sexta-feira, 19 de setembro de 2014
A "patrulha" espiritólica contra a Razão
Com os avanços dos questionamentos a respeito do "espiritismo da FEB" e de movimentos que, embora dissidentes, compartilham de sua visão religiosista, mesmo à maneira de cada facção (baccelistas, conscienciológicos, gasparetistas, ramatistas etc), o "movimento espírita" vive uma situação de pânico que faz com que seus seguidores apelem para a "patrulha".
Cada vez mais surgem sítios ditos "espíritas" - e, pasmem, alguns até razoavelmente anti-espiritólicos - desqualificando o raciocínio científico, ou ao menos relativizando. A "patrulha" espiritólica ou mesmo de espíritas de vontade débil suplicam para que não se invistam contra a supremacia da religião nas abordagens do Espiritismo.
Isso segue uma tendência bastante incômoda no Brasil: a crença cega nas instituições. Também passei por uma experiência em que se questionava muito o poderio midiático, a ponto da Rede Globo de Televisão e da revista Veja quase sucumbirem a uma decadência irreversível, até que depois o status quo da opinião pública começou a reagir.
Em vários setores, da cultura popular à mobilidade urbana, o establishment recuperou fôlego e as mídias sociais mostram uma volta ao obscurantismo e um reacionarismo evidentes, após um breve período de prevalência das forças progressistas.
É certo que muitos erros dos progressistas são cometidos, seja a corrupção nos bastidores do PT, como nas recentes denúncias contra a Petrobras, seja a condescendência intelectual diante de ritmos de valor duvidoso como o "funk" ou mesmo a falta de visibilidade daqueles que lutam contra a supremacia de valores retrógrados, dogmas absurdos e de todo tipo de obscurantismo.
"GOROROBA"
O "patrulhamento" que os "espíritas" brasileiros fazem contra o avanço dos questionamentos científicos revela um sentimento de pavor de parte dos espiritólicos ou mesmo do medo de espíritas com razoável nível de questionamento de ver serem derrubados, de uma hora para outra, totens e paradigmas do chamado "espiritismo" brasileiro.
Mesmo quem questionava Chico Xavier, Divaldo Franco e José Medrado sentem um medo inconsciente de vê-los reduzidos a nada, por conta das fraudes cometidas, revivendo surtos de escândalos que quase derrubaram a FEB, criando dissidências formadas em situações bastante tensas.
Acreditam esses espíritas autênticos mas de vontade débil que basta apenas discordar dos métodos catolicizantes e do excesso de misticismo. Mas que se mantenham os anti-médiuns em seus pedestais e os espiritólicos se limitem a fingir que corrigem seus pontos de vista com uma compreensão mais próxima das ideias originais de Kardec.
Por isso é que se vê, nos chamados "centros espíritas", uma gororoba de valores. Traduções de Herculano Pires dos livros de Kardec lado a lado com traduções de Guillon Ribeiro. Livros de teoria magnetista ao lado de romances "espirituais" como Violetas na Janela. Uns palestrantes evocando o conhecimento científico de Kardec, outros exaltando o religiosismo de Emmanuel.
As pessoas vão a esses "centros" e acham tudo isso natural. Mal sabem o que ocorre nos bastidores. Mal sabem a luta entre a cruz e a espada nos porões da "doutrina de amor e luz", que repetem as polêmicas agressivas entre o religiosista Adolfo Bezerra de Menezes e o científico Afonso Angeli Tortorelli, nas primeiras décadas da FEB.
Nos últimos anos, o que está em jogo é o risco de totens e paradigmas do "espiritismo" brasileiro caírem, dando fim àquela aura dócil que os espiritólicos adoram e que os espíritas pouco questionativos adoram questionar, mas também adoram "odiar" adorando, como se acreditassem que o Kardec autêntico voltasse à tona mesmo com Chico Xavier mantido no seu pedestal.
Mesmo a gororoba "espírita" que mistura teses científicas com fanatismo místico-religioso cria uma falsa impressão de liberdade de crença convivendo harmoniosamente com o conhecimento científico. Só que essa falsa impressão esconde uma abordagem caótica, contraditória e confusa que nada contribui para a valorização de assuntos relacionados à espiritualidade.
"CANTINHO DA ILUSÃO"
O medo que existe nos "espíritas" e nos kardecianos iniciantes se expressa no temor de um impasse, de um clima de instabilidade dentro do "movimento espírita" e na revelação de controvérsias, escândalos e corrupção que botasse a perder a Doutrina Espírita no Brasil, mesmo a que é feita dessa forma tão caótica, contraditória e confusa.
Há o temor de que a ciência eliminasse a emoção, o altruísmo e a filantropia, que o "império da razão" fosse transformar os "centros espíritas" em redutos do ceticismo mais áspero, criando um incômodo àqueles que, concordando ou não, estão acostumados com a água-com-açúcar do "espiritismo religioso".
Querem que fatos e fenômenos nebulosos, que demonstram, até com certa evidência, indícios de fraudes ou deslizes de abordagem, sejam simplesmente aceitos, sem que viva alma se encoraje a fazer qualquer questionamento.
A exemplo do que aconteceu com o Catolicismo medieval, esse temor - que remete aos apelos do reacionário Emmanuel, para "não criticar, mas apenas amar e orar" - faz com que muitos prefiram que mediunidades duvidosas sejam aceitas e conceitos místicos apenas sejam parcialmente discutidos, mantendo a "paz forçada" que sempre foi a finalidade da FEB.
Pouco importa se o espírito Zé da Lábia se passa por algum ilustre famoso, nas mensagens psicografadas, ou se a psicofonia de um fulano famoso não passa de imitação em falsete do anti-médium da hora. Não se deve questionar, mas apenas orar e amar.
Pouco importa se um modelo qualquer encarnado veste roupas brancas, se cobre de lençou e capuz, ou então são usados travesseirinhos brancos com longas gazes em volta e neles se colem fotos impressas de personalidades já falecidas. Não se deve questionar, mas apenas orar e amar.
Pouco importa se as manifestações artísticas supostamente espirituais destoam completamente dos estilos originais dos falecidos atribuídos. Se elas são carregadas de mensagens "fraternais", mesmo que isso não garanta em si veracidade, não devem ser questionadas, mas louvadas e amadas.
Cria-se um "cantinho da ilusão", que transforma o "espiritismo" brasileiro num igrejismo que, em que pese a "zona de conforto" do transe místico-religioso, prejudica toda pesquisa e todo estudo da verdadeira natureza da vida espiritual.
Daí que não é o cientificismo que é arrogante ou rigoroso, mas o religiosismo que monopoliza o "espiritismo" brasileiro, mesmo quando evoca a ciência (de forma pedante e confusa), que da maneira mais presunçosa quer que não raciocinemos, não questionemos, e que deixemos tudo como está, apenas cobrando um faz-de-conta da "recuperação da fidelidade" a Allan Kardec.
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