segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Parábola do religioso "espírita" e do rico


Dois homens faleceram com a mesma idade, na velhice. Um era um aristocrata, um homem rico que viveu do luxo e da luxúria, com dinheiro, festas e outras curtições. Outro era um religioso "espírita", que fazia atividades filantrópicas e vivia de fazer pregações em palestras e livros.

Os dois se dirigem ao Departamento do Além, que avalia o que as pessoas teriam feito em suas vidas recém-terminadas. Funcionários são designados para atender aos espíritos que deixaram a vida terrena, e analisam suas trajetórias de vida, dando um parecer final depois.

Diante da espera, o homem rico pergunta para o "espírita":

- O que será que vai dar? Será que ganharemos algum benefício por nossas vidas?

- Da minha parte, creio que sim. Eu que fiz tudo pelo próximo, acho que terei meu ingresso ao lado do Pai Maior.

O funcionário chama o homem rico para conversar. O homem rico se dirige ao balcão, e o funcionário lhe diz algumas coisas e ouve as respostas do aristocrata. Depois o funcionário se retira, para ver documentos e analisar o caso, enquanto o rico espera com paciência.

Depois, o funcionário retorna e dá algumas palavras, recebendo eventuais respostas do interlocutor. Este às vezes balança a cabeça de maneira positiva, como se estivesse consentindo e o funcionário parece falar mais algumas coisas. De repente, o homem rico é dispensado e este se dirige ao "espírita".

- O que é que aconteceu? Você foi enviado para o céu? - perguntou o "espírita", inocentemente, embora acreditando na hipótese negativa.

- Não fui para o céu. Tenho que viver novas encarnações. Tenho muitas dívidas sociais a fazer e o caminho é muito longo. - disse, calmamente, o homem rico.

O funcionário chama então o "espírita", que interrompe a conversa e pede licença ao rico, que acaba por esperar o outro.

O "espírita" reage não com a indiferença do homem rico, mas com a esperança de que sua missão pode ter chegado ao fim. Mas o funcionário manteve a mesma frieza profissional, o que não causou estranheza ao "espírita", já acostumado com a conduta dos servidores na Terra.

O funcionário fez suas perguntas. O "espírita" respondeu com serenidade e uma tranquilidade de alguém que se considerava triunfante, apesar de simular modéstia.

- Sabe como é, eu me dediquei ao próximo, dei a boa palavra, criei instituições que assistiam os necessitados, vivi completamente em nome da caridade e aceitava condecorações como um reconhecimento humilde ao trabalho que realizei.

- Certo, certo.

- Será que terei assento ao lado do Pai Maior, o Deus Criador?

- Um momento.

O funcionário foi ver os documentos. Verificou a trajetória do "espírita" em outras encarnações. Quando viu os papéis mais recentes, prestou muita atenção, ficando parado por uns instantes prestando atenção no texto. No entanto, reagiu com uma expressão não muito feliz. Ao retornar, simplesmente disse:

- Senhor...

- Sim. - respondeu o "espírita".

- Você não irá para o céu. Sinto muitíssimo, mas o que você fez na Terra foi no mínimo constrangedor.

- Como assim? Que eu não tenha assento junto ao Senhor, ainda vai, mas dizer que meu trabalho foi constrangedor é algo que me entristece muito.

- Pois, para sua tristeza, eu revelo que o que você fez não teve um milésimo da importância que as paixões religiosas da Terra atribuem.

- Mas como?

- Você foi um mistificador que usava a caridade apenas como um meio de complementar sua campanha religiosa. Difundiu ideias fora da realidade, enganou multidões, explorou a boa-fé de todos, e ainda se envaideceu com os prêmios terrenos que recebia.

- Isso é impossível! Eu trabalhei pelo próximo! - disse, irritado, o "espírita".

- Pois não é isso que parece. Tudo o que você fez foi um igrejismo piegas, desonesto, exaltando farsantes ao lado de figuras autênticas como Allan Kardec, e seu moralismo era tão ruim que inspirou alguns suicídios.

- Suicídios? Eu, que sempre preguei para as pessoas não se suicidarem, porque era um ato lamentável...

- Mas você sempre fez apologia ao sofrimento, dizia para as pessoas aguentarem dificuldades sem reclamar, não aprovava a tristeza prolongada e achava que as pessoas deviam abrir mão de suas necessidades e terem autoconhecimento para outros desejos e interesses.

- Mas o que isso tem a ver com o suicídio de algumas pessoas?

- Simples. Por reprovar a individualidade humana, achando que desejar e necessitar de algo é frescura materialista, você frustrava as pessoas que, moralmente humilhadas, tiravam suas próprias vidas. Nem o fato de falar em vida eterna ou bênçãos futuras adiantou, porque, a essas alturas, tanto faz os sofredores se desgraçarem na Terra quanto no além-túmulo.

- Sinto muito pelo que aconteceu.

- Só que você influenciou isso, mesmo sem querer. Mas, por não ter evitado isso, você terá que enfrentar as consequências desse desprezo ao sofrimento alheio.

- Mas aí é demais. Nada falei de tão grave.

- Falou, sim. E eu devo citar o caso daquele homem rico que atendi antes.

- Como assim?

- Ele era um fanfarrão, um homem que vivia de luxo, gozos abusivos e poder. Mas, no intervalo do julgamento do divórcio de sua primeira esposa, o homem rico foi fazer um lanche e trocou um papo com ou depressivo engraxate, que lamentava as suas dificuldades de ascensão na vida, com tanto custo para cuidar de sua família.

- E o que ocorreu?

- O pobre rapaz contou para o rico que sentia vontade de matar, e que estava na situação limite para obter coragem e tomar veneno de rato. E eis que o homem rico lhe comentou que gostava de ouvir um disco de Dave Brubeck, um músico de jazz, o famoso Take Five, para curar de momentos de depressão.

- E o que ocorreu depois?

- Olha, os dois nem se reencontraram. Eu é que informei ao homem rico que o engraxate comprou o disco e virou músico de jazz. Nunca mais ficou deprimido, usava a música como terapia para suas frustrações emocionais. E pode ajudar ainda mais sua família com a renda dos concertos.

O "espírita", decepcionado, chegou perto do homem rico.

- E aí, o que aconteceu? - disse o aristocrata.

- Não vou para o Paraíso. Me falaram que eu prejudiquei as pessoas com meu moralismo religioso. Quanta tristeza eu tive ao ouvir o funcionário me falando coisas de machucar o coração!

- Eu nunca imaginei que iria para o Paraíso. - disse o aristocrata. - Eu vivi as ilusões da vida material, mas de tal forma que, quando encerrei minha vida na Terra, já me diverti o suficiente, me preparando para uma vida mais responsável. E como vivi sempre alegre, apesar dos abusos de minha riqueza, às vezes tinha um talento oculto de ajudar as pessoas, que mesmo minha vaidade não pôde perceber.

- E aí?

- Aí que isso se tornou um atenuante para mim e eu, preparado para admitir a distância do caminho para o Alto, recebi a sentença de maneira tranquila. Pelo menos minhas ilusões eram materiais e eu pude abandoná-las quando chegou a hora. As suas ilusões você achou que nunca abandonaria, daí essa sua inesperada decepção.

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