubers que perdem o tempo refletindo sobre frivolidades. e uma enxurrada de livros de auto-ajuda que só ajudam seus autores, ou de livros religiosos que mais parecem de "contos-de-fadas" de adultos, que servem de trampolim para autores inexpressivos surgirem do nada e virarem ascendentes através de tolices místicas e piegas.
É desagradável, muitas vezes, dizer isso, mostrar aspectos duros da realidade brasileira, mas a chamada "boa sociedade", em sua forçada felicidade, não pode apenas dizer que aceita ou admite a existência de problemas e deixar a sujeira escondida debaixo do tapete.
Muitos descasos, muita permissividade de um lado e repressão de outro, muitas cobranças a quem não tem e muitas concessões a quem já tem demais são feitas, e isso reflete em tudo. Até num mercado literário que, supervalorizando os livros religiosos, faz muita gente perguntar se o portal de autores independentes Clube de Autores não deveria se chamar "Clube de Pastores".
Valores se transformam e o que os brasileiros fazem é recusar essa realidade. Os que mais condenam os questionamentos mais duros são justamente as pessoas mais intolerantes, intransigentes e imprudentes que se escondem em situações confortáveis para evitar a responsabilidade dos problemas mais graves que a realidade decadente mostra para o nosso país.
O espírito de descaso, de assumir que os problemas existem mas subestimá-los sob desculpas que vão ao "quem nunca erra?" ao "não é bem assim", passando pelo habitual "ninguém é perfeito", só faz manter as estruturas injustas e desiguais que existem e só fazem o Brasil se afundar na tragédia.
E quando escritores que transmitem conhecimento genuíno, mas não têm a visibilidade de gente já consagrada como Fernando Morais, encontram o fracasso das vendas, como um silêncio da sociedade surda para certos questionamentos profundos, é sinal que o mercado literário brasileiro abandonou a sua mais prioritária finalidade: promover e estimular o saber.
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