sábado, 24 de setembro de 2016

O religioso, o sofrimento e os juízos de valor


O Brasil vive uma restauração conservadora preocupante, através do governo de Michel Temer e sua agenda voltada para o obscurantismo social e para o elitismo financeiro. E os religiosos aproveitam isso para se mostrarem triunfantes, sem precisar perder tempo com coitadismo.

Quem está dotado de algum status quo superior, ainda que esteja decaindo em qualidade intelectual e moral, está tentando se impor de maneira desesperada, através de três recursos: investimentos financeiros, brechas jurídicas e persuasão midiática.

Os religiosos, que em si se acham portadores do combo "Deus, Jesus e bondade" que os faz se considerarem "donos da verdade absoluta", tentam pregar a Teologia do Sofrimento de alguma forma, sem no entanto assumir esse nome, que pode assustar os mais ingênuos.

Eles tentam pregar que o sofrimento é "positivo", que ele "leva a pessoa para o caminho da superação" e tudo o mais. Aí a pessoa sofre desgraças sucessivas, sobrevive com extrema dificuldade e, quando, por sorte, atinge a prosperidade, seu exemplo serve para a exploração leviana e ostensiva de religiosos que alimentam suas vaidades às custas do sacrifício alheio.

Há juízos de valor que fazem os religiosos dizerem que o sofredor tem que deixar de ser ele mesmo, buscar outras opções de afirmação pessoal e deixar de lado as necessidades mais essenciais. Se só resta a capacidade de respirar, é a "graça de Deus". Mas, num Rio de Janeiro cheio de fumantes por tudo quanto é canto, deve-se abrir mão até de respirar...

No "espiritismo" brasileiro, sua doutrina não conhece devidamente os conceitos de reencarnação e vida espiritual, apenas tendo uma compreensão superficial que só serve para dar falso diferencial a seu igrejismo medieval,

Isso é grave. Gente que mal sabe o que é vida espiritual se acha no direito de dar seu pitaco ao sofredor que sofre desgraças sucessivas e limitações difíceis de serem superadas. Fala nos tais "resgates espirituais" e ainda diz para a pessoa abrir mão de seus desejos e necessidades. Se o cara tem vocação para ser servidor público e não consegue, então vá ser flanelinha de rua.

Os religiosos não sofrem. É fácil para eles cobrar austeridade dos outros, renúncia à individualidade, confundida com "paixões terrenas" ou "caprichos materialistas". Temos uma encarnação estimada em 80 anos e tanto faz para os religiosos que tudo se desperdice em desgraças gravíssimas, e, no caso dos "espíritas", achar que, se perde uma encarnação, não faz mal, tem outra depois.

Só que nenhuma encarnação é igual a outra. São outros contextos, outras situações, outros impasses. Uma mesma cidade pode mudar muito em cinquenta anos, as oportunidades não se repetem. O Rio de Janeiro de 1958 tornou-se até pior 58 anos depois. Não há como exigir, por exemplo, um cenário de Bossa Nova como no passado ou que uma cantora de axé-music cante com a mesma doçura intensa de uma Sylvia Telles.

Os religiosos que recebem medalhinhas, condecorações, têm representantes no Congresso Nacional, são cortejados pela grande mídia patronal, são intocados pela Justiça por mais que cometam erros gravíssimos, eles não sabem a natureza de quem sofre infortúnios.

Os juízos de valor parecem lindos e sábios quando tomados do verniz de falsa superioridade em que se apoia a retórica religiosa. Crueldades imensas podem ser legitimadas por um discurso dócil, paternal, que sugere que até mesmo o holocausto pode ser um "sacrifício necessário" a ser aceito sem queixumes, sob a desculpa de que haverá "outra vida" e "bênçãos futuras" mais adiante.

Não é o religioso que perde a casa por causa de uma tempestade. Não tem um parente morto em um assalto, não leva um fora de uma mulher que ele considera ideal, não perde o emprego no qual estava preparado para exercer, não sofre impasses que dependem de uma overdose de pais-nossos para serem resolvidos.

O religioso está aí, com seus desfiles de palavras bonitas, formosas e eloquentes, um desfile fashion da cosmética retórica das boas frases. E os "espíritas" são os que mais investem nesses desfiles, principalmente agora, no governo Temer, em que apelos desesperados pelo conformismo alheio diante dos retrocessos pesados que virão são dados.

Usando como pretexto ideias como "Deus", "Jesus" e "caridade", os "espíritas" se acham beneficiados pelo juízo de valor que fazem e pela palavra final que acreditam possuir. Acham que um bom desfile de palavras bonitas irá resolver as coisas da vida, mas aí a gente se lembra de um famoso ditado popular.

Assim como, segundo a alegoria, no inferno há uma abundância de boas intenções, nele também repousam as mais belas palavras. E o "umbral" dos "espíritas" é onde residem as mais lindas palavras e os mais belos exemplos que, na verdade, só conseguem mostrar o quanto sofredores deram duro para obter algum benefício e isso só serve para alimentar as vaidades paternalistas dos palestrantes do "espiritismo".

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