segunda-feira, 27 de julho de 2015

Os três tipos de impunidade

IMPUNIDADE SOCIAL - EXEMPLO DISSO É O EX-PRESIDENTE FERNANDO COLLOR, QUE LUTA PARA SER ADORADO PELA MULTIDÃO.

A impunidade é um mal bastante conhecido entre os brasileiros. E causa prejuízos, como recentemente, no caso da ciclista morta na Rodovia Fernão Dias, em Guarulhos, quando passeava com o marido. Os ladrões que a assassinaram estavam em liberdade condicional e já haviam sido presos por roubo outra vez.

Mas isso é apenas um dos exemplos de impunidade. Como o Brasil sofre retrocessos que "avançam" (ou melhor, retrocedem mais ainda) a níveis surreais, observa-se que muitos dos impunes não estão mais satisfeitos com a complacência das leis, e querem também receber a impunidade social, sendo não apenas tolerados, mas vistos como "pessoas simpáticas".

A reboque disso, a impunidade religiosa, como se observa no "movimento espírita", faz com que os algozes sofram uma espécie de "fiado espírita". Eles podem fazer o erro que fazem, a crueldade que julgam poder fazer, que a "punição certa" só virá em outra encarnação, a "justiça da qual não podem escapar" virá daqui a cerca de cem anos, depois de se arrependerem dos seus erros.

Enumeramos aqui os três tipos de impunidade que complicam as situações de justiça no Brasil e prolongam as injustiças sociais e o desequilíbrio da sociedade que faz com que os méritos e benefícios sejam dados a quem não precisa deles e não tem a menor noção do que são as necessidades e vocações humanas.

IMPUNIDADE LEGAL

A impunidade legal é a mais conhecida e a mais criticada na sociedade. Consiste em uma pessoa acusada de crimes diversos ser beneficiada pelas conveniências sociais. Assim, aquele que cometeu um assassinato ou um ato de corrupção responderia formalmente por uma condenação criminal, mas em liberdade condicional, ou seja, não precisaria estar na prisão.

O criminoso, no caso, apenas só precisa comunicar para a Justiça onde está e não sumir feito tatuí em praia movimentada. Se ele for uma pessoa de elite, essa comunicação nem precisa ser feita, pois ele praticamente é uma "pessoa amiga" que "não oferece perigo para a sociedade".

Esse fato de "não oferecer perigo" é relativo, já que, em muitos casos, como no feminicídio, basta um criminoso de grande destaque nos noticiários ser anunciado que não vai ficar na cadeia para outros homens liquidarem suas próprias mulheres, inspirados pela "receita do sucesso". O impune pode até não oferecer perigo, mas torna-se exemplo para uma onda de crimes semelhantes.

Há vários malabarismos da lei para isso. Primeiro, quando o criminoso é réu primário, ou seja, ele não havia cometido um crime antes. Segundo, por não ser pego em flagrante, já que os criminosos "somem" depois do ato e só se apresentam quando o prazo do flagrante expirou. Terceiro, pelo bom comportamento da prisão. E, quarto, pela habilidade de um bom advogado. E por aí vai.

IMPUNIDADE SOCIAL

Desde que o empresário e ex-playboy Doca Street foi lançar, em 2006, seu livro Mea Culpa e entrevistar para a grande mídia, fazendo o papel de "bom velhinho" - ironizado por familiares de sua vítima Ângela Diniz. morta por ele - , os criminosos impunes passaram a sentir insatisfação de receberem apenas a impunidade da lei, buscando o surreal benefício do "apoio da sociedade".

Seis anos antes, em 2000, a imprensa ultraconservadora, a mesma que criminaliza os movimentos sociais e que, na ditadura, apoiava a prisão, tortura e morte de cidadãos inocentes, blindava outro feminicida, o jornalista Antônio Pimenta Neves, evitando colocar o caso do assassinato cometido com ele contra a colega e ex-namorada Sandra Gomide, nas páginas policiais.

O covarde crime, cometido pelo jornalista na "maturidade" de seus 63 anos na época, não podia ser colocado em retrancas policiais, sendo "elegantemente" inserida na retranca "país", como se o homicídio tivesse sido um fato nacional dos mais inocentes, e jocosamente definido pelo seu arrogante autor como "besteira".

Guilherme de Pádua, outro feminicida, que matou a colega (mas esposa de outro homem) Daniella Perez, também passou a ser tratado "elegantemente" pela grande imprensa, sendo por ela blindado quando deixou a prisão.

O ex-ator, assassino da filha da dramaturga Glória Perez e tendo praticado o crime com sua então esposa Paula Thomaz, chegou aos níveis comparáveis ao do franco-atirador que, condenado à morte, foi liberado da cadeia e deu autógrafos para as fãs, no filme O Fantasma da Liberdade, de Luís Buñuel, quando chegou a ameaçar processar a mãe da vítima por danos morais.

A alegação era de que Guilherme "se sentiu ofendido" quando Glória o chamou de psicopata, já que, depois de ter matado Daniella, o ex-ator - com passado de michê e usuário de drogas - foi "consolar" a família por causa da tragédia. Nos últimos anos, Guilherme tenta fazer sucesso como sub-celebridade a criar factoides através de entrevistas pagas pela grande mídia.

O assassinato de Daniella Perez se deu no mesmo dia do impeachment de Fernando Collor, 28 de dezembro de 1992. Collor não cometeu assassinato - no máximo, ele era um amigo de rapazes que haviam matado uma menina, em 1975, entre eles o já falecido Alfredo Buzaid Filho - , mas sim ato de corrupção, que o levou a ficar oito anos sem exercer direitos políticos.

Mas, assim como depois de seis anos de prisão, Guilherme de Pádua foi buscar a popularidade posando de vítima, Fernando Collor, depois de oito anos sem poder se eleger a qualquer cargo político, foi buscar o carisma político sob a bênção de seus opositores. Juntos, Guilherme e Fernando tentam a todo custo embarcar no revisionismo histórico dos anos 90 para ganharem reputação de "heróis da década".

Além desses exemplos, houve a patética divulgação da grande imprensa de um Farah Jorge Farah - médico que esquartejou uma ex-namorada - com cara de coitadinho, mochila de estudante e prometendo ser um "cara simpático".

Da mesma forma, o mandante da morte do ativista Chico Mendes, o fazendeiro Darly Alves, tentou se promover como "pessoa adorável". E o pai do ex-promotor Igor Ferreira (que mandou matar a esposa grávida) tentou afirmar que o filho "está bem", "não oferece perigo para a sociedade" e será um "cara legal". Detalhe: quando estava foragido, Igor chegou a ser procurado pela Interpol.

Em vários desses casos, sobretudo o de Pimenta Neves, Farah e Igor, a blindagem da grande imprensa, ainda carregada de preconceitos sociais, é notável. É a mesma imprensa cujos principais articulistas pregam a prisão perpétua dos ativistas do MST (sem-terra) e MTST (sem-teto) só porque querem um espaço digno para viverem.

IMPUNIDADE RELIGIOSA

Outro caso aberrante é a impunidade religiosa, que adota um julgamento de valor moralista digno de posturas ditatoriais, um resíduo valorativo herdado dos mais sombrios anos da Idade Media, quando se decapitava ou enforcava no claustro, ou se queimava pessoas em praça pública apenas por não seguirem a fé católica.

O "espiritismo" que usa a reencarnação como pretexto para culpabilizar as vítimas - e lembremos bem do perverso dedo acusador do "bondoso" Chico Xavier (isso mesmo), que acusou as vítimas da tragédia de um circo em Niterói, no final de 1961, de terem sido gauleses sanguinários - , chega também a "absolver" os algozes num ato presente.

Chegou-se mesmo a ser produzido, na literatura "espírita", livro que tratasse um feminicida conjugal como um "coitadinho", passando por pequenos reajustes morais que mais parecem ser surtos de angústias e depressões facilmente consoladas e confortadas.

Homicidas ou outros tipos de algozes, sejam internautas reacionários mandando mensagens ofensivas ou patrões prepotentes exigindo demais dos funcionários, são vistos pelos "espíritas" como agentes de "reajustes espirituais" ou "resgates morais" das vítimas, que estariam pagando "por outros crimes".

É o "fiado espírita" que permite que o mau-caráter faça das suas num prazo de uma encarnação, prolongada para completar toda a sua "festa" - isso quando pessoas de bom-caráter chegam a morrer cedo sem completar sua missão de vida - e pagar apenas uma ou duas encarnações depois.

"Ele será punido, com toda a certeza. Da Justiça de Deus, ele não escapa", costuma dizer o "espiritismo" brasileiro sobre cada pessoa que comete crimes ou delitos graves. Mas permite que tal tipo de pessoa fizesse toda a sua festa até o fim e chegar à idade de contar aos seus netos se seus atos valeram a pena ou não.

Mas a essas alturas, até o crime foi relativizado, porque mesmo que se arrependa dos atos na velhice, permite-se e justifica-se qualquer impulso da juventude para cometer algum mal grave, porque de que adianta a gravidade do delito cometido se ao seu autor, por mais remorsos que tenha, sempre possa ter a seu favor o "sossego da velhice", como se tivesse "cumprido bem uma boa missão".

Assim, o crime acaba compensando, seja corrupção, homicídio ou algo tão grave. A lei usa as conveniências para livrar certos culpados da cadeia. A sociedade tenta sorrir para os que se posam de pretensos coitadinhos. A religião "espírita" os denomina "justiceiros do princípio da Causalidade" e até admite punição certa para eles, mas sempre deixa "para depois".

Tais posturas só fazem agravar os desequilíbrios sociais e não contribui para o aperfeiçoamento moral das pessoas, fazendo com que a Justiça, a grande mídia e a religião, servas de sistemas de valores retrógrados, deixem de cumprir sua função de tornar a sociedade menos conflituosa e menos injusta.

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