sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Globo pode ter usado atriz em competição religiosa contra Record

CAMILA PITANGA E A FUNCIONÁRIA DA CASA ONDE O "MÉDIUM" JOÃO DE DEUS ATUA, EM ABADIÂNIA, GOIÁS.

Para quem está apegado às paixões religiosas é tudo natural e saudável. Mas causa estranheza o fato de Camila Pitanga ter ido a um "centro espírita" para apenas agradecer o fato de não ter sofrido o mesmo acidente que matou seu amigo e colega Domingos Montagner, seu par romântico na novela Velho Chico, que se encerrou há algumas semanas.

Ateia e esquerdista, Camila não precisava recorrer ao "médium" João Teixeira de Faria, o João de Deus, para agradecer. E ainda assim gastar dinheiro com viagem, ela e o pai, o veterano ator Antônio Pitanga. para ir à Abadiânia Goiás, só para isso.

A atriz poderia ter ficado em casa, agradecido no íntimo de sua vida particular, sem qualquer tipo de alarde. Teria sido muito mais saudável e, acima de tudo, louvável. E a escolha de recorrer a João de Deus pode ter vindo de outro alguém porque Camila, por si só, não iria espontaneamente recorrer para onde recorreu.

A novela Velho Chico teve um ator "espírita", Carlos Vereza, que entrou para fazer um outro padre, depois que o ator Umberto Magnani, que fazia um padre, faleceu vítima de acidente vascular cerebral. Vereza é conhecido por ter feito o médico "espírita" Adolfo Bezerra de Menezes no cinema.


ALIADA DA REDE GLOBO, A REVISTA VEJA TAMBÉM PARTICIPA DA COMPETIÇÃO RELIGIOSA ENTRE "MOVIMENTO ESPÍRITA" E A IGREJA UNIVERSAL.

Isso poderia ser coincidência, mas Carlos Vereza também está a serviço do poder midiático. De tendência ideológica oposta a de Camila - esta é enteada de uma parlamentar do Partido dos Trabalhadores, enquanto Vereza é anti-petista radical - , o ator também é membro do Instituto Millenium, instituição que aglutina o que há de mais retrógrado na mídia brasileira.

O Instituto Millenium, surgido há cerca de 15 anos, revelou figuras como Rodrigo Constantino e Guilherme Fiúza, que estão entre alguns dos mais reacionários escritores do país. Outros reacionários, como Reinaldo Azevedo, o dono da Folha de São Paulo, Otávio Frias Filho, e Carlos Alberto di Franco (membro da mesma neo-medieval Opus Dei, que tem o governador paulista, o tucano Geraldo Alckmin, como filiado), também integram o "instituto".

Não é segredo algum que o "espiritismo" virou a religião da Rede Globo. De formação católica, a Globo vê no "espiritismo" uma espécie de "catolicismo à paisana", aproveitando as deturpações que a doutrina da FEB, de raiz roustanguista, desenvolveu ao longo do tempo.

Sabe-se que a atual postura dúbia do "movimento espírita", a de bajular Allan Kardec e simular cientificismo mas praticar o igrejismo mais entusiasmado, um "roustanguismo sem Roustaing e com Kardec", fez a religião popularizada por Francisco Cândido Xavier se tornar, praticamente, um catolicismo ao mesmo tempo ultraconservador e discreto, uma religião que pode se passar por um movimento espiritualista "sem compromissos".

Isso é ótimo para a competição midiático-religiosa que a Rede Globo trava contra os movimentos neopentecostais desde o final da década de 1970. Para enfrentar R. R. Soares - que arrendou programas em diversos canais, sobretudo a TV Bandeirantes - e, principalmente, Edir Macedo (que no alvorecer dos anos 90 adquiriu a Rede Record), a Globo ajudou a reciclar o mito de Chico Xavier.

Foi aí que o mito de Chico Xavier, antes trabalhado de forma confusa e "crua" pela FEB, o que não impedia a ocorrência de escândalos como as famosas polêmicas com críticos literários, passou a ser explorado de maneira limpa, como uma propaganda publicitária bastante habilidosa e muitíssimo bem planejada.

A Globo tomou como fonte de inspiração o documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), que o jornalista católico britânico Malcolm Muggeridge produziu, escreveu e apresentou sobre Madre Teresa de Calcutá. O documentário criou os paradigmas hoje consagrados de mito religioso e dos estereótipos de caridade que mais deslumbram do que ajudam. Uma caridade que serve mais como conto-de-fadas do que para o progresso da humanidade.

Daí o mesmo roteiro encenado por Madre Teresa e Chico Xavier: acolhidos pela multidão ao chegar a uma "casa de caridade", abraçando pessoas pobres, acolhendo velhinhos doentes, carregando bebês no colo, ver crianças humildes tomando sopinha e dando entrevistas usando frases de efeito sobre os valores da Teologia do Sofrimento, corrente católica medieval que fazia apologia das desgraças humanas como "caminho mais rápido" de "purificação espiritual".

Era ótimo, para a Globo, usar um "espírita", e não um católico assumido, para enfrentar os "bispos" neopentecostais porque a competição religiosa se torna mais implícita. Há quem não considere o "movimento espírita" brasileiro como uma religião, mas como um "movimento espiritualista" ou mesmo como "filosofia" e "ciência" e isso cria um verniz "descompromissado" para a Globo passar a perna nos pastores eletrônicos da concorrente.

O "espiritismo" brasileiro é uma religião conservadora, uma reciclagem de dissidências católicas jesuítas que foram passadas para trás pela própria Igreja Católica. Embora os "espíritas" façam de tudo para manter o falso vínculo com Allan Kardec, o "espiritismo" brasileiro deixa claras as suas raízes jesuítas medievais, enquanto o pedagogo francês desenvolveu o Espiritismo original impulsionado por ideais iluministas.

A grande mídia, ultraconservadora, que retomou o poder depois da campanha difamatória que ajudou a tirar Dilma Rousseff do poder, apoia o "espiritismo", que também tem exemplos de reacionarismo explícito, como a entrevista do programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo, em 1971, em que Chico Xavier diz, com todas as suas palavras, que defendia a ditadura militar (que vivia então sua pior fase) e esculhambava pessoas humildades, como operários e camponeses.

Recentemente, o "médium" Robson Pinheiro criou uma série de livros que não fariam feio se fossem publicados aos poucos, como os velhos folhetins, na revista Veja, famosa pelo seu reacionarismo extremamente doentio. Obras como O Partido: Projeto Criminoso de Poder e A Quadrilha: O Foro de São Paulo, representam a "urubologia do além-túmulo" na medida em que tentam justificar interpretações anti-esquerdistas a supostos planos espirituais.

O próprio João de Deus foi blindado pela revista Veja, já que o tratamento de câncer do suposto médium curandeirista foi capa de uma de suas edições. A escolha de João por usar médicos da Terra para o tratamento foi criticada duramente, mas o "médium" tentou argumentar fazendo a seguinte pergunta: "Barbeiro corta o próprio cabelo?".

Só que a História registra que, em situações bem mais graves, o jovem médico russo Leonid Rogozov, que atuava na Antártica, sofrendo de uma grave apendicite, teve que realizar, nos anos 60, sua própria cirurgia, já que não poderia chamar uma equipe médica que demoraria a chegar ao Polo Sul e também não poderia viajar, porque as variações climáticas poderiam fazer o apêndice se explodir e matar o enfermo.

Então Rogozov só precisou de alguns assistentes de sua equipe para lhe passarem os equipamentos, mas toda a cirurgia foi feita pelo próprio enfermo, numa situação difícil e delicada. A operação foi um grande sucesso e o médico se recuperou em duas semanas, voltando a trabalhar normalmente em seguida. Rogozov só faleceu décadas mais tarde, pelos efeitos naturais da velhice.

Vergonha para João de Deus, que tinha situações mais cômodas para fazer uma auto-cirurgia. Mesmo assim, a desculpa colou. E a Globo usou uma atriz de grande carisma e alta visibilidade, como Camila Pitanga, para fazer a propaganda do "espiritismo" como um meio de neutralizar a influência da Igreja Universal do Reino de Deus.

Daí a comparação de duas capas da mídia associada, como a revista Veja que fornece "pautas" para o Jornal Nacional, numa comunhão de interesses entre as Organizações Globo e o Grupo Abril. Tanto Globo e Abril estão preocupados com a vitória eleitoral do "bispo" Marcelo Crivella para a prefeitura do Rio de Janeiro e resolveram explorar o factoide de 1990, quando Crivella apenas se envolveu numa confusão menor diante das obras de uma igreja da IURD no Rio de Janeiro.

A capa de Veja sugere que Crivella teria cometido um "crime", com aquelas fotos típicas de identificação criminal. e dava como manchete apenas as fotos que o "bispo" havia "escondido há 26 anos" sem dar detalhes sobre o episódio muito mal esclarecido. Pouco tempo atrás, a revista dramatizava o câncer de João de Deus, para evitar desconfianças sobre sua "mediunidade" ao recorrer à medicina terrestre para curar de uma grave doença.

Embora em muitos aspectos "espíritas" e neopentecostais se afinem em interesses, como a condenação ao aborto até em casos de estupro ou doença da gestante e a Escola Sem Partido - cujo programa ideológico aparece nas obras de Emmanuel e é adotado até na Mansão do Caminho de Divaldo Franco - , as duas facções religiosas estabelecem uma competição acirrada para ver quem derruba a Igreja Católica na supremacia da fé no Brasil.

Embora a Rede Record tenha feito crescer a influência dos evangélicos no Brasil, o "espiritismo" é que conta com maior blindagem nos meios jurídicos, entre as celebridades e nos setores de classe média alta da sociedade brasileira. 

Os evangélicos detém maior número de fiéis, mas não conseguem esconder vários escândalos. Já os "espíritas", mesmo com baixa popularidade de dois por cento da população brasileira, conseguem se livrar de escândalos e gozam de uma reputação aparentemente inabalável.

O fato dos "espíritas" tentarem cooptar os ateus - vistos como "virgens da crença em Deus" - é uma forma de aglutinar fiéis e concorrer com os neopentecostais na busca pela supremacia religiosa. E Camila Pitanga, pelo seu carisma e popularidade, tornou-se, sem querer, uma garota-propaganda do "espiritismo da Globo" para enfrentar a Igreja Universal e suas novelas bíblicas.

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