quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O "espiritismo" e seu moralismo viciado


Roustanguista não-assumido, o "espiritismo" brasileiro já não tem mais o que fazer. Preso nas suas próprias contradições, não consegue esconder seu vínculo com a Teologia do Sofrimento e tudo o que faz é lançar apelos para o sofredor "mudar seus pensamentos" e "eliminar seu egoísmo".

Ignorando individualidades, os "espíritas" são tomados de juízos de valor que mostram o quanto eles se vangloriam pela suposta superioridade social da religião e pela ilusão de que, com eles, se encontram espíritos dos mais sábios que detém os segredos de todo o Universo.

Grande engano. Os "espíritas" são os que mais erram diante do sofrimento alheio. Não entendem que nem todos estão dispostos a abrir mão dos próprios talentos e das necessidades fundamentais para superar dificuldades que surgem em doses estratosféricas e dimensões kafkianas.

É muito fácil um "espírita" dizer a um sofredor: "mude seus pensamentos", "sinta alegria pela vida", "perdoe o algoz e continue na luta", "quando você chora sua própria angústia, a Natureza sorri para você" ou coisas parecidas.

Só que os "espíritas" confundem individualidade com egoísmo. Confundem pedir qualidade de vida com pedir luxo. Acham que o pior dos sofrimentos é fácil de encarar, até porque não são os próprios "espíritas" que sofrem as pesadas dificuldades dos infortunados.

O "espiritismo" brasileiro não consegue assimilar nem mesmo compreender o dinamismo do pensamento kardeciano, que está muito distante da Teologia do Sofrimento que os "espíritas" defendem de maneira acanhada na teoria e assanhada na prática.

E isso se observa sobretudo nesse cenário político terrível, em que o retrógrado Michel Temer assumiu o poder defendendo uma bandeira ultraconservadora, preparando, provavelmente, o caminho para algum tucano, possivelmente Aécio Neves, mineiro como Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier que rasgou as lições kardecianas com suas "psicografias" irresponsáveis.

Diante de um projeto político que ameaça eliminar conquistas sociais, forçando a marcha-a-ré histórica de forma, em muitos aspectos, assustadora - há quem diga, ainda que com certo exagero, que os aliados de Temer são capazes de revogar até o Sete de Setembro e transformar o Brasil em possessão dos EUA - , os "espíritas" só fazem falar a mesma ladainha de "aguentar o sofrimento".

Isso vem da Teologia do Sofrimento católica, defendida abertamente por Chico Xavier. Os "espíritas" tentam desmentir isso, mas na prática apelam para essa teoria, originária do Catolicismo medieval, quando falam que individualidade e qualidade de vida são "frescuras materialistas" e o que a pessoa tem que fazer é subordinar-se ao império das circunstâncias e ao acordo das conveniências.

O que os "espíritas" têm que saber é que, embora haja várias encarnações, cada encarnação é uma só. Seria tolice alguém achar que, perdendo uma encarnação inteira com desgraças e infortúnios, terá uma encarnação igual à atual para aproveitar melhor seus dons.

Não há noções confiáveis do que é realmente a "verdadeira vida". O mundo espiritual é um enigma para nós e o próprio Kardec admitiu que não existe qualquer indício do que seja o além-túmulo que possamos entender com algum senso de probabilidade. Em outras palavras, a vida após a morte existe, mas não existe qualquer ideia do que realmente ela possa ser.

Diante da comparação com os conhecimentos científicos trazidos pelo pensador lionês, concepções como "colônias espirituais" são puramente fictícias, imaginárias, fantasiosas. Elas não possuem provas consistentes de sua existência, pois não contaram com estudos sérios, até porque o livro Nosso Lar descreve uma imaginária cidade como na já discutível obra A Vida Além do Véu (The Life Beyond the Veil), do reverendo George Vale Owen.

Não se pode colocar a fé como acima da realidade. A falácia do "excesso de raciocínio" e do "exclusivismo da ciência" são só desculpas para evitar que o raciocínio humano se avance para teses que contrariam os dogmas religiosos do neo-medievalismo que é o "espiritismo" brasileiro.

Deste modo, o "espiritismo" também vai contra uma das qualidades mais diferenciadas do ser humano: a capacidade de pensar. Embora em tese os "espíritas" exaltem a lógica, o bom senso e o pensamento científico ou filosófico, num dado momento eles pregam a castração da liberdade de pensamento, para que ela não interfira nos dogmas religiosos, por mais fantasiosos que eles sejam.

Com isso, os "espíritas" criam, a exemplo dos católicos medievais, um terreno em que somente a fé pode ingressar, protegendo fantasias místicas e outras invencionices, como os supostos pioneirismos científicos de Chico Xavier, muitos deles risíveis e patéticos, tudo para proteger totens, dogmas e mitos religiosos. O "espiritismo" brasileiro é medieval.

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