sábado, 14 de fevereiro de 2015

Por que os acadêmicos da UFJF erraram ao atribuir pioneirismo científico a André Luiz

JORGE CECÍLIO DAHER, DA ASSOCIAÇÃO MÉDICA ESPÍRITA, UM DOS QUE APOSTARAM NO SUPOSTO PIONEIRISMO DE "ANDRÉ LUIZ" EM DADOS SOBRE A GLÂNDULA PINEAL.

Há dois anos atrás, os pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), entre os quais Jorge Cecílio Daher Jr. e Giancarlo e Alessandra Luccheti, lançaram uma tese que atribui ao suposto espírito de André Luiz o pioneirismo em 13 ou 60 anos nos estudos sobre a glândula pineal, através do livro Missionários da Luz, lançado por Francisco Cândido Xavier em 1945.

Segundo os autores, os estudos sobre a glândula pineal nos anos 1940 eram "extremamente escassos e altamente conflitantes", e, segundo eles, as informações "trazidas" por "André Luiz" (que, sabemos, não passa de personagem fictício) só "seriam confirmadas" a partir de 1958. Além disso, o argumento da aparente ignorância do "médium" Chico Xavier é exposto desta forma:

"O fato de que um texto escrito por um indivíduo inculto sem formação acadêmica ou envolvimento no campo da saúde, que residia no interior do Brasil numa época em que o acesso aos artigos foi limitado (o caso do Sr. Francisco Cândido Xavier), fornece altamente conceitos complexos e informações sobre a fisiologia da glândula pineal 60 anos antes de qualquer confirmação científica,
levanta questões mais profundas quanto à verdadeira fonte de esta informação."

Antes de analisarmos duas passagens que selecionamos para questionarmos a "vitoriosa" hipótese, deve-se verificar que muito do que Chico Xavier escreveu contou com a ajuda de editores da FEB e de consultores literários ou científicos. Ainda estamos analisando até que ponto o então adolescente Waldo Vieira poderia também ter colaborado para construir o mito de André Luiz.

Vamos mostrar a primeira passagem do livro Missionários da Luz, mais curta, e depois a segunda, mais longa, que estão entre os trechos que os autores consideram de "pioneirismo científico bastante complexo". A primeira passagem foi reproduzida pelos autores como "prova" da "tese pioneira".

Ambas estão no capítulo A Epífise, um dos capítulos pesquisados pelos acadêmicos, e correspondem aos diálogos, dotados do mais evidente panfletarismo religioso (observado na segunda passagem selecionada), puxados pelo "instrutor do mundo espiritual", chamado Alexandre.

No caso descrito no referido livro de "André Luiz", a epífise não se refere a uma parte de um osso, mas a um tipo de glândula, a glândula epífise, que é o outro nome da glândula pineal, correspondente a um pequeno corpúsculo em formato oval situado no interior do cérebro.

A glândula pineal tem como funções regular as atividades hormonais, principalmente aquelas que interferem na sensação do cansaço que leva os indivíduos a terem sono, ou às sensações referentes à atividade sexual. Consta-se que, desde os tempos do Egito Antigo, a glândula também era conhecida como o Terceiro Olho, à qual se atribuía contatos com o mundo espiritual.

Seguem as passagens, a pequena e a mais longa, antes de mais análises:

"São demasiadamente mecânicas, para guardarem os princípios sutis e quase imponderáveis da geração. Acham-se absolutamente controladas pelo potencial magnético de que a epífise é a fonte fundamental. As glândulas genitais segregam os hormônios do sexo, mas a glândula pineal, se me posso exprimir assim, segrega «hormônios psíquicos» ou «unidades-força» que vão atuar, de maneira positiva, nas energias geradoras. Os cromossomos da bolsa seminal não lhe escapam a influenciação absoluta e determinada". 

"Segregando delicadas energias psíquicas -prosseguiu ele -, a glândula pineal conserva ascendência em todo o sistema endocrínico. Ligada à mente, através de princípios eletromagnéticos do campo vital, que a ciência comum ainda não pode identificar, comanda as forças subconscientes sob a determinação direta da vontade. As redes nervosas constituem-lhe os fios telegráficos para ordens imediatas a todos os departamentos celulares, e sob sua direção efetuam-se os suprimentos de energias psíquicas a todos os armazéns autônomos dos órgãos. Manancial criador dos mais importantes, suas atribuições são extensas e fundamentais. Na qualidade de controladora do mundo emotivo, sua posição na experiência sexual é básica e absoluta. De modo geral, todos nós, agora ou no pretérito, viciamos esse foco sagrado de forças criadoras, transformando-o num imã relaxado, entre as sensações inferiores de natureza animal. Quantas existências temos despendido na canalização de nossas possibilidades espirituais para os campos mais baixos do prazer materialista? Lamentavelmente divorciados da lei do uso, abraçamos os desregramentos emocionais, e daí, meu caro amigo, a nossa multimilenária viciação das energias geradoras, carregados de compromissos morais, com todos aqueles a quem ferimos com os nossos desvarios e irreflexões. Do lastimável menosprezo a esse potencial sagrado, decorrem os dolorosos fenômenos da hereditariedade fisiológica, que deveria constituir, invariavelmente, um quadro de aquisições abençoadas e puras. A perversão do nosso plano mental consciente, em qualquer sentido da evolução, determina a perversão de nosso psiquismo inconsciente, encarregado da execução dos desejos e ordenações mais íntimas, na esfera das operações automáticas. À vontade desequilibrada desregula o foco de nossas possibilidades criadoras. Daí procede a necessidade de regras morais para quem, de fato, se interesse pelas aquisições eternas nos domínios do Espírito. Renúncia, abnegação, continência sexual e disciplina emotiva não representam meros preceitos de feição religiosa. São providências de teor científico, para enriquecimento efetivo da personalidade. Nunca fugiremos à lei, cujos artigos e parágrafos do Supremo Legislador abrangem o Universo. Ninguém enganará a Natureza. Centros vitais desequilibrados obrigarão a alma à permanência nas situações de desequilíbrio.  Não adianta alcançar a morte física, exibindo gestos e palavras convencionais, se o homem não cogitou do burilamento próprio. A Justiça que rege a Vida Eterna jamais se inclinou. É certo que os sentimentos profundos do extremo instante do Espírito encarnado cooperam decisivamente nas atividades de regeneração além do túmulo, mas não representam a realização precisa". 

Os autores alegam, em relação à curta passagem, que a separação de "hormônios psíquicos" ou "unidades-força" pela glândula pineal, para atuar, de maneira positiva, nas energias geradoras, era uma tese só "confirmada" no trabalho de A. Lerner e outros autores, "Isolation of Melatonin, the pineal gland factor that lightens melanocytes", publicado em 1958 no Journal of the American Chemical Society, entidade sediada hoje em Nova York.

Na segunda e longa passagem, a tese "científica" de "André Luiz" se submete ao panfletarismo religioso, às pregações típicas de um Catolicismo enrustido e bem ao gosto de Chico Xavier, como um remanescente da ideologia medieval adaptada aos tempos atuais, que não chega a classificar a ciência como heresia a ser exterminada, mas a subjuga pelo império da fé católica.

MISSIONÁRIOS DA LUZ NÃO TEM PIONEIRISMO DE 60 ANOS, MAS DEFASAGEM DE DOIS ANOS

Os autores do trabalho da UFJF erram ao definir que os trabalhos sobre glândula pineal publicados nos anos 1940 eram "extremamente escassos e altamente conflitantes", como pretexto para que se considere como "pioneiras" as "teses científicas" notadas no livro de "André Luiz".

Esse erro se dá porque, na verdade, o assunto da glândula pineal foi longamente analisado ao longo dos tempos, e com os conceitos contemporâneos trazidos a partir de René Descartes, e seria impossível que "André Luiz" teria antecipado teses científicas. 

Podemos garantir isso, porque a suposta escassez bibliográfica não impede que tais pontos "complexos" sejam bastante conhecidos. Autores como Wolfgang Bargmann, a partir de 1943, já lançaram trabalhos bastante expressivos que realizaram amplos debates na época, seja por livros ou por artigos.

Chega a ser risível que os autores definam os registros bibliográficos sobre a glândula pineal como "altamente conflitantes", sem descrever em que ponto eles entram em conflito. Primeiro, porque se trata mesmo de um debate, e, segundo, porque em algum momento a "tese de André Luiz" repousa em algum desses documentos publicados antes de 1945.

É bem provável que o livro de Bargmann de 1943, em alguma tradução em inglês, tenha chegado às mãos da FEB. Sabe-se que Chico Xavier tinha boas relações com pessoas que falam inglês e italiano (entre eles o místico espiritualista "independente" - ou seja, não declaradamente "espírita" - Pietro Ubaldi) e, por isso, algum colaborador pode ter fornecido conceitos de Bargmann para o livro de "André Luiz".

A aparentemente pouca escolaridade de Chico Xavier, aliada a um hábito regular de leitura de livros, nada diz de afirmativo ou negativo em si para a "tese pioneira" dos "complexos conhecimentos científicos" que divulgou. 

Em compensação, diz muito o fato de que Chico Xavier trabalhava com consultores literários e científicos, que no caso dos literários o próprio Chico deixou vazar em carta para o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas, tornando duvidosa a veracidade de muitos trabalhos atribuídos à sua suposta psicografia.

No caso de Missionários da Luz, é muito bem provável que as ideias de Bargmann lançadas em 1943 teriam influenciado nos dados citados no livro, que não causam surpresa senão para os leigos, porque a comunidade científica já trabalhava as teses de "André Luiz" muito antes de 1945.

Concluindo: isso faz Missionários da Luz, em vez de ter o alegado pioneirismo de seis décadas, ter, em verdade, uma defasagem de, pelo menos, dois anos. O que tira completamente o mérito da tese dos pesquisadores da UFJF, que analisaram um livro que já apresentava hipóteses testadas e analisadas em 1943 e, muito provavelmente, até antes.

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