segunda-feira, 23 de março de 2015

Música brasileira usa mesma desculpa para validar o "espiritismo" brasileiro

MICHAEL SULLIVAN - O homem que quis destruir a música brasileira usa a mesma desculpa de seguidores de Chico Xavier para retomar carreira.

Palavras de amor. Sempre as palavras, o belo desfile de versos e rimas que nada dizem, mas apenas adoçam as mentes das pessoas, escravas do instinto e reféns do sentimentalismo que vai muito além da saudável emotividade humana. Aliás, nem vai além, mas aquém, porque a pieguice é uma busca desesperada por uma emotividade que escapa das mentes endurecidas das pessoas.

O "espiritismo" é apenas um aspecto dessse zeitgeist, o "espírito do tempo" que contamina o Brasil, sempre apegado a medidas pragmáticas que só trazem "benefícios" imediatos e relativos, mas que não afetam a "zona de conforto" das pessoas.

O sentimentalismo piegas é uma dessas medidas. Se alguém declama palavras de amor, passa a ser "virtuoso", por parte de pessoas que são incapazes de exercer o amor ao próximo na prática, e precisam do narcótico das palavras de sentimentalismo exagerado para adoçarem e amortecerem seus instintos endurecidos pela rotina desse país problemático e atrasado que é o Brasil.

Daí, por exemplo, ver algo em comum nas músicas de Michael Sullivan e Paulo Massadas com as mensagens de Chico Xavier. Ambos os casos são narcóticos emocionais, palavras açucaradas que pegam desprevenidas pessoas desprovidas de discernimento questionador e aceitam essas mensagens piegas de maneira submissa e até mesmo subserviente.

ESQUEMA PERVERSO

Para quem ouve música brasileira, vale informar que Michael Sullivan fez muito sucesso nos anos 1980 ao lado do parceiro de composição Paulo Massadas e do de produção, Miguel Plopschi, através de diversos sucessos radiofônicos. Mas, por trás de canções "infantis" muito "simpáticas" e de "maravilhosas canções de amor", Sullivan esteve por trás de um esquema muito perverso.

Michael Sullivan era o chefe de um esquema de música comercial que cooptava desde ídolos bregas como José Augusto, astros televisivos como Xuxa Meneghel e artistas de MPB como Alcione, Raimundo Fagner e Roupa Nova para estabelecer um padrão comercial rigoroso, com fórmulas musicais inspiradas no pop norte-americano de então, sob objetivos meramente econômicos.

Nos bastidores, artistas eram castrados em seus talentos e tinham que gravar alguma composição de Sullivan e Massadas e descaraterizar seus estilos com o uso de sintetizadores, ritmos dançantes ou românticos, letras de amor piegas e outros artifícios que enfraquecem a expressão artística do cantor ou músico, antes um criador musical, depois um escravo da indústria de "sucessos".

As queixas de castramento artístico foram difundidas, nos últimos anos, pelo cantor pernambucano Alceu Valença, que fez questão de preferir não fazer sucesso e manter-se fiel à honestidade artística. A "máquina de fazer sucesso" de Michael Sullivan era feita em parceria com a Rede Globo de Televisão e com a filial da gravadora norte-americana RCA.

Hoje a memória curta das pessoas exalta Michael Sullivan como um "gênio" daquilo que ele quis destruir: a MPB. Como alguém que morde e assopra, Sullivan, que merecidamente voltou ao ostracismo depois de destruir a música brasileira e afastar a MPB do grande público, voltou com um CD "tributo" em que ele mesmo se homenageou chamando para gravar suas músicas um elenco quase todo de... artistas de MPB.

Numa comparação extremamente dura, mas verídica, é como se Guilherme de Pádua quisesse criar um memorial à atriz Daniella Perez. O músico e produtor que impôs fórmulas comerciais tentava, como um político corrupto em campanha eleitoral, se aliar aos seus próprios lesados para ganhar votos e conquistar aquele cargo político tão desejado. Como Fernando Collor para o Senado Federal.

As pessoas aceitaram bovinamente. Rádios de MPB passaram a tocar Sullivan e Massadas, sem saber da armadilha. Nas mídias sociais, até parece que Michael Sullivan era um discípulo de Tom Jobim pelos comentários que recebeu. Mas também seus internautas já haviam comparado Fernando Collor a Juscelino Kubitschek. O joio de hoje comparado com o trigo de outros tempos!

CULTURA DECADENTE

E o que isso tem a ver com o "espiritismo"? Muito. Afinal, o endeusamento de Michael Sullivan, agora considerado um "artista valioso" da MPB que ele quis destruir, reflete o despreparo e a falta de discernimento dos brasileiros tidos como futuros "líderes" e "formadores de opinião" do planeta.

Lembremos também que a música de Sullivan e Massadas e seus derivados se encaixam no padrão adocicado das "músicas espíritas", ou seja, músicas que tocam nos "centros espíritas" e que se autodefinem como "elevadas", mas são apenas músicas em boa parte piegas, que não acrescentam muita coisa ao espírito e apenas agradam aqueles que já tem um comportamento mais "carneirinho" nesses eventos.

Dá até para imaginar, nos "centros espíritas", pessoas cantando, ao som de violão, canções como a constrangedora "Um Dia de Domingo", cujas melodias fáceis e rimas primárias e até imperfeitas (logo na primeira estrofe, tenta-se "rimar" tempo com vento) e as "mensagens elevadas" soam como analgésicos para seus frequentadores. Música para boi e "espírita" dormir.

A cultura musical brasileira é uma das principais modalidades da cultura, e se hoje um algoz tem a chance de voltar carregado para os braços do povo, isso mostra o comportamento das pessoas para as quais tanto faz alguém destruir antigos ideais, projetos arduamente desenvolvidos e tradições criadas pelo suor e sangue das classes populares.

Afinal, o que está em jogo é o patrimônio cultural, inclusive musical, que um Brasil marcado por lutas de classes, pelo combate à escravidão e por outras lutas, não obstante sangrentas, que agora pode virar um brinquedo a ser manipulado e até destruído por empresários do entretenimento e produtores musicais ao bel prazer do mercado.

O próprio egoísmo dos produtores, que não respeitam a integridade artística de seus explorados, o próprio desejo de lucro, os tendenciosismos do mercado musical e de entretenimento, tudo isso faz com que o "popular" vire uma fórmula que só faz aumentar a degradação cultural que já domina, há anos, o Brasil.

Um país em que Chico Xavier deturpa a Doutrina Espírita em prol de um moralismo religioso inspirado no Catolicismo medieval, faz sentido que exploradores da cultura popular apareçam como "santos" porque fazem "coisas lindas", "compõem sobre o amor" e investem na "alegria" de operários, trabalhadores rurais e empregados domésticos.

Que grandes artistas podem haver com o castramento artístico-cultural? Pessoas que querem fazer e só fazem pela metade e até por menos que isso, que não deixam marca na humanidade. Que destaque terão para o país?

E que Brasil pode servir de exemplo para a humanidade se reabilita com facilidade espertalhões como Michael Sullivan, que ainda pede para a mesma MPB que ele quis destruir para recolocá-lo em algum lugar nobre na cultura musical brasileira?

Isso é apenas uma amostra de como os algozes de ontem podem ser reabilitados até por suas próprias vítimas. Se até um antigo torturador da ditadura militar hoje comanda o Carnaval carioca, então tudo tem a ver: um país que não se resolve culturalmente não pode comandar o mundo ao dar valor para quem age para destruir e empastelar nosso patrimônio cultural.

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