sábado, 18 de julho de 2015

Sociopatia digital e a mudança dos tempos

EMBORA MUITOS NÃO ASSUMAM E HÁ QUEM TENTE PROVAR O CONTRÁRIO, REINALDO AZEVEDO, DA VEJA E DA JOVEM PAN, É UM DOS MAIORES ÍDOLOS DOS ENCRENQUEIROS DA INTERNET.

Até pouco tempo atrás, a prática ocorria impunemente. Em nome de valores considerados vigentes ou retrógrados, um internauta dotado de relativa visibilidade nas mídias sociais combina com vários parceiros uma campanha de humilhação contra um contestador ou contra algum emergente que lhes escapa dos estereótipos.

De repente, um simples questionamento que alguma pessoa escreve nas mídias sociais é combatido por mensagens em série. São comentários irônicos, piadas grosseiras, ofensas ou paródias, e depois ameaças e xingações, de um grupo de internautas reacionários, provavelmente liderados pelo encrenqueiro mais "carismático".

A situação, às vezes, culmina quando esse líder encrenqueiro resolve fazer um blogue de ofensas, se achando no direito de usar imagens ou atividades diversas - como produção de textos - de seu desafeto, com o intuito de caluniá-lo, difamá-lo e causar danos morais sérios.

Houve quem se queixasse que, no caso da busologia (ato de apreciar ônibus), um encrenqueiro do meio havia, além de criado um blogue de calúnias e ofensas contra seus desafetos que não pensavam igual ao valentão, este ainda ia para as cidades de suas vítimas a pretexto de tirar fotos de ônibus, só para intimidar.

É certo que a ostentação tinha um preço - o busólogo era discretamente visado pela "máfia das vans" que o confundiam com um rival em potencial - , mas o preço dos encrenqueiros digitais por seus atos abusivos só muito recentemente começou a ser estabelecido pela Justiça.

É como nas humilhações infanto-juvenis de valentões escolares, em que foi preciso haver chacinas ou suicídios nos EUA relacionados a tais atrocidades para a sociedade alertar para esse tipo de prática, conhecida hoje como 'bullying', infelizmente sem ter um equivalente em português, embora sugestões houvessem ("implicância", "valentonismo", "delinquência moral" etc).

Na Internet brasileira, foi preciso que esses encrenqueiros e seus "bovinos" parceiros que lhe acompanham nas atrocidades verbais apelarem para humilhações racistas para que a opinião pública começasse a se preocupar contra essas "inocentes brincadeirinhas".

Pois se era preocupante que esses desordeiros digitais se tornassem "cães de guarda" do "estabelecido", defendendo da gíria "balada" à pintura padronizada nos ônibus do Rio de Janeiro, passando por modismos e famosos em evidência - durante um tempo, um homem que dissesse que não se interessa por "mulheres-frutas" era humilhado nas redes sociais - , o racismo, o machismo e outros preconceitos sociais mais evidentes tornaram-se sinal de alerta.

O estopim foram os ataques feitos à jornalista Maria Júlia Coutinho, com as habituais piadinhas racistas dos valentões digitais que, tempos atrás, se escondiam no Orkut e no Facebook para zelar, como pitbulls digitais, tudo que era estabelecido pelo poder político, pela tecnocracia, pelo mercado, pela mídia e pela indústria do entretenimento.

Os truculentos digitais são apenas uma versão "dente-de-leite" do que acontece na imprensa brasileira ou mesmo em programas humorísticos, através de personalidades como Reinaldo Azevedo, Danilo Gentili e, mais recentemente, o roqueiro Lobão.

Os ídolos da "gangue digital" - seus membros podem até serem dispersos internautas que moram distantes um do outro, mas se unem pela comunicação na rede de computadores - variam entre Jair Bolsonaro, Rodrigo Constantino, Yoani Sanchez e Luciano Huck.

Até pouco tempo atrás, quando o PT não vivia a crise de hoje, os encrenqueiros digitais, até para tentar agradar colegas de esquerda em várias comunidades das redes sociais, fingiam também repudiar "o imperialismo, o FMI, Tio Sam e George W. Bush".

Houve reacionários que se autoproclamavam "esquerda-liberal", quando eram na verdade de extrema-direita, e houve quem ensaiasse falsos ataques à revista Veja e à Rede Globo só para agradar os amigos, enquanto fingiam seguir veículos e personalidades da mídia progressista como a Caros Amigos e o sociólogo Emir Sader.

Mas isso era quando se permitia fazer o mimetismo ideológico, porque as mesmas pessoas, tomadas do mesmo surto que, há mais de 50 anos, havia sofrido o sargento José Anselmo dos Santos, o "Cabo Anselmo", o "apaixonado marxista" que se revelou depois agente da CIA, os mesmos "esquerdistas-liberais" de QI direitista que "atacavam o Imperialismo" e "odiavam o FMI" passaram a pedir, nos últimos meses, intervenção militar para depor a presidenta Dilma Rousseff.

O caso Maria Júlia Coutinho - que revela o quanto esses supostos "inimigos da Rede Globo" adoram o Jornal Nacional - revela as contradições e os novos impasses que os encrenqueiros digitais, conhecidos também como sociopatas, têm que enfrentar e assumir.

A estranheza em ver uma bela negra se destacando no telejornal rompeu levemente com os paradigmas conservadores da eugenia midiática do qual esses internautas acreditavam, despertando o reacionarismo desses "miguxos" que, todavia, gerou um efeito bastante contrário.

Pois a campanha #SomosTodosMaju foi uma primeira grande derrota daqueles que acreditavam que poderiam vencer sempre humilhando alguém. E expôs os internautas à sua falta de percepção dos efeitos de seus atos.

Sempre quando eram advertidos de alguma coisa, reagiam com gracejos do tipo "Huahuahuahuah" ou "kkkkkkkkkkk", fáceis de digitar no primário internetês, espécie de português grosseiramente simplificado e mal escrito por esses encrenqueiros digitais.

Depois de casos como o de Maju Coutinho, entre outros casos em que, além do racismo, problemas como a violação da privacidade e a provocação de outros danos morais mais explícitos, mostram que os valentões digitais já começam a viver um clima de insegurança e apreensão.

Afinal, começa uma tendência que, em breve, fará com que vândalos digitais se "reúnam" virtualmente para praticar humilhações digitais contra alguém, mesmo em prol de algo estabelecido pela mídia, pela tecnocracia e pelo mercado e aparentemente são "socialmente aceitos", e amanheçam com a polícia batendo à porta da casa de cada um dos envolvidos com voz de prisão e ordem para recolher os computadores.

Isso sem falar quando algum cúmplice da humilhação digital, que foi na onda por algum interesse - por achar o líder valentão "divertido" e "legal" e achar "ridícula" a crítica feita pelo discordante a ser humilhado - , mas se arrepende vendo a cilada em que se meteu, e poucos anos depois perde noites de sono sabendo que seu protocolo de Internet manteve as "provas" do crime do qual se arrependeu e cujos vestígios não podem mais ser total e facilmente apagados.

Daí que, não obstante, a "divertida" e descontrolada humilhação digital provocada por "irados" internautas nas mídias sociais e apoiadas por quem acha que isso é uma "inocente brincadeira" pode render aos seus envolvidos um grande trauma no futuro, além do fato de que, a qualquer momento, esses "miguxos" possam ser detidos pela polícia ou ao menos terem seus computadores confiscados para investigação pela Justiça.

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