terça-feira, 3 de junho de 2014
FEB não quer que você se manifeste e lute. Quer apenas que você fique "orando pela paz"
Na mensagem divulgada no mês passado, a Federação "Espírita" Brasileira expressou sua posição bastante conservadora e conformista quando João Pinto Rabelo, usando o nome do abolicionista José do Patrocínio, disse para os brasileiros que se apoiam no suposto "espiritismo" fiquem apenas "orando pela paz".
O discurso, que, como dissemos, está mais para cardeal católico do que para líder abolicionista, foi difundido sob o título "Prudência", na verdade condena as manifestações populares e quer que o Brasil fique num clima de passiva alegria em vez de lutar por melhorias.
Em tese, a mensagem da FEB apenas sugere para os brasileiros evitarem as tensões sociais que poderiam comprometer a festa da Copa do Mundo FIFA 2014, a ser realizada em várias capitais brasileiras, a exemplo dos protestos ocorridos durante a Copa das Confederações, no ano passado.
Só que os dirigentes da federação se esquecem que as tensões sociais que acontecem no Brasil são consequência de uma série de irregularidades, desigualdades, erros diversos que as pessoas de diversos tipos cometem, e que geram todo um quadro de violência, vandalismo, tragédias e outras coisas.
É evidente que todos nós desejamos a paz, mas o problema é que existe também a "paz sem voz", conforme lembrou o letrista Marcelo Yuka na letra da música de O Rappa, "A Minha Alma". Há também a paz passiva, a "paz-sividade" que cria uma falsa felicidade, uma "felicidade" um tanto egoísta, de achar que tudo está lindo enquanto a coisa está feia no lado de fora.
O Brasil ainda sofre, só para se ter uma ideia, as sequelas dos 21 anos de ditadura militar que ocorreram, e, desde os anos 90, do processo intenso e quase totalitário de imbecilização sócio-cultural às custas de uma mídia e de um mercado que são controlados por oligarquias sob a colaboração de gerentes, dirigentes e celebridades que "compram" até o apoio de intelectuais e acadêmicos.
Acumulamos uma série de retrocessos, que em muitos casos os progressos institucionais que conquistamos não compensam. Isso porque a "cultura popular" que temos é extremamente ruim, as medidas reformistas do Governo Federal e seus seguidores regionais são meramente paliativas e até o nosso ativismo social é corrompido pelo apoio, por exemplo, a funqueiros e mulheres-objetos.
Isso fora a impunidade, as injustiças dentro da própria Justiça, a corrupção institucionalizada e vista quase como uma etiqueta social para certos ambientes profissionais, dessas que você é constrangido caso se recusar a participar.
Tudo isso gera muitas tensões, muitos problemas, muita violência e muita desordem. Daí as reações diversas, do protesto pacífico aos vandalismos, da corrupção aos crimes individuais. Protestos negativos e positivos, como em todas tensões que reúnem forças antagônicas.
Essa é a Copa do Caos, só para usar o título de uma minissérie cômica da MTV Brasil. Por isso não há como ficarmos "orando pela paz", como recomendou o suposto "José do Patrocínio" que ainda fala em defesa do sinistro "anjo Ismael".
O que devemos fazer é trabalhar para resolver as centenas de problemas acumulados no Brasil nos últimos 50 anos, mesmo que o preço disso seja criar conflitos e novas tensões. Paciência. Há quem se beneficie com esses retrocessos e não quer "largar seus ossos".
O próprio Jesus já veio com esse objetivo. Ele não ficou "orando pela paz". Tornou-se ativista social num tempo ainda mais brutal que hoje, num Oriente Médio que sempre foi explosivo e tragicamente conflituoso, não teve medo de criar tensões e controvérsias e foi condenado por ameaçar os interesses exploradores do Império Romano.
Por outro lado, a própria FEB contribuiu para esses retrocessos, apoiando cenários políticos autoritários e se utilizando de crenças religiosas herdadas do catolicismo medieval e inquisidor, que havia exercido seu poder à custa do sangue de muitos inocentes.
A FEB se apoiou em ideias e procedimentos herdados de gente que defendia a escravidão e a queima de hereges ao ar livre. A FEB se apoiou em dogmas "cristãos" do Império Romano, apoiou ditaduras, respaldou o coronelismo e continua pregando um moralismo piegas e rígido que nada contribui para o progresso real da humanidade, mesmo se apenas no Brasil.
Por isso, que "paz" é essa que a FEB tanto fala? E que ainda atribui, de forma tão equivocada, ao nome de um militante abolicionista, José do Patrocínio, que em nenhum momento escreveria uma mensagem dessas?
Simples. É uma "paz" sem voz, uma paz forçada, que não receberá a adesão de todos, porque não é uma paz que resolva problemas, que liberte, que mobiliza. É uma paz que aprisiona, criando a alegria do nada, que investe no conformismo e na passividade. E que num momento ou em outro será deixada de lado quando explodirem as tensões que muitos se recusaram a resolver.
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