domingo, 7 de setembro de 2014

Filme de Buñuel diz mais ao Brasil do que livro de Chico Xavier


No próximo dia 11, serão lembrados os 40 anos de lançamento do filme O Fantasma da Liberdade, que Luís Buñuel lançou em 1974, e que se trata de uma comédia surreal francesa estreada por diversos atores, como Monica Vitti e Adolfo Celi (este o mesmo ator e diretor teatral que viveu um tempo no Brasil e montou sociedade teatral com Tônia Carrero e Paulo Autran).

A comédia é tão surreal que um serviço de TV por assinatura o definiu como drama, provavelmente porque um de seus técnicos foi ver o filme e, parando de ver logo no seu início, quando apareciam soldados do tempo da Revolução Francesa, ele não pôde perceber que esse trecho era de um livro lido por uma empregada doméstica sentada num banco de praça.

Buñuel era um especialista em fazer filmes surreais, que através de narrativas absurdas denunciava a hipocrisia social, a exemplo do que fazia Salvador Dali (parceiro de Buñuel em O Cão Andaluz (Un Chien Andalou), um dos primeiros filmes do cineasta) na pintura e Franz Kafka na literatura.

No Brasil tivemos também o Sérgio Porto que, usando seu codinome humorístico Stanislaw Ponte Preta, escreveu seus Festivais de Besteiras que Assolam o País (FEBEAPÁ - ih, se segura, FEB) para denunciar os absurdos do país nos primeiros tempos da ditadura militar.

Aliás, o filme de Buñuel - cineasta idolatrado por Glauber Rocha, que certa vez assumiu ter se influenciado pelo diretor espanhol - diz muito mais sobre o Brasil do que o livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, obra que Chico Xavier lançou botando na conta de Humberto de Campos e que descrevia baboseiras ufanistas e falsamente proféticas sobre o país.

O Fantasma da Liberdade mostra vários absurdos que se encaixam na problemática brasileira. Um bom exemplo é uma casa de gente abastada que, recebendo convidados, os chama para se sentarem à mesa de jantar para defecar em vasos sanitários colocados no lugar de cadeiras. Quem quisesse, poderia também ir ao banheiro fazer refeições à mesa e sentado numa cadeira.

Há também uma família que vai para a polícia, aflita, denunciando o sumiço de uma garota e descrevendo o incidente para um delegado. A diferença é que a menina desaparecida estava junto com os familiares e eles, surrealmente, a apresentavam ao delegado para ele ter noção da aparência da menina que, ao mesmo tempo, estava desaparecida e estava lá.

Essa passagem denuncia o desprezo familiar a seus entes queridos - que, nos inúmeros descuidos, resultam nos óbitos que morbidamente excitam os espiritólicos, que se "entristecem" mas ao mesmo tempo se sentem seduzidos pela tragédia alheia - , que, mesmo presentes, parecem ausentes, obrigando os familiares buscarem dentro de si mesmos o reencontro dos parentes "abandonados".

Uma passagem antológica, no entanto, está na presença de um franco atirador, que sobe vários andares de um edifício para, armado de um rifle, atirar aleatoriamente contra qualquer pessoa, matando-a. Friamente, ele escolhe o alvo sem qualquer critério aparente, em qualquer pessoa que andasse na rua afora.

Depois o franco-atirador é visto no tribunal, e no fim do julgamento recebe a sentença da pena de morte. Apesar disso, as algemas do condenado são retiradas, ele é solto e ainda dá autógrafos aos fãs, tranquilamente.

Isso lembra a glamourização que se tem de homicidas "ilustres" - como Pimenta Neves e Guilherme de Pádua - , tratados de forma cordial pela imprensa, beneficiados pela impunidade da Justiça e ainda posando de estrelas esbanjando uma certa arrogância e uma obsessão pela popularidade.

Mas há também o lado do "espiritismo" brasileiro, que reduz os homicidas a "justiceiros das faltas passadas", promovendo a impunidade moral na medida em que culpa as vítimas por supostos erros passados e inocenta os culpados porque eles "estavam a serviço das leis de causa e efeito". Motal estranha a dos "espíritas" brasileiros.

No cinema de Buñuel, não só O Fantasma da Liberdade como em outros filmes, há também as denúncias de prostituição nas famílias de elite, de indisciplina militar entre os chefes, nos pecados dos religiosos, nas grosserias das pessoas granfinas, entre outros aspectos da hipocrisia humana.

E isso diz muito no Brasil que, desde os anos 90, sofre de intensa esquizofrenia, resultante de um colapso de valores sociais, políticos, econômicos e de outras naturezas causado pela ditadura militar. E que faz o Brasil ficar muito longe da imagem fantasiosa de "reino de luz" que o "espiritismo" brasileiro, de maneira hipócrita, tentou promover para o país.

Daí a surrealidade do "espiritismo" brasileiro, com suas fraudes pseudo-espirituais, com seus valores retrógrados travestidos de "espiritualidade progressista", com seus médiuns que não são intermediários, pois se tornam os astros mais do que as almas do além e por isso mesmo são anti-médiuns, por serem o centro dos espetáculos "espíritas".

Com tanto moralismo, sensacionalismo e falsidades travestidos de "espiritualidade moderna", o "espiritismo" brasileiro, pela sua trajetória, daria muito bem um filme de Buñuel. Mas ele faleceu há muito tempo, em 1983, e já idoso. 

E, além do mais, Buñuel é uma pessoa muito difícil para ser adaptada para as fraudes mediúnicas dos "espíritas" brasileiros, em que as almas do além são reduzidas a meros garotos-propagandas do misticismo e moralismo religiosos, com prejuízo na manifestação de suas caraterísticas pessoais.

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