domingo, 24 de janeiro de 2016
"Espiritismo", suicídio e aborto em um curta-metragem
O "espiritismo" reprova o suicídio e, embora pareça bem intencionado em alguns aspectos, prefere ver mais as consequências do que as causas dos atos. É muito simplório falar "não se mate, porque você vai se ferrar com isso" do que verificar as causas que motivam alguém a se matar, porque ninguém se mata porque acha o maior barato se enforcar ou perfurar o corpo com uma arma.
Um dos primeiros filmes lançados na grave crise em que vive o "movimento espírita", o curta-metragem Agora Já Foi, dirigido e escrito por Manuela de Oliveira e lançado no ano passado e premiado em duas das quatro categorias indicadas pelo V Festival de Cinema Transcendental de Brasília, tenta ser um dos triunfos da doutrina que hoje apresenta mais irregularidades do que as já atrapalhadas e grosseiras seitas neopentecostais.
É um contexto em que a Rede Record e a Igreja Universal do Reino de Deus empurram Os Dez Mandamentos - O Filme - sem relação com a produção de Hollywood estrelada pelo defensor do comércio de armas, o falecido Charlton Heston (que faltava agir, na pele de Moisés, disparando uma espingarda contra os que endeusavam um velocino de ouro - , que motivou um único cidadão, no Brasil, a comprar 22 mil ingressos (!) para o filme e distribui-los para várias pessoas.
Nele, a "modesta" produção da Federação "Espírita" do Amapá (FEAP) conta a estória de Ana e Eduardo, um casal de adolescentes que, de forma inesperada, espera um bebê por causa da gravidez inesperada da jovem. O casal cogita a hipótese de abortar o bebê.
O aborto é visto como uma alegoria do suicídio, que é um dos fatores de maior mortalidade entre os jovens. O filme termina com o casal admitindo a gestação do bebê, que nasce para cumprir "promessas reencarnatórias".
A mensagem do filme parece boa, a defesa da vida e a oportunidade de deixar que bebês nasçam, dentro de uma condição aparentemente saudável, porque o casal não parece ser portador de algum mal que prejudique o nascimento normal do seu filho.
No entanto, a questão parece simplória e o problema do aborto envolve situações bem mais dramáticas do que isso. E o filme, pela sua essência, é inócuo e fraco, não traz mensagens transformadoras e segue um apelo igrejista não muito diferente das propagandas da católica CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil).
No aborto, há casos em que a gravidez ocorre não pelo ato sexual de dois adolescentes entusiasmados, mas em situações de estupro, quando mulheres são rendidas por homens que querem transar com elas à força, mediante uma ameaça de morte.
Há também casos de mulheres que podem perder a vida se levarem a gravidez arriscada até o fim, e em outros as mulheres doentes podem gerar filhos com anomalias graves. E as mulheres com vírus HIV? E as que utilizam drogas injetáveis? Fala-se em condenar o aborto, mas em muitos casos não se consegue evitar que mulheres pobres deixem de fumar ou se alcoolizar durante a gravidez.
E o suicídio? O "espiritismo" costuma definir o suicídio como um crime pior do que o homicídio. O suicídio é uma espécie de "crime hediondo" dos "espíritas", que se baseiam nos dogmas cármicos da vida carnal, uma "sentença" que precisa ser cumprida e não sonegada pelo ato suicida.
Por comparação, o homicídio é também condenado pelos "espíritas", mas é visto como um "ato menor" e, muitas vezes, como um "mal necessário", diante de suposições de vidas passadas das vítimas que a doutrina brasileira usa sob a desculpa de "reajustes espirituais".
É certo que se deve evitar que a pessoa cometa suicídio, mas não é o bastante afirmar que a pessoa sofrerá efeitos piores ao desistir, de repente, de completar sua vida carnal, apressando o falecimento. Mas o "espiritismo", que professa a Teologia do Sofrimento, que define o sofrimento como "caminho necessário para a evolução", não consegue ver o suicídio à luz das causas que o motivam.
A pessoa não se mata porque "sim". Há motivos que levam a angústias e dramas que fazem as pessoas tirarem suas vidas. Motivos diversos, que envolvem infortúnios, limitações, encrencas, fracassos e tantos outros motivos infelizes.
O que o "espiritismo" se limita a dizer para evitar o suicídio é apenas "aceite a vida". Como doutrina marcada por contradições e irregularidades sérias, o que influi nas suas más energias que são notadas em tratamentos espirituais, onde pessoas que buscam socorro para seus problemas, em vez de o resolverem, atraem novas e graves adversidades, não há como os "espíritas" prevenirem o suicídio.
É curioso que uma das defensoras da Teologia do Sofrimento, Madre Teresa de Calcutá, também condenava o aborto. Para a Teologia do Sofrimento, pouco importa se a mulher espera um filho de um estuprador ou se a pessoa fez um tratamento espiritual para abrir caminho para conquistas sociais e depois contrai violentas trolagens na Internet por conta de debates de pouca importância.
A ideia é a vida "qualquer nota", aceitando as imposições da vida e pouco agindo para superá-la ou, de preferência, só agindo mediante sacrifícios acima da capacidade. E a vida "qualquer nota" não traz a devida qualidade de vida para as pessoas, que em muitos casos veem seus potenciais serem castrados ou limitados, sentem-se frustradas com isso e, deprimidas, pensam em se matarem.
A vida é complexa. Existe a desigualdade dos benefícios humanos, em que muita gente têm demais aquilo que não precisa e outras não chegam a ter sequer o mais essencialmente necessário. E isso é que traz um quadro de suicídios aqui e ali, e lidar com as frustrações têm que vir da raiz do sofrimento que motivas muitos a se matarem, e não apenas lembrando aos potenciais suicidas dos efeitos danosos que o ato poderá causar.
Com isso, o "espiritismo", pelo seu moralismo medieval, não consegue dar respostas confiáveis e eficientes para prevenir as pessoas de se suicidarem. Não bastassem as irregularidades doutrinárias diversas que produzem más energias na doutrina (desonestidade atrai espíritos levianos), o "espiritismo" ainda vê o suicídio como pior do que o homicídio, transformando suicidas em algozes e agravando a situação desgraçada de tais pessoas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.