quinta-feira, 9 de julho de 2015

Os caricatos roqueiros da literatura "espírita"

A REVISTA VEJA, COM SEU SENSACIONALISMO, ESCULHAMBOU O DRAMA DE CAZUZA.

Há 25 anos, Cazuza se foi. Ele havia feito uma última conversa com sua mãe, Lucinha Araújo, extremamente fragilizado, e, momentos depois, fechou os olhos e faleceu, com apenas 32 anos e uma carreira no auge da popularidade.

Ícone do Rock Brasil, Cazuza, como tantos outros roqueiros brasileiros, como Raul Seixas, Renato Russo e Cássia Eller, apesar da grande popularidade que têm até hoje, mitificados por suas tragédias, não são devidamente compreendidos pela sociedade.

Vítimas de explorações sensacionalistas aqui e ali - mas longe da fúria da "imprensa marrom" estadunidense que até hoje explora a tragédia da atriz e cantora Brittany Murphy (que, como Cazuza, viveu 32 anos), parecendo querer matá-la várias vezes - , os roqueiros brasileiros falecidos no auge da popularidade também são explorados pelo sensacionalismo religioso.

Recentemente, a cantora Cássia Eller, cujo primeiro grande sucesso foi, curiosamente, legado deixado por Cazuza e seu parceiro Roberto Frejat (hoje trabalhando carreira solo), a música "Malandragem", teve seu nome associado a uma suposta mensagem espiritual que chegou a ser divulgada até na dita imprensa "popular".

O jornal carioca Correio Espírita - que, em insinuações racistas, antecipou o caso Maju ao definir como "castigo" a "roupagem negra" dos imigrantes africanos à Europa - também publicou o caso, destacando que a suposta "Cássia Eller", na mensagem, "confirmava" que o "inferno existe", com dragões, raios, trovões, fedor, gritos angustiados (zumbis?), matéria viscosa etc etc etc.

Isto é risível. E a suposta "Cássia Eller" teoriza demais sobre "sofrimentos espirituais", como se fosse uma senhora palestrante de "centros espíritas" e ainda cita um Cazuza "enfermeiro e lindo", sugerindo aspectos "helênicos" ou coisa parecida.

É claro que os supostos médiuns precisam fazer malabarismos, para que as pretensas psicografias tenham um mínimo de verossimilhança e desestimule que se propaguem denúncias de fraudes e pastiches.

É como num roteiro de novela, em que uma fórmula começa a ser feita, mas quando ela recebe críticas, é descartada. O "médium" Nelson Moraes "desenhou" Raul Seixas dentro dos padrões religiosistas de Chico Xavier, criando um Zílio (pseudônimo escolhido para representar o suposto espírito do roqueiro) ainda dotado de uma religiosidade bastante conservadora.

Seguindo a tendência, os "médiuns" Robson Pinheiro e Wilton Oliver viajaram na cauda do cometa - como Marcelo Nova, último parceiro de Raul Seixas, aludia aos oportunistas - , ligados a movimentos "espíritas independentes" (não são vinculados diretamente à FEB), passaram a usar, respectivamente, os nomes de Cazuza e Renato Russo para suas obras "psicográficas".

Robson preferiu não "incorporar" Cazuza, preferindo narrar a "vida espiritual" do cantor através do suposto parceiro espiritual Ângelo Inácio, já associado à autoria alegada de um livro sobre umbanda (!), Aruanda. Tentando amenizar o propagandismo religioso, Robson imaginou até um caricato Cassino do Chacrinha, onde Cazuza seria uma das atrações ao lado de artistas do além.

Cazuza é trabalhado por Robson Pinheiro como se fosse um patético bobalhão, um caricato cantor que animava platéias e que, regressando ao "mundo espiritual", aprenderia os conceitos de "fraternidade" através do Evangelho.

Tudo isso distante do Cazuza real que esteve entre nós e que cantava coisas como "Brasil, mostra sua cara / Quero ver quem paga para a gente ficar assim", "Eu vejo o futuro repetir o passado / Eu vejo um museu de grandes novidades" e "Porcos no chiqueiro são mais dignos que um burguês".

Já Wilton preferiu carregar no religiosismo e usou como foco de pastiche o lirismo de As Quatro Estações, criando poemas que imitassem esta fase criativa de Renato Russo, como "Hoje Mais Que Ontem", "Um Caminho", "Do Além" e "Menos Ateu", que apontam um misticismo religioso que o falecido vocalista da Legião Urbana nunca assumiria.

Já o "médium" Jardel Gonçalves, sem um aparente vínculo "espírita", pelo menos nos moldes da FEB, havia retratado um Chorão (falecido vocalista do Charlie Brown Jr.) com um texto demasiado solene, extremamente formal, num estilo igualzinho às mensagens de Jardel atribuídas à atriz Leila Lopes e ao músico Rafael Mascarenhas (moderno demais para chamar sua mãe, Cissa Guimarães, pelo vocativo de "senhora").

Os "roqueiros do além" às vezes parecem infantilizados devotos da religião, abobalhados e assustados. Ou então parecem pedantes "teóricos espíritas" usando uma mensagem formal e solene demais. Não é preciso ser perito para ver alguma irregularidade aqui e ali, porque em dado momento a caricatura mostra seus traços mais grotescos.

Os autênticos fãs desses intérpretes desconfiam dessas mensagens. Estes, evidentemente, conhecem a fundo os artistas que admiram e conhecem suas opiniões, seus comportamentos e seus pontos de vista através de entrevistas e aparições na televisão e na Internet. Facilmente iriam identificar qualquer irregularidade nas supostas mensagens espirituais de seus ídolos.

Somente os mais leigos ou os fãs menos aprofundados é que veem autenticidade nas supostas psicografias, porque elas adotam como fontes os estereótipos que estes conheceram através das abordagens deturpadas feitas por programas de TV popularescos ou atrações de variedades sem qualquer vínculo real e sincero com o Rock Brasil.

Daí que podemos concluir, com segurança, que nenhum desses roqueiros apareceu nas supostas psicografias. Elas foram feitas pela imaginação de seus supostos médiuns (Nelson Moraes, Robson Pinheiro, Wilton Oliver, Jardel Gonçalves e outros que vierem ou vieram), com base em abordagens difundidas pela grande mídia, mesmo a sensacionalista.

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