segunda-feira, 2 de junho de 2014

Espiritolicismo usa falecidos para fazer proselitismo religioso

SE O VERDADEIRO ESPÍRITO DE JOSÉ WILKER APARECER FAZENDO UM DISCURSO RELIGIOSO DE "AMOR E LUZ", PODE CRER, É IRONIA NA CERTA.

O "espiritismo" brasileiro fez piorar a situação das pessoas falecidas, já que elas já perdem o controle de suas imagens e seus legados aqui na Terra, imagine então se seus nomes e suas imagens são usados indevidamente para promover, na prática, proselitismo religioso às custas de mensagens panfletárias sobre "amor, luz, caridade e fraternidade".

As tragédias humanas causam tantos problemas que, dentro ou fora dos ambientes espiritólicos, há todo tipo de problema. Seja na visão um tanto distorcida que parentes dos falecidos têm de seu legado, seja nas supostas mensagens "mediúnicas" em que necessariamente o "de cujus" reaparece falando uma mensagem religiosa que não obstante é exageradamente piegas.

No momento, vemos desde o litígio entre os remanescentes da Legião Urbana, Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos, e o filho do falecido vocalista Renato Russo, Giuliano Manfredini, até a suposta psicofonia atribuída ao abolicionista José do Patrocínio pedindo para que oremos pela paz durante a Copa.

No primeiro caso, o que se observa é a obsessão de Giuliano em trabalhar sozinho a marca Legião Urbana, embora tenha convivido pouco com o pai e, em que pese o mérito da afeição e admiração profundas por ele, sua visão sobre a natureza artística da Legião Urbana é superficial e equivocada, a ponto de fazê-lo convidar Ivete Sangalo (?!) para duetar com um holograma do falecido cantor.

Para quem não sabe o que é holograma, trata-se de uma montagem digital, uma espécie de animação por computador baseada em uma seleção de movimentos e posições deixadas pela imagem antiga da personalidade falecida. Freddie Mercury, do Queen, e Elvis Presley foram os pioneiros. No Brasil, Cazuza e Renato Russo tiveram hologramas feitos para apresentações de tributo.

Neste caso, a disputa judicial leva em desvantagem justamente dois músicos que conviveram artisticamente com Renato e com ele são responsáveis pela maior parte dos clássicos da Legião Urbana. Podem não ser parentes, mas pesa sobre eles o mérito de serem co-responsáveis do legado artístico de Renato Russo, mais do que os familiares que não tiveram esse tipo de convivência.

Mas, infelizmente, não há como controlar a imagem de falecidos com isenção. Ocorrem litígios não só pelo legado deixado pelo falecido, mas pela personalidade da pessoa. Qualquer um faz o que quer com o falecido, e mesmo seus parentes mais chegados não conseguem compreender realmente o que o finado pensava ou sentia na vida.

A coisa ficou tão séria que a gente até imagina se muitos comediantes de stand up comedy em potencial estão escondidos em supostos médiuns que dizem incorporar vozes de antigas personalidades. Isso porque veiculam mensagens duvidosas e timbres também misteriosos, sobretudo de gente que viveu antes da popularização das tecnologias de imagem e de som.

O "espiritismo" brasileiro piora as coisas, na medida em que usa qualquer personalidade falecida para mandar supostas mensagens fraternais que na prática soam apenas como propaganda religiosa, como proselitismo feito em nome da fé.

Daí que fica muito estranho que, se levarmos em conta as supostas mensagens espirituais difundidas, os falecidos necessariamente se comuniquem conosco sempre com palavras de cunho místico, religioso, falando em "fé", "preces", "fraternidade" e outras coisas.

Pode até ser Che Guevara, Joey Ramone ou Bon Scott (primeiro vocalista do AC/DC) que a regra é a mesma. Todos mandando mensagens como se os Mamonas Assassinas de repente tivessem se convertido para a Renovação Carismática, facção mais festiva do Catolicismo.

Por isso vemos situações constrangedoras, em que um suposto Raul Seixas, adotando o codinome de Zílio, se manifesta de forma caricata, como se ainda fosse um Raulzito dotado de inspirações místicas, mas distorcido numa pieguice religiosa dotada de uma puerilidade que o roqueiro baiano não tinha, sobretudo no final da vida, quando Raul estava mais sarcástico e cético em relação a muitas coisas.

A falta de controle se deve sobretudo ao pouco conhecimento dos "espíritas" quanto à personalidade dos falecidos ilustres, a desinformação acerca de muitos detalhes pessoais. São sutilezas, aliás, ou nuances nem sempre tão sutis assim, que escapam à mente do "médium" que, num pequeno deslize, deixa a fraude ocorrer, que pode gerar efeitos bastante nocivos aos entes dos falecidos.

É o caso de parentes que deixam se comover com mensagens "amorosas" de espíritos farsantes e são contagiados de todo um clima de emotividade produzido. Isso é terrível, porque o verdadeiro espírito do ente falecido é deixado para trás por um farsante, encarnado ou desencarnado, que se passa pelo finado querido.

O espírito do além é reduzido, em tese, a um suposto garoto propaganda da "doutrina de amor e paz" do Espiritolicismo, com sua mensagem panfletária, piegas e mística, docilmente moralista. A esfera de emotividade seduz muita gente, enquanto o verdadeiro falecido, que quer se comunicar, é deixado de lado por causa de outro que se passa por ele.

Nem todo mundo do além se dispõe a mandar uma mensagem religiosa. E o contexto pode sugerir até mesmo certas ironias. Por exemplo, um ator como José Wilker, de admiráveis tiradas irônicas que seu grandioso talento pôde nos mostrar, só iria mandar mensagens religiosas como as "espirituais" que conhecemos se for para tirar um sarro ou fazer alguma ironia.

Portanto, devemos desconfiar sempre. Não é o "clima de amor e paz" que garante a veracidade das manifestações "espirituais". Um José do Patrocínio falando como se fosse cardeal da Santa Sé, um Rafael Mascarenhas escrevendo como se fosse coroinha de capela do interior, um Raul Seixas escrevendo como se fosse um debiloide astrológico, tudo isso requer cautela. E um pé atrás.

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