quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Teologia do Sofrimento também influenciou o "funk carioca"

APRESENTAÇÃO DE "FUNK CARIOCA" - Ênfase na imagem inferiorizada e caricatural das classes populares.

Sabe-se que a Teologia do Sofrimento é uma ideologia nefasta trazida pelo Catolicismo da Idade Média, que foi popularizada por Santa Teresa de Lisieux e ultimamente defendida por Madre Teresa de Calcutá, além de tomada de empréstimo pelo "movimento espírita" através de Francisco Cândido Xavier.

A Teologia do Sofrimento é uma ideologia que glamouriza os flagelos e infortúnios humanos. É como se alguém dissesse que o outro é "feliz" porque "se dá mal na vida". Essa ideologia, com todos os argumentos "bondosos" trazidos pelos católicos ou legados por Chico Xavier, consiste nos religiosos em sentirem prazer pelo sofrimento alheio, uma espécie de "holocausto do bem".

Pois se muitos ainda coçam a cabeça quando se fala que Chico Xavier defendia a retrógrada Teologia do Sofrimento - que, no exterior, valeu a Madre Teresa de Calcutá a alcunha pejorativa de "anjo do inferno" - , mesmo quando ele dizia para "sofrermos em silêncio", "amarmos o sofrimento" e "não fazer queixumes" mas "aguentarmos calados os infortúnios e desgraças que nos chegam", imagine se alguém lembrar que até essa ideologia traiçoeira influenciou o "funk carioca".

Sim, influenciou, por incrível que pareça. O caráter pagão de certas atividades de entretenimento não as prescinde de abordagem religiosa, pois nos tempos da Idade Média, os festejos do carnevale, origem para o que conhecemos como Carnaval, surgiu por iniciativa da própria Igreja Católica que aparentemente não apreciava a liberdade de instintos.

Mas as festas do carnevale tinham uma perspectiva: a "desgarga" de instintos profanos, como que numa catarse permitida sob prazo determinado, em que as pessoas "invertiam" o rigor moralista para uma liberação de instintos e um provisório apego ao sensualismo e a outras libertinagens.

MC LEONARDO - Funqueiro "divinizado" pela opinião pública e um dos principais ideólogos do "funk carioca".

Isso nos faz compreender o quanto as relações entre moralismo extremo e libertinagem refletem um contraste não conflituoso, mas o convívio de extremos que o conservadorismo ideológico permite, até para forjar uma "liberalidade" de valores, ainda que seja ocasional e tendenciosa.

E aí vemos, no Estado do Rio de Janeiro marcado pela "religiosização" das coisas - em que se diviniza até times de futebol, BRTs e FMs comerciais "de rock" - , um cenário propício para o endeusamento de um ritmo sonoro que seria normalmente visto como um pop dançante comercial sem qualquer valor artístico-cultural, não fosse o pretensiosismo que esteve por trás desse gênero.

O "funk carioca" foi "divinizado" como se fosse um "ativismo sócio-cultural". Tomou-se emprestado até jargões popularizados pelo líder africano Nelson Mandela, como a "ruptura do preconceito", para atribuir ao "funk" uma importância que, na realidade, o ritmo nunca teve.

Afinal, como lembra o jornalista Ricardo Alexandre no livro Dias de Luta, o "funk" excluiu de sua receita a contestação social e contribuía para a manutenção do sistema de classes da sociedade carioca, que variam de seitas neopentecostais até o crime organizado (bicheiros, traficantes e milicianos), vários com relações promíscuas com o poder político e o mercado de entretenimento, como se observa na Assembleia Legislativa (ALERJ) e nas escolas de samba.

A pregação em favor do "funk carioca" começou na mídia claramente reacionária. Veículos como a Folha de São Paulo, a dupla Rede Globo / O Globo e O Estado de São Paulo estabeleceram o discurso de "movimento social" atribuído ao "funk", achando ótimo que um modismo marcado por MCs desafinados e dançarinas com enormes glúteos rebolativos possa virar um "fenômeno etnográfico e ativista" para enfraquecer e neutralizar os verdadeiros movimentos sociais.

Tendo como ideólogos os intelectuais culturais "festivos" - dos quais Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna se destacam - , mas também o funqueiro MC Leonardo (antigo membro da dupla com o irmão, MC Júnior & MC Leonardo), como ideólogos do gênero, o "funk carioca" forjou um falso discurso ativista para aumentar o seu mercado e enriquecer seus empresários e também DJs.

Uma engenhosa campanha intelectual, confusa em ideias mas de apelo bastante persuasivo, tentou comparar o "funk carioca" a ritmos que iam do samba, maxixe ao mangue bit e passando pelo punk rock, enquanto fazia alusões que variavam da Semana de Arte Moderna à Pop Art de Andy Wahrol e companhia.

O discurso era bolado sob o evidente apoio da mídia reacionária, em especial as Organizações Globo e o Grupo Folha, mais empenhados pela campanha discursiva. Seus intelectuais associados, no entanto, tentaram empurrar a causa para a mídia esquerdista, com o objetivo de forçar o apoio às esquerdas e arrancar, do Governo Federal (petista) as verbas estatais da Lei Rouanet.

RETÓRICA FALSA E PRECONCEITOS TIDOS COMO "SEM PRECONCEITO"

Só que essa retórica toda era falsa, mesmo respaldada por engenhosas teses acadêmicas e habilidosos documentários cinematográficos. Todo um repertório discursivo, que envolvia técnicas e abordagens como New Journalism e História das Mentalidades, foi feito para defender o "funk carioca", sob a desculpa da "ruptura do preconceito".

A farsa dessa campanha intelectual - que ainda apelava para o coitadismo toda vez que o "funk" recebia comentários negativos de toda parte - podia ser desmontada com um toca-CD, já que, ao tocar um CD de "funk", se constata que todas as "maravilhas" que se fala do gênero não passavam de conversa para boi dormir.

Vocalistas desafinados e esganiçados, que mais falavam que cantavam, fundo musical que não era mais que um amontoado de ruídos confusos que imitavam sirenes, galopes de cavalo e batuques de umbanda, além do som de um "MC de apoio" (que depois foi sampleado) fazendo balbuciações, era a tônica do "funk", cujo som era o mesmo em qualquer intérprete, a única diferença estava nos fetiches que cada intérprete funqueiro representava.

Junto aos MCs, havia as funqueiras roliças e "revoltadas", além de grotescas dançarinas com corpões siliconados. A libertinagem pornográfica era estimulada e, nos "bailes funk", até a pedofilia era uma prática aceita pelos intelectuais associados, sob a desculpa de ser "oportunidade de iniciação sexual das jovens das periferias".

Era tudo uma expressão sonora de péssima qualidade e gosto duvidoso. Mas o "patrulhamento" intelectual falava da "expressão do mau gosto" como uma pretensa causa libertária, e criou-se uma complacência com o "funk" tido como suposta "expressão das periferias", uma ideologia tida como "sem preconceitos", mas que escondia graves preconceitos elitistas vindos dos próprios intelectuais.

Afinal, por trás dessa conversa de "expressão das periferias" e "combate ao preconceito", o que prevalecia era a influência da Teologia do Sofrimento para a defesa da apologia à ignorância, da glamourização da pobreza e da complacência com as baixarias e pornografias do gênero, criando um discurso cruelmente elitista vindo de intelectuais que juravam "serem contra o elitismo".

Era a época da intelectualidade "festiva" glamourizar até mesmo fenômenos causados pela exclusão social, como as favelas e a prostituição, que eram alvos de um ufanismo cinicamente defendido por intelectuais influentes, que chegavam ao ponto de defender a preservação da ignorância popular, porque a Educação iria "comprometer" a "admirável e imaculada pureza das periferias".

A apologia à pobreza, à ignorância e ao grotesco, que fazia com que alguns intelectuais exaltassem até mesmo o "proibidão" - facção do "funk" que evoca a criminalidade e as baixarias extremas - como "discurso da realidade das favelas" e atribuíssem as baixarias das mulheres funqueiras como "expressão de discurso direto", como se isso fosse "o autêntico protesto às periferias".

Explorando uma visão caricatural das classes pobres, e glamourizando as qualidades negativas associadas à pobreza, o "funk" traz indícios de alusões ao racismo, diante da imagem caricatural do negro trabalhada, e apresenta um forte vestígio de ideologia machista, através das imagens de "mulher-objeto" simbolizadas pelas funqueiras, seja Tati Quebra-Barraco, seja Mulher Melão, Mulher Melancia e Valesca Popozuda.

Só que o engenhoso discurso da intelectualidade orgânica, que, num empenho que lembra o antigo Instituto de Pesquisas e Estudos Brasileiros (IPES), entidade que tentou transformar o golpismo contra João Goulart em "tese científica", tentava transformar as baixarias do "funk" em um misto de "etnografia, ativismo social e modernismo cultural provocativo", tentava inverter no discurso os preconceitos sociais que já nem eram latentes, mas explícitos.

Se a opinião pública identificava machismo no "funk", os intelectuais atribuíram às funqueiras um (suposto) uso de referenciais machistas para "combater o machismo", dentro do estereótipo brutal do "homem contra mulher e mulher contra homem". Chegava-se a atribuir às funqueiras um falso e forçado feminismo, do qual mulheres que faziam parte da intelectualidade "festiva", como cineastas e antropólogas, não conseguiam dar uma explicação convincente e consistente.

Se era identificado o racismo, os ideólogos do "funk" apelavam para o discurso pretensioso de que o ritmo "combatia o preconceito racial", apelando para o bordão "É som de preto, é som de favelado" para tentar convencer a opinião pública, escondendo, no entanto, os cruéis estereótipos que o "funk" associava ao povo pobre e negro, refém dessa verdadeira escravidão cultural.

Por trás dessa campanha ideológica, desse método IPES e Instituto Millenium de forjar um discurso "etnográfico", havia a Teologia do Sofrimento que, adaptada para o "funk", dizia que a pobreza "era linda", a ignorância "era maravilhosa" e as baixarias "divertidas e alegres".

A glamourização da inferioridade social dos pobres, através da conversão de situações emergenciais como morar em favelas e trabalhar na prostituição, como permanentes, escondia algo bem mais perverso que as "boas intenções" de intelectuais "bem legais": a de "prender" os pobres nessas situações degradantes e fazer das favelas paisagens de consumo de turistas esnobes e transformar a prostituição num recreio sexual para ricos burgueses endinheirados.

Aproveitando a frase de Christopher Hitchens quando questionou Madre Teresa de Calcutá, observa-se que os intelectuais que defendiam o "funk" tinham realmente algo comum com a madre, além da falsa imagem de generosidade e apreço aos necessitados.

É que os intelectuais que fizeram campanha em favor do "funk" eram apenas amigos da pobreza, mas não dos pobres. Para eles, os pobres poderiam sofrer o que sofrem, esperando para a "chuva de dinheiro" de políticos e empresários, que nunca chega plenamente para as periferias.

Para os intelectuais, valia defender o "funk" mais para alimentar as vaidades pessoais fingindo-se solidários com o povo pobre, e é lamentável que tanto prestígio eles tiveram para fazer valer seus pontos de vista "sem preconceitos", porém dotados de profundos e graves preconceitos sociais.

É porque o próprio mercado da visibilidade brasileiro é um dos mais injustos do país. Só obtém fama e prestígio quem não tem um real compromisso com a sociedade e que atue de forma obediente e complacente com as regras do mercado e suas manobras associadas.

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