quinta-feira, 21 de agosto de 2014
Raul Seixas e os "donos dos mortos"
Depois que faleceu, há exatos 25 anos, o cantor baiano Raul Seixas, um dos pioneiros do Rock Brasil, perdeu o controle de sua própria imagem. Ele tornou-se vítima de algo que ele mesmo sabia, que era a hipocrisia que reina sobre certas pessoas em relação aos mortos.
Há poucos dias, faleceu o candidato à Presidência da República pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), o ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Nos funerais, encerrados ontem com o enterro do pernambucano, rivais passaram a dar declarações como se tivessem sido aliados dele, e não seus opositores.
Essa atitude recebeu até mesmo crítica no Jornal do Brasil, e também ocorre em muitos outros casos. E o de Raul Seixas é bastante típico, porque aqueles que hoje querem exaltá-lo e se dizem adeptos e seguidores dele eram os mesmos que o desprezavam e rejeitavam duramente quando ele era vivo.
Na música brasileira, Raul Seixas ganhou seus "donos", os grupos de axé-music que queriam usurpar seu legado só porque são conterrâneos do roqueiro, e as "duplas sertanejas" caricatas e perdidas no pedantismo e na canastrice, embora tenham uma falsa reputação de "grandes artistas" devido ao apoio da grande mídia.
No "espiritismo" brasileiro, Raul Seixas também ganhou "donos", em especial Nelson Moraes, que inventou um tal de Zílio cuja identidade seria atribuída ao roqueiro baiano, sendo este visto de maneira estereotipada e preso ao misticismo que Raul já havia largado por volta de 1978.
Sim, os mortos perdem o controle e viram "propriedade" dos "médiuns", o que põe terra abaixo qualquer condição intermediária atribuída a essas figuras "espíritas". Os "médiuns" se tornam anti-médiuns porque são eles e suas "mensagens de luz" que se sobressaem e se sobrepõem a qualquer suposta aparição ou colaboração de um falecido.
Os mortos se reduzem a garotos-propagandas da religião "espírita" ou "espiritualista", quando neste caso não há um aparente cortejo ao "kardecismo". Mas, independente de se autoproclamar ou não "espírita", o "médium" de plantão já está contaminado e contamina o âmbito da espiritualidade no Brasil.
Os mortos não podem falar, porque, pelo menos no Brasil, há quem fale por eles. Se dá um "branco" na mente de um "médium" - e quase sempre isso ocorre - , ele usa sua imaginação fértil e se passa pelo falecido que "não apareceu".
Mas quase sempre os "médiuns" fazem isso antes de dar um "branco" ou de chegar alguma "alma penada". Ou então quando uma "alma penada" aparece com falsidade ideológica. Em todo caso, o tão esperado ente falecido não aparece, seja por desconfiança, seja por falta de interesse mesmo.
E aí os "donos dos mortos" aparecem, apresentando apenas alguns poucos clichês conhecidos dos personagens evocados. São apenas alguns ganchos para dizer que fulano "apareceu", mas o destaque nem é sua personalidade ou estilo, precariamente evocados, mas as "palavras de amor" nelas contidas.
Os "fins da caridade" justificam os "meios". Pouco importa se o "falecido" apresenta contradições ao que ele sempre foi em vida. Vai o "médium" inventar que ele, tão "preocupado" com a caridade, se esqueceu de seu estilo e sua personalidade. E muita gente acredita, mesmo.
Dessa maneira, afastamos os entes falecidos, por mais que a saudade seja imensa. Eles mantém distância, porque os "canais" de que dispõem não são confiáveis. Além disso, eles nem sempre estão aí para dizer a mesma ladainha tipo "Sofri muito, descobri a luz e o amor e hoje estou melhor".
A redução dos falecidos a meros garotos-propaganda da "religião espírita" os envergonha. Para nós aqui na Terra, tanto fez e tanto faz. Para muitos, pouco importa se o Renato Russo e o Raul Seixas que supostamente se manifestam "do além" são verdadeiros ou falsos. O que se quer ouvir são as "palavras de amor".
No fundo, é a mesma hipocrisia. E num Brasil em que se quer reabilitar medíocres e facínoras, mas se conforma em ver morrer nossos mestres no meio do caminho, as mensagens dos mortos pouco têm valor. Só valem as "palavras de amor" nelas contidas.
Dessa forma, o desprezo que se tem aos que já se foram é muito mal disfarçado por mensagens sentimentaloides e repetitivas. E infelizmente nos acostumamos a ver muita gente preferindo ouvir mensagens se elas são de "amor e paz". O que importa é a "caridade". Os falecidos que se danem, é o que determina os mercadores da espiritualidade.
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