quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O desprezo às identidades no Brasil que quer ser o "Coração do Mundo"


Suposta psicografia com a assinatura na mesma caligrafia do suposto médium. Empresas de ônibus diferentes exibindo a mesma pintura padronizada imposta por prefeituras ou órgãos estaduais. Cultura supostamente popular que, na verdade, reflete interesses empresariais ocultos. Rádios para segmentos específicos, como o rock, que nem de longe traduzem a realidade do público enfocado.

O que é a identidade? O que são os desejos, os interesses, os aspectos pessoais? Num Brasil em crise de valores, isso nada vale, ninguém sabe mais o que realmente quer ou deseja, vivemos a crise do desejo, da representatividade, e isso faz com que as coisas se submetam ao império da incoerência, do surrealismo, da mistificação.

Relativizamos demais porque muitos de nós não sabemos sequer o que exigiremos. Por outro lado, as autoridades - como as que impõem a pintura padronizada nos ônibus, vetando a cada empresa a apresentação de sua própria identidade visual (que facilitaria o reconhecimento pelos passageiros) - não sabem o que o povo quer ou não quer e ainda assim querem decidir tudo por ele.

Que Brasil é esse que não conhece a si mesmo? Mesmo o conceito de auto-conhecimento, defendido pelo "espiritismo" brasileiro, mais parece o de auto-conformismo e uma pressão "amorosa" para que aceitemos os piores absurdos, que sejamos prejudicados a todo momento e ainda assim tivéssemos que sorrir o tempo inteiro e orar em silêncio, de preferência agradecendo cada infortúnio que abate nossas almas.

Há muito relativismo, porque uns veem coerência onde não existe, apenas superestimando pequenas semelhanças entre o falso e o verdadeiro. Outros veem altruísmo em seu egoísmo, camuflando seus interesses pessoais em "estudos que verificaram atendimento ao interesse público" por coisas que só atendem ao interesse privado de uns corruptos.

Muitos manipulam as palavras para justificar injustiças graves como se fossem "algo justo". E há gente agressiva, despejando mensagens violentas contra quem arrisca o menor questionamento, ou falsas provas científicas que tentam e alegam conseguir provar o que é impossível de tal condição.

Se vê essa mania toda em vários aspectos da vida no Brasil. Não sabemos o que realmente queremos, o que realmente precisamos, nem como e com que intensidade somos traídos ou prejudicados. Até na chamada "cultura popular", observa-se o "funk" que não passa de um empreendimento empresarial que transforma jovens pobres em fantoches, tido como "livre expressão das periferias".

Que identidade vamos cobrar para uma empresa de ônibus ou para um texto "psicográfico" se muitas pessoas não sabem sequer quem elas são, se camuflando em fakes de Internet ou moldando seus desejos pelo que os executivos de televisão, rádio e imprensa determinam que desejássemos.

Não sabemos o que é verdade. Ela acaba sendo deixada de lado pelo que o establishment define como "verdade", que não passa de um gnomo que some e aparece, que não tem a menor identidade e se camufla nos seus sumiços estratégicos para reaparecer no momento inesperado.

Mentiras e meias-verdades tornam-se "verdadeiras" pela preguiçosa relativização que as pessoas fazem. Nas supostas psicografias, as pessoas se comportam como os juízes de 1944, com medo de analisar os conteúdos, com mais medo ainda de identificar fraudes que prejudiquem a reputação do "bondoso médium" de frases açucaradas despejadas em doses diabéticas nas mídias sociais.

Daí que não temos diversidade, não temos o respeito às diversas identidades. Em pleno século XX, o livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, que se autoproclamava "futurista" e antecipava as "previsões" de Data-Limite Segundo Chico Xavier, negros e índios eram vistos como "animais", num retrógrado preconceito social.

Não sabemos a diferença entre uma cultura artesanal e uma cultura manufaturada. Consideramos o falso como "verdadeiro" por causa de umas leves semelhanças. Achamos que medidas prejudiciais a nós devem prevalecer por causa de um benefício que nunca vem e que acreditamos apenas demorar para chegar. E aderimos ao primeiro demagogo que falar "em nosso favor".

Aceitamos decisões "de cima" sem questionar, apenas por causa de um "critério técnico" aqui, uma "melhor estrutura" ali, uma "garantia de sucesso" acolá. Se uma fábrica lançar uma cicuta com sabores de frutas cítricas diversas, muitos ainda correrão para bares, mercados e farmácias para comprar o veneno achando que é um novo tipo de refresco.

Que condições temos para comandar o mundo, como sonhou tanto Chico Xavier? Não conseguimos verificar irregularidades, absurdos, limitações, prejuízos, aberrações. Construímos uma realidade surreal e consentimos com nossas próprias limitações, sem agirmos contra cada prejuízo que, em doses homeopáticas, se impõe às nossas vidas, para que soframos dor sem gemer.

Quantas famílias desperdiçaram suas lágrimas ao lerem falsas psicografias, que só têm a caligrafia do "médium" (nem Chico Xavier era exceção à regra, aliás ele mesmo era a regra), na ânsia desesperada de saber notícias de seus falecidos entes, dando crédito ao primeiro farsante que escreve usando o nome dos saudosos finados!

E as melhores famílias empurrando pornografia para as crianças, porque acreditaram que os ritmos musicais que a lançaram são "inocentes expressões das periferias", sem medir escrúpulos diante da erotização das crianças e adolescentes, que se refletirá nos piores impulsos sexuais do futuro.

Falta discernimento, questionamento, contestação, análises, desconfianças. Falta esse empenho cético que fez Allan Kardec o pedagogo exemplar que foi, questionador, autocrítico, analisador e verificador das coisas.

Enquanto isso, sobra relativismo, mesmo o relativismo suicida, em que as pessoas se matam aos poucos quando veem sendo prejudicadas em pequenas doses pelas decisões arbitrárias que autoridades políticas, empresários do entretenimento e mesmo líderes religiosos acabam fazendo nas vidas das pessoas comuns.

Dessa forma, o Brasil não poderá sequer pensar em ascensão sócio-política. Sabemos que isso é supérfluo mas, independente disso, o país marcado por essa submissão e falta de coragem para sair das zonas de conforto de "aguentar o pior em doses graduais" não pode sequer fantasiar alguma suposta liderança, porque falta ao povo aprender a conhecer seus próprios interesses e, portanto, não dá para o país ensinar ao mundo aquilo que o próprio Brasil não sabe de si mesmo.

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