sábado, 3 de maio de 2014

Mensagens espirituais e a necessidade de comprovação

RECENTEMENTE, UMA MENSAGEM ATRIBUÍDA AO ESPÍRITO DA ATRIZ LEILA LOPES FOI DIVULGADA NA MÍDIA.

O Espiritolicismo, infelizmente, banalizou tanto a questão das mensagens espirituais, abandonando de vez todo o método cauteloso recomendado pelo professor Allan Kardec, que hoje tais mensagens deveriam ser vistas mais com cuidado do que com qualquer confiabilidade.

Recentemente, foi publicada na mídia uma mensagem atribuída à atriz Leila Lopes, falecida em dezembro de 2009 por suicídio. Na suposta mensagem, Leila teria dito que "está bem" e que ficou sensibilizada com as preces que foram feitas por ela.

Não se está aqui para julgar se a mensagem da suposta Leila Lopez é verídica ou não, mas o que se sabe é que, no âmbito da psicografia ou psicofonia tal como são feitas no Brasil,  independente do certo e do errado é preferível considerar incerto, exigindo comprovações até quando as mensagens possam realmente ser de espíritos a ela atribuídos.

O grande problema é que tudo virou bagunça. Notemos, em primeiro lugar, os chamados "livros psicografados". A situação, popularmente falando, está "ao Deus dará", já que existem livros "ditados", outros "inspirados", além de diversos equívocos quanto ao estilo, às informações e até ao contexto associado a cada um dos diversos aspectos irregulares envolvidos.

Por exemplo, como é que um Nelson Moraes iria psicografar um Raul Seixas por demais místico e religioso se o próprio cantor baiano, no final de sua vida, abandonou aquele misticismo expresso nos seus maiores clássicos nos anos 70, preferindo um pessimismo ao mesmo tempo cínico e irônico expresso em canções como "Rock'n'Roll" e "Muita Estrela, Pouca Constelação"?

Será que houve manuscritos que comprovem que o espírito realmente escreveu aquilo? E que critérios permitem que é o próprio autor que realmente ditou alguma obra? Até que ponto se pode divulgar uma mensagem espiritual com a caligrafia do médium ou se a caligrafia diferenciada é imitação feita por ele? Como se podem identificar as mensagens realmente dos espíritos atribuídos?

E se o processo de mensagens espirituais está sujeito a fraudes diversas e sofre de qualquer falta de critério ou regulação, então é praticamente impossível que alguma mensagem espiritual seja difundida no Brasil de forma absolutamente confiável?

Se vemos estrelas do "espiritismo" consideradas "renomadas", como Divaldo Franco e José Medrado, brincarem de "imitar Bezerra de Menezes" enganando milhares de fiéis, ou Divaldo e Chico Xavier plagiando obras literárias para produzir supostos livros psicografados, então a coisa fica muito, muito grave.

ALLAN KARDEC REJEITOU MUITAS MENSAGENS "ESPIRITUAIS"

O professor Allan Kardec foi um incansável cientista que, seguindo a tradição de René Descartes, conhecido pensador compatriota seu, portanto francês, sempre apostou na dúvida como forma de buscar o conhecimento. A dúvida, em si, nada tem de ofensiva, mas desafia o interlocutor a comprovar alguma hipótese ou convoca todos à análise e verificação criteriosa de qualquer fenômeno.

Kardec, como um pesquisador, observou até mesmo o entretenimento, de valor duvidoso, das mesas girantes, assim como apreciou muitas mensagens espirituais obtidas de diversos médiuns. Com a objetividade de um intelectual cauteloso, Kardec rejeitou várias delas, por não observar nelas a veracidade necessária para sua comprovação e validação.

Por isso, ele elaborou seus famosos livros com muitíssimo cuidado. Sua produção foi relativamente demorada e Kardec ainda tinha a Revista Espírita (Revue Spirite, no original) para explicar muitas das ideias novas da pesquisa espírita e esclarecer dúvidas e questionamentos alheios.

O próprio Livro dos Espíritos, lançado em 1857, só lançou sua edição definitiva, a que se encontra acessível até nós (na tradução brasileira, a melhor é a de José Herculano Pires, fiel ao texto original e com notas explicatórias do tradutor), em 1860, com questões a mais devido aos questionamentos recebidos pelo professor lionês.

O processo mediúnico foi claramente explicado por Kardec no Livro dos Médiuns, de 1861. Em razão dos recursos técnicos da época, em que a mídia moderna, tal como entendemos, só se manifestava através da fotografia, uma tecnologia luxuosa da época (hoje qualquer um pode ser fotógrafo e fazer até seus famosos "selfies" pelo celular), ele julgava difícil atribuir uma mensagem espiritual à identidade supostamente atribuída por um espírito.

Como alternativas, Kardec recomendava que se recorresse a diferentes médiuns, de preferência sem qualquer vínculo entre si, para receber mensagens espirituais atribuídas a alguém. A diversidade de médiuns permitiria a avaliação de cada mensagem recebida, e se não houver qualquer conflito lógico entre o conteúdo delas entre si e a pessoa que o suposto espírito foi em vida, a mensagem tem mais chances de ser verídica.

Hoje temos a Trans-comunicação Instrumental (TCI), que possibilita colher imagens e até sons que possam ser de determinados espíritos. Mas, ainda assim, a cautela recomendada por Kardec continua valendo inteiramente, porque não adiantam as melhores tecnologias se os métodos de investigação se tornam frouxos e sem qualquer tipo de cautela.

Esse é o problema no Brasil. Que mensagens espirituais podem acontecer? Ninguém desconfia. Se qualquer um que tenha um mínimo de carisma e popularidade e se dizer médium vier com um texto apócrifo e dizer, por exemplo, que é uma mensagem do ator José Wilker, todo mundo vai acreditar, mesmo que o saudoso ator esteja associado a uma mensagem espiritual que tem muito mais a ver com um padre católico.

Daí mais um problema: as tais "palavras de amor". Se fulano escreve coisas "amorosas", tudo vale, por mais que apresentem contradições sérias. Só mesmo quando a coisa pega extremamente mal, como a do pseudo-Kardec das mensagens da FEB, é que as supostas mensagens são descartadas e caídas no esquecimento.

Portanto, toda vez que houver uma mensagem espiritual, é bom que os entes queridos do suposto ator, antes de se sentirem confortados com as palavras carinhosas, exijam alguma investigação séria. Não se pode iludir com as semelhanças de estilo com a da pessoa atribuída, porque em muitos casos pode haver imitação.

A necessidade, portanto, é ter cautela. Verificar se não existe alguma contradição sutil, se o espírito não está sendo "religioso demais" em relação ao que ele foi em vida - a essas alturas até o ateu Karl Marx poderia "aparecer", no Brasil, com mensagem mediúnica falando como um papa católico - , se houve manuscrito do espírito ou se o ditado espiritual tem alguma veracidade.

O "espiritismo" brasileiro fala muito em ciência, enfeita capas de livros e ilustrações de eventos com cabecinhas flutuantes, formas geométricas, desenhos astronômicos e evoca cientistas diversos que desfilam solenemente nos textos lançados em publicações ditas "espíritas".

No entanto, lhe falta completamente a verdadeira ciência: a da averiguação, da pesquisa, do questionamento. Falta o processo da dúvida como um meio de obter a verdade e tirar do interlocutor a informação de que o que ele fez foi verdadeiro ou falso. Isso não é uma calúnia, mas algo que está presente até mesmo na mais refinada filosofia do mestre Sócrates.

Duvidar, no processo científico, não é ofender. Exigir provas de que uma mensagem espiritual é autêntica ou não é um processo de pesquisa, para saber se o processo foi verdadeiro ou não. Em vez de nos preocuparmos com as "palavras de amor", devemos verificar se o espírito que nos falou foi realmente aquele que pensamos ter falado.

Se não nos acautelarmos diante de possíveis fraudes, corre o risco dos entes queridos ficarem felizes recebendo a mensagem de um farsante. E aí existe o mal maior, o de que o verdadeiro espírito de alguém falecido ficar muito triste por não poder comunicar com seus amigos e parentes, enquanto um outro alguém se passa por ele e manda mensagens que são tidas como verídicas.

Alguém gostaria de receber uma carta de alguém que se passa por um grande amigo e imita sua caligrafia e acreditar que foi esse amigo que escreveu? Ou um telefonema de um ladrão que roubou o celular de alguém e sabe imitar a voz e os trejeitos da vítima e se passar por ela e dizer que "está tudo bem"? Nas mensagens espirituais, é a mesma coisa!!

Portanto, isso é uma coisa muito séria e muito grave para que fiquemos brincando alegremente com "lindas palavras de amor".

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